A ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR NAS INVASÕES E RETOMADAS DE TERRAS INDÍGENAS NO OESTE DO PARANÁ: ENTRE O CUMPRIMENTO DA LEI E A GARANTIA DOS DIREITOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202505241011


Leandro Jacó Rempel


Resumo

As questões agrárias envolvendo comunidades indígenas, já é assunto histórico e muito complexo. Marcado por disputas territoriais acirradas, vem ocorrendo em regiões como o Oeste do Paraná. Este artigo procura discutir sobre a atuação da Polícia Militar nas ações de reintegração de posse e em conflitos envolvendo invasões e retomadas de terras por comunidades indígenas, especialmente pelos povos Avá-Guarani. O artigo analisa o papel da Polícia Militar, nas ações relacionadas às invasões indígenas, considerando aspectos legais, sociais e humanitários, observando seus limites à luz da Constituição Federal de 1988, de tratados internacionais de direitos humanos e da jurisprudência recente.

Palavras-chave: Polícia Militar, terras indígenas, Oeste do Paraná, conflitos agrários, direitos humanos.

1. Introdução

No Brasil, a disputa por terras por comunidades indígenas é marcada por um histórico de exclusão e violência, o que remonta ao período colonial, sendo agravada pelo desenvolvimento rural e concentração fundiária. No Oeste do Paraná, os conflitos agrários entre essas comunidades, principalmente da etnia Guarani e Kaingang, proprietários rurais e o Estado, vem se intensificando nas últimas décadas. Nessa circunstância, a Polícia Militar desempenha um papel fundamental de mediação e contenção de conflitos, além de cumprimento de mandados judiciais de reintegração de posse, o que levanta uma série de questionamentos sobre uso de força, a legalidade e a proteção dos direitos voltados aos povos indígenas.

Como destaca Alarcon (2018), “a presença da polícia em áreas de conflito fundiário é sintoma da ausência do Estado como promotor de justiça social, e não como mero mantenedor da ordem formal”.

2. Conflitos fundiários e comunidades indígenas

As terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas são protegidas pela Constituição Federal de 1988, que determina em seu artigo 231 que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Esse reconhecimento implica que tais direitos antecedem a qualquer título de propriedade, seja emitido pelo Estado ou adquirido por particulares. Mesmo assim, grande parte dessas terras ainda não tem demarcação, o que deixa as comunidades indígenas expostas à violência e à insegurança jurídica. A demora na demarcação oficial dessas terras tem provocado confrontos entre indígenas e produtores rurais se fazendo necessário a intervenção das forças de segurança.

No Oeste do Paraná, episódios de reintegração de posse mais recorrentes foram registrados nos municípios de Guaíra, Terra Roxa e Santa Helena e Itaipulândia, onde terras são reivindicadas como ancestrais pelos povos Guarani e Ava Guarani coincidem com áreas de propriedades privadas.

3. O papel da Polícia Militar nos conflitos

A Polícia Militar, enquanto força estadual de segurança pública, possui atribuições de policiamento ostensivo e preservação da ordem pública (CF/1988, art. 144, §5º). Quando este órgão é acionado para cumprir mandado de reintegração de posse, a Polícia Militar atua conforme ordens judiciais, porém, enfrenta um enorme desafio de conciliar o cumprimento da lei, respeito aos direitos humanos e os tratados internacionais.

De acordo com Dias e Ferreira (2021), “a atuação da PM em reintegrações de posse contra indígenas tende a reforçar uma lógica de criminalização da luta por direitos, em vez de promover a mediação e o diálogo”.

O uso da força nessas operações levanta questionamentos éticos e jurídicos. A Anistia Internacional (2018) já denunciou casos de violência desproporcional contra indígenas durante ações de despejo, o que contraria os princípios da proporcionalidade. Em muitos casos, os policiais operam em ambientes tensos, sem formação adequada sobre os direitos indígenas, o que pode gerar agravamento nos conflitos.

Além disso, as decisões judiciais que ordenam reintegrações sem consulta à Fundação Nacional dos Povos Indígenas ou ao Ministério Público Federal, violam princípios do devido processo legal e colocam a Polícia Militar em situações de vulnerabilidade.

4. Direitos humanos e a responsabilidade do Estado

O Estado brasileiro tem obrigações internacionais com a proteção dos povos indígenas, o que está previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, e que foi ratificada pelo Brasil em 2002. Em seu artigo 14, assegura aos povos indígenas o direito à propriedade e posse das terras que tradicionalmente ocupam.

Sendo assim, a intervenção da Polícia Militar em áreas de conflito deve ser acompanhada de ações de mediação e diálogo, o que envolve a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, o Ministério Público Federal, além de outras entidades.

Silva (2020) destaca que “a militarização dos conflitos agrários não soluciona a raiz do problema, que está na ausência de políticas públicas eficazes de demarcação e mediação de conflitos”.

5. Considerações Finais

A Polícia Militar tem um papel fundamental nas invasões e desocupações de terras indígenas no Oeste do Paraná, porém deve ser analisada com responsabilidade. Embora a instituição esteja subordinada ao cumprimento da ordem judicial, evidencia a fragilidade do Estado brasileiro em assegurar os direitos originários dos povos indígenas. Além disso, é dever do Estado brasileiro garantir que as operações policiais respeitem os direitos humanos, o princípio da dignidade humana.

Para que esses conflitos sejam superados, é necessário muito mais do que repressão policial. É necessário uma política de Estado, diálogo entre entidades e mais celeridade nos processos de demarcação de terras.

O grande desafio é construir um modelo de segurança pública que respeite as particularidades culturais e territoriais dos povos indígenas, assegurando assim a ordem pública e a justiça social.

Referências Bibliográficas

ALARCÓN, Walter Claudius. Estado, violência e exclusão: o papel da polícia em conflitos fundiários. São Paulo: Cortez, 2018.

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DIAS, Camila; FERREIRA, André. Policiamento e território: segurança pública e conflito indígena no Brasil contemporâneo. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 203-225, 2021. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/61344. Acesso em: 08 mai. 2025.

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