REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202505171116
Giuliana Kimberley Souza Vilela1
Jhully Hevelen Andrade Ravani2
Maisa Tainara Alencar do Amaral3
Orientador: Guilherme Alexandre Monteiro da Silva4
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar as novas aplicações da Lei Maria da Penha diante do fenômeno crescente do stalking e do assédio online contra as mulheres, contextualizando como essas práticas se configuram enquanto formas contemporâneas de violência de gênero, especialmente no ambiente digital. Para isso, o estudo apresenta um panorama histórico e jurídico sobre a violência contra a mulher, a evolução do conceito de stalking, e as lacunas legais existentes, buscando integrar dispositivos como o Marco Civil da Internet e a recente tipificação penal do stalking ao âmbito protetivo da Lei Maria da Penha. A metodologia utilizada é de caráter qualitativo e bibliográfico, baseada na análise de legislações, doutrina jurídica especializada e documentos internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). Assim, espera-se demonstrar como o reconhecimento dessas práticas amplia o campo de atuação das medidas protetivas e evidencia a necessidade de políticas públicas específicas que garantam efetividade no combate à violência online. Portanto, a pesquisa pretende contribuir para o debate jurídico e social sobre a proteção integral das mulheres, sugerindo caminhos para tornar as respostas legais mais adequadas aos desafios impostos pelas novas tecnologias e pela virtualização das interações sociais.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Stalking; Assédio online; Violência de gênero; Direito digital.
ABSTRACT
This article aims to analyze the new applications of the Maria da Penha Law in the face of the growing phenomenon of stalking and online harassment against women, contextualizing how these practices are configured as contemporary forms of genderbased violence, especially in the digital environment. To this end, the study presents a historical and legal overview of violence against women, the evolution of the concept of stalking, and existing legal gaps, seeking to integrate frameworks such as Brazil’s Internet Civil Rights Framework (Marco Civil da Internet) and the recent criminalization of stalking within the protective scope of the Maria da Penha Law. The methodology used is qualitative and bibliographic, based on the analysis of legislation, specialized legal doctrine, and international documents such as the Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women (CEDAW). Thus, it is expected to demonstrate how the recognition of these practices expands the scope of protective measures and highlights the need for specific public policies to ensure effectiveness in combating online violence. Therefore, this research intends to contribute to the legal and social debate on the comprehensive protection of women, suggesting paths to make legal responses more adequate to the challenges posed by new technologies and the virtualization of social interactions.
Keywords: Maria da Penha Law; Stalking; Online harassment; Gender-based violence; Digital law.
1 INTRODUÇÃO
A Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, representa um avanço significativo na proteção dos direitos das mulheres no Brasil, estabelecendo um marco fundamental no combate à violência doméstica e familiar. No entanto, com a crescente ascensão da violência digital, novas formas de agressão, como o stalking e o assédio online, têm surgido como desafios adicionais à eficácia das medidas protetivas de urgência previstas pela legislação.
O stalking é definido como uma forma de perseguição obsessiva, enquanto o assédio online engloba comportamentos como o envio de mensagens ofensivas e a exposição não autorizada de imagens íntimas. Estes novos tipos de violência digital exigem uma aplicação adaptada das medidas protetivas, como o afastamento do agressor e a proibição de contato. No entanto, a implementação e fiscalização dessas medidas tornam-se mais complexas no ambiente digital, onde a mobilidade e a natureza do espaço virtual complicam o monitoramento e a restrição das ações dos agressores (Silveira, 2021).
Essa transformação traz consigo uma nova categoria de direitos fundamentais, os chamados direitos de quinta dimensão. Esta concepção de direitos fundamentais envolve a proteção de interesses no ambiente digital, como a tutela de software, direito autoral pela internet e, especialmente, a proteção contra crimes virtuais. Nesse contexto, o direito cibernético emerge como um campo específico, voltado para a regulação do espaço virtual e das novas formas de agressão que surgem nesse universo. De acordo com Bourdieu (2002), a sociedade moderna precisa adaptar suas estruturas jurídicas para reconhecer esses novos tipos de violência, incluindo a violência digital, que está cada vez mais presente no cotidiano das vítimas.
O caso de Carolina Dieckmann, que teve seu computador invadido e fotos íntimas divulgadas sem consentimento, é um exemplo emblemático que ajudou a contextualizar o debate sobre a violência digital no Brasil. Esse incidente gerou a criação da Lei nº 12.737/2012, a Lei Carolina Dieckmann, que tipifica crimes relacionados à invasão de dispositivos eletrônicos. Embora a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) tenha sido uma resposta robusta à violência doméstica, ela ainda não aborda de maneira direta os crimes digitais, como o stalking e o assédio online, especialmente quando esses crimes ocorrem fora do contexto doméstico ou familiar.
Nesse sentido, surge o questionamento: será possível que a Lei Maria da Penha seja revisada para incluir o stalking e o assédio online como tipos de violência contra as mulheres, considerando a crescente prevalência desses crimes no ambiente digital? Mais especificamente, será que as medidas protetivas de urgência previstas pela Lei Maria da Penha podem ser aplicadas de maneira eficaz nesses novos tipos de crime, ou será necessário criar um sistema jurídico específico para lidar com a violência digital?
A hipótese que se levanta é de que a Lei Maria da Penha pode ser revisada para contemplar de forma clara e eficaz o stalking e o assédio online, reconhecendo a relevância desses crimes no contexto digital e ampliando as possibilidades de proteção às vítimas. Contudo, é essencial que a pesquisa também avalie a prática desses crimes dentro do ambiente doméstico, dado que é mais comum que a violência sexual, especialmente o stalking, ocorra em situações de relações íntimas de afeto.
A justificativa para a escolha do tema reside na crescente prevalência de stalking e assédio online contra mulheres, o que revela a urgência de uma análise mais aprofundada sobre a eficácia das medidas protetivas de urgência estabelecidas pela Lei Maria da Penha. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, 58,6% das mulheres relataram ter sofrido algum tipo de violência ou assédio online, destacando a expansão das interações digitais e o surgimento de novas plataformas como desafios significativos para a proteção das vítimas. O ambiente virtual permite que agressores atuem com maior anonimato e liberdade (Dantas, 2022).
No entanto, a pesquisa precisa delimitar seu escopo. Será que a tipificação penal do stalking deve se restringir ao ambiente doméstico e familiar, como previsto pela Lei Maria da Penha? Ou será que a violência digital, incluindo o assédio online perpetrado por estranhos, também deveria ser considerada no contexto da Lei Maria da Penha? A pesquisa deve também avaliar as dificuldades de fiscalização e de aplicação das medidas protetivas de urgência no espaço virtual, onde a fluidez e a complexidade da comunicação dificultam a atuação das autoridades.
A metodologia adotada neste estudo consiste em uma pesquisa aplicada, com uma abordagem qualitativa. A pesquisa se baseia em uma revisão sistemática, com foco na investigação das novas aplicações da Lei Maria da Penha no contexto de crimes digitais, como o stalking e o assédio online contra mulheres. Esse tipo de estudo envolve a comparação e síntese de pesquisas jurídicas e sociais já realizadas, fornecendo uma visão abrangente sobre o impacto das novas formas de violência de gênero facilitadas pelas tecnologias.
2 A PERSPECTIVA FILOSÓFICA SOBRE A VIOLÊNCIA DE GÊNERO
A discussão sobre a violência contra a mulher transcende o campo jurídico e adquire profundidade nas abordagens filosóficas que buscam compreender as origens sociais e culturais das desigualdades de gênero. Nessa linha, dois importantes conceitos se destacam ao refletir sobre a construção da dominação masculina e a opressão das mulheres: o conceito de dominação masculina de Pierre Bourdieu e a reflexão de Simone de Beauvoir sobre a opressão da mulher como uma construção histórica e social.
Neste sentido, a filósofa Marilena Chauí, ao lado de Heleieth Saffioti, contribui significativamente para o entendimento das dinâmicas sociais e das relações de poder que sustentam a violência de gênero. A partir de uma análise filosófica, é possível identificar as bases ideológicas que sustentam a violência contra a mulher e refletir sobre alternativas para sua superação.
Marilena Chauí, em suas reflexões sobre a ideologia, argumenta que a dominação masculina é um dos pilares da sociedade ocidental, sendo sustentada por uma construção ideológica que naturaliza as desigualdades de gênero. Para a autora Chauí (2006), a construção social da mulher como o outro é o que justifica a violência, seja física, psicológica ou simbólica, a que as mulheres estão sujeitas. Em suas análises, ela enfatiza que a opressão das mulheres é um fenômeno universal e histórico, sendo perpetuado por uma estrutura que visa manter o controle patriarcal sobre a vida das mulheres.
De maneira semelhante, Saffioti (2004), em sua obra, descreve a violência contra a mulher como um mecanismo de controle social que visa garantir a manutenção da dominação masculina. Para Saffioti (2004), a violência não é um ato isolado, mas reflexo de uma estrutura social mais ampla, onde a mulher ocupa a posição subordinada dentro de uma hierarquia de gênero. Ela argumenta que a violência é uma forma de disciplinar o corpo da mulher, tornando-o um objeto de controle social e cultural, e destaca a necessidade de desconstruir as estruturas patriarcais que sustentam esse processo.
O conceito de dominação masculina de Pierre Bourdieu também contribui para o entendimento da violência contra a mulher ao destacar que essa dominação é incorporada no habitus social, ou seja, nas práticas e normas que moldam as relações sociais cotidianas. Bourdieu (2002) sugere que a dominação masculina não é imposta de forma explícita, mas se inscreve nas relações de poder cotidianas, influenciando a maneira como homens e mulheres se relacionam dentro de uma estrutura de desigualdade. A violência, nesse contexto, é uma das formas pelas quais essa dominação se expressa e se mantém.
Simone de Beauvoir, em sua obra, também aborda a construção social da mulher como o outro, enfatizando como a sociedade patriarcal constrói a mulher não como um sujeito autônomo, mas como um objeto subordinado ao homem. Beauvoir (2009) afirma que a mulher sempre foi vista como um ser inferior, cuja identidade foi moldada pela dominação masculina. Sua obra é uma crítica à construção social das diferenças de gênero e à forma como essas construções justificam a violência.
Por fim, é relevante a discussão sobre o corpo da mulher e sua relação com a opressão. Michel Foucault, ao discutir o controle sobre o corpo, oferece uma perspectiva que pode ser aplicada à análise da violência de gênero. Foucault (2009) argumenta que o corpo da mulher, historicamente, tem sido um objeto de controle, disciplina e vigilância. A violência contra a mulher, portanto, não é apenas física, mas também simbólica e cultural, expressa em práticas que buscam controlar a autonomia e a liberdade do corpo feminino.
3 ASPECTOS GERAIS DA LEI MARIA DA PENHA
Antes de qualquer consideração sobre a Lei Maria da Penha, este capítulo apresentará, de forma breve, uma introdução ao tema da violência contra a mulher. Trata-se de um grave problema social, amplamente disseminado, que engloba agressões físicas, psicológicas, sexuais e patrimoniais. Essa violência manifesta-se em diferentes contextos, incluindo o ambiente doméstico, as relações conjugais, o núcleo familiar e a sociedade como um todo. Além de representar uma séria questão social, a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos, afetando milhões de mulheres ao redor do mundo5.
Desse modo, A Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi uma resposta a esses altos índices de violência doméstica e familiar, com o objetivo de fortalecer as políticas públicas e garantir medidas protetivas para as mulheres vítimas de violência. Composta por 7 títulos e 46 artigos, a lei é reconhecida como um marco na luta pelos direitos das mulheres, ampliando a compreensão de violência ao abranger as dimensões física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (Lima, 2018).
A criação da lei foi inspirada pela história de Maria da Penha Maia Fernandes, uma farmacêutica bioquímica que sofreu anos de violência por parte de seu marido, Marco Antônio Heredia Viveros. O relacionamento, que começou durante o período em que Maria cursava o mestrado, culminou em um casamento em 1976, após o qual o casal constituiu família em Fortaleza.
No entanto, o que parecia ser um relacionamento estável rapidamente se transformou em um ciclo de agressões físicas e psicológicas (Penha, 2012). Mesmo com as evidências claras das tentativas de homicídio, Maria da Penha enfrentou um sistema penal ineficaz.
O primeiro julgamento de seu marido ocorreu oito anos após os crimes, e ele foi condenado a 15 anos de prisão, mas saiu em liberdade devido a recursos legais (Penha, 2012).
Apenas em 1996, após um segundo julgamento, Marco foi condenado novamente, desta vez há 10 anos e seis meses, porém, mais uma vez, a sentença não foi cumprida. Insatisfeita com a falta de justiça, Maria, com o apoio do CEJIL e do CLADEM, denunciou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, o que resultou na condenação do Brasil em 2001 pela omissão do Estado e pela negligência no julgamento de casos de violência doméstica (Coelho, 2022).
Além das conquistas trazidas pela Lei Maria da Penha, o cenário contemporâneo exige que a legislação acompanhe as mudanças sociais e se ajuste às diferentes expressões de violência que emergem constantemente, especialmente no ambiente digital.
4 ASPECTOS GERAIS DA LEI MARIA DA PENHA
A violência contra as mulheres no Brasil tem origens profundas, relacionadas às questões de desigualdade de gênero, poder e controle, que por muito tempo perpetuaram um cenário de abusos e opressão (Souza, 2015).
A violência contra a mulher passou a ser amplamente discutida na literatura a partir da década de 1980, coincidindo com o processo de redemocratização e o fortalecimento do movimento feminista no Brasil. Dentro desse debate, destacam-se duas principais correntes interpretativas.
A primeira delas tem origem no artigo da filósofa Chauí (1985), intitulado Participando do debate sobre mulher e violência, no qual a autora argumenta que a violência contra as mulheres decorre de uma ideologia de dominação masculina. Segundo Chauí, essa ideologia sustenta a visão de inferioridade da mulher em relação ao homem, perpetuando desigualdades hierárquicas cujo objetivo é dominar, explorar e oprimir. Nesse contexto, a violência é compreendida como um mecanismo de submissão que priva a mulher de sua autonomia, ou seja, de sua capacidade de autodeterminação para pensar, querer, sentir e agir (Chauí, 1985).
A segunda corrente, que se contrapõe à primeira, é defendida no Brasil pela autora Saffioti (1987), a firma que a violência contra a mulher não se restringe a um sistema de dominação baseado exclusivamente na ideologia machista, mas está interligada aos sistemas racista e capitalista. Dessa forma, a Saffioti (1987)enxerga a opressão feminina como parte de uma estrutura mais ampla de exploração do ser humano pelo próprio ser humano. Em sua análise, o patriarcado não é apenas um mecanismo de dominação, mas também de exploração, na medida em que a dominação se manifesta nos campos político e ideológico, enquanto a exploração se vincula diretamente ao contexto econômico (Saffioti, 1987).
Em relação a violência online, incluindo práticas como stalking e assédio virtual, é uma extensão do controle e intimidação vividos por mulheres no espaço físico.
Pagliuso (2024) destaca a importância de incluir essas novas formas de agressão no escopo da lei, enfatizando que, embora ocorram no ambiente virtual, o impacto emocional e psicológico sobre as vítimas é devastador.
A inclusão de tais práticas reforça a capacidade de evolução da Lei Maria da Penha, mostrando que ela continua relevante e adaptável aos desafios contemporâneos. Com o avanço das tecnologias, surgem diferentes modalidades de violência que demandam uma resposta mais abrangente e direcionada das autoridades (Pagliuso, 2024).
4.1 Inovações e Modificações Introduzidas pela Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha introduziu mudanças significativas no ordenamento jurídico brasileiro, promovendo a proteção dos direitos das mulheres. Essa legislação conferiu aplicabilidade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e à igualdade de gênero, consolidando na sociedade o repúdio à violência doméstica (Fernandes, 2023).
A Constituição foi reforçada ao estabelecer como dever da família, do Estado e da sociedade a garantia das condições necessárias para uma vida digna e para a convivência familiar das mulheres, além de buscar efetivar a igualdade material entre os gêneros (Brasil, 1988).
Uma das inovações mais relevantes foi a conceituação da violência de gênero, em consonância com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Conforme apontam Campos e Carvalho (2011), essa nova abordagem rompe com a tradição jurídica de tratar genericamente a violência de gênero dentro dos tipos penais já existentes, reconhecendo-a como uma violação dos direitos humanos das mulheres e estabelecendo suas diferentes formas, inclusive no que tange aos direitos humanos.
Além disso, a terminologia foi modificada para substituir o termo vítima pela expressão mulheres em situação de violência doméstica, afastando o estigma e conferindo a essas mulheres a posição de sujeitos de direito, evidenciando que sua condição pode ser transitória (Campos e Carvalho, 2011).
A competência para julgar crimes de violência doméstica também sofreu alterações. Antes da Lei Maria da Penha, esses casos eram tratados pelos Juizados Especiais Criminais, regidos pela Lei 9.099/95, que previa medidas despenalizadoras, como a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo. Essa abordagem, por priorizar a celeridade processual, frequentemente resultava em impunidade e falta de proteção adequada para as vítimas.
A nova legislação proibiu a aplicação da Lei 9.099/95 em casos de violência doméstica, eliminando, por exemplo, a possibilidade de penas pecuniárias, como o pagamento de cestas básicas.
Com o intuito de garantir maior especialização e eficácia no tratamento desses crimes, foram criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Jufams), responsáveis por julgar tanto as demandas cíveis quanto as criminais, evitando a fragmentação dos processos e possibilitando uma abordagem mais abrangente da questão. Segundo Ávila (2007), essa especialização permite que os operadores do direito desenvolvam maior sensibilidade diante do problema da violência doméstica, tornando as respostas estatais mais eficazes.
Outro avanço significativo da Lei Maria da Penha foi a criação de medidas protetivas de urgência, consideradas uma das maiores inovações legislativas. Essas medidas são acionadas em situações de risco iminente, visando garantir a segurança da mulher logo após a denúncia. O pedido pode ser feito pela própria vítima ou pelo Ministério Público, e sua concessão é de competência judicial. Por possuírem caráter provisório, podem ser revogadas ou substituídas por outras mais adequadas à proteção da mulher.
Assim, ressalta-se que a proteção jurídica para mulheres vítimas de violência sexual ou online é prevista em diferentes dispositivos legais, como o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), que tipifica crimes sexuais (como estupro, assédio sexual e importunação sexual)6, e a Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que trata dos crimes informáticos7.
Porém, diferentemente do modelo protetivo robusto previsto na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que nos artigos 18 a 24 estabelece medidas protetivas como o afastamento do agressor, a proibição de contato e a inclusão da vítima em programas oficiais de proteção, não existe ainda um sistema especializado equivalente para os casos de violência sexual ou online8.
Segundo Gomes (2021), embora as vítimas de crimes virtuais possam buscar tutela por meio de ações cíveis ou criminais, não há, no ordenamento atual, um aparato integrado e humanizado semelhante ao dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar. Em muitos casos, as vítimas enfrentam dificuldades para denunciar, encontrar apoio psicológico ou obter medidas rápidas de proteção como bloqueios, ordens restritivas e remoção de conteúdo.
Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) indicam que, até setembro de 2020, houve um aumento de mais de 34% nas denúncias de violência contra a mulher em relação ao mesmo período de 2019. Foram registradas 91.043 denúncias em 2020, comparadas a 67.880 no ano anterior. Esse crescimento ressalta a urgência de políticas públicas mais robustas para enfrentar a violência de gênero, especialmente no ambiente digital (Brasil, 2020). Em resposta a essa crescente demanda, o Projeto de Lei nº 5.083/2020 está em tramitação no Congresso Nacional. Esse projeto visa estabelecer medidas
protetivas específicas para vítimas de violência digital, inspiradas nas disposições da Lei Maria da Penha. O objetivo é adaptar o ordenamento jurídico às novas formas de violência que emergem com o uso das tecnologias da informação e comunicação, oferecendo proteção adequada às vítimas (Brasil, 2020).
4.2 Hermenêutica Jurídica a partir dos Direitos Humanos
É essencial adotar uma hermenêutica jurídica orientada pelos direitos humanos, tendo como núcleo central o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Essa perspectiva amplia a interpretação das normas, permitindo que sejam aplicadas de forma finalística, voltadas à efetiva proteção e promoção dos direitos fundamentais das mulheres, especialmente em situações de vulnerabilidade social.
Segundo Sarlet (2008), a dignidade da pessoa humana constitui não apenas um valor fundamental, mas também um verdadeiro princípio estruturante do ordenamento jurídico brasileiro, funcionando como parâmetro hermenêutico para a interpretação de todas as normas. Isso significa que, ao lidar com casos de violência doméstica, o Judiciário e os operadores do direito devem considerar não apenas os aspectos formais da lei, mas sobretudo os impactos concretos sobre a autonomia, liberdade, integridade física e psicológica das mulheres.
Além disso, Oliveira (2017) ressalta que uma interpretação alinhada aos direitos humanos exige reconhecer as desigualdades históricas entre homens e mulheres e buscar, por meio das decisões judiciais e das políticas públicas, corrigir essas distorções. Assim, a aplicação da Lei Maria da Penha deve ser guiada por um olhar sensível ao contexto social das vítimas, garantindo-lhes não apenas proteção imediata, mas também condições para reconstruir sua vida com autonomia e dignidade.
Por fim, essa hermenêutica dos direitos humanos fortalece a função transformadora do Direito, permitindo que ele atue como instrumento de justiça social e de construção de uma sociedade mais igualitária e livre de violência. Como bem destaca Barroso (2010), interpretar normas à luz dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana é uma exigência constitucional e democrática, que vincula não apenas o Estado, mas toda a sociedade.
5 STALKING CONTEXTO HISTÓRICO E CONCEITO
No final da década de 1990, o stalking começou a atrair a atenção de estudiosos, principalmente das áreas da Psiquiatria e da Psicologia, nos Estados Unidos e no Reino Unido. Embora essa prática seja antiga, como qualquer outro comportamento humano, foi com a expansão da internet que o stalking se tornou ainda mais relevante para os estudos sobre violência e controle (Silveira, 2021).
Nesse sentido, para Souza (2015) O termo stalking é uma expressão em inglês que remete a conceitos como obsessão, perseguição e caçada. Ainda não há um equivalente exato na língua portuguesa, razão pela qual a palavra é utilizada dessa forma. Trata-se de uma forma de violência, que, na maioria dos casos, é cometida contra mulheres, afetando tanto sua saúde psicológica quanto física. O agressor pode utilizar diversos meios para exercer essa perseguição, desde olhares insistentes até agressões verbais, que atingem a honra e a moral da vítima, além de violência física.
A prática do stalking gera medo e insegurança, violando a privacidade da vítima. No Brasil, os casos dessa conduta são frequentes, podendo, em situações extremas, culminar em feminicídio. Muitas vezes, o comportamento persecutório se inicia de maneira aparentemente inofensiva, manifestando-se como uma demonstração exagerada de afeto. Isso pode ocorrer tanto no ambiente virtual, por meio de e-mails e redes sociais, quanto por cartas, ligações telefônicas ou até mesmo pela presença insistente do agressor na residência ou local de trabalho da vítima (Souza, 2015). Com o tempo, esse comportamento se torna intrusivo e angustiante, evoluindo para uma perseguição obsessiva e constante, baseada em um amor descontrolado.
Em relação as características, o Stalking é caracterizado pela perseguição persistente e indesejada, que provoca medo ou danos emocionais profundos na vítima. Com o crescimento das redes sociais e a popularização da internet, o stalking evoluiu para o ambiente virtual, dando origem ao chamado ciberstalking, em que o agressor utiliza ferramentas digitais para monitorar, espionar e assediar a vítima sem deixar rastros aparentes (Lima, 2018).
No ambiente digital, as consequências do ciberstalking são devastadoras. As vítimas, em sua maioria mulheres, sofrem com sentimentos de ansiedade, medo constante e prejuízos psicológicos significativos, sentindo-se vulneráveis e sob vigilância constante.
Gonçalves (2023) destaca que o stalking é uma forma de violência psicológica, pois visa destruir o bem-estar emocional da vítima, abalando sua segurança e estabilidade. Além disso, o assédio online, que envolve o envio repetitivo de mensagens ofensivas, ameaças e a disseminação de informações pessoais ou íntimas sem consentimento, agrava ainda mais essa violência.
Os autores Nelas; Chaves; Coutinho (2021) observaram que o assédio online é uma clara manifestação de controle e dominação, reiterando as dinâmicas de poder da violência de gênero. A era digital facilitou essas práticas abusivas, uma vez que as vítimas podem ser perseguidas por múltiplos agressores simultaneamente.
A remoção de conteúdos ofensivos e a responsabilização dos culpados são, muitas vezes, difíceis de implementar, agravando a sensação de impotência das vítimas. As inovações tecnológicas, que deveriam servir para melhorar a comunicação e o acesso à informação, acabam também facilitando a perpetuação de crimes que afetam diretamente a segurança e a integridade das mulheres.
A fama, principalmente em casos de celebridades, contribuiu para popularizar o termo stalking inicialmente relacionado à perseguição incessante de fãs às figuras públicas (Correa, 2022).
5.1 A Relação do Stalking com a Lei Maria da Penha e Outras Legislações: Propostas para o Avanço das Políticas Públicas de Proteção
O stalking, particularmente no ambiente digital, expõe a complexidade e as lacunas das legislações atuais, incluindo a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que, apesar de ter sido um marco importante no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, ainda não oferece um tratamento adequado às agressões que acontecem no espaço virtual. A transformação do stalking de uma questão puramente física para uma digital desafia a aplicação de normas que não contemplam de maneira explícita a dinâmica da violência online. Portanto, é fundamental compreender como a Lei Maria da Penha pode ser adaptada e complementada por novas legislações ou políticas públicas para garantir uma resposta efetiva às mulheres vítimas de stalking no contexto digital9.
Conforme já demonstrado, a Lei Maria da Penha já oferece mecanismos importantes, como medidas protetivas de urgência, que incluem o afastamento do agressor e a proibição de contato, os quais podem ser aplicados em casos de stalking. No entanto, a natureza do ambiente digital, com sua anonimização e complexidade de monitoramento, torna difícil a aplicação dessas medidas de forma eficiente. Além disso, a legislação não reconhece explicitamente o stalking digital, o que faz com que muitas vítimas não consigam acessar as medidas protetivas adequadas, uma vez que as agressões não são reconhecidas como parte do escopo de violência familiar ou íntima, se o agressor não for um parceiro ou ex-parceiro (De Rezende, 2019).
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), promulgada pelo Brasil em 2002, e o Decreto nº 4.377/2002, que ratifica a CEDAW, são tratados internacionais que fornecem um respaldo jurídico para o fortalecimento das políticas de proteção à mulher (Brasil, 2002). No entanto, como aponta Monteiro (2021), a aplicação dessas convenções ainda é insatisfatória em muitos países, incluindo o Brasil, devido à dificuldade de adaptação das legislações internas às novas formas de violência digital.
O stalking, no contexto digital, pode ser ampliado para envolver uma série de formas de agressão, como o assédio por e-mails, redes sociais e até mesmo a exposição não consensual de imagens íntimas, também conhecida como revenge porn (McGlynn e Rackley, 2017)10. Em um nível mais amplo, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), ao garantir direitos fundamentais no ambiente digital11, pode servir como uma base para a criação de políticas públicas que contemplem o stalking e outras formas de violência contra as mulheres.
No entanto, Nogueira (2019) salienta que, apesar de avanços significativos na regulamentação da internet, a falta de uma legislação robusta que trate especificamente da violência de gênero online e do stalking impede uma atuação mais eficaz do Estado na prevenção e combate dessas agressões.
Nesse cenário, surge a necessidade de políticas públicas direcionadas e específicas para o combate ao stalking e à violência de gênero digital. Algumas propostas incluem:
- Criação de um tipo penal específico para stalking digital: A definição clara do stalking no Código Penal Brasileiro é fundamental para garantir que a violência digital seja reconhecida e punida adequadamente. O Brasil já possui projetos de lei em trâmite, como o PL 5.083/2020, que propõe a criminalização do stalking.
- A inclusão de um dispositivo específico sobre o stalking digital poderia proporcionar mais clareza e celeridade no processo penal, como defendido por Monteiro (2021), que argumenta pela necessidade de uma tipificação mais clara para os crimes cibernéticos.
- Aprimoramento das medidas protetivas de urgência: A Lei Maria da Penha já estabelece a possibilidade de medidas protetivas de urgência, mas elas precisam ser mais adaptadas ao ambiente digital.
- Propostas como o uso de tecnologias para monitoramento de violações de restrição de contato (bloqueio de perfis, monitoramento de redes sociais e mensagens) podem tornar a fiscalização mais eficaz. Silveira (2021) defende o uso da tecnologia no auxílio à aplicação de tais medidas, além da criação de sistemas integrados entre as forças de segurança pública, as plataformas digitais e as instituições judiciais.
- Programas de conscientização e educação digital: Em paralelo à aplicação das leis, é imprescindível promover a educação digital, abordando o uso responsável da internet, o respeito à privacidade e a conscientização sobre o stalking digital.
- Programas de educação e conscientização, tanto para o público em geral quanto para as forças de segurança, podem ser instrumentos eficazes para prevenir a violência digital.
- Apoio psicológico e jurídico às vítimas de stalking digital: A criação de canais específicos de apoio psicológico e jurídico para vítimas de violência digital é uma medida essencial para garantir que as mulheres afetadas pelo stalking possam ter acompanhamento especializado. Dantas (2022) destaca a importância da assistência jurídica especializada para as vítimas de violência digital, que muitas vezes não sabem como proceder diante da complexidade do ambiente virtual.
- Responsabilidade das plataformas digitais: As plataformas de redes sociais, e-mails e outras formas de comunicação digital devem ser responsabilizadas pelo monitoramento e pela criação de mecanismos de denúncia mais ágeis e eficientes, conforme sugerido por Monteiro (2021).
- A obrigatoriedade de plataformas como Facebook, Instagram, Twitter, entre outras, adotarem políticas claras de combate ao stalking, criando espaços seguros para denúncia e aplicando penalidades aos agressores, pode ser um passo fundamental para combater a violência digital (Levy, 2012).
As propostas apresentadas para o enfrentamento do stalking digital representam avanços necessários no combate à violência de gênero no ambiente virtual. A criação de um tipo penal específico contribuiria para uma maior clareza jurídica e agilidade nos processos, ao passo que o aprimoramento das medidas protetivas permitiria uma resposta mais eficaz e adaptada às dinâmicas digitais. A utilização de tecnologias para monitorar o cumprimento dessas medidas e a integração entre órgãos de segurança, justiça e plataformas digitais podem fortalecer significativamente os mecanismos de proteção.
Além disso, é imprescindível investir em ações educativas e de conscientização para promover o uso seguro e respeitoso da internet, alcançando tanto a sociedade em geral quanto os profissionais que atuam no enfrentamento dessa violência. A criação de canais especializados de atendimento às vítimas, com suporte psicológico e jurídico, e a responsabilização das plataformas digitais por condutas abusivas também são fundamentais para garantir ambientes virtuais mais seguros. Tais medidas, quando implementadas em conjunto, reforçam a importância de uma abordagem multidisciplinar e preventiva na proteção das mulheres contra o stalking digital.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo central deste trabalho foi alcançado ao investigar como a Lei Maria da Penha, um dos principais marcos jurídicos no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, tem sido ampliada e reinterpretada para abarcar novas formas de violência, como o stalking e o assédio online, que surgiram com o avanço das tecnologias digitais. Essa análise revelou a importância de compreender a evolução histórica e filosófica da violência de gênero, reconhecendo-a não apenas como um fenômeno social, mas como uma questão estrutural que atravessa culturas, espaços e épocas.
No decorrer deste estudo, iniciou-se pela perspectiva filosófica sobre a violência de gênero, abordando conceitos fundamentais sobre poder, opressão e desigualdade que sustentam práticas violentas contra as mulheres. Essa abordagem permitiu entender que o fenômeno da violência não é apenas individual, mas está inserido em um contexto mais amplo de dominação masculina e de naturalização da inferioridade feminina. Em seguida, ao tratar dos aspectos gerais da Lei Maria da Penha, destacou-se como esse diploma legal representou um avanço significativo ao reconhecer diferentes formas de violência (física, psicológica, sexual, moral e patrimonial), criando mecanismos específicos para a proteção da mulher e impondo obrigações ao Estado no sentido de prevenir, punir e erradicar tais práticas.
É evidente que a Lei Maria da Penha representa uma quebra de paradigma, um marco jurídico importante na defesa e proteção dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. No entanto, a questão central, penso eu, é se a utilização da Lei Maria da Penha como base para pensar o stalking não reduz o alcance da discussão, restringindo-a ao âmbito doméstico e familiar. A partir da análise de dados e da literatura especializada, observa-se que o stalking, embora frequentemente associado ao ambiente digital e ao espaço público, também ocorre com frequência em contextos familiares e íntimos, como em relações de namoro, união estável ou após o fim de relacionamentos afetivos.
Nesse sentido, é possível compreender o stalking como uma forma de violência que pode, sim, ser enquadrada no rol das violências previstas na Lei Maria da Penha especialmente quando praticado por parceiros ou ex-parceiros, configurando violência psicológica, moral e, em certos casos, patrimonial. Dessa forma, a aplicação da Lei Maria da Penha ao stalking não limita o debate, mas amplia a sua eficácia quando o fenômeno ocorre no ambiente doméstico ou familiar, contribuindo para a proteção integral da mulher. Ainda assim, permanece o desafio de se pensar mecanismos jurídicos que contemplem o stalking em suas demais manifestações sociais, para além do contexto da intimidade.
Ao avançar para as inovações e modificações introduzidas pela Lei Maria da Penha, percebeu-se que o legislador buscou atender a uma demanda social por maior proteção, oferecendo não apenas medidas punitivas, mas também preventivas, como as medidas protetivas de urgência, que visam afastar o agressor e resguardar a integridade física e emocional da vítima. Contudo, observou-se que a aplicação prática da lei enfrenta desafios, especialmente no tocante às novas manifestações de violência que se desenrolam no ambiente digital.
A discussão sobre o stalking apresentou um resgate histórico e conceitual dessa prática, mostrando como ela evoluiu, desde os primeiros debates jurídicos e sociais no exterior até o reconhecimento como crime específico no Brasil. Além de ser uma prática que causa medo e sofrimento psicológico à vítima, o stalking pode ocorrer tanto presencialmente quanto no meio virtual, ampliando seus efeitos e dificultando o controle.
A partir disso, analisou-se a relação entre o stalking e a Lei Maria da Penha, além de outras legislações pertinentes, como o Código Penal e o Marco Civil da Internet. Ficou evidente que, embora a Lei Maria da Penha possa abarcar o stalking quando ele ocorre no contexto das relações domésticas e familiares, há lacunas normativas quando as vítimas são perseguidas por ex-parceiros, o que demanda a formulação de políticas públicas específicas para garantir proteção também nesses casos.
Foram sugeridas, ao longo do trabalho, propostas para o avanço das políticas públicas de proteção, como a criação de campanhas de conscientização digital, treinamento especializado para agentes de segurança pública e operadores do direito, além da ampliação das medidas protetivas de urgência para o contexto online, garantindo à mulher proteção mais eficiente em casos de perseguição virtual. As políticas públicas precisam ser pensadas de forma integrada, combinando prevenção, repressão e acolhimento das vítimas, considerando sempre as especificidades do meio digital, que permite ao agressor atingir a vítima mesmo sem proximidade física.
Portanto, este estudo reforça que a luta contra a violência de gênero precisa acompanhar as transformações sociais e tecnológicas, garantindo que as normas jurídicas evoluam para abarcar as novas formas de agressão e que as medidas de proteção sejam eficazes tanto no espaço físico quanto no virtual. A efetividade das normas, portanto, não depende apenas da existência de leis modernas, mas também de sua aplicação concreta, do fortalecimento das instituições de apoio às mulheres e do engajamento da sociedade na construção de uma cultura de respeito, igualdade e não violência.
5 O compromisso do Brasil com a erradicação da discriminação de gênero está formalizado em instrumentos internacionais, como o Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002, que promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979. Esse acordo internacional, ratificado pelo Brasil, exige medidas efetivas para eliminar a violência contra a mulher e a discriminação em todas as suas formas, refletindo o reconhecimento da gravidade dessa questão e a necessidade urgente de um enfrentamento jurídico e social (Brasil, 2002).
6 art. 213 o crime de estupro, definido como constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar outro ato libidinoso; no art. 215-A, a importunação sexual, que consiste em praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro; e no art. 216-A, o assédio sexual, que ocorre quando alguém é constrangido, geralmente por superior hierárquico, a obter favorecimento sexual (Brasil, 1940).
7 O art. 154-A, versa sobre a invasão de dispositivo informático com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou instalar vulnerabilidades para vantagem ilícita (Brasil, 2012).
8 O art. 18 autoriza a autoridade policial a adotar, de imediato, medidas protetivas urgentes para garantir a segurança da vítima, comunicando o juiz no prazo máximo de 48 horas. O art. 19 estabelece que o juiz deve analisar o pedido em até 48 horas. O art. 20 permite ao juiz conceder, liminarmente e sem ouvir a parte contrária, as medidas protetivas de urgência. O art. 21 trata da possibilidade de a mulher ser atendida em serviços de proteção, enquanto o art. 22 específica medidas direcionadas ao agressor, como suspensão de porte de armas, afastamento do lar, proibição de determinadas condutas (como aproximação e contato) e restrição ou suspensão de visitas aos dependentes. O art. 23 prevê medidas assistenciais à ofendida, como encaminhamento a programas oficiais de proteção e assistência. Já o art. 24 permite o uso de monitoramento eletrônico do agressor para garantir a efetividade das medidas.
9 O stalking, no contexto digital, pode ser ampliado para envolver uma série de formas de agressão, como o assédio por e-mails, redes sociais e até mesmo a exposição não consensual de imagens íntimas, também conhecida como revenge porn.
10 Esse tipo de comportamento se alinha com a definição de violência de gênero, conforme exposto por Guimarães e Dresch (2014), que destacam a violação dos direitos à intimidade e à privacidade, frequentemente praticadas em um ambiente cibernético onde as vítimas estão vulneráveis ao anonimato do agressor.
11 Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo. Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido (Brasil,2014).
REFERÊNCIAS
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1Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à Faculdade Fimca de Porto Velho como requisito para obtenção ao título de Bacharel em Direito. E-mail: kimberlsouzza@gmail.com
2Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à Faculdade Fimca de Porto Velho como requisito para obtenção ao título de Bacharel em Direito. E-mail: ravanijhully@gmail.com
3Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à Faculdade Fimca de Porto Velho como requisito para obtenção ao título de Bacharel em Direito. E-mail: maisatainara@gmail.com
4Professor Orientador. E-mail: guilherme.monteiro@fimca.com.br