REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202505120848
Sandra Maria dos Santos1
Resumo: O objetivo deste estudo é apresentar e analisar os números da desigualdade e violência em relação às mulheres negras no Brasil. Trata-se de uma revisão bibliográfica e documental que pretende ilustrar, na frieza dos números, o cenário de dor e invisibilidade pelo qual essa parcela da população é acometida, sendo atingida nos seus direitos básicos de saúde, segurança, trabalho e moradia. As informações aqui apresentadas, por meio de dados coletados em publicações elaboradas e expostas por instituições oficiais, denotam o quanto o racismo está impregnado nos diversos segmentos da sociedade brasileira. Conclui-se que para as mulheres negras, essencialmente, este sistema opressor intersecciona outros fatores, além da raça, como o gênero, o ambiente, a classe social, resultando em uma realidade de vida ainda mais desafiadora.
Palavras-chave: Mulheres Negras. Racismo. Violência. Desigualdade.
Abstract: The objective of this study is to present and analyze the data on inequality and violence related to black women, in Brazil. This is a bibliographic and documentary review that aims to illustrate, in the coldness of numbers, the scenario of pain and invisibility that this segment of the population is affected by, since their basic rights to health, safety, work and housing are violated. The information presented here, through publications prepared and presented by official institutions, shows how much racism is pervasive in various segments of Brazilian society. As a conclusion, for black women, essentially, this oppressive system intersects with other factors, in addition to race, such as gender, environment and social class, resulting in a reality of life even more challenging.
Keywords: Black Women. Racism. Violence. Inequality.
1. INTRODUÇÃO
O processo de escravização no Brasil foi iniciado a partir do século XVI, com a instauração do tráfico de pessoas. Durante esse trágico episódio da história, milhares de pessoas negras foram sequestradas de seus países, de maneira brutal e desumana, para serem tratadas como mercadoria, tendo o servir como único propósito de vida. Esse sistema originou danos irreparáveis ao povo negro e acarreta consequências até os dias atuais.
À época, as pessoas escravizadas eram trazidas ao Brasil, acorrentadas nos porões de embarcações chamadas de navios negreiros ou tumbeiros. Durante o período em alto-mar e em razão das péssimas condições dos navios, grande parte dessas pessoas morria ao longo do percurso da viagem.
Partindo desse processo de desumanização, o sistema opressor racista, a começar pela escravização da população negra, teve por objetivo principal explorar, extorquir e apagar a sua cultura, linguagem, identidade e dignidade.
Ao invadirem essas terras, os europeus não somente se apropriaram do território, do patrimônio natural e da abundância de riquezas, como também desenvolveram práticas de dominação e colonização, com o intuito de lucrar. De acordo com Cisne e Ianael (2022), a escravização no Brasil se constitui por intermédio desse contexto em que nações colonizadoras, com vistas à expansão comercial/mercantil e acumulação de riqueza, alcançaram os objetivos, pautados em ações de violência, trabalho escravizado e genocídio.
O resultado da execução perfeita desse sistema de poder da branquitude patriarcal e capitalista se reflete em uma população negra brasileira exposta ao racismo estrutural, ostentado nas mais diversas e perversas formas de violência, desigualdade, discriminação, pobreza e vulnerabilidade.
O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão, após quase 400 anos de dor, violência e desumanização da população negra. Em 13 de maio de 1888 foi assinada a Lei Áurea, que “abolia” o trabalho escravo. Entretanto, o que poderia decretar o fim de um período atroz, não passou, na verdade, de uma sensação de liberdade ilusória.
A realidade demonstrava que os negros escravizados eram a força de trabalho que permitia o enriquecimento de seus senhores e dos países da Europa. Portanto, o negro não contribuiu apenas para a construção do Brasil e dos países beneficiários de seu rapto, mas contribuiu para o desenvolvimento do mundo como um todo. Segundo Ercolani e Fernandes (2020, p. 4), embora o povo negro tenha sido destituído da condição de escravo e passado para a de trabalhador livre, “sua condição de raça e classe permitiu a manutenção de sua exclusão”.
Tal como mencionado anteriormente, a escravização gerou danos irreparáveis para a população negra e o racismo, consequentemente, permeia a sociedade até os dias de hoje, como uma herança de um passado colonial devastador. A esse respeito, Munanga e Gomes (2004, p. 152) afirmam que, ao “escravizado no Brasil e aos seus descendentes que nasceram sob o regime da escravidão era interditado o acesso ao seu próprio corpo. Seus corpos eram obrigados a trabalhar sem cessar, de acordo com o ritmo da plantação, da mineração, da Casa-Grande, ditado pelo mundo dos brancos”.
Embora tenham passado mais de 130 anos da “abolição da escravatura”, o Brasil, até os dias atuais, permanece com as implicações desse regime violento. Hoje, a população brasileira, em sua maioria, é formada por negros (pardos e pretos), o que corresponde a 56,1%, totalizando 112,8 milhões de habitantes, dos 210,3 milhões no total, de acordo com os dados do IBGE (2022).
Dentro desse contexto da população brasileira, majoritariamente negra, ressalta-se neste estudo a condição das mulheres negras na sociedade. O cenário, vivenciado por essa parcela da população, é ainda mais cruel, haja visto que, na intersecção de raça, gênero, ambiente, classe social, entre outros aspectos, resulta no enfrentamento de uma condição de vida de total desamparo, dor e sofrimento.
O cômputo de quase quatro séculos de escravização, fundamentalmente para as mulheres negras, evidencia que a discriminação que as afeta tão diretamente é o retrato de um país que normalizou a estrutura completa do racismo contra esse grupo, cerceando e invisibilizando seus corpos e sentimentos.
2. MULHERES NEGRAS
“Uma mulher negra diz que ela é uma mulher negra. Uma mulher branca diz que ela é uma mulher. Um homem branco diz que é uma pessoa.” Estas foram as palavras proferidas pela escritora e artista portuguesa Grada Kilomba (2016) ao contar uma anedota em sua performance palestra Descolonizando o Conhecimento e que tão bem ilustram a condição das mulheres negras.
As mulheres negras enfrentam a discriminação e as desigualdades sociais e econômicas que afligem o país de forma mais intensa. Essas desigualdades acabam por expor uma complexa convergência de racismo e sexismo, cujas raízes se encontram profundamente sedimentadas na história do Brasil e se exteriorizam de diferentes maneiras no dia a dia.
Durante o longo período de escravização das pessoas negras no Brasil, os aspectos relacionados a violência contra as mulheres negras apresentam características que se perpetuaram e permanecem presentes.
Um exemplo é a objetificação da mulher negra que, de acordo com Ercolani e Fernandes (2020), construiu-se a partir do processo de escravização dos colonizadores e as legou uma posição ainda pior na sociedade. A mulher negra escravizada era vítima de violência e exploração sexual, crimes estes exercidos, na maioria das vezes, por seus patrões. Tal condição é apresentada na análise realizada por Angela Davis (2016, p. 25), conforme trecho a seguir:
A maioria das meninas e das mulheres, assim como a maioria dos meninos e dos homens, trabalhava pesado na lavoura do amanhecer ao pôr do sol. No que dizia respeito ao trabalho, a força e a produtividade sob a ameaça do açoite eram mais relevantes do que questões relativas ao sexo. Nesse sentido, a opressão das mulheres era idêntica à dos homens. Mas as mulheres também sofriam de forma diferente, porque eram vítimas de abuso sexual e outros maus-tratos bárbaros que só poderiam ser infligidos a elas. A postura dos senhores em relação às escravas era regida pela conveniência: quando era lucrativo explorá-las como se fossem homens, eram vistas como desprovidas de gênero; mas, quando podiam ser exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas às mulheres, elas eram reduzidas exclusivamente à sua condição de fêmeas.
Neste contexto, é importante analisar a utilização da mulher negra de diferentes maneiras por seus “proprietários”, no que tange à satisfação de suas necessidades e vontades. As mulheres negras escravizadas, além de desempenharem diversas atividades até a exaustão nas lavouras, eram, constantemente, estupradas, agredidas e violadas. Cabe lembrar ainda que essas mulheres não tinham apenas seus corpos explorados, mas também eram vítimas de outro tipo de exploração, como é o caso das amas de leite.
Em consonância com essa constatação, Cisne e Ianael (2022) descrevem como as mulheres negras, que serviam às senhoras brancas, tiveram seus corpos castigados e seus filhos arrancados de si para servirem de mercadoria, ao serem obrigadas a usar o leite que produziam para nutrir e amamentar crianças brancas de famílias ricas. A história, portanto, indica que a dimensão de classe e raça tornaram a vida das mulheres bastante desigual.
Cabe aqui destacar, novamente, a importância de uma análise intersecional dessas relações de poder, que tiveram seu início na colonização e seguem presentes na atualidade. A violência está reproduzida e pode ser constatada em músicas, poemas e ditados populares, tal como descrito por Freyre (2005, p. 36): “Branca para casar, mulata para f…, negra para trabalhar”.
Ao observarmos a formação da sociedade brasileira, diante de um cenário de violências e coisificação da mulher negra, faz-se necessário examinar e discutir profundamente como foi forjada a constituição dessa população.
No Brasil, avalia Ribeiro (2018, p. 74), criou-se o mito da “democracia racial”, em que se defende que todo mundo se ama, denotando que tal miscigenação era consentida e apreciada. Entretanto, a fantasiosa “democracia racial” é, na realidade, fruto de abusos, estupros e violência, e deriva-se de mais de quatro séculos de opressão, maus-tratos e tortura da população negra. Notadamente, nessas circunstâncias, muitas vezes, o próprio negro tem dificuldade para entender que a sociedade é racista.
O racismo, conforme elucida Pinheiro (2023), se configura em uma estrutura que aprisiona pessoas negras e coloca obstáculos nos processos de avanço social dessas pessoas. Tal alegação relaciona-se diretamente com a herança dos colonizadores, na instituição de uma estrutura patriarcal de família, e corrobora com a visão de Nascimento (1978) sobre a vulnerabilidade da mulher negra, já que, em razão da sua posição social, marcada por pobreza, ausência de status e desamparo, segue sendo um alvo fácil para diversas formas de agressão.
Ainda sobre a questão da desigualdade racial e de gênero, o Ministério da Igualdade Racial (BRASIL, 2023a) apresentou dados que apontam para as conhecidas evidências de maior vulnerabilidade socioeconômica da mulher negra e para o fato de que mulheres negras ocupam a base da pirâmide social, sofrendo com maiores taxas de desemprego, menor remuneração e acesso limitado a serviços básicos.
Figura 1 – Pirâmide social no Brasil.

Como ilustração desse contexto de sofrimento, recuperamos um depoimento de Gloria Maria, em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, no qual relatou todo o preconceito enfrentado ao longo da vida. Nas palavras da jornalista:
“Nada blinda preto de racismo, nada. E com mulher preta é pior ainda. Nós somos mais abandonadas e discriminadas, porque o homem preto não quer a mulher preta. Nada blinda a gente. Você tem que aprender a se blindar da dor […].” (ISTO É GENTE, 2022).
Por se tratar do maior grupo populacional brasileiro, sendo 60,6 milhões (11,30 milhões de mulheres pretas e 49,3 milhões de mulheres pardas), e corresponder, de acordo com os dados do Ministério da Igualdade Racial (BRASIL, 2023a), a mais de 28% da população total, faz-se necessário examinar e divulgar como são os comportamentos e tratamentos recebidos por essa parcela população brasileira.
3. SEGURANÇA PÚBLICA
A Constituição Federal do Brasil (1998), no seu artigo 144, destaca o que se segue: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio […].”.
Com base no exposto, a segurança pública, fundamentada nos valores da cidadania e nos direitos humanos, consiste em um conjunto de mecanismos e ações preventivas destinados a proteger a população contra perigos, prejuízos e riscos à vida e ao patrimônio. Em um contexto de plena democracia, ela se encarrega de salvaguardar os direitos individuais e viabilizar o pleno exercício da cidadania.
Todavia, ao considerar este princípio fundamental da Constituição brasileira, o que podemos observar é a existência de uma diferenciação no tratamento dos cidadãos. Em relação à segurança pública, constata-se que a população negra frequentemente não é vista como merecedora desse direito, figurando, ao contrário, majoritariamente entre as vítimas, conforme evidenciam diversos dados.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), por meio da 18.ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024), aponta que 82,7% do perfil das vítimas em intervenções policiais realizadas ao longo de 2023 correspondem a pessoas negras, confirmando, assim, que o risco relativo de um negro morrer por intervenção da polícia é 3,8 vezes maior.
Esse índice aterrorizante e repulsivo tende a demonstrar, objetivamente, como o racismo estrutural e institucional está presente e impregnado na sociedade brasileira. Tal afirmação encontra respaldo na observação de Nascimento (1978), que aponta para a existência de mecanismos de vulnerabilização da população negra no Brasil, originados desde a formação do sistema escravista e perpetuados por meio das estruturas institucionais da economia, da política, da cultura e da polícia, culminando na eliminação generalizada desse grupo populacional.
Outros dados estatísticos alarmantes se referem às Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP), as quais revelam um quadro preocupante sobre o padrão de uso da força pelas polícias brasileiras. Ao analisar, em diversas cidades do país, a proporção dessas mortes em relação ao total de Mortes Violentas Intencionais (MVI), nota-se uma contradição com o argumento de que as polícias “apenas reagem a injustas agressões dos criminosos” (FBSP, 2024).
Dentre as diversas formas de violência contra a mulher, destaca-se o feminicídio – assassinato motivado por violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação de gênero. No ano de 2022, em crimes deste tipo, as mulheres negras representavam 61,1% das vítimas, enquanto as brancas, 38,4%. Essa disparidade, já significativa, tornou-se ainda maior em 2023, quando 63,6% das 1.467 mulheres assassinadas por feminicídio eram negras, e 35,8%, brancas (FBSP, 2024).
Segundo dados recentes, ao longo dos anos, o perfil das mulheres mortas de forma violenta permaneceu relativamente estável: são mulheres negras (66,9%), com idade entre 18 e 44 anos (69,1%) (FBSP, 2024).
Existe uma cor e uma faixa de idade comum entre as vítimas da violência letal contra mulheres, seja ela o feminicídio ou as demais formas de MVI. No que diz respeito aos casos de estupro, o FBSP (2024) registrou um recorde de 83.988 casos em 2023, no Brasil, com aumento de 6,5% em relação ao ano anterior. Esse tipo de violência, que assola desproporcionalmente mulheres e meninas, reflete a persistência da desigualdade de gênero e da impunidade, o que contribui ciclicamente para a continuidade desse problema.
Os números apresentam diferentes dimensões da evolução dos casos de estupro por grupos raciais. Muito embora em uma proporção mais elevada que os casos de assédio sexual, os estupros também se mostram em alta (chegaram a dobrar em alguns casos), sendo mais prevalentes entre as mulheres negras. No Brasil, a proporção de vítimas negras em casos de violência sexual saltou de 56,4% em 2012 para 63,2% em 2021, um aumento significativo (FBSP, 2024). Assim, as mulheres negras se constituem como as maiores vítimas dos feminicídios, dos estupros, dos abusos físico e emocional.
A pesquisa Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto de Pesquisa Data Folha, indicou que as mulheres negras apresentaram níveis de vitimização muito mais elevados do que de mulheres brancas nos casos de violência física severa, como espancamento (negras com 6,3% e brancas com 3,6%) e ameaça com faca ou arma de fogo (negras com 6,2% e brancas com 3,8%) (FBSP; INSTITUTO DATA FOLHA, 2023).
Essa pesquisa apontou também que a prevalência da vitimização dos casos na residência é, igualmente, maior entre as mulheres negras (56,6%) do que entre as brancas (45%). Ou seja, embora a casa seja o lugar onde as mulheres mais sofrem violência, algumas estão ainda mais propensas a serem vítimas dentro de seus próprios lares do que outras (FBSP; INSTITUTO DATA FOLHA, 2023). Evidencia-se, então, que o espaço menos seguro, sobretudo para as mulheres negras, continua sendo dentro de casa. A residência é o principal palco não somente das violências analisadas pela pesquisa, mas também do mais grave tipo de violência, a letal. Em 2021, 65,6% dos feminicídios ocorreram nas residências (FBSP, 2022).
A violência psicológica, menos reconhecida do que a física ou sexual, também está em alta no Brasil. Ainda assim, em tendência semelhante às outras ocorrências, os casos de violência psicológica são mais prevalentes entre as mulheres negras, que correspondeu a 2/3 das mulheres vítimas de violência psicológica em 2021. Entre elas, a taxa de vítimas pretas chega a ser quase o dobro da taxa de vítimas brancas (DUQUE et al., 2024).
Outro ponto importante referente a segurança pública no país, é a população carcerária. Dos mais de 850 mil presos no país, cerca de 70% são negros, totalizando 470 mil pessoas. Os números escancaram o racismo estrutural no sistema carcerário brasileiro. Do total de encarcerados, 805 mil são homens e 46 mil, mulheres (AGÊNCIA BRASIL, 2024).
De acordo com Ercolani e Fernandes (2020), baseando-se nos dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), o crescimento da população carcerária feminina aumentou 564% no período entre 2000 e 2019. De julho a dezembro de 2019, o INFOPEN revelou que, do total de mulheres em situação de prisão, 21.299 são negras e pardas, ao passo que 10.331 são mulheres brancas.
Ainda sobre o assunto, as autoras também apontam que o encarceramento em massa exige uma revisão urgente do sistema penitenciário. A mulher negra encarcerada enfrenta uma tripla opressão: o racismo e o machismo presentes no seu dia a dia, somados ao estigma da prisão (ERCOLANI; FERNANDES, 2020).
Gráfico 1 – A segurança pública, o racismo e os números da desigualdade.

Tabela 1 – Compilação de dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e INFOPEN.

A apresentação desses dados sobre Segurança Pública visa promover uma reflexão sobre a condição das mulheres negras na sociedade brasileira. Para ilustrar essa realidade de violência e desumanidade, o poema “Certidão de Óbito” da escritora Conceição Evaristo (2017) oferece uma representação desse processo de extermínio direcionado à população negra no Brasil:
“[…] A terra está coberta de valas
e a qualquer descuido da vida
a morte é certa.
A bala não erra o alvo,
no escuro um corpo negro bambeia e dança.
A certidão de óbito, os antigos sabem,
veio lavrada desde os negreiros.”
4. TRABALHO E MORADIA
O Brasil foi construído e desenvolvido pelas mãos dos escravizados. Diante das piores formas de violência, a nação se estabeleceu sobre os corpos negros que foram e continuam sendo negligenciados.
O projeto de apagamento dessa história está reproduzido nos livros didáticos de história, apresentando a construção do Brasil como obra exclusiva de brancos europeus, relegando todos os outros agentes a um papel secundário. Assim é corretamente rememorado por Nascimento (1978, p. 49):
O papel do negro escravo foi decisivo para os começos da história econômica de um país fundado, como era o caso do Brasil, sob o signo do parasitismo imperialista. Sem o escravo a estrutura econômica do país jamais teria existido. O africano escravizado construiu as fundações da nova sociedade com a flexão e a quebra da sua espinha dorsal, quando ao mesmo tempo seu trabalho significava a própria espinha dorsal daquela colônia. Ele plantou, alimentou e colheu a riqueza material do país para o desfrute exclusivo da aristocracia branca.
Apesar da tentativa de apagamento da participação significativa e resistente do povo preto na edificação do país, é legítima a comprovação de que não existe história do Brasil sem os negros.
Conforme apresentado pela Agência Brasil (2023a), o mercado de trabalho também contribui para a desigualdade racial, negando não apenas a inserção da população negra nesse espaço, mas também as possibilidades de ascensão. Neste tópico, as mulheres negras representam a parcela mais pobre da sociedade brasileira, visto que possuem a situação de trabalho mais precária, têm os menores rendimentos e as mais altas taxas de desemprego. São também as que têm maior dificuldade de completar a escolarização, além de possuir chances remotas de alcançarem cargos de direção e chefia. Quando a mulher negra obtém trabalho, ocupa os cargos de menor qualidade, status e remuneração.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, por intermédio da PNAD Contínua, informa que amaior presença das mulheres negras no trabalho informal deve-se, ao menos em parte, à sua maior participação no setor de serviços domésticos e cuidados, onde a informalidade prevalece (IBGE, 2022). Consolidando estes dados, Gonzalez (1980, p. 44), percorre estes fatos, analisando que:
O processo de exclusão da mulher negra é patenteado, em termos de sociedade brasileira, pelos dois papéis sociais que lhe são atribuídos: “domésticas” ou “mulatas”. O termo “doméstica” abrange uma série de atividades que marcam seu “lugar natural”: empregada doméstica, merendeira na rede escolar, servente nos supermercados, na rede hospitalar, etc. Já o termo “mulata” implica a forma mais sofisticada da reificação: ela é nomeada “produto de exportação”, ou seja, objeto a ser consumido pelos turistas e pelos burgueses nacionais.
Dos quase 6 milhões de trabalhadores domésticos, 67,3 % são mulheres negras, que trabalham sem carteira assinada (75,3%) e sem contribuição para a previdência social (64,7%), cujos rendimentos do trabalho as colocam em situação de pobreza (26,2%) ou de extrema pobreza (13,4%), de acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2022).
As mulheres negras, notadamente, parecem estar resignadas aos serviços domésticos, pois a sociedade não as enxerga com outras habilidades e capacidades profissionais. Neste sentido, novamente, a observação de Gonzalez (1980, p. 22), percorre sobre essa especificidade de trabalho:
Quanto à doméstica, ela nada mais é do que a mucama permitida, a da prestação de bens e serviços, ou seja, o burro de carga que carrega sua família e a dos outros nas costas. Daí ela ser o lado oposto da exaltação; porque está no cotidiano. E é nesse cotidiano que podemos constatar que somos vistas como domésticas.
Em 2019, no setor de cuidados, outro posto de trabalho ocupado majoritariamente por mulheres, a porcentagem maior dessa área (45%) é composta por mulheres negras, seguidas por mulheres brancas (31%) e homens brancos e negros (24%) (BRASIL, 2023d). Além desses números, o Ministério da Igualdade Racial (BRASIL, 2023a), também apontam que as mulheres negras ganhavam 38,4% menos que mulheres não negras, 52,5% menos que homens não negros e 20,4% menos que homens negros. A situação precária e vulnerável das mulheres negras pode ser analisada, ainda, por outro indicador, como o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). As mulheres negras respondem pela maior parcela de pessoas cadastradas (38,5%), enquanto as mulheres brancas representam apenas 17% e os homens brancos, menos de 13%.
No quesito remuneração, o IBGE (2022) informa que o rendimento médio da mulher negra é de R$ 1.908,00 e da mulher não negra é de R$ 3.096,00. Já a porcentagem de ocupação em cargos de Gerência e Direção apresenta disparidades significativas: 2,1 % de mulheres negras e 4,3% de mulheres não negras.
Um dado igualmente triste e impactante, apresentado em uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (PORTAL FGV, 2023), revela o número de mães solo no Brasil. O estudo aponta para um aumento de 1,7 milhão de mães solo na última década (2012-2022), sendo que 90% dessas mães são mulheres negras. Isso demonstra, mais uma vez, a natureza interseccional e a persistência histórica e sistêmica da violência contra as mulheres negras.
Neste cenário que atravessa as mulheres negras e as impacta fortemente, Lima (2024) considera que:
As lutas enfrentadas pelas mulheres negras diferem significativamente das enfrentadas por mulheres brancas, especialmente no contexto brasileiro. O acesso à educação e empregos dignos foi historicamente negado às mulheres negras, que muitas vezes eram relegadas a trabalhos domésticos e de servidão. Enquanto as mulheres brancas avançavam no mercado de trabalho, as mulheres negras continuavam marginalizadas, limitadas a empregos mal remunerados e sem perspectivas de ascensão social.
A moradia representa um ponto sensível para a população negra. No Brasil, a história é intrinsecamente ligada a condições habitacionais deploráveis, desigualdade e violência, revelando uma segregação profunda e persistente. Durante o período pós-escravidão, nas principais cidades do Brasil, a saída encontrada pela população negra foi a moradia distante dos centros urbanos, em áreas expostas a situações de extrema precariedade, com o estabelecimento de residências em favelas, comunidades e populações ribeirinhas.
Após mais de 130 anos da “abolição”, a desigualdade, validada pelo racismo estrutural e institucional, continua segregando essa parcela da população brasileira a locais de moradia precária, vulnerável e ainda sendo atingidos por violência extrema.
Em relação à moradia, a pesquisa do IBGE (2022) indicou que os negros são 72,9% dos moradores de favelas e comunidades urbanas, sendo 63% dos lares chefiados por mulheres negras, que estão abaixo da linha da pobreza.
Mulheres negras representam mais de 70% do total de mulheres em situação de rua, sendo o desemprego um dos principais fatores que levam à vivência nas ruas, a manifestação mais extrema da pobreza.
A posição destoante e discriminatória dos negros nesses espaços reflete, consequentemente, em péssimas condições de moradia e qualidade de vida. Essa precariedade e invisibilização pode ser notada no genuíno sentimento contido na obra de Jesus (2019, p. 37):
E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo. […] Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo.
Verifica-se que, no Brasil, as elites dominam a cena política e forjam a sociedade ao seu bel prazer, operando sistematicamente na perpetuação do racismo, determinando as condições sociais para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam discriminados de forma sistemática (ALMEIDA, 2019).
Acerca das faces do racismo, Kilomba (2019) argumenta que se trata de uma realidade violenta, ligada à questão do poder. Em um de seus níveis, como o estrutural, evidencia-se a exclusão da população negra da maioria das estruturas sociais e políticas, as quais operam de maneira explícita para privilegiar pessoas brancas. Já no âmbito institucional, a autora enfatiza que o racismo não se limita a um fenômeno ideológico, mas se manifesta no cotidiano, nas agendas educacionais, no mercado de trabalho e no sistema de justiça criminal.
Tabela 2 – Trabalho e Moradia: o racismo e os números da desigualdade.

5. SAÚDE
Toda a estrutura do racismo, que permeia as diversas áreas da sociedade, afeta a saúde da população negra no Brasil, antes do nascimento até a morte. A partir do nascimento até o adoecimento e posterior morte, a população negra atravessa caminhos que apontam para um contexto de desigualdades, em que acabam sofrendo com uma quantidade maior de agravos.
Sendo assim, Barbosa et al. (2023) detectam que a população negra é acometida por violências veladas e explícitas, interseccionadas em esferas diversificadas, incluindo a saúde, vislumbrando-se em: barreiras de acesso; hierarquização e diferenciação nas práticas do cuidado; não priorização em programas e políticas de saúde, dentre outras dinâmicas das condições de vida.
O racismo condiciona a vida das pessoas negras em todas as suas fases, desde a possibilidade de terem um parto adequado, de nascerem vivas, até a forma como morrem. Os dados demostram o impacto dessa segregação, sendo determinante para o acesso e a utilização dos serviços de saúde do país (AGÊNCIA BRASIL, 2023b).
Segundo uma reportagem publicada pela Agência Brasil (2023b), existem várias evidências que colocam o racismo como elemento social/estrutural determinante, responsável por condicionar a vida da população negra. Na mesma reportagem, a fundadora da ONG Criola, Lúcia Xavier, reitera que o preconceito acompanha essa população desde antes do nascimento e exerce influência até na forma pela qual morre, conforme depoimento a seguir:
“Há um conjunto de procedimentos feitos de forma inadequada. A pessoa negra recebe menos informação do que precisa. É atendida com rapidez quando precisa de um pouco mais de tempo para explicar, para reconhecer os problemas. As queixas não são admitidas como legítimas. Se ela acaba perdendo sua consulta, volta para o fim da fila de espera. Uma outra face do acolhimento e tratamento inadequados é, que a pessoa acaba sendo responsabilizada pelos problemas. Qualquer agravo que ocorra, o primeiro responsável é ela. Se ela se infectou com dengue, é porque ela não cuidou da água parada. Se ela pegou covid-19, é porque não utilizou os mecanismos de proteção necessários para cuidar da sua saúde.”(AGÊNCIA BRASIL, 2023b).
Alarmantemente, o IBGE (2022) constatou que, nos anos de 2017 e 2018, 67,3% dos negros com necessidade de medicamentos não foram atendidos, e 63,3% não tiveram acesso a outros serviços de saúde. Esse cenário evidencia ainda mais o contexto de desigualdade.
Dados do boletim epidemiológico Saúde da População Negra, divulgado pelo Ministério da Saúde, apontam que índices de saúde são piores entre pessoas negras, ao demonstrar que, em 2021, por exemplo, mais de 60% das mortes por AIDS foram de pessoas negras (pretas e pardas). Além disso, o boletim relata ainda que 67% das gestantes diagnosticadas com HIV eram negras e 70% das crianças com sífilis congênita eram filhas de mães negras (BRASIL, 2023b; AGÊNCIA BRASIL, 2023c).
Os números apenas confirmam que questões como mortalidade materna, acesso a exames pré-natais e doenças infectocontagiosas se mostram mais prevalentes na população negra. No Brasil, a discriminação de gênero e de raça faz com que as mulheres negras ocupem os estratos mais baixos da hierarquia socioeconômica.
A reportagem Pesquisa faz alerta sobre saúde da população negra, feita pela Agência Brasil (2023c) destaca que, como consequência, as mulheres negras, mesmo estando mais expostas a riscos à saúde, detêm o pior acesso a recursos de saúde. Neste contexto, as mulheres negras estão substancialmente representadas nos piores indicadores de saúde.
Quanto aos agravos de saúde, como diabetes, hipertensão arterial e sífilis, afirma-se que são mais preponderantes entre as mulheres negras e podem trazer sérias consequências para a gestante e para o feto, se não forem controlados adequadamente.
De acordo com a pesquisa Nascer no Brasil, apresentada pelo Ministério da Saúde, em relação à morbidade – que é a presença de um tipo de doença na população -, os índices também são maiores na população negra. As causas mais comuns foram: as síndromes hipertensivas (gestantes pretas, 64,2%; pardas, 62,1%; e brancas, 54,7%); a hipertensão arterial grave (gestantes pretas, 58,5%, pardas, 54,8%; e brancas, 50,1%); e a pré-eclâmpsia grave (gestantes pretas, 26,5%; pardas, 25%; e brancas, 16,9%) (BRASIL, 2023c).
Em 2022, o Ministério da Saúde registrou um cenário preocupante de mortalidade materna, especialmente entre mulheres pretas. A taxa de óbitos para esse grupo foi de 100,38 por 100 mil nascidos vivos, mais que o dobro dos 46,56 observados entre mulheres brancas. A incidência para mulheres pardas foi de 50,36 (BRASIL, 2023c).
As políticas e práticas de saúde também assinalam a naturalização de um padrão de opressão e desigualdades, constituindo-se na produção de diversas ordens de violências (materiais e simbólicas), que vão das precárias condições de vida às barreiras de acesso e formas diferenciadas de cuidado.
Mais uma prática repugnante do racismo está no condicionamento dos corpos das mulheres negras em mortes por causas obstétricas. Há um mito de que a mulher negra é mais resistente, e que, portanto, podem ser consideradas como àquelas que aguentam a dor do parto, sem maiores dificuldades. Dados dessas intervenções cruéis e desumanas são descritas no trecho a seguir:
No Brasil, cerca de 60% das mulheres que morrem por causas obstétricas, são negras. É importante observar que as mortes por causas obstétricas são, na sua maioria, possíveis de serem evitadas em 90% dos casos se as mulheres e pessoas gestantes tivessem um atendimento de saúde adequado. (SANTANA et al., 2024, p. 2).
Conforme relato de Leal (2020), o racismo perpetua crenças e infâmias, como a que “as mulheres pretas têm quadris mais largos e, por isso, são parideiras por excelência”, “negras são fortes e mais resistentes à dor”. Essas percepções falsas, sem base científica, são ouvidas em salas de maternidade de forma recorrente. As desigualdades nem sempre se apresentam nas diferenças de acesso à saúde, mas também nas dificuldades ao utilizar e no sofrimento produzido por esses serviços.
Dados revelam que as mulheres negras possuem menor expectativa de vida e maior índice de morte por transtornos mentais do que as mulheres brancas. Há também a prevalência e reincidência de miomas uterinos e a realização de histerectomia em mulheres negras, além de taxa elevada de mortalidade materna (OLIVEIRA; KUBIAK, 2019).
A mortalidade materna é um importante indicador das condições de vida e do acesso à atenção à saúde, além de refletir o desenvolvimento humano de um país. A pesquisa Nascer no Brasil, do Ministério da Saúde, apresenta o conceito de Razão de Mortalidade Materna (RMM) que é o número de óbitos, registrados em até 42 dias após o término da gravidez (atribuídos a causas ligadas à gestação, ao parto e ao puerpério) por 100 mil nascidos vivos.
Durante a pandemia de covid-19, entre 2020 e 2021, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) evoluiu de maneira distinta entre os grupos raciais. Em 2021, os índices foram de 194,8 para mulheres negras (contra 127,6 em 2020), 121 para brancas (ante 64,8 em 2020) e 100 para pardas (em comparação com 68,8 em 2020) (BRASIL, 2023c).
Importante ressaltar que a análise da série histórica, especialmente no que se refere a mulheres pretas, revela que a desigualdade na mortalidade materna não é um fenômeno exclusivo da pandemia. Em 2016, muito antes da crise sanitária, a taxa de óbitos entre mulheres pretas (119,4/100 mil nascidos vivos) já era mais que o dobro da observada em mulheres brancas (52,9). Quanto às internações, a predominância na rede pública foi comum aos três grupos, mas significativamente maior entre mulheres pretas (66,9%) e pardas (63%) do que entre brancas (55,2%) (BRASIL, 2023c).
A mortalidade materna e o número de internações por abortamento são os índices mais expressivos: 65,9% das mortes maternas ocorrem entre mulheres negras. Na pandemia do novo coronavírus essa situação se agravou. De acordo com Rocha (2023), o Brasil chegou a liderar mortes maternas por covid-19 no mundo e as mulheres negras apresentam um risco de morte duas vezes maior comparadas às mulheres brancas.
Durante a gravidez, apenas 68% das mulheres negras (pretas e pardas) tiveram pré-natal adequado em 2019, enquanto esse indicador superou 81% para as mulheres brancas. O prénatal é considerado adequado quando a primeira consulta é realizada no primeiro trimestre de gravidez e ao menos seis consultas são realizadas durante a gestação, sendo fundamental para a prevenção e detecção precoce, tanto de patologias maternas quanto de patologias fetais. Sobre o pré-natal de mulheres negras, Barbosa et al. (2023, p. 2471) considera, ainda, os riscos enfrentados:
Mulheres negras correm maior risco de terem um pré-natal com menos consultas que o previsto; menor presença de acompanhante e menos acesso à analgesia no momento do parto. O risco de morte materna em mulheres negras no estado do Rio de Janeiro é cinco vezes maior em comparação com as mulheres brancas. Os indicadores de saúde demonstram com nitidez o problema, ainda que as discussões sobre estes sejam insuficientes nos termos da questão racial.
Portanto, a partir dos dados apresentados, evidencia-se que o racismo atua como um determinante social de saúde, tornando clara a vulnerabilidade da população negra no acesso às políticas existentes. Em consonância com o conteúdo discutido, Ribeiro (2018) postula que as mulheres negras vivem em um país onde o Estado exerce domínio sobre seus corpos, de tal maneira que necessitam vivenciar situações de negligência e desalento.
Tabela 3 – Saúde: racismo e os números da desigualdade.

Contrapondo este panorama devastador, Adichie (2019) diz que é necessário a busca por formas de reverter e recontar a história dessas mulheres negras, pois, o poder é a habilidade de não apenas contar a história de outra pessoa, mas de fazer que com que se torne a sua história definitiva.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A população negra brasileira (e, fundamentalmente, as mulheres negras) apresenta os piores indicadores relativos à emprego, renda, moradia, quando comparada ao grupo de pessoas brancas. Identifica-se, também, índices absurdos e alarmantes no que se refere às diversas formas de violência sofridas por este grupo. No que concerne ao acesso aos serviços de saúde básicos, as mulheres negras são expostas a ocorrências desumanas em relação atendimento negligenciado e a maus tratos.
As constatações, baseadas nos dados oficiais apresentados, não só demonstram a presença das desigualdades raciais em todos os âmbitos da vida dessas mulheres, como também a continuidade desse sofrimento e desamparo ao longo de quase quatro séculos.
Logo, é possível observar um processo de exclusão e apagamento humano que se manifesta na interseção de diversos fatores como raça, gênero, condição social e sexualidade. Essa dinâmica influencia, de maneira significativa, a discriminação de mulheres negras, em contraposição aos privilégios da branquitude.
Não obstante essa conjuntura identificada e comprovada, o racismo no Brasil permanece sendo refutado e, repetidas vezes, considerado imperceptível pela sociedade. Os indicadores estatísticos acabam sendo interpretados unicamente como consequência de uma disparidade econômica, dissociando-os da segregação étnico-racial perpetuada no país.
Assim, após essa pesquisa, conclui-se por intermédio dos dados estatísticos que a poderosa estrutura do racismo brasileiro, com seus tentáculos em instituições públicas e privadas, opera de maneira explícita e outras vezes de forma velada e dissimulada, em todas as esferas da vida da população negra, principalmente na vida das mulheres negras, com o objetivo de desumanizar e apagar sua existência.
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1Especialista em Gestão Pública e Gestão da Saúde, Servidora Pública da Prefeitura Municipal de Curitiba, atuando como Agente Administrativo.