THE PERFORMANCE OF THE MILITARY POLICE OFFICER IN REMOVING THE ABUSER FROM THE HOME IN CONTEXTS OF DOMESTIC VIOLENCE AGAINST WOMEN IN ACCORDANCE WITH LAW 13.827/2019
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202505112153
SUREKI, Leandro Cézar1
SOUZA, Joicy Aguilera de2
OLIVEIRA, Ricardo Orlando Gomes de3
RESUMO
O presente trabalho tem como tema a atuação do policial militar no contexto da violência doméstica, especialmente no que atine às mudanças trazidas pela Lei 13.827/2019. O problema de pesquisa reside na indagação acerca dos desafios e possibilidades para que o policial militar, em sua atuação ostensiva e repressiva imediata, intervenha impondo ao agressor o afastamento do lar. O objetivo geral é analisar o panorama jurídico dessa intervenção e suas dificuldades práticas no cotidiano do atendimento das ocorrências. Justifica-se este esforço teórico e prático ante a atualidade, relevância e atualidade do tema, porquanto abarca situações que envolvem, direito, sociedade e segurança pública. A metodologia consiste em revisão bibliográfica, feita a partir de método indutivo, pesquisa explicativa e enfoque qualitativo. Primeiramente, identifica-se o cenário atual da violência doméstica conforme o atendimento realizado pela polícia militar. Em segundo lugar, reconhece-se as alterações trazidas pela Lei 13.827/2019 à proteção que já vinha sendo conferida pela Lei 11.340/2006. Por fim, reflete-se sobre a necessidade de se consolidar uma releitura da violência doméstica à luz das premissas de polícia comunitária e com foco na prevenção – o que impõe o protagonismo da polícia militar. Como resultados, consolida-se que a atuação do policial militar diante da violência doméstica exige capacitação contínua, respaldo jurídico claro e articulação com a rede de proteção às vítimas. Verifica-se que a aplicação da Lei 13.827/2019 ainda enfrenta resistências práticas e interpretações divergentes. Conclui-se que o fortalecimento da polícia comunitária é caminho promissor para uma intervenção mais eficaz e preventiva nesses casos.
Palavras-chaves: Polícia Militar. Violência doméstica. Lei 13.827/2019. Medida protetiva. Polícia comunitária.
ABSTRACT
The present work has as its theme the performance of the military police officer in the context of domestic violence, especially with regard to the changes brought about by Law 13.827/2019. The research problem lies in the inquiry about the challenges and possibilities for the military police officer, in his/her overt and immediate repressive action, to intervene by forcing the aggressor to be removed from the home. The general objective is to analyze the legal panorama of this intervention and its practical difficulties in the daily response to incidents. This theoretical and practical effort is justified by the current relevance and topicality of the topic, since it encompasses situations involving law, society and public safety. The methodology consists of a bibliographic review, carried out based on an inductive method, explanatory research and a qualitative approach. First, the current scenario of domestic violence is identified according to the services provided by the military police. Second, the changes brought by Law 13.827/2019 to the protection already provided by Law 11.340/2006 are recognized. Finally, the need to consolidate a reinterpretation of domestic violence in light of the premises of community policing and with a focus on prevention is reflected upon – which requires the leading role of the military police. As a result, it is consolidated that the actions of the military police officer in the face of domestic violence require ongoing training, clear legal support, and coordination with the victim protection network. It is noted that the application of Law 13.827/2019 still faces practical resistance and divergent interpretations. It is concluded that strengthening community policing is a promising path for more effective and preventive intervention in these cases.
Keywords: Domestic violence. Law 13.827/2019. Protective measure. Community policing.
1. INTRODUÇÃO
A violência doméstica contra a mulher é uma problemática social persistente que atinge diversos segmentos da sociedade e desafia a atuação dos órgãos de segurança pública. Dentre esses, destaca-se o papel da Polícia Militar, cuja função ostensiva e repressiva imediata a posiciona como agente fundamental no atendimento das ocorrências de violência doméstica, sendo, muitas vezes, o primeiro órgão do Estado a intervir nesses casos.
A atuação policial nesse contexto ganhou novos contornos com a promulgação da Lei nº 13.827/2019, que alterou dispositivos da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), permitindo ao policial militar determinar, em casos específicos e de maneira imediata, o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima. Essa mudança legislativa busca conferir maior agilidade e efetividade à proteção da mulher em situação de violência, sobretudo em locais onde não há a presença imediata do Poder Judiciário.
Diante disso, questiona-se: quais são os desafios e as possibilidades enfrentados pelo policial militar ao aplicar a medida de afastamento do agressor do lar com base na Lei nº 13.827/2019?
Entre as possíveis respostas a essa pergunta, destaca-se a complexidade da atuação policial frente à ausência de estrutura adequada, à necessidade de interpretação legal em situações de urgência e à carência de capacitação contínua dos agentes. Por outro lado, observa-se que a presença do policial militar como protagonista na proteção da mulher pode representar um avanço significativo, desde que acompanhada de respaldo jurídico claro, integração com a rede de atendimento à vítima e foco na prevenção.
O presente estudo tem como objetivo geral analisar o panorama jurídico e prático da atuação do policial militar no afastamento do agressor do lar conforme a Lei nº 13.827/2019. Como objetivos específicos, pretende-se identificar o cenário atual da violência doméstica conforme o atendimento realizado pela Polícia Militar, reconhecer as principais mudanças trazidas pela nova legislação em relação à proteção das vítimas e refletir sobre a necessidade de uma releitura da atuação policial à luz da polícia comunitária e da prevenção à violência.
A escolha do tema justifica-se pela atualidade e relevância social e jurídica da violência doméstica, bem como pela necessidade de se compreender o impacto das alterações legislativas sobre a prática cotidiana da Polícia Militar. A pesquisa também se revela pertinente por contribuir com a discussão acerca da efetividade das políticas públicas de proteção à mulher e da consolidação de uma segurança pública mais humanizada.
Este artigo fundamenta-se em uma revisão bibliográfica, entendida como a análise de produções acadêmicas já publicadas — tais como livros, artigos científicos e demais documentos relevantes — com o objetivo de reunir, organizar e interpretar o conhecimento existente sobre determinado tema. Trata-se de um procedimento metodológico pertinente para oferecer uma visão contextualizada e integrada do objeto de estudo, permitindo compreender o estado atual das discussões sobre a atuação do policial militar no afastamento do agressor em casos de violência doméstica.
O método adotado é o indutivo, o que significa que, a partir das contribuições particulares de diferentes autores, busca-se construir constatações gerais a respeito do fenômeno investigado. A pesquisa assume natureza explicativa, pois procura identificar os fatores que contribuem para a compreensão das dificuldades e possibilidades da atuação policial nesse contexto. O enfoque qualitativo justifica-se pelo interesse em ir além da quantificação e descrição, buscando, na medida do possível, refletir sobre significados e interpretações relacionados à prática policial e à legislação vigente. Para tanto, foram selecionados livros e artigos científicos disponíveis em bibliotecas físicas e virtuais, bem como em bases de dados como SciELO e Google Acadêmico.
O critério cronológico priorizou publicações entre os anos de 2019 e 2025, considerando-se, também, a atualidade do conteúdo com base na correspondência entre as análises propostas e a realidade vivida contemporaneamente. Os descritores utilizados para a busca das fontes foram: policia militar, violência doméstica, afastamento do agressor, Lei 13.827/2019 e medida protetiva.
Divide-se esta produção textual em, além desta parte introdutória, a fundamentação teórica que se intitula “Lei 13.827/2019 e sua aplicação excepcional no âmbito da Polícia Militar”. Esta, por sua vez, se subdivide em “O Cenário atual da violência doméstica na segurança pública”; “As alterações trazidas pela Lei 13.827/2019” e “Busca por soluções comunitárias e preventivas para a violência doméstica”. Por fim, são lançadas à baila as considerações finais com a síntese e o fechamento das ideias estudadas.
2. LEI 13.827/2019 E SUA APLICAÇÃO EXCEPCIONAL NO ÂMBITO DA POLÍCIA MILITAR
2.1 O CENÁRIO ATUAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA SEGURANÇA PÚBLICA
A violência doméstica configura-se como um fenômeno social complexo, caracterizado por ações ou omissões que causem morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano moral e patrimonial no âmbito das relações familiares, afetivas ou de coabitação, independentemente de orientação sexual ou vínculo formal. Suas formas mais recorrentes incluem a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, podendo ocorrer de maneira simultânea e contínua, o que a torna ainda mais difícil de ser identificada e combatida. A particularidade da violência doméstica reside em seu caráter privado e relacional, muitas vezes oculta no interior do espaço doméstico, o que desafia os mecanismos tradicionais de controle social e exige uma atuação estatal sensível às dinâmicas específicas desse tipo de violência (Silva et al., 2020).
A naturalização da violência doméstica — muitas vezes encarada como um conflito familiar ou uma questão de foro íntimo — representa um dos maiores obstáculos à sua erradicação. A sociedade, ao tolerar ou relativizar essa violência, reforça padrões históricos de desigualdade de gênero e hierarquias de poder no seio familiar. Para o Direito, esse cenário impõe desafios normativos e interpretativos, na medida em que se faz necessário superar a tradição jurídica formalista e garantir respostas efetivas e céleres às vítimas. Isso demanda, por exemplo, a adoção de medidas protetivas urgentes, o reconhecimento das múltiplas formas de violência além da agressão física, e a responsabilização eficaz dos agressores, sem revitimização ou descredibilização da mulher no sistema de justiça (Amarijo et al., 2020).
No campo da segurança pública, a violência doméstica desafia os modelos tradicionais de policiamento, historicamente voltados ao enfrentamento de delitos visíveis e públicos. A atuação policial diante de situações de violência no ambiente privado exige preparo técnico, sensibilidade institucional e protocolos claros que conciliem a intervenção imediata com o respeito aos direitos fundamentais. A precariedade estrutural das corporações, a escassez de recursos humanos e materiais, além da carência de formação continuada, limitam significativamente a capacidade de resposta das forças de segurança, especialmente nos territórios mais vulnerabilizados. Ademais, é necessário romper com a lógica repressiva e fragmentada da segurança pública, substituindo-a por uma atuação integrada com as redes de proteção e por estratégias preventivas que envolvam a comunidade e os serviços de saúde, assistência social e justiça (Santos et al., 2020).
Registre-se:
No contexto mundial, cerca de uma em cada três mulheres relata que já sofreu violência física, sexual ou psicológica. No Brasil, de acordo com os dados do Mapa da Violência, 41% das mortes de mulheres ocorreram dentro do meio domiciliar e em 68,8% dos casos a mulher relata que a violência ocorreu em seu próprio domicílio, expondo uma percentagem elevada diante de um contexto atual no qual as vítimas ainda sentem medo ao denunciar, ou seja, essa porcentagem seria ainda maior se todas as mulheres realizassem o boletim de ocorrência (Silva; Silva; Hanna, 2023. p. 341).
A banalização da violência doméstica, aliada à insuficiência de respostas do Estado, contribui para a perpetuação de um ciclo de silêncio, medo e impunidade. O enfrentamento desse fenômeno exige, portanto, um reposicionamento da segurança pública enquanto instrumento de garantia de direitos, o que pressupõe não apenas mudanças legais e institucionais, mas também transformações culturais profundas. Reconhecer a violência doméstica como uma questão de segurança pública é um passo necessário para sua visibilidade, mas é apenas o início de um percurso que deve incluir o comprometimento ético e político com a proteção das vítimas e com a construção de uma sociedade mais justa e segura.
A compreensão da violência doméstica como prática cotidiana e, muitas vezes, socialmente tolerada pode ser aprofundada à luz do conceito de “banalidade do mal”, desenvolvido por Hannah Arendt (2019), ao observar como atos de extrema crueldade podem ser cometidos por indivíduos comuns, inseridos em estruturas que normalizam tais comportamento. Evidencia-se como o mal não necessariamente se apresenta sob formas excepcionais ou monstruosas, mas pode emergir da repetição acrítica de normas, convenções e papéis sociais. Essa lógica se aplica à violência doméstica quando esta é reproduzida sob o manto da rotina familiar, da autoridade patriarcal e do silêncio institucional, sendo aceita ou minimizada pela sociedade e pelas próprias instituições encarregadas de combatê-la. A naturalização da violência, especialmente contra mulheres, encontra respaldo em padrões culturais internalizados, que tornam invisível o sofrimento e desmobilizam reações de enfrentamento, tanto por parte das vítimas quanto dos agentes públicos.
No âmbito da segurança pública, a banalidade do mal manifesta-se quando profissionais do sistema de justiça e das forças de segurança atuam com indiferença, omissão ou burocratização diante das denúncias de violência doméstica. Muitas vezes, a ação do policial ou do operador do direito restringe-se a um cumprimento mecânico de protocolos, esvaziado de uma compreensão crítica e ética do fenômeno. Esse distanciamento favorece a perpetuação do mal não por intenção direta, mas pela aceitação passiva das estruturas que o sustentam. Arendt (2019) adverte para o perigo de uma obediência acrítica às normas e funções institucionais, o que, no caso da violência doméstica, contribui para um ciclo contínuo de negligência, revitimização e impunidade. Romper com essa lógica implica reconhecer a gravidade desse tipo de violência como expressão de um mal estrutural e cotidiano, exigindo engajamento ativo e sensível por parte dos agentes do Estado e da sociedade como um todo.
2.2 AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 13.827/2019
A promulgação da Lei 13.827/2019 representa uma significativa inflexão normativa no enfrentamento da violência doméstica e familiar no Brasil, ao ampliar os mecanismos de proteção imediata à mulher e a seus dependentes mediante a possibilidade de aplicação de medidas protetivas de urgência por autoridades não judiciais (Silva; Viana, 2022). A alteração da Lei Maria da Penha, ao incluir o art. 12-C, confere competência ao delegado de polícia e, em condições específicas, ao policial, para determinar o afastamento imediato do agressor do lar ou local de convivência, desde que verificado risco atual ou iminente à integridade física da ofendida (Vieira; Araújo, 2024).
Essa medida visa responder à realidade de localidades desprovidas de estrutura judiciária célere, especialmente nos municípios que não são sede de comarca, em que a morosidade na concessão de medidas judiciais pode comprometer a segurança da vítima. O dispositivo estabelece ainda que o juiz deve ser comunicado em até 24 horas, com igual prazo para decidir sobre a manutenção ou revogação da medida, preservando-se a autoridade judicial como instância de controle. Ocorre que sua constitucionalidade, a priori, foi considerada duvidosa, porquanto afeta de modo sensível o que supostamente seria uma cláusula de reserva jurisdicional (Coimbra; Doroteu, 2021).
A validade constitucional da norma, questionada por meio da ADI 6138, foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a excepcionalidade e a necessidade da medida como instrumento para romper o ciclo da violência. Argumentos sobre violação à reserva de jurisdição e à inviolabilidade do domicílio foram contrapostos pela compreensão de que, em casos de flagrante ameaça à vida, o princípio da proteção da dignidade humana deve prevalecer. Ademais, o acréscimo do art. 38-A reforça o compromisso com a efetividade das medidas protetivas, ao prever o registro obrigatório em banco de dados sob responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça, permitindo o acompanhamento por órgãos do sistema de justiça e de assistência social (Sanchez; Rodrigues, 2022).
A análise crítica dessa alteração normativa evidencia um esforço do legislador para responder à demanda social por respostas mais ágeis e eficazes à violência doméstica, ainda que desafie princípios jurídicos tradicionais. Trata-se de uma tentativa de equilibrar a rigidez do devido processo legal com a urgência que a integridade física e a vida das mulheres demandam, revelando o tensionamento constante entre legalidade formal e justiça material (Campos; Jung, 2020).
Nesse sentido, a Lei 13.827/2019 não apenas introduz uma inovação procedimental, mas reafirma o compromisso do Estado brasileiro com a proteção integral das mulheres em situação de vulnerabilidade, ainda que tal avanço dependa, para sua efetividade, da adequada formação dos agentes públicos, da articulação interinstitucional e da fiscalização rigorosa do cumprimento das medidas protetivas concedidas.
2.3 A BUSCA POR SOLUÇÕES COMUNITÁRIAS E PREVENTIVAS PARA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A possibilidade de decretação do afastamento imediato do agressor do lar por parte do policial militar, especialmente em contextos nos quais não há presença de delegado ou de autoridade judicial, impõe relevantes desafios práticos e jurídicos no enfrentamento à violência doméstica. Em um primeiro olhar, tal medida poderia ser interpretada como uma restrição à liberdade do indivíduo, o que, à luz do princípio da reserva de jurisdição previsto no ordenamento constitucional brasileiro, dependeria de autorização judicial prévia (Sanchez; Rodrigues, 2022).
No entanto, essa compreensão desconsidera a especificidade e a gravidade das situações de violência doméstica, marcadas por dinâmicas de poder, controle e recorrência, que exigem respostas imediatas e proporcionalmente adequadas à urgência do risco envolvido. A atuação do policial militar, nesse contexto, não deve ser vista como usurpação de função do Judiciário, mas como uma resposta emergencial e provisória, orientada pela lógica da prevenção e da proteção da integridade física e psicológica da vítima, mediante a mediação de um conflito que, se não contido, pode resultar em danos irreparáveis (Sanchez; Rodrigues, 2022).
Tal intervenção se aproxima mais de uma medida comunitária de segurança, pautada em valores de proximidade, proteção e cuidado, do que de uma sanção penal definitiva. A violência doméstica, enquanto fenômeno estrutural, exige a incorporação de estratégias que transcendam a lógica repressiva do direito penal clássico, reconhecendo o papel da segurança pública como instrumento de garantia de direitos fundamentais (Ramos, 2024).
Ao policial militar, nesse sentido, atribui-se uma função de proteção social, cuja legitimidade se ancora não apenas na legalidade formal, mas na efetividade dos direitos humanos das mulheres. Desvincular o afastamento do agressor da ideia de punição antecipada e compreendê-lo como uma forma de interromper ciclos de violência, assegurar espaço seguro à vítima e construir redes de apoio comunitário é um passo necessário para a consolidação de práticas institucionais que respeitem a legalidade, mas que, sobretudo, protejam vidas (Ramos, 2024).
A eficácia dessa medida, entretanto, depende da capacitação técnica e ética dos agentes de segurança, da padronização dos protocolos de atuação e da atuação coordenada entre os órgãos de segurança pública, justiça e assistência social. Trata-se, destarte, de reconfigurar a atuação policial em situações de violência doméstica não como mero exercício de poder coercitivo, mas como uma intervenção mediadora, preventiva e protetiva, legitimada pela urgência do risco e pela centralidade da dignidade da mulher no contexto do Estado democrático de direito.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da análise proposta, constata-se que o objetivo geral deste estudo — analisar o panorama jurídico e prático da atuação do policial militar no afastamento do agressor do lar conforme a Lei nº 13.827/2019 — foi alcançado. A pesquisa permitiu compreender que essa intervenção legal confere ao policial militar um papel de grande responsabilidade e potencial transformador no enfrentamento à violência doméstica, sobretudo em contextos nos quais a presença do Judiciário é limitada ou inexistente. No entanto, a aplicação da norma ainda suscita uma série de reflexões relevantes.
Como consolidar, de fato, a autoridade policial como garantidora de direitos, e não apenas como força repressiva? De que forma é possível equilibrar a atuação imediata com o devido processo legal e os princípios constitucionais? E ainda: estaria a estrutura das corporações policiais, em suas dimensões organizacionais, culturais e operacionais, suficientemente preparada para sustentar essa atribuição de forma coerente com os objetivos da proteção à mulher?
Tais questionamentos revelam que a eficácia da Lei nº 13.827/2019 depende de um conjunto de fatores que transcendem o próprio texto legal. É necessário investir na capacitação continuada dos policiais militares, estabelecer protocolos claros de atuação e promover a integração com a rede de atendimento às vítimas. Ademais, é indispensável estimular uma mudança de paradigma na segurança pública, orientando a atuação policial por princípios de proximidade, acolhimento e prevenção, conforme os fundamentos da polícia comunitária.
A presente pesquisa evidenciou que o afastamento imediato do agressor pode representar um avanço importante na proteção da mulher, desde que amparado por um contexto institucional capaz de garantir legalidade, segurança e humanidade na intervenção. A prática demonstrou que a simples possibilidade legal não assegura, por si só, a efetividade da norma, sendo essencial que sua aplicação seja acompanhada de respaldo jurídico adequado e compromisso ético por parte dos agentes envolvidos.
Conclui-se, portanto, que a atuação do policial militar na aplicação da Lei nº 13.827/2019 deve ser compreendida como uma oportunidade para fortalecer o papel da segurança pública na promoção dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana. Cabe à sociedade, aos legisladores e às instituições de segurança construir as condições necessárias para que esse protagonismo policial seja exercido com responsabilidade, sensibilidade e compromisso com a transformação da realidade da violência doméstica no Brasil.
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1Especialista em Segurança Pública e História Militar
2Graduada em Educação Física e especialista em Segurança Pública e Direito Militar
3Graduado em Filosofia e Direito