ADVERTISING AT ANY COST? REFLEXIONS ON THE FREEDOM OF COMMERCIAL SPEECH
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505241833
Caio Victor Bulla de Carvalho1
Resumo
O presente trabalho visa a verificar a existência da liberdade de expressão comercial pela análise do confronto entre a liberdade de expressão e da publicidade. Para tanto, usar-se-á a metodologia da revisão bibliográfica. Inicialmente, traça-se um breve perfil da liberdade de expressão e de seu conteúdo, relacionando também seus fundamentos. Em seguida, examina-se a disciplina jurídica da publicidade, em especial suas funções, princípios jurídicos e a legislação pertinente. Busca-se ainda comprovar a capacidade da publicidade de gerar dano e a constitucionalidade das restrições que a lei impõe ao mercado publicitário. Diante da confirmação de que a publicidade não se adequa aos fundamentos da liberdade de expressão e de que a sua função persuasiva predomina em relação às funções informativa e artística, afirma-se que a mensagem publicitária não faz parte do sistema da liberdade de expressão. Além disso, relacionam-se as grandes divergências existentes entre a publicidade e a liberdade de expressão, demonstrando-se que até a lei dá tratamento jurídico diferenciado aos dois institutos. Portanto, o raciocínio desenvolvido permite concluir que inexiste a liberdade de expressão comercial, tanto sob o viés lógico-jurídico, quanto sob a perspectiva legal.
Palavras-chave: Liberdade. Expressão. Publicidade.
Abstract
The present study intends to verify the existence of the freedom of commercial speech by analyzing the comparison between speech freedom and advertising. For that, it will use the literature review method. Initially, it works out a brief profile of the speech freedom and its contents, also registering its fundamentals. Then it examines the legal regulation of advertising: its functions, legal principles and relevant legislation. Still pretends to prove the capacity of advertising to produce damage and the constitutionality of the restrictions that the law imposes on the advertising market. Before the confirmation that advertising does not fit the fundamentals of speech freedom and that its persuasive function predominates over the informative and artistic functions, it asserts that the advertising is not part of speech freedom system. Also, it expounds the great differences between advertising and speech freedom, demonstrating that the law gives a different treatment for both institutes. Therefore, the reasoning leads to the conclusion that there’s no freedom of commercial speech, both in the logical juridical outlook, as from a legal perspective.
Keywords: Freedom. Speech. Advertising.
1 INTRODUÇÃO
Diante da constatação de que a publicidade é um dos grandes suportes no qual se apoia o sistema econômico em vigor e que, hodiernamente, atingiu um estado de quase onipresença, potencializando o seu efeito persuasivo, fez-se necessário investigar como a importância da publicidade no mundo da realidade fática se reflete no mundo jurídico.
Percebe-se, no que se refere à publicidade, a existência de duas forças opostas em conflito, uma delas bradando pela maior liberdade possível para a atividade e a outra exclamando a imperiosa necessidade de sua regulamentação.
Colocar-se dentro deste embate consiste, afinal, em tentar decifrar como o Direito enxerga o discurso publicitário, pois a grande bandeira levantada contra as eventuais limitações que se lhe possam impor é a de que tal discurso constitui uma das manifestações da liberdade de expressão, a chamada liberdade de expressão comercial. Até agora, esta posição defendida com afinco pela própria indústria publicitária, de grande influência econômica e política, conseguiu conter de maneira eficiente várias propostas que visavam a restringir a publicidade de alguma forma. Frente a este panorama de acirrada discussão, o principal interesse do presente exame será a existência ou não da liberdade de expressão comercial.
Para se chegar à solução do impasse, será preciso pesquisar a liberdade de expressão e a publicidade separadamente, para depois confrontá-las. Neste sentido, a primeira questão que se impõe é sobre quais são os fundamentos que legitimam a liberdade de expressão.
No que tange à publicidade, as principais indagações são a respeito das suas características essenciais e sobre qual é o tratamento que o ordenamento jurídico lhe confere. Por fim, a grande pergunta, no título, reflete o escopo desta monografia: “Publicidade a qualquer preço?”. Ou seja, quer-se determinar se há ou não a liberdade de expressão comercial e se, portanto, a atividade pode ou não ser limitada.
Pretende-se, pela investigação dos fundamentos da liberdade de expressão, pela definição do conceito da publicidade e pela pesquisa do seu regime no âmbito da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor, alcançar o grande objetivo de comprovar a existência ou não da liberdade de expressão comercial. Para tanto, o método de investigação utilizado, essencialmente, foi a revisão bibliográfica, através da pesquisa teórica de obras e documentos relacionados à temática.
2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A liberdade de expressão é um direito fundamental do ser humano, decorrente da sua dignidade, que é levantado como um escudo contra a restrição da publicidade. Trata-se de uma das liberdades eleitas e garantidas pelas ordens constitucionais democráticas, de valor superior às normas infraconstitucionais, para que subsistam mesmo que uma posição contrária a esse direito seja aprovada pelo poder legislativo (MARTINS NETO, 2008, p. 26).
A Constituição Federal do Brasil cuida de forma direta da liberdade de expressão em seu art. 5º, incisos IV e IX, dispondo que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, além de proteger, em seu art. 220, contra qualquer restrição, observado o disposto na Constituição, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo. Garante também a plena liberdade de informação jornalística e ainda veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”, conforme §§ 1º e 2º deste último dispositivo.
Neste sentido, vê-se que o sistema de proteção à expressão na ordem constitucional pátria blinda, sem distinções, a manifestação do pensamento, como exteriorização de uma opinião, argumento ou juízo de valor, às atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, que representam variadas formas de criação, além das expressões e informações em geral (ademais, especificamente, cita a informação jornalística).
Essas convicções, comentários ou avaliações, e até expressões não verbais como os comportamentos e imagens, enquanto não conflitarem com outras liberdades, direitos fundamentais ou quaisquer valores constitucionalmente estabelecidos, mesmo que não envolvam assunto de interesse público ou que não carreguem em si conteúdo de importância ou de valor, são tuteladas pela garantia da liberdade de expressão. Na qualidade de direito fundamental, esta liberdade reside na aspiração de que o Estado não exerça censura – a aprovação oriunda de “ação governamental, de ordem prévia, centrada sobre o conteúdo de uma mensagem” (BRANCO; MENDES, 2012, p. 391-393) – nem quanto à produção de obras intelectuais, científicas ou filosóficas e nem quanto à sua divulgação. Por conseguinte, a liberdade de expressão, através das manifestações do pensamento, artísticas, científicas e de comunicação, é considerada como aspecto externo da liberdade de opinião. Cabe, outrossim, ressaltar, afora o direito de se comunicar sobre qualquer tema como portador da mensagem (indivíduo ou instituição), o outro polo da liberdade de expressão, que é participar “de relações comunicativas […] como destinatário (ouvinte, leitor, espectador)” (MARTINS NETO, 2008, P. 27-28).
2.1 FUNDAMENTOS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A discussão doutrinária tem se consolidado em torno de quatro fundamentos principais da liberdade de expressão: a busca da verdade, através do avanço do conhecimento; a realização do processo democrático; a satisfação pessoal oriunda da autonomia individual; e o argumento que discorre acerca da transformação pacífica da sociedade, por meio da acomodação de interesses e da educação para a tolerância.
Primeiramente, deve-se proteger a liberdade de expressão porque ela é essencial para a criação de um ambiente propício ao avanço do conhecimento, e, finalisticamente, à persecução da verdade.
Neste sentido, a melhor, quiçá a única forma de se verificar a verdade, ou de provar a relevância de um pensamento, seria promover um debate robusto, desinibido e livre. (BRANCO; MENDES, 2012, p. 391; SANKIEVICZ, 2011, p. 26). Este é o ponto central de uma das mais importantes doutrinas acerca da liberdade de expressão já desenvolvidas, que se relaciona intimamente com a busca pela verdade, o chamado mercado de ideias (em inglês, conforme concebido, marketplace of ideas) (CHEQUER, 2011, p. 17). Concebe-se um espaço de livre circulação de ideias, capaz de se autorregular pelo confrontamento entre elas, choque do qual surgiria a verdade. Não se nega a possibilidade de um bom funcionamento do modelo, mas, para tanto, seria indispensável o requisito ainda não alcançado da participação igualitária de todos os atores sociais. Esta seria uma das “falhas de mercado” (SANKIEVICZ, 2011, passim) decorrentes de uma visão liberal extremada.
Por outro lado, não há como se fazer objeções a outros benefícios originados pelo trânsito desembaraçado de expressões. Este dá suporte à propagação de uma gama ilimitada de temas, inclusive os de ordem moral, filosófica, política, entre outros, que caracterizam uma função educativa e cultural da liberdade em tela. Ademais, com a possibilidade de ampla interação entre pensamentos distintos e interferência mútua entre eles, garante-se a diversidade e o desenvolvimento das opiniões e, consequentemente, o avanço da humanidade como um todo. Logo, a liberdade de expressão se consubstancia em, mais do que um proveito individual, um benefício social (CHEQUER, 2011, p. 22; MARTINS NETO, 2008, p. 54-55).
Outro fundamento que integra o âmago da liberdade de expressão é a sua participação na realização do processo democrático. Este aspecto é um dos responsáveis pelo surgimento dos Estados democráticos de direito, garantidores das liberdades civis, e se consolida com estes, caracterizando a liberdade de expressão como condição necessária para o correto funcionamento da democracia, no sentido da possibilidade de um povo se autogovernar, exercendo a sua soberania. Desse modo, “a principal serventia da liberdade expressiva seria construir a democracia e garantir os direitos fundamentais. O civismo seria, nessa perspectiva, o grande momento da liberdade de expressão” (PEREIRA JÚNIOR, 2011, p. 31-32).
Apesar das distorções possíveis diante de fatores como a influência da mídia de massa e as novas tecnologias de propagação de informação, a liberdade de expressão cumpre funções capitais no estabelecimento da democracia, a saber: colaborar para a decisão consciente e ampla e livremente informada acerca da eleição de representantes, assim como de outros temas da esfera pública; tornar possível a influência da sociedade nas políticas governamentais, engrandecendo o debate com a participação de todos os interessados; materializar o controle social que possibilite a substituição de autoridades públicas, bem como a aniquilação de atos de improbidade; identificar interesses particulares contrários aos interesses sociais; diminuir reações violentas visando maior participação no poder ou para atrair atenção a alguma reivindicação (MARTINS NETO, 2008, p. 49); aumentar o predomínio da comunidade na definição da agenda política, para que sejam inseridas na discussão as suas reais necessidades; incluir as minorias políticas na realização de todas as outras funções, para qualificar o processo democrático e tornar mais justa a decisão majoritária.
Este variado leque de serventias da liberdade de expressão a justificam como o supramencionado direito negativo e de todo indivíduo a se opor ao Estado, considerado, em âmbito constitucional, como governo da maioria. Ainda mais, trata-se da garantia de que o Estado não censurará qualquer discurso que ele desaprove (MARTINS NETO, 2008, p. 51-52; SANKIEVICZ, 2011, p. 33).
Por outro lado, o fundamento da autonomia individual e autorrealização concebe a liberdade de expressão sob um viés não instrumental, e sim como valor e fim em si mesma, sem se justificar primordialmente pela consecução de outro objetivo importante, como a realização democrática ou a busca pela verdade, mas sim porque “o respeito ao indivíduo leva, consequentemente, à proteção das comunicações que definem, desenvolvem ou protegem o seu ser” (SANKIEVICZ, 2011, p. 22). É decorrência direta da dignidade da pessoa humana e corresponde a uma das suas mais importantes concretizações.
A autonomia de consciência é a liberdade que traduz o traço distintivo da racionalidade humana frente à natureza, por meio de uma esfera de pensamento íntimo que abrange crenças, ideais, opiniões, sentimentos, entre outros. Para realizar plenamente essa condição humana de características e potencialidades, faz-se necessária a possibilidade de expressão dessa consciência interior. Seriam reconhecidos como legítimos, então, todos os pensamentos, não obstante pudessem causar benefícios ou malefícios para a sociedade. Partilhariam do reconhecimento de legitimidade até mesmo aqueles pensamentos considerados incabíveis, uma vez que correspondem aos pendores e à realização da autonomia do indivíduo, face da sua dignidade.
Diante disto, considera-se a liberdade de expressão como verdadeiro imperativo moral, decorrente da natureza humana e sua genuinidade e da exigência de respeito à autonomia individual. Caso contrário, prejudicada estaria a autorrealização do indivíduo. Identificam-se, ainda, dois alicerces para este ditame: o princípio da isonomia, segundo o qual todos têm o direito de se fazer ouvir, quaisquer que sejam seus pontos de vista, e a promoção do bem-estar da pessoa, intuito do Estado democrático de direito e da sociedade que vive esses preceitos.
Finalmente, um argumento que vem ganhando força para fundamentar a liberdade de expressão é a sua contribuição para a transformação pacífica da sociedade, através da promoção da tolerância. Neste ponto, combateria a tendência da chamada tirania da maioria em impor as opiniões e sentimentos dominantes como regras de conduta à minoria.
O crescimento da tolerância política pode ser obtido através da constante exposição a ideias divergentes, o que inclina as pessoas a respeitarem mais outras opiniões e a, inclusive, refletir sobre a sua admissibilidade. Tal processo traria ainda ao indivíduo o importante efeito da aceitação de se propagarem os direitos civis a grupos com ideologias opostas às suas próprias visões, contribuindo para o estabelecimento do sistema democrático (SANKIEVICZ, 2011, p. 42). Por esse motivo, a tolerância pode ser considerada uma consequência inevitável de um nível de progresso da humanidade em que a liberdade de expressão seja respeitada e exercida de forma ideal. Salienta-se que o discurso não pode fomentar a tolerância se ele próprio não apresentar essa característica.
Em um espaço marcado pelo respeito e confiança entre as pessoas, a liberdade de expressão proporcionaria mais chances de ajuste do que a sua supressão, concorrendo para a pacificação da sociedade a acomodação de interesses em conflito, reduzindo os embates (CHEQUER, 2011, p. 33; PEREIRA JÚNIOR, 2011, p. 33). Dessa forma, funcionaria como fiel da balança entre a estabilidade social e a sua transformação pacífica, já que, sob o domínio da razoabilidade, as alterações necessárias na vivência da comunidade se sedimentariam sem a ocorrência de reações violentas por parte da população.
3 CONCEITO E FUNÇÕES DA PUBLICIDADE
Primeiramente, para se definir o âmbito de alcance do presente estudo, cabe ressaltar a diferenciação estabelecida por parte da doutrina nacional, e até pelos próprios publicitários, entre publicidade e propaganda, embora, na prática comercial, as duas expressões sejam usadas como sinônimos. Aliás, a própria legislação brasileira faz essa confusão, não se atendo ao rigor terminológico e tratando a publicidade comercial por propaganda comercial no art. 220, § 4º, da CF, e dispondo sobre a contrapropaganda nos arts. 56, inciso XII, e 60 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Entretanto, em suma, a publicidade relaciona-se à divulgação de produtos, serviços ou empresas e à valorização de suas qualidades, visando ao aumento de seu consumo, a ampliação da admiração pelo anunciante, ou até o estímulo a um determinado estilo de vida, com objetivo comercial ou profissional, enquanto a propaganda trata da divulgação de ideias filosóficas, cívicas, políticas, éticas e religiosas, para influenciar a sua adesão, a princípio sem interesse econômico (BENJAMIN, 1994; DIAS, 2011, p. 21-24; FEDERIGHI, 1999, p. 66-68; HENRIQUES, 2010, p. 38).
Diante da distinção da publicidade e da propaganda com base no propósito econômico daquela, além da supracitada inaplicabilidade das normas protetivas do consumidor à propaganda, delimita-se o interesse da presente investigação no âmbito da publicidade comercial. Excluir-se-á da análise, portanto, a propaganda ideológica, já que esta em muito se assemelha a outras espécies de discurso, não merecendo tantas distinções quanto se impõe à publicidade.
A publicidade, então, “pode ser conceituada como o meio de divulgação de produtos e serviços com a finalidade de incentivar o seu consumo […] através do qual se leva ao conhecimento dos consumidores em geral a existência de bens e serviços a serem examinados e eventualmente adquiridos” (DIAS, 2011, p. 21); ou então como “ato lícito, efetuado às expensas do fornecedor, que visa levar ao conhecimento exclusivo do público consumidor uma imagem ou uma mensagem com um conteúdo informativo, com fins econômicos destinados a fomentar direta ou indiretamente a realização de negócios jurídicos de consumo” (MARTINEZ, 2006).
Em uma definição legal sem o rigor técnico da distinção com a publicidade, a Lei nº 4.680/65, que dispõe sobre o exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda, estabelece que “compreende-se por propaganda qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado”.
Inerente ao conceito de publicidade, portanto, está a sua finalidade econômica e não há como separá-la desta meta, já que ela tem como alvo o desejo do consumidor, a geração de intenção de compra. Para tanto, a publicidade insere em suas mensagens valores positivos, como o sucesso, a felicidade, a satisfação, o status social, etc. Ademais, outro requisito caracterizador da publicidade é o alcance de uma quantidade indeterminada de pessoas, o elemento da difusão, que é seu meio de expressão (CAMPOS, 1996, p. 102; DIAS, 2011, p. 21; MARAN, 2008, p. 136-137).
Nota-se que a própria caracterização da publicidade também abrange as suas funções, justamente por sua essencialidade para a mensagem. Historicamente, as suas duas principais funções são a informativa e a persuasiva, alterando-se a predominância de intento ao longo do seu desenvolvimento. Inicialmente, quando do seu surgimento, em meados do séc. XIX, a publicidade apresentava a função primordial de informar o comprador, levar ao conhecimento dos possíveis consumidores a existência e principais características de produtos ou serviços ofertados ao público. Isso porque naquele tempo as relações comerciais se baseavam no conhecimento pessoal e na confiança, e a publicidade assegurava a qualidade do produto, na medida em que refletia a confiabilidade do anunciante (DIAS, 2011, p. 27; MARAN, 2008, p. 133);
Entretanto, com o implemento da sociedade de consumo e o progresso dos meios de comunicação, que se deram a partir do séc. XX, a publicidade se tornou um valoroso instrumento concorrencial, passo a passo aumentando suas técnicas de persuasão, seu apelo para o convencimento do consumidor a adquirir o seu objeto, em verdadeira indução e orientação ao consumo. Não bastaria mais apenas informar, mas atrair o espectador por meio de recursos emocionais e da exaltação das qualidades do produto ou serviço. Esses objetivos específicos de convencer, vender, fortalecer uma marca ou empresa e até mesmo despertar o desejo e criar novos hábitos e necessidades até tornar imprescindíveis os produtos, não permitem mais encarar a publicidade como neutra. Pelo contrário, para alcançar seus objetivos de incremento da demanda, ela é sempre tendenciosa e sugestiva, e não se realiza mais sem atos de convencimento, o que evidencia a supremacia atual da função persuasiva sobre a informativa (AMARAL JÚNIOR, 1995; BRITTO, 2010, p. 37; DIAS, 2011, p. 27-28; GUIMARÃES, 2007, p. 101-102).
Até o CDC promove este entendimento de que a informação não é mais o cerne da publicidade quando estabelece, em seu art. 30, que toda informação ou publicidade vincula o seu fornecedor, evidenciando que os dois termos não mais se correspondem. Embora não se negue a possibilidade da publicidade ainda apresentar função informativa, esta não mais se desvincula do elemento de convencimento, responsável pelos objetivos de seduzir e vender, eis que a publicidade é eficaz enquanto influencia as pessoas, esta é a sua própria razão de ser (BRITTO, 2010, p. 38-39; PASQUALOTTO, 1997, p. 25).
Além destas duas funções principais, observam-se funções subsidiárias, como a institucionalização das marcas, a criação da identidade empresarial, através da ampliação do seu conceito, a produção e manutenção de hábitos de consumo, a atribuição de nova finalidade ao produto ou serviço (MARAN, 2008, p. 139-140), a introdução do produto em novos nichos do mercado, entre outras.
4 LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMERCIAL?
Se o intuito persuasivo é tão predominante na publicidade atual, inclusive passando a integrar definitivamente o seu conceito, assim como deve ser levado em conta para uma atualização dos princípios que informam a publicidade, deve também ser o principal foco do questionamento se tal atividade constitui ou não liberdade de expressão.
Com isto em mente, passa-se ao confronto entre a publicidade e a liberdade de expressão. Conforme examinado, a liberdade de expressão apresenta quatro argumentos principais que a fundamentam. Logo, uma comunicação que tenha por essência um ou mais destes fundamentos, é legitimada como parte integrante desse sistema de liberdade para alcançar a esfera de proteção devida aos direitos desta magnitude, enquanto a mensagem que não bebe destas fontes, por outro lado, não se caracteriza como verdadeira liberdade expressiva.
Quanto à busca da verdade, em uma noção mais cotidiana desta justificativa, defende-se que o chamado mercado de ideias teria o condão de promover a igualdade entre os seus participantes, pois permitiria que todas as expressões circulassem livremente. Na realidade, conforme analisado, os poderes econômico e político contribuem para que certos discursos sejam dominantes, por trazerem maior capacidade persuasiva e melhores condições de exposição (mais espaço de veiculação, por exemplo) para pensamentos prescritos por elites sociais (PEREIRA JÚNIOR, 2011, p. 31).
Certamente, a publicidade não contribui para o fortalecimento do mercado de ideias como instrumento da busca pela verdade. Primeiramente porque o acesso ao espaço de veiculação da publicidade é pago, dando-se basicamente por meio da capacidade econômica, o que não permite a participação de todos neste processo comunicativo de forma igualitária. Em segundo lugar porque nitidamente não busca a verdade entendida como valor e, muitas vezes, não promove a verdade nem no seu próprio âmbito de atuação. Não se quer afirmar que todas as publicidades (nem a maioria delas) sejam enganosas, mas apenas que, atualmente, as mensagens publicitárias apresentam uma carga informativa muito reduzida, por vezes ínfima, e que, para cumprir com o seu objetivo de fomentar o consumo, não se utilizam da verdade como principal instrumento.
Pelo contrário, a publicidade, devido à sua função persuasiva, muitas vezes utiliza técnicas que maquiam a verdade, como é o caso da publicidade redacional e do merchandising. O mais comum, no entanto, são as técnicas estéticas para criar um ambiente fantasioso, propício a influenciar o psicológico do consumidor favoravelmente. Frisa-se que o presente raciocínio não se presta a condenar nenhuma técnica da publicidade que não induza a erro o seu receptor, pois elas são totalmente válidas nos limites normativos. Procura-se apenas demonstrar que a comunicação publicitária não se justifica como liberdade de expressão através do argumento da busca pela verdade.
No que tange à realização do processo democrático, é importante frisar mais uma vez que se excluiu a propaganda do âmbito de investigação do presente estudo. Aceitando, então, a definição da publicidade como a mensagem de apelo comercial, e não ideológico, político, religioso, entre outros, verifica-se que a comunicação publicitária não concorre na efetivação dos objetivos da liberdade de expressão em relação ao processo democrático. “A publicidade está associada às atividades empresariais, que buscam no lucro a sua justificativa. Não se põe em questão ponto algum dos direitos políticos dos cidadãos” (PASQUALOTTO, 1997, p. 66). As já mencionadas funções exercidas pela liberdade de expressão visando ao desenvolvimento do autogoverno consciente da sociedade, como colaborar para a decisão ampla e livremente informada acerca da eleição de representantes e tornar possível a influência da sociedade nas políticas governamentais têm pontos convergentes apenas com a propaganda ideológica ou política.
Ademais, o argumento de que a publicidade, por financiar os meios de comunicação, promove a sua independência e, consequentemente, fomenta o ambiente democrático, deve ser examinado com mais rigor. Os meios de comunicação, realmente sustentados pelos anúncios de produtos e serviços, podem acabar por ter o seu conteúdo influenciado pelos interesses econômicos e políticos dos seus financiadores, não divulgando, por exemplo, notícias prejudiciais às suas pretensões. Além disso, já que a publicidade busca atingir grandes massas consumidoras, inclusive pagando um valor maior pelo espaço publicitário que alcança essa audiência específica em grande medida, os interesses de minorias ou de grupos de pequeno poder aquisitivo podem ter sua representatividade na mídia comercial suprimida (CAMPOS, 1996, p. 211; PEREIRA JÚNIOR, 2011, p. 50; SANKIEVICZ, 2011, p. 73).
Por conseguinte, a publicidade, que apenas visa à promoção de produtos ou serviços, não contribui para o fomento da democracia no sentido da participação igualitária de todos os cidadãos. É claro que o fenômeno publicitário é consequência de um Estado democrático de direito, em que a atividade empresarial não encontra obstáculos ilegítimos para se desenvolver. Também se reconhece que a publicidade tem importância fundamental para a concretização da ordem econômica idealizada pela Constituição. Contudo, a realização da democracia parece ficar a cargo de outras comunicações.
Outro fundamento arguido para defender a liberdade de expressão é aquele relacionado à autonomia individual e autorrealização. Trata-se da justificativa não instrumental, voltada ao indivíduo emissor da mensagem, pela qual a liberdade de expressão seria a grande realizadora da dignidade humana por promover, independentemente de qualquer outro efeito, a autossatisfação e a autonomia do indivíduo dotado de personalidade única. De plano já se observa ser um fundamento estritamente ligado ao ser humano como indivíduo portador de direitos, o que afastaria as empresas do âmbito de abrangência do argumento.
Mesmo assim, uma análise pormenorizada do tema deixa o raciocínio mais robusto. O sistema econômico vigente favorece uma lógica de priorização do lucro, do aumento de capital. Para tanto, os fornecedores acatam o discurso que creem ser o mais vantajoso para a persecução deste objetivo, pois a continuidade dos negócios depende efetivamente da venda lucrativa de seus produtos e serviços (mesmo que sejam notoriamente prejudiciais ao consumidor, como a bebida alcoólica) (BAKER, 2009). Assim, no âmbito da promoção de vendas, o anunciante que visa à maximização dos lucros não tem liberdade para deixar de condicionar o discurso comercial à persuasão e à sedução do consumidor.
Também não há embasamento fático para justificar a publicidade como liberdade de expressão pela ótica da autonomia individual e autorrealização do criador da mensagem publicitária (profissionais e agências). Pela mesma lógica demonstrada acima, o produto final do trabalho dos publicitários não é a manifestação pura e absoluta da sua vontade e personalidade, mas está, em última análise, vinculado aos interesses mercantis do seu patrocinador, tanto que as campanhas publicitárias passam pela aprovação do fornecedor. “Há muito tempo a publicidade deixou de ser um diletante exercício de criatividade de redatores e diretores de arte talentosos. Perseguindo os fins práticos que lhe são inerentes, a publicidade faz parte de um complexo de atividades integradas de planejamento” (PASQUALOTTO, 1997, p. 27).
Não se quer com isso afirmar que os profissionais da área não dão mais forma à sua criatividade através da publicidade, mas que o seu maior mérito atualmente é saber aliar o talento ao fim utilitário da mensagem, sempre presente. Diante do exposto, a publicidade não manifesta a liberdade individual em nenhum dos dois pontos de vista abordados. Logo, a publicidade também não se configura liberdade de expressão apoiando-se nesta base e, por conseguinte, o discurso comercial pode ser restringido, “uma vez não ser esse orientado primordialmente para a expressão de valores individuais” (SANKIEVICZ, 2011, p. 24).
Finalmente, o último fundamento erigido para a liberdade de expressão é a transformação pacífica da sociedade, através da promoção da tolerância, que se relaciona com o equilíbrio entre a mudança e a estabilidade do meio social. Neste caso, é necessário ressaltar que a concretização do cerne deste argumento só acontece através do embate (sempre respeitoso) entre posicionamentos divergentes e da reflexão sobre os temas em discussão. Não se dá, portanto, através da imposição de valores, pelo contrário, busca minorar a capacidade de grupos dominantes em fixar apenas os seus interesses.
É certo que a publicidade tem a capacidade de transformar a sociedade. A função persuasiva da mensagem publicitária conduz não só à aquisição de bens e serviços, mas ao estabelecimento de novos hábitos sociais e à criação de valores (HENRIQUES, 2010, p. 21; NUNES JÚNIOR, 2001, p. 170). No entanto, esse processo não ocorre de forma racional e reflexiva, como no ambiente proporcionado pela liberdade de expressão, pois a publicidade substitui a função de uso do produto por um valor simbólico já determinado, ou seja, fornece, simultaneamente, o significado do produto e uma interpretação pré-constituída deste significado, não exigindo nenhum questionamento do receptor da mensagem, pois ela mesma responde a qualquer eventual pergunta. Deste modo, o consumidor é levado rapidamente do desejo à decisão de compra, sem a reflexão do quanto o produto lhe é necessário. Para exemplificar, é por isso que muitas vezes o consumidor adquire um bem apenas pelo status que ele acarreta, ou, então, é compelido a comprar um item totalmente supérfluo ao seu cotidiano, pois o bem de consumo representa algum valor pra quem o compra, não necessariamente relativo à sua utilidade (MASSO, 2009, p. 57-64; PASQUALOTTO, 1997, p. 29; PEREIRA JÚNIOR, 2011, p. 165.225).
Logo, a decisão de consumo influenciada pela publicidade foge à esfera da escolha plenamente fundamentada pela observação dos mais diversos posicionamentos. O direito do consumidor de ser informado adequadamente para que possa tomar sua decisão consciente e racionalmente não é mais o ponto central da publicidade, que se utiliza de técnicas persuasivas justamente para relativizar seu poder decisório, tornando o ato de consumo mais condicionado do que voluntário. Conforme já exposto, isso acaba por deformar a sua vontade na relação de consumo (STIGLITZ, 1992; WALD, 1991). Conclui-se que a influência comportamental da publicidade não se adéqua à transformação pacífica do modo pelo qual é promovida pela liberdade de expressão.
Demonstrada a inaplicabilidade à publicidade de todos os fundamentos da liberdade de expressão, tem-se o bastante para afastar o discurso comercial do âmbito de sua proteção. Essa conclusão também tem lugar na Constituição Federal. O primeiro sinal claro de que a norma constitucional diferencia a publicidade das outras formas expressivas protegidas é que ela determina que lei federal deve garantir à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem da publicidade de produtos, práticas e serviços nocivos (art. 220, § 3º, II e § 4º). Essa possibilidade de restrição expressa, totalmente divergente da ampla garantia promovida pela liberdade de expressão, reflete nitidamente a preocupação, também por parte da Constituição, com uma manifestação expressiva mais danosa do que as protegidas pela liberdade de expressão.
Ademais, analisando de maneira conjunta o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal, perceber-se-á uma série de postulados jurídicos que subsidiam o entendimento de que a publicidade não constitui liberdade de expressão. A começar pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, notadamente a barreira de desigualdade que se interpõe entre este e a publicidade. Sem a intervenção normativa, o consumidor se encontraria indefeso frente às técnicas e possíveis abusos da publicidade.
Esta última constatação se mostra relevante diferença que se impõe entre a liberdade de expressão e a publicidade, pois enquanto o sistema expressivo livre exige um ambiente no qual vige a pluralidade de ideias, o respeitoso e legítimo confronto entre elas, na esfera publicitária isso não é possível. O consumidor não tem potencial econômico para se utilizar do espaço cedido à publicidade, assim como não tem a chance de fazer uso das técnicas do discurso comercial. Esta disparidade absoluta é fato que impede a realização da liberdade de expressão nesta seara.
Por um lado, o ambiente da liberdade de expressão pressupõe a igualdade entre os seus participantes e a mínima intervenção possível do Estado, visando apenas a garantir a legitimidade deste espaço de debate público. Por outro, o sistema de proteção do consumidor, ao instituir a defesa até de pessoas indetermináveis contra a publicidade, como na figura do consumidor equiparado, considerado como quaisquer pessoas, determináveis ou não, que sejam expostas à publicidade (art. 29 do CDC), desloca o foco do controle para as práticas publicitárias em si, nem exigindo, por exemplo, o efetivo prejuízo aos direitos dos receptores da mensagem publicitária, mas apenas o seu potencial danoso.
Ainda, alguns princípios aplicáveis à publicidade também contribuem para a excepcionar da liberdade de expressão, a exemplo da boa-fé objetiva. Enquanto o ambiente da liberdade de expressão preza o confronto de ideias, a publicidade, para existir e cumprir os seus objetivos, necessita da confiança do consumidor. Ou seja, para existir a liberdade de expressão, ninguém precisa crer em uma manifestação, podendo até discordar dela, mas a razão de ser da publicidade é que o consumidor confie na atividade do fornecedor, acreditando nas qualidades do produto ou serviço e, consequentemente, realizando o ato de consumo.
Existe um modelo pré-estabelecido de comportamento adequado que passa a ser requisito de validade da atividade publicitária, independente da sua intenção culposa ou dolosa. Caso ela não se ajuste aos valores exigidos pela boa-fé objetiva, está prontamente condenada à ilegalidade. Embora outras manifestações expressivas possam ofender os mesmos valores e direitos que a publicidade, este pressuposto não compõe a liberdade de expressão, que em sua esfera de livre atuação do indivíduo não exige condições em tal grau restritivo.
Outro princípio que também evidencia a grande diferença que se estabelece entre a liberdade de expressão e a publicidade é o princípio da vinculação da oferta publicitária, por exemplo, impõe a obrigatoriedade de cumprimento de qualquer informação contratual veiculada na publicidade. Aqui se comprova a finalidade econômica da mensagem publicitária, que é regulada até mesmo por compromissos pré-contratuais. Por outro lado, é inconcebível emprestar este efeito vinculativo a uma opinião, por exemplo. No debate livre de ideias está implícita a possibilidade de o ser humano rever seus conceitos.
Diante de todo o exposto, a publicidade não pode ser reconhecida, na esfera constitucional, como derivação de quaisquer das liberdades referentes à manifestação da opinião ou do pensamento, mas sim como manifestação empresarial, uma das técnicas do marketing, com a função de aumentar o consumo e o lucro.
Entende-se restar comprovada a inexistência da chamada liberdade de expressão comercial, tanto sob o viés lógico-jurídico tanto sob a perspectiva legal. O discurso publicitário não se caracteriza por liberdade de expressão por não compartilhar dos seus fundamentos. Além disso, guarda tantas distinções com a liberdade de expressão que a própria lei abordou as duas matérias de modo totalmente diferente, efetivando um controle legal muito mais restritivo em relação à publicidade. Portanto, analisando o ordenamento jurídico pátrio de forma sistêmica, percebe-se que ele não reconheceu a publicidade como parte integrante do sistema da liberdade de expressão.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da função social da liberdade de expressão dá origem ao estabelecimento dos fundamentos que a justificam. Estes argumentos devem ser sempre examinados de forma conjunta, pois cada um deles contribui com suas particularidades para a constituição de um ideal democrático de liberdade de expressão. São eles: a busca da verdade, baseada em um mercado livre no qual circulam as ideias; a realização do processo democrático, através do autogoverno do povo permitido pela liberdade de expressão; a autonomia individual e autorrealização, como a forma por excelência de manifestação da dignidade humana; e a transformação pacífica da sociedade através da promoção da tolerância.
Adentrando o âmbito da publicidade, esta pode ser conceituada como qualquer meio de divulgação de uma atividade econômica para o público em geral, que vise a incentivar o consumo de bens ou serviços de maneira direta ou indireta, através da informação e persuasão, com patrocinador identificado ou identificável posteriormente. Quanto às suas funções, estão refletidas no seu próprio conceito, sendo, historicamente, as funções informativa e persuasiva as de maior importância. Atualmente, contudo, com o implemento da sociedade de consumo, os objetivos da publicidade de convencer, seduzir, vender e fortalecer uma marca determinaram a preponderância da função persuasiva da publicidade em relação à informativa.
Compreendidas a liberdade de expressão e a publicidade em seus principais aspectos, torna-se possível contrastá-las para verificar a possível existência da liberdade de expressão comercial. Para tanto, verificou-se que os fundamentos da liberdade de expressão não se coadunam com a atividade publicitária.
Primeiramente, a publicidade não promove a busca pela verdade como valor universal, nem o mercado livre de ideias, já que só consegue veicular publicidade quem tem capacidade econômica para tanto. Além do mais, a intenção persuasiva da publicidade a leva a fornecer poucas informações e, por vezes, maquiar a verdade para melhor atingir seus objetivos.
Em segundo lugar, a publicidade não se relaciona em nada com a realização do processo democrático, tendo como objetivo primordial apenas o fomento ao consumo e, por consequência, o aumento do lucro. Também acaba condicionando as informações prestadas através dos meios de comunicação que patrocina aos seus próprios interesses.
Ademais, não traduz a autonomia individual e a autorrealização porque o discurso comercial é determinado pelo objetivo empresarial de auferir lucro. Deste modo fica adstrito às técnicas que mais eficientemente levam a este resultado, o que também não configura a autonomia dos criadores da mensagem.
Finalmente, não configura a transformação pacífica da sociedade através da promoção da tolerância porque não gera o embate respeitoso de ideias, mas tem o condão de mudar hábitos em um processo que não ocorre de forma racional e reflexiva, distinguindo-se, neste sentido, da liberdade de expressão.
Já que a capacidade de a publicidade gerar dano e, consequentemente, sua responsabilidade são muito maiores do que em outras comunicações, ela não pode ser alçada ao patamar estabelecido em geral pela liberdade de expressão, por não comungar das mesmas características e limites intrínsecos dos direitos alcançados por esta liberdade. O próprio ordenamento reconhece este entendimento e dá tratamento jurídico diferenciado à publicidade.
Isso se consubstancia no reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, na figura do consumidor equiparado, na exigência da boa-fé objetiva em sua atividade, e nos princípios informadores da publicidade, que formalizam uma abordagem legal muito mais restritiva do que em relação à liberdade de expressão.
Comprovou-se, pois, a inexistência da liberdade de expressão comercial tanto sob o viés lógico-jurídico quanto sob a perspectiva legal. Esta constatação, contudo, ainda não ganhou a devida relevância no país porque interfere diretamente nos interesses de uma indústria que movimenta valores vultuosos e que, por óbvio, apregoa a existência da liberdade de expressão comercial utilizando todo o seu potencial econômico e persuasivo. Além disso, se tem a mídia de massa como sua aliada, não raramente consegue afastar da agenda política do país as discussões que podem prejudicá-la.
A maior conclusão deste estudo, portanto, é que mais vozes devem se levantar firmemente, de modo imparcial, para defender uma visão menos voltada ao lucro e mais voltada ao respeito à ordem constitucional de direitos fundamentais e, em última análise, à dignidade da pessoa humana. Frisa-se que esta não é uma defesa ao controle imediato e irracional da publicidade, mas apenas que a matéria seja posta em discussão de forma legítima, com uma maior participação da sociedade civil, que efetivamente sofre os maiores danos decorrentes da publicidade ilícita e ainda não está plenamente integrada ao debate.
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1 Analista Judiciário – Especialidade Oficial de Justiça Avaliador Federal – do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Estácio de Sá. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail: caiovbcarvalho@hotmail.com