CASO VOGUE X VOGUE SQUARE: OS LIMITES DA PROTEÇÃO DA MARCA À LUZ DO ACÓRDÃO N. 1.874.635-RJ DA TERCEIRA TURMA DO STJ

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202505160725


Guilherme Henrique de Paulo Perez1
João Victor Vieira de Sant’anna2


RESUMO  

O presente artigo científico efetuou a análise do acórdão de número 1.874.635-RJ, da Terceira  Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 08 de agosto de 2023 e veiculado no  Informativo de n. 784. O julgamento trata da proteção da marca, instituto de propriedade  industrial, no qual resolveu-se o embate entre os titulares da marca Vogue e do  empreendimento imobiliário chamado Vogue Square. O objetivo da pesquisa é expor os  limites de proteção da marca, além de suas classificações e, de maneira mais apurada, os  critérios que foram utilizados pelos julgadores ao proferir a decisão. Foram empregados os  métodos dedutivo e indutivo, e pesquisas bibliográficas, jurisprudenciais e documentais para  obter a elucidação do caso concreto.  

PALAVRAS-CHAVE: Propriedade Industrial. Propriedade Intelectual. Marca. Marca de  Alto Renome.  

ABSTRACT  

The scientific article analyzed the judgment of number 1.874.635-RJ, of the Third Group of  the Superior Court of Justice, judged on August 8, 2023, and published in Informative n. 784.  The case concerns trademark protection, a concept within industrial property law, specifically  the dispute between the owners of the Vogue trademark and the real estate development  named Vogue Square. The research aims to outline the limits of trademark protection, its  classifications, and more specifically, the criteria employed by the judges. It used the  deductive and inductive methods, and bibliographical, jurisprudential and documentary  research to obtain the elucidation of the concrete case.  

KEYWORDS: Industrial Property. Intellectual Property. Trademark. Well-known Trademark.  

INTRODUÇÃO  

A proposta deste trabalho é analisar os limites da amplitude da proteção da marca e,  consequentemente, apontar os seus desdobramentos e nuances, com base no caso concreto  apresentado.  

Em um primeiro momento, foram explanadas as linhas gerais da própria proteção  acerca do direito marcário. Após a própria definição e natureza jurídica do referido instituto,  procurou-se classificações doutrinárias e conceitos extraídos da Lei n. 9279/1996, com escopo  introdutório ao caso sob análise.  

No ingresso acerca das funções da marca, traçou-se, com espeque na legislação de  regência, um parâmetro de definição sobre os tipos de marca, inclusive com funções  primordiais e secundárias, o que reforçaria, então, a chancela estatal sobre o instituto, e  distinguiria a marca comum da notória.  

Após, ventiladas as questões essenciais sobre marca, imprescindível uma necessária  verticalização do tema, com o tratamento de destaque para as marcas notoriamente  reconhecida e de alto renome e a aplicação dos princípios basilares do referido instituto, tais  como a territorialidade e especialidade, com o intento de justificar o gênero marca notória.  

Ato contínuo, definidos os contornos iniciais que constituirão a base do trabalho,  adentra-se, definitivamente, no julgado paradigma do Superior Tribunal de Justiça a respeito  do caso notório Vogue x Vogue Square, com as alegações oferecidas pelas partes desde o  juízo de primeiro grau.  

Nessa esteira, realizados os apontamentos também ventilados em sede de recurso  junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, fato relevante mereceu destaque  após o julgamento do venerando Acórdão em segundo grau, qual seja: o atributo da Vogue  como marca de alto renome. 

Em prosseguimento ao desfecho, portanto, realizou-se uma análise crítica acerca do  rol argumentativo das partes, com a manutenção, pelo Tribunal da Cidadania, do quanto  decidido anteriormente nas instâncias inferiores, de que, embora a Vogue se tratasse de marca  de alto renome, tal características não foi o bastante para a manutenção da denominação do  empreendimento imobiliário Vogue Square.  

1. DIREITO DE MARCA: LINHAS GERAIS E PROTEÇÃO  

Em virtude das crescentes manifestações imateriais decorrentes da inteligência e  poder de criação do homem na sociedade, é de ímpar importância a regulamentação da  propriedade intelectual e, por conseguinte, da propriedade industrial, na qual a marca se  insere. No Brasil, o tema é regido atualmente pela Lei Federal n. 9.279, de 14 de maio de  1996, em pleno vigor.  

Assim, o detentor de um signo distintivo ou de uma criação obtém os seus proveitos  subjetivos, como a satisfação e o prestígio, bem como proveitos objetivos, materiais, ou seja,  o resultado econômico (CERQUEIRA, 1946, p. 67).  

A marca é uma espécie de signo distintivo, acompanhada de outras espécies do mesmo  gênero, como nome empresarial, título de estabelecimento e nome de domínio.  

Sobre a natureza jurídica da marca, são inúmeras as teorias debatidas e há alteração  conforme esteja ou não registrada:  

A teoria mais aceita no Brasil considera a marca como um direito real de  propriedade. É o enquadramento previsto no inciso XXIX do art. 5º da Constituição Federal, que determina que a legislação regule a proteção à “propriedade das  marcas”. A natureza da marca varia, porém, conforme seu status jurídico. As marcas registradas são objeto de um direito de propriedade, nos termos do art. 129 da Lei 9.279/1996. Já as marcas não registradas possuem uma natureza jurídica diversa. As marcas que não são objeto de qualquer uso ou depósito são res nullius, disponíveis para apropriação. Já as marcas que estão sendo usadas, mas ainda não foram depositadas (“marcas de fato”), são elementos inseparáveis do estabelecimento empresarial, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 da Lei 9.279/1996). As “marcas de fato” gozam da tutela ínsita a um direito pessoal, sem a mesma abrangência territorial de proteção que advém do depósito ou registro. (SCHMIDT, online) 

Prosseguindo, há diversas classificações e definições do instituto, a depender da fonte.  Nas obras doutrinárias, pode-se delinear algumas correntes distintas, a depender do aspecto da marca exaltada, porém, a mais completa é aquela que abrange as demais, além de acrescer pontos importantes: indicação da origem, caráter distintivo, atração e conservação da  clientela.  

Nessa linha, a Lei n. 9.279/1996 a define como “os sinais distintivos visualmente  perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais” (artigo 122). Já o lembrado Código de  Propriedade Industrial (Lei n. 5.772, de 21 de dezembro de 1971), em seu artigo 59, dispunha  que “Será garantida no território nacional a propriedade da marca e o seu uso exclusivo àquele  que obtiver o registro de acordo com o presente Código, para distinguir seus produtos,  mercadorias ou serviços, de outros idênticos ou semelhantes, na classe correspondente à sua  atividade”.  

Superada a questão classificatória, cabe apontar brevemente que, com base na  legislação atual, são consagrados três tipos de marcas: de produto ou serviço, de certificação e  coletiva.  

A marca de certificação atesta a conformidade do produto ou serviço a normas ou  especificações técnicas; a marca coletiva identifica produtos ou serviços provenientes de  membros de uma determinada entidade. Enfim, a marca de produto ou serviço tem a função  de distinguir o produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa.  

O objeto do presente trabalho, com base na análise do julgado abaixo ventilado, será  da marca de produto ou serviço, a qual, por sua vez, apresenta a função distintiva como  primordial, inclusive conforme a própria definição legal. Ou seja, o registro de marca confere  a possibilidade de distinguir e individualizar um produto ou serviço, refletindo na proteção do  signo distintivo e na escolha dos consumidores.  

Não obstante, as marcas podem exercer outras funções, apesar de secundárias, como a  indicação de origem, indicação de qualidade, econômica e publicitária (MORO, 2003, p.  37/45).  

A regulamentação da propriedade industrial pelo Estado de Direito, outorgando aos  detentores o registro da marca, confere não só a proteção do interesse industrial, mas também  um verdadeiro amparo estatal do instituto. Ampara-se, assim, o uso exclusivo, a proteção do  consumidor e repele-se a concorrência desleal:  

(…) ao conferir exclusividade de um sinal distintivo a um único titular, nada mais objetiva o legislador do que garantir a possibilidade a cada concorrente de identificar e diferenciar seu produto e/ou serviço no mercado, afastando o risco de confusão e/ou associação entre os produtos/serviços, assegurando ao consumidor a possibilidade de escolha e, por consequência, a manutenção da livre e saudável concorrência no mercado. (MORO; GAMA; GUIMARÃES, online) 

Não obstante, a proteção tem limites delineados na própria Lei n. 9.279/1996,  excluindo temas que não estão abrangidos (art. 132).  

Cabe apontar ainda que os níveis de tutela são maiores ou menores conforme a marca  seja “comum” ou notória, sendo a última classe detentora de maior abrangência e  exclusividade de uso.  

No acórdão n. 1.874.635-RJ da Terceira Turma do STJ, a análise permeou justamente  a condição da marca de produto VOGUE em confrontação ao empreendimento imobiliário  Vogue Square e os limites de proteção do instituto, conforme melhor esmiuçado adiante.  

Firmados o conceito, as funções e tutela do instituto sob análise, é possível passar à  apreciação da marca de alto renome e do princípio da especialidade, para então compreender  o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, cerne do presente artigo.  

2. MARCAS DE ALTO RENOME E PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE  

A proteção conferida às marcas, além de delimitada pelas hipóteses legais, também o  é por dois princípios que a fundamentam: o princípio da territorialidade e o princípio da  especialidade. Tais axiomas configuram verdadeiros limites à tutela do direito de marcas.  

Primeiramente, a territorialidade impõe que a propriedade da marca produza efeitos  apenas no país em que registrada, independentemente de sua origem. A Lei 9.729/1996  consagra referido princípio em seu artigo 129: “A propriedade da marca adquire-se pelo  registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular  seu uso exclusivo em todo o território nacional (…)”.  

De outra banda, o princípio da especialidade determina que se especifique o tipo de  produto ou serviço ao qual se destinará a marca a ser registrada, com a rejeição de certos  registros de signos iguais ou semelhantes para o mesmo tipo de produto ou serviço. (MORO,  2003, p. 67)  

Neste diapasão, em regra, garante-se a proteção de determinada marca apenas dentro  do segmento em que é registrada, tal como, por exemplo, uma marca de roupas que possui proteção no âmbito do segmento de vestuário não tratar-se de impeditivo para o registro de  uma marca semelhante para uma empresa de cosméticos.  

O grande escopo do princípio é evitar a possibilidade de confusão entre produtos ou  serviços semelhantes, com destaque para a característica principal das marcas: a  distintividade.  

Porém, algumas marcas atingem tamanha notoriedade, sobretudo em função do  aumento exponencial da difusão de informações e do uso de meios publicitários, que  necessitam de uma tutela jurídica diferenciada, representando exceções aos limites de  proteção estabelecidos.  

Assim, são duas as espécies do gênero marca notória: a marca notoriamente  reconhecida e a marca de alto renome. Marcas com tal caractere conferem ao detentor um  certo poder sobre a escolha do consumidor, que, automaticamente, atrela a qualidade do  produto ou serviço ao signo distintivo, e o leva a presumir características e qualidades e  influenciando diretamente a sua decisão.  

É nesse sentido o entendimento de Maitê Cecília Fabbri Moro (2003, p. 78):  

A notoriedade da marca representa portanto um fato, uma circunstância, em que a marca conquista grande conhecimento do público, o qual a relaciona com o produto ou o serviço assinalado. (…) Este não é um fato jurídico, mas sim um fato da realidade.  

De início, a marca notoriamente reconhecida detém uma proteção especial, mesmo  na ausência de registro no Brasil, por ser de grande conhecimento do público consumidor, vez  que transcende as fronteiras da nações. Evita-se, dessa forma, que terceiras pessoas tentem  obter proveito de sua notoriedade já estabelecida.  

No Brasil, a modalidade é tutelada pela legislação (art. 126 da Lei 9.279/1996):  

A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil. 

Conclui-se, pois, que a marca notoriamente reconhecida é exceção ao princípio da  territorialidade, mas conserva a especialidade, o que a diferencia da marca de alto renome.  Ressalte-se que, diversamente da marca notoriamente reconhecida, para conquistar a proteção como de alto renome, a marca já deve ser registrada no órgão competente, no caso o INPI  (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), conforme explanado a seguir.  

Ademais, a marca de alto renome conserva a territorialidade, mas traduz exceção ao  princípio da especialidade, por obter proteção em todos os ramos de atividade, conforme  inclusive prescreve o artigo 125 da Lei 9.279/1996. Isso porque é de conhecimento amplo do  público, não apenas dos consumidores em específico, qualificando seu produto ou serviço  correspondente:  

O alto renome, mais especificamente, decorre do grande conhecimento que se tenha da marca (notoriedade), mas, como dito, trata-se de um conhecimento que extrapola o ramo de atividade no qual o serviço e/ou produto assinalado está. Logo, a marca para ser considerada de alto renome deve ser conhecida por uma significativa parcela do público em geral (não somente o público consumidor do produto), mas, além disso, passa, por essa penetração mercadológica, a ser reconhecida pela sua “identidade”, pelos valores que a marca carrega e transmite ao mercado. (MORO; GAMA; GUIMARÃES, online) 

 Havia, pois, louvável conceito do próprio INPI, veiculado em sua revogada Resolução  n. 121/05, a qual, em seu artigo 2° assim aduzia:  

Considera-se de alto renome a marca que goza de uma autoridade incontestável, de um conhecimento e prestígio diferidos, resultantes da sua tradição e qualificação no  mercado e da qualidade e confiança que inspira, vinculadas, essencialmente, à boa imagem dos produtos ou serviços a que se aplica, exercendo um acentuado magnetismo, uma extraordinária força atrativa sobre o público em geral, indistintamente, elevando-se sobre os diferentes mercados e transcendendo a função a que se prestava primitivamente, projetando-se apta a atrair clientela pela sua simples presença. 

Com efeito, a marca de alto renome tem relação direta com a proteção do consumidor.  Com a proteção e constante limitação do uso do signo distintivo de grande conhecimento do  público, tutela-se, assim, também o consumidor, que terá menos chances de ser levado a erro  no momento de escolher um produto ou serviço.  

O tema possui íntima relação com o julgado sob análise, cujos detentores da marca  VOGUE buscavam a proteção conferida às marcas de alto renome e, por consequência, a  exceção ao princípio da especialidade, para impedir que um empreendimento imobiliário se chamasse “Vogue Square”. 

Portanto, buscou-se, no presente tópico, expor os conceitos das marcas notórias,  relacionando-os aos princípios do direito marcário, especialmente por serem verdadeiras  exceções a eles. Com o conhecimento necessário do tema, resta a análise do julgamento do  caso concreto VOGUE x Vogue Square.  

3. ANÁLISE DO ACÓRDÃO N. 1.874.635-RJ DA TERCEIRA TURMA DO STJ  

A VOGUE trata-se de uma empresa de propriedade da “Advance Magazine  Publishers Inc. e Condé Nast Brasil Holding Ltda.”, e, apesar de inicialmente ser explorada  como revista de moda e comportamento, atualmente abrange diversos produtos e serviços de  segmentos distintos e muitas vezes não conexos.  

O imbróglio se iniciou quando os detentores da marca VOGUE tomaram  conhecimento do empreendimento imobiliário nomeado “Vogue Square Life Experience”, na  cidade do Rio de Janeiro. Diante do fato, ajuizaram ação inibitória de infração de marca, sob a  alegação de que o empreendimento, consistente em um centro comercial, confundiria os  consumidores e o nome traduziria uma concorrência desleal, pois, assim como a marca  VOGUE, busca atingir o consumo de luxo.  

Ainda, em laudo técnico apresentado pela parte autora, afirmou-se que haveria  captação de clientela “por carona” ou “parasitária”, o que, involuntariamente, proporciona  enriquecimento e promoção do empreendimento às custas da marca VOGUE.  

Em defesa, a parte requerida expôs que a exploração e consequente divulgação do  empreendimento foram realizadas sem qualquer vínculo associativo com a marca VOGUE,  não havendo qualquer falta à proteção da marca ou ao direito do consumidor. Acresceram  ainda, em argumentação, que o seleto grupo a ser atingido saberia distinguir os produtos e  serviços, sem qualquer possibilidade de gerar confusão no público destinatário.  

De igual modo, também embasam a contestação com espeque no artigo 128,  parágrafo primeiro da Lei de Propriedade Industrial, que consagra o princípio da  especialidade, ou seja, a proteção da marca ocorre apenas nos produtos e serviços do mesmo  segmento.  

Sob a análise dos argumentos de ambas as partes, a sentença de primeiro grau foi de  improcedência, justamente com base no princípio da especialidade, e no fato de que as atividades exercidas pelas combatentes seriam distintas. Houve recurso de Apelação por parte  da Advance Magazine Publishers Inc. e Condé Nast Brasil Holding Ltda., mas a sentença foi  mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob os mesmos fundamentos:  

A propósito, confira-se a ementa do Acórdão do Tribunal estadual:  

APELAÇÃO CÍVEL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. Ação inibitória, na qual perseguem as empresas-autoras ver cessando todo e qualquer uso da marca VOGUE pelas empresas-rés, inclusive como nome do empreendimento Vogue Square, sob pena de multa diária, além de indenização por danos decorrentes da utilização indevida da referida marca, nos termos do art. 209 e na forma do art. 210, II, ambos da Lei de Propriedade Industrial. Preliminar de nulidade da sentença, por cerceamento de defesa e por ausência de fundamentação, afastada. Conjunto probatório dos autos do qual não se extrai a existência de concorrência desleal e locupletamento com esforço alheio, em decorrência do nome atribuído a um centro  comercial (shopping center). Nome de um condomínio que não se caracteriza tecnicamente como uma marca ou serviço a ser consumido pelo público que ali frequenta. Marca VOGUE que não se encontra dentre as marcas de alto renome no Brasil, encontrando-se, outrossim, diluída, eis que identifica inúmeros outros tipos de produtos e serviços, não só no Brasil, como no resto do mundo. Pedido improcedente. Sentença mantida. Desprovimento do recurso. Verba honorária majorada nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15. (TJ-RJ – APL:  01239521820178190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 1 VARA EMPRESARIAL, Relator: MARIA INÊS DA PENHA GASPAR, Data de Julgamento: 28/03/2018, VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/05/2018) 

Conforme pôde se verificar do Acórdão, o Tribunal de Justiça, em sede de julgamento  de apelação, obtemperou que não caracterizaria a concorrência desleal em virtude da  atribuição de nome, ainda que semelhante, vez que a marca VOGUE seria conhecida por um  nicho de produtos e serviços completamente distinto de um empreendimento imobiliário com  finalidade comercial.  

Ainda irresignada, a parte autora VOGUE interpôs Recurso Especial, cujo acórdão,  ante a sua relevância, foi veiculado no Informativo de n. 784 do Superior Tribunal de Justiça,  de seguinte teor ementário:  

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. CONCORRÊNCIA DESLEAL. APROVEITAMENTO PARASITÁRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. NOME DE EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. PROTEÇÃO À MARCA.  INEXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em verificar se houve cerceamento de defesa e se a denominação de empreendimento imobiliário como Vogue Square configuraria uso indevido de marca e concorrência desleal por aproveitamento parasitário. 2. Os  princípios da livre admissibilidade da prova e da persuasão racional autorizam o julgador a determinar as provas que entende necessárias à solução da controvérsia,  assim como o indeferimento daquelas que considerar prescindíveis ou meramente protelatórias. Assim, não há cerceamento de defesa no julgamento da causa sem a produção da prova solicitada pela parte quando devidamente demonstrado pelas instâncias de origem que o processo se encontrava suficientemente instruído. 3. A  marca é o signo distintivo que identifica um produto ou um serviço, sobretudo porque o empresário organiza sua atividade e os meios necessários à consecução do fim social da empresa buscando otimizar seus resultados e exerce uma atividade criativa, para aplicar em seu estabelecimento e em seus produtos ou serviços sinais que possam ser reconhecidos pela clientela e consumidores. 4. A proteção da marca, seja ela de alto renome ou não, busca evitar a confusão ou a associação de uma marca registrada a uma outra, sendo imprescindível que a violação ao direito marcário cause confusão no público consumidor ou associação errônea, em prejuízo do seu titular. 5. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “os nomes atribuídos aos edifícios e empreendimentos imobiliários não gozam de exclusividade, sendo comum receberem idêntica denominação. Estes nomes, portanto, não qualificam produtos ou serviços, apenas conferem uma denominação para o fim de individualizar o bem” (REsp n. 1.804.960/SP, Rel. Ministra Nancy  Andrighi, relator para acórdão Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 24/9/2019, DJe 2/10/2019). 6. No caso dos autos, o empreendimento imobiliário Vogue Square é constituído por escritórios, lojas, hotel, academia e centro de convenções, de modo que não se vislumbra a possibilidade de indução dos consumidores ao erro, da caracterização de concorrência parasitária ou do ofuscamento da marca da autora, mormente porque os estabelecimentos ali situados conservam seus nomes originais, sem nenhuma vinculação de produtos ou serviços à marca Vogue. 7. A diluição da marca decorre do uso de sinal distintivo por terceiros fora do campo de especialidade de determinadas marcas de grande relevância ou famosas (mas que não foram reconhecidas como de alto renome pelo INPI), de maneira que seu valor informacional deixa de ser suficientemente significativo, tornando o signo cada vez menos exclusivo. 8. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ – REsp: 1874635 RJ 2019/0357340-5, Relator: Ministro MARCO  AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 08/08/2023, T3 – TERCEIRA  TURMA, Data de Publicação: DJe 15/08/2023) 

Quando proposta a ação, a marca VOGUE ainda não era registrada como de alto  renome no Brasil; todavia, antes do julgamento do Recurso Especial pela Terceira Turma do  Superior Tribunal de Justiça, informou-se fato novo ao Tribunal da Cidadania, qual seja, a  decisão administrativa do INPI por meio da qual foi deferido tal atributo e qualidade (marca  de alto renome).  

Com tal qualificação, em tese, haveria maior âmbito de proteção em todos os ramos  de atividade, sendo, assim, um argumento a mais favorável à recorrente para propiciar o  convencimento dos julgadores de instância superior.  

No entanto, o entendimento de primeiro e segundo grau foi mantido, mais uma vez,  em sede recursal.  

Em prosseguimento, verifica-se que a decisão do Superior Tribunal de Justiça teve  como balizas as seguintes argumentações: distinção entre os setores de atuação; ausência de  risco na confusão entre os nomes do empreendimento Vogue Square e Vogue; e, por fim, o  direito de terceiros. 

Para o Tribunal Superior, ainda que a marca ostente o atributo de alto renome e a ela  não seja aplicável o princípio da especialidade, a proteção legal não atinge nomes de  empreendimentos imobiliários, pois estes seriam apenas nomenclaturas utilizadas tão somente  para individualização, o que afastaria sua aplicabilidade para produtos ou serviços.  

Ou seja, a simples identificação de um bem imóvel, sem características inventivas,  não teria o condão de configurar concorrência desleal, clientela “parasitária” ou confusão aos  consumidores.  

Ademais, apenas o centro comercial é nomeado Vogue Square, sendo que cada um  dos ocupantes das unidades específicas explorarão um ramo de atividade e buscarão atingir a  clientela em seu ramo de atividade.  

Diante do exposto, a qualificação da marca VOGUE como de alto renome,  inobstante a exceção ao princípio da especialidade, não foi fator suficiente para impedir que o  empreendimento tivesse denominação semelhante, o que evidencia que a proteção garantida à  tal espécie de marca notória não é absoluta e não deve ser aplicada de forma irrestrita, sob  pena de macular a própria finalidade do instituto e do direito marcário. 

CONCLUSÃO  

Por todo o exposto, com base no quanto acima elucidado, verifica-se o acerto na  decisão do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial que  gerou o acórdão 1.874.635/RJ, julgado em 08 de agosto de 2023.  

Ademais, da análise doutrinária e jurisprudencial do tema, infere-se que foi acertada  a decisão que afastou as alegações iniciais a respeito da proteção da marca, mormente em  causas em que não haja qualquer conexão mercadológica que possa causar confusão ao  destinatário.  

Com efeito, a distinção realizada entre a marca notoriamente conhecida é a marca de  alto renome, alicerçada nas linhas gerais acerca do conceito, natureza jurídica e limites de  proteção conferidos pelos princípios ao direito marcário, foram essenciais para o entendimento  posto a desate no caso concreto.  

Portanto, pode-se afirmar que o caso Vogue versus Vogue Square consolidou o  entendimento de que o alto renome de uma marca não garante proteção absoluta contra a  diluição. A decisão reforçou a necessidade de analisar cada caso de forma individualizada,  considerando fatores como o ramo de atuação, o risco de confusão entre os produtos ou  serviços e o direito de terceiros de utilizarem termos descritivos ou genéricos.  

Em arremate, denota-se que o ventilado caso representa um precedente importante na  defesa da propriedade intelectual no Brasil. O julgado demonstra o compromisso do Superior  Tribunal de Justiça na manutenção do equilíbrio dos direitos dos detentores de marcas de alto  renome com o direito à livre concorrência e à liberdade de expressão, insculpidos no sistema  constitucional pátrio, inclusive no rol de direitos fundamentais. 

REFERÊNCIAS  

BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. 

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______, Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1971. Disponível em: <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 22 jun  2024.  

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_______, Resolução n. 121, de 13 de dezembro de 2005. Revogada. INPI. Disponível em: <  https://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/Normativos_revogados#:~:text=Res olu%C3%A7%C3%A3o%20n%C2%BA%20121%2F05%2C%20de,Resolu%C3%A7%C3% A3o%20n%C2%BA%2023%2F2013).>. Acesso em: 22 jun 2024.  

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial: REsp 1.874.635/RJ Relator:  Ministro Marco Aurélio Bellizze. Data de Julgamento: 08/08/2023. Disponível em:  <hhttps://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%27201903573405%27.REG.>.  Acesso em 23 jun 2024.  

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CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Volume I. Rio de  Janeiro: Revista Forense, 1946.

MORO, Maitê Cecília Fabbri. Direito de Marcas: Abordagem das marcas notórias na Lei  92.79/1996 e nos acordos internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.  

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JABUR, Wilson Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Coordenadores. Propriedade  intelectual: sinais distintivos e tutela judicial e administrativa. São Paulo: Saraiva, 2007.


1Mestrando em Função Social do Direito (FADISP). Especialista em Imobiliário e Direito Notarial e Registral. Escrevente em Registro de Imóveis no Estado de São Paulo.
2Mestrando em Função Social do Direito (FADISP). Especialista em Direito Civil e Direito Notarial e Registral. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas no Estado de São Paulo.