O BUMBA MEU BOI E A MITOLOGIA: DA MITOLOGIA À PANTOMIMA VIBRANTE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505101928


Ilson Wilmar Rodrigues Filho¹


Resumo: Este artigo aborda a origem mitológica do bumba meu boi, mostrando o trajeto da adoração do touro, a origem dessa adoração até o desembarque do mito do Boi Geroa no  nordeste brasileiro que levou à montagem de um auto jesuítico com objetivos de catequese e cujo auto caiu no agrado do povo que o levou aos quatro cantos do país construindo uma pantomima vibrante que está viva até hoje.

Palavras-chave: Mitologia, folclore, bumba meu boi

Summary: This article addresses the mythological origin of the bumba meu boi, tracing the path from the worship of the bull, the origin of this worship, to the arrival of the myth of the Boi Geroa in northeastern Brazil. This led to the creation of a Jesuit auto with catechetical objectives, which gained favor among the people and spread to all corners of the country, creating a vibrant pantomime that is still alive today.

Keywords: Mythology, folklore, bumba meu boi

1. Introdução.

O Bumba-meu-boi, ou como é chamado em Santa Catarina, Boi de Mamão, é uma manifestação cultural brasileira genuína, originária do nordeste do país. Surgiu da mistura de tradições trazidas pelos africanos com a cultura indígena e os rituais religiosos dos padres jesuítas durante o período colonial brasileiro. Dessa fusão, originalmente um drama religioso, deu origem a essa animada pantomima que encanta a todos.

Além dessa teoria, diversas sugestões têm sido apresentadas pelos pesquisadores sobre a origem desse folguedo. Estudiosos levantaram hipóteses relacionadas à sua origem, fundamentos étnico culturais e transformações, embora nenhuma delas tenha sido suficientemente comprovada. De fato, devido à sua complexidade, o Auto do Boi apresenta elementos que podem ter diversas procedências (MELO, 1953, p. 79). Clóvis Moura sugere que o Bumba-meu-boi foi trazido pelos escravos, mas ele mesmo não tem certeza: “Será ele, contudo, de origem africana? Teria sido criado no Brasil? Pode ser considerado uma obra dos negros?” (MOURA, 2004, p. 387).

Podemos refletir sobre a incerteza e a complexidade das origens do Bumba Meu Boi, uma das mais populares manifestações folclóricas do Brasil, especialmente na região nordeste. É a proposta deste trabalho. O tempo obscureceu as suas origens, tornando difícil determinar sua verdadeira história. Isso sugere que as raízes dessa tradição se perderam ao longo dos séculos, deixando‑nos com especulações e conhecimentos incertos sobre como e onde ela começou. “Sua origem é problemática. É muito provável que, em sua forma inicial, fosse um auto,[…]”. (VALE, 1978, pág, 83).

Essa falta de clareza nas origens pode ser atribuída a vários fatores, incluindo a transmissão oral de tradições ao longo do tempo. Para entender as origens do Bumba Meu Boi, ainda estamos lidando com informações fragmentadas e incertas. No entanto, essa incerteza não diminui a importância ou a riqueza dessa manifestação cultural, que continua a ser uma parte vibrante e significativa do folclore brasileiro.

Ah, o Boi… o tempo se encarregou de esconder os seus inícios. De sua origem nada se sabe e tudo o que se possa dizer não passará de suposições ou de pretenso e duvidoso conhecimento. Não há registros anteriores e os mais velhos informantes apenas repetem: “quando me entendi já encontrei boi brincando assim.” (AZEVEDO NETO, 1983, pág. 13).

Segundo GOMES

a festa do auto do boi, no Brasil, tem sua particularidade manifestada por suas cores, danças e músicas. A origem dessa festa se relaciona ao fato de o boi ser “um personagem sempre presente no processo de colonização, por constituir importante fonte de renda, sendo, dessa forma, um ponto comum de interesse. Consequentemente, surgiram lendas, narrativas e cultos em torno da figura do boi. (CÔRTES, 2000, pág. 19 apud GOMES, 2012).

Diz ainda GOMES:

Acredita-se, também, que os negros africanos que vieram escravizados para o Brasil trouxeram a adoração ao boi, em cuja comemoração acontecia a morte e a ressurreição de deus. “Os jesuítas também contribuíram para a sua divulgação através da catequização dos povos indígenas, com a realização de pequenas apresentações de enredo acessível, em que o bem invariavelmente vencia o mal”. (SCHIFTFMAN, Harvey Richard. Sensação e percepção. Rio de Janeiro: LTC, 2005, p. 84, apud GOMES, 2012).

Tem o bumba meu boi origem no ciclo econômico do gado:

O Bumba-meu-boi é originário do ciclo econômico do gado no Brasil, tendo realmente este folguedo a tríplice miscigenação, com a influência das raças responsáveis pela nossa colonização: o negro africano, o índio e o português. (REIS, 1984, pág. 7)

Sobre esta tese do bumba-meu-boi ter sido originário do ciclo econômico do gado diz Azevedo:

Alguns estudiosos tentam relacionar o Bumba-meu-boi ao ciclo do gado no Nordeste. Para aceitar a teoria como verdadeira, esta manifestação folclórica deveria ser um fenômeno apenas nordestino ou, quando muito, brasileiro. Ou então, aceitando-se isto como verdadeiro, teríamos que aceitar a existência, em vários outros países do mundo, de um ciclo de gado também.(AZEVEDO NETO, 1983, nota ao pé da página 13).

Neste artigo vamos defender a origem mitológica do bumba meu boi a partir da chegada de um mito vindo da África com escravizados, utilizado para catequização com a elaboração de um auto para catequese por padres jesuítas. Vamos percorrer o trajeto desse mito desde a sua origem até sua chegada no nordeste brasileiro.

2. Perspectiva mitológica do folclore

O folclore é um campo vasto e diversificado, e suas origens remontam a várias fontes e influências culturais ao longo da história da humanidade. Existem diversas teorias que buscam explicar a origem e o desenvolvimento do folclore em diferentes sociedades.

Há uma perspectiva que aborda o folclore através de uma lente mitológica. A teoria mitológica do folclore considera as histórias e tradições folclóricas como manifestações de mitos que refletem aspectos fundamentais da cosmovisão e da psique humana.

Mitologia, de acordo com o Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, da Editora Civilização Brasiliense S.A., 1964, refere-se à “História fabulosa dos deuses, semideuses e heróis da antiguidade; a ciência dos mitos; tradição que, sob a forma de alegoria, deixa entrever um fato natural histórico ou filosófico.”

Atualmente, é vista como uma criação da mente humana; uma tentativa de fornecer explicações sobrenaturais para o desconhecido. Embora seja reconhecida como uma série de ficções, ao longo dos séculos, essas histórias foram aceitas como verdades, chegando a serem consideradas dogmas e realidades pelo povo grego e romano.

Os irmão Grimm, no século 19 publicaram vários contos que teriam sido baseados em mitos.

Com o aparecimento dos Contos de Grimm (Kinder und Hausmärchen) e depois com a publicação da Mitologia Alemã (Deutsche Mithology) em 1835, surgiu a corrente de pensamento que procurou ver no material, recolhido pelos dois irmãos, nas fontes populares do seu país, sobrevivências dos antigos mitos germânicos com as alterações que a sua transmissão oral havia acarretado.

Assim surgiu a escola mitológica que procurou ligar a persistências dos motivos dos contos populares aos mitos – primeiramente aos germânicos, depois aos mitos arianos, dos quais seriam aqueles originários e finalmente mais no tempo, aos mitos dos povos primitivos (CABRAL, 1954, 129).

Lopes, em sua dissertação de mestrado, concorda com Cabral:

Parece-nos inegável que as histórias recolhidas pelos Grimm no século XIX encerram enredos e motivos literários característicos ou pelo menos já presentes na tradição clássica, em particular na mitologia. (LOPES, 2023, pág. 141)

Os povos primitivos, não nos deixaram escritos. Os povos mais antigos que deixaram escritos foram os sumérios. A Civilização Suméria, que, desenvolveu-se na região da Mesopotâmia é frequentemente considerada uma das primeiras civilizações da história registrada.

A mitologia suméria dizia que os deuses vieram do céu, de um mundo denominado Nibiru. A chegada de seus deuses teria ocorrido em torno de 400.000 a.C. com o propósito de minerarem ouro. Com a necessidade de mão de obra, os deuses criaram a raça humana e ensinaram os humanos a plantar, construir barcos, construírem casa e ensinaram também a escrita. Pesquisadores e historiadores tem dito que a Suméria influenciou outras civilizações que vieram depois dela.

Os sumérios desenvolveram uma rica mitologia com uma variedade de deuses e deusas, como Enlil, Enki, Ninhursag e Anu, que desempenharam papéis importantes na cosmologia suméria e nas histórias mitológicas. A Civilização Egípcia é outra civilização com uma rica tradição mitológica, influenciada pela mitologia suméria. Os egípcios adoravam uma variedade de deuses e deusas, como Osíris, Ísis, Hórus e Rá, e suas crenças religiosas permeavam todos os aspectos da vida egípcia, desde rituais funerários até a agricultura e a política. A Civilização do Vale do Indo que foi localizada na região que hoje compreende o Paquistão e partes da Índia, também tiveram suas próprias crenças e mitologias, como evidenciado pelos artefatos arqueológicos descobertos em sítios da civilização do Vale do Indo.

Além dos sumérios, outras civilizações floresceram na Mesopotâmia, como os acádios, babilônios e assírios, que também tinham suas próprias mitologias distintas. Essas mitologias frequentemente compartilhavam algumas semelhanças, mas também apresentavam variações regionais e culturais.

Samuel Noah Kramer foi um renomado assiriologista e estudioso da antiguidade do Oriente Médio, especialmente conhecido por suas contribuições para o estudo da civilização suméria. Kramer nasceu em 1897 e faleceu em 1990. Ele é mais conhecido por suas traduções e interpretações de textos cuneiformes sumérios, incluindo o épico de Gilgamesh, uma das obras literárias mais antigas conhecidas da humanidade. Seus trabalhos foram fundamentais para a compreensão da cultura, religião e história da Mesopotâmia antiga. O assiriólogo Samuel Noah Kramer escreveu um livro intitulado: A História começa na Suméria. Ele escreveu:

É um fato notável que ainda há cem anos tudo se ignorasse, inclusive a própria existência destes longínquos Sumérios. Os arqueólogos e os sábios que, há cerca de um século empreenderam as escavações nesta parte do Médio Oriente chamada Mesopotâmia não procuravam nela os vestígios dos Sumérios, mas dos Assírios e dos Babilônios. (KRAMER, 1997, pág. 16).

Nesse trecho, Kramer parece fazer uma reflexão sobre a evolução do conhecimento arqueológico ao longo do tempo. Há cem anos, os estudiosos não tinham conhecimento dos Sumérios e nem buscavam por eles especificamente durante as escavações na Mesopotâmia. Em vez disso, estavam mais interessados nos Assírios e Babilônios. Isso ressalta como o entendimento histórico e arqueológico pode mudar com o tempo, à medida que novas descobertas são feitas e novas abordagens de pesquisa são desenvolvidas. O autor destaca isso como um fato notável, sugerindo que a compreensão do passado é dinâmica e está sujeita a revisão à medida que mais informações se tornam disponíveis. Estes novos conhecimentos, o conhecimento dos Sumérios, tem contribuído significativamente para o entendimento da mitologia mesopotâmica. Os textos sumérios, como os encontrados na Biblioteca de Nínive e em outros sítios arqueológicos, contêm uma riqueza de informações sobre as crenças religiosas, mitos e histórias do povo sumério. Muitos desses textos descrevem os deuses, deusas, heróis e as narrativas mitológicas que eram fundamentais para a compreensão da cosmovisão suméria. Ao decifrar e estudar esses textos, os acadêmicos puderam reconstruir aspectos importantes da mitologia suméria, incluindo as histórias de criação, as relações entre os deuses, as aventuras dos heróis e as crenças sobre a vida após a morte. Além disso, os mitos sumérios também influenciaram outras culturas da região, como os Assírios e Babilônios, e até mesmo culturas posteriores que entraram em contato com a Mesopotâmia. Assim, o estudo dos Sumérios tem sido fundamental para expandir nosso conhecimento sobre a mitologia antiga.

Aqui estão alguns pontos que ajudam a entender por que a Suméria é vista como uma base importante para muitas civilizações subsequentes: (1) Inovações Culturais e Sociais: a Suméria, uma das primeiras civilizações conhecidas, foi pioneira em muitos aspectos da vida cultural e social. Eles desenvolveram a escrita cuneiforme, um dos primeiros sistemas de escrita do mundo, que influenciou outras culturas na região. Além disso, as práticas religiosas, sistemas jurídicos e formas de governo sumérios serviram de modelo para outras sociedades antigas; (2) Desenvolvimento Político: a Suméria foi uma das primeiras civilizações a desenvolver cidades‑estado, como Uruk, Ur e Lagash. Essas cidades‑estado sumérias tinham governantes, leis e sistemas de administração centralizados, que se tornaram modelos para outras civilizações no Oriente Médio e além; (3) Avanços na Arte e Arquitetura: Os sumérios foram pioneiros em muitas formas de arte e arquitetura, incluindo a construção de zigurates (templos em forma de pirâmide) e a produção de cerâmica, escultura e selos cilíndricos intrincados. Muitos desses estilos artísticos e técnicas foram adotados por culturas posteriores, como a babilônica e a assíria; (4) Intercâmbio Cultural: a localização geográfica da Suméria, na região da Mesopotâmia, tornava‑a um centro de intercâmbio cultural entre diferentes civilizações e povos. Isso resultou na absorção e adaptação de ideias, tecnologias e práticas culturais de outras regiões, que então eram difundidas para outras partes do mundo antigo.

Portanto, embora a Suméria em si tenha sido uma civilização antiga que existiu apenas por um período limitado de tempo, seu legado cultural e suas contribuições influenciaram profundamente o desenvolvimento de muitas outras civilizações ao longo da história. A escrita mais antiga que se conhece e que os especialistas conseguem ler é a escrita suméria. Até que os arqueólogos, historiadores, filólogos e outros especialistas encontrem uma língua mais antiga e a consigam ler, a Suméria continua sendo a primeira grande civilização.

Por que para falar do bumba meu boi começamos a falar da Suméria? Porque vamos falar da mitologia suméria. O nosso enfoque neste artigo é considerar a mitologia como fundamento do folclore: nessa perspectiva, a mitologia é vista como a base do folclore. Os mitos são narrativas sagradas que explicam a origem do mundo, a natureza dos deuses, as relações entre os humanos e os divinos, entre outros aspectos. O folclore, por sua vez, é considerado uma extensão dos mitos, refletindo e reinterpretando suas temáticas em contextos mais cotidianos e acessíveis.

Eram três os deuses principais sumérios: Enki, Enlil e Ninti. Enki: “En” significa senhor em sumério e “ki”, o planeta Terra. Daí Enki era o Senhor da Terra; Enlil: “lil” significa espaço, daí Enlil era o senhor do espaço; Ninti: “Nin” significa senhora e “ti “significa vida. Então, Ninti era a senhora da vida. Enki era associado à serpente, considerada o símbolo do conhecimento. Enlil era associado ao touro considerado o símbolo da força e da virilidade. Ninti era associada a um instrumento utilizado para cortar o cordão umbilical. Era por isso a senhora da vida. A associação do Enlil ao touro foi feito, segundo a mitologia suméria, porque Enlil chegou à Terra vindo do céu quando ocorreu um evento astronômico na constelação do touro.

A constelação do touro era chamada em sumério de GU.AN.NA, que significa “touro celeste”. Enlil era chamado de Taru (Touro) ou Teshub pelos hititas. Os hurritas o denominavam de Tesheba.

3. O touro na mitologia

O touro desempenha um papel significativo em várias mitologias ao redor do mundo, incluindo na mitologia mesopotâmica, grega, egípcia e muitas outras. Em muitas culturas, o touro é associado à força física e à virilidade. “O touro é o símbolo da força, da ccombatividade masculina, da ferocidade” (BECKER, 1999, pág. 280).

Ele é frequentemente retratado como um símbolo de poder e fertilidade, representando a capacidade de sustentar a vida e garantir a prosperidade. Em algumas mitologias, como na antiga religião minoica, o sacrifício ritual do touro era uma prática importante. Esse sacrifício era muitas vezes visto como um ato de renovação e fertilidade, onde o sangue do touro era oferecido à terra para garantir boas colheitas e prosperidade.

O sacrifício do touro e o batismo com o seu sangue no culto de Mitra, do qual eram excluídas as mulheres, representam o conflito, constantemente repetido, com as forças da fertilidade, da morte , e da ressurreição do touro. (Becker, 1999, pág. 280).

Em várias mitologias, o touro é associado a deidades ou espíritos divinos. Por exemplo, na mitologia grega, o touro é frequentemente ligado a Zeus, o deus supremo, que algumas vezes assumia a forma de um touro para interagir com mortais. Além disso, na mitologia hindu, o touro Nandi é o veículo do deus Shiva. Em certas histórias mitológicas, o touro é retratado como um desafio para os heróis, que devem enfrentá-lo como parte de sua jornada ou prova de coragem. O mito do Minotauro na mitologia grega é um exemplo famoso disso, onde Teseu enfrenta o temível touro na Creta do rei Minos. O touro muitas vezes é visto como um símbolo da natureza selvagem e indomável. Sua presença na mitologia pode representar a relação complexa entre os seres humanos e o mundo natural, destacando tanto o respeito pela sua força quanto o desafio de dominá-lo. Esses são apenas alguns dos muitos significados e interpretações do touro na mitologia. Sua presença em diferentes culturas ao longo da história demonstra sua importância como um símbolo multifacetado e poderoso.

4. O touro na mitologia suméria

A palavra zodíaco vem do grego: Zodiakos kyklos (“círculo animal”),   era denominado pelos sumérios de UL.HE (“rebanho brilhante”). Para muitos pesquisadores o Zodíaco teria sido definido em torno de 500 a.C. porém os textos sumérios se referem a ele e a Suméria surgiu em torno de 4.000 a.C. Referências sobre a constelação do Touro remontariam ao início da Idade do Bronze (3300 a.C.). O mito da chegada de Enlil à terra ao mesmo tempo que ocorria o evento astronômico na constelação do touro atribui a esse deus o símbolo do touro.

5. Zeus  se transforma num touro branco

A história da sedução da princesa Europa por Zeus na forma de um touro branco é uma das lendas mais conhecidas da mitologia grega. Zeus, o rei dos deuses no panteão grego, se apaixonou pela princesa Europa, filha do rei fenício Agenor. Para se aproximar dela, Zeus decidiu transformar-se em um touro branco de extraordinária beleza e mansidão. Esta não era uma transformação comum, mas sim um sinal do seu poder divino.

Quando Europa viu o magnífico touro, ficou encantada com sua aparência dócil e decidiu se aproximar. Ela acariciou o animal e, eventualmente, até montou nele. Assim que Europa montou nas costas do touro, Zeus aproveitou a oportunidade e galopou em direção ao mar, levando-a consigo.

O touro carregou Europa pelo mar até a ilha de Creta, onde Zeus revelou sua verdadeira identidade. Lá, ele seduziu a princesa e eles tiveram três filhos juntos: Minos, Radamanto e Sarpedão.

A cultura minoica floresceu na Ilha de Creta entre os anos 2.700 até 1.400 a.C. Os minoicos também adoravam o touro.

6. Os minoicos e o touro

A relação entre os minoicos e o touro é mais notavelmente expressa através do mito do Minotauro, uma figura central na mitologia grega associada à civilização minoica de Creta. Os minoicos adoravam o touro, mas,

o touro adorado pelos minoicos não é a criatura terrena comum, mas o Touro Celestial – a constelação de Touro – em comemoração de certos eventos ocorridos quando o equinócio primaveril do Sol apareceu nessa constelação, cerca de 4.000 a.C. (SITCHIN, O 12o Planeta, pág. 65).

Tais eventos são aqueles observados pelos sumérios.

Os minoicos eram uma civilização pré-helênica que floresceu na ilha de Creta durante o terceiro e segundo milênios a.C. Eles eram conhecidos por suas realizações artísticas, avanços na arquitetura, como o famoso Palácio de Knossos, e seu papel no comércio marítimo no Mediterrâneo.

O mito do Minotauro está ligado aos minoicos e é uma das histórias mais famosas da mitologia grega. Segundo o mito, o rei Minos de Creta desafiou Poseidon, o deus do mar, e como punição, Poseidon fez a esposa de Minos, Pasífae, se apaixonar por um touro. Pasífae solicitou ajuda a Dédalo, um habilidoso artesão, que construiu uma vaca de madeira para ela se esconder e se unir ao touro. O resultado dessa união foi o nascimento do Minotauro, uma criatura com corpo de homem e cabeça de touro.

Minos, envergonhado com a existência do Minotauro, o encarcerou no Labirinto, uma construção elaborada também atribuída a Dédalo. O Minotauro era alimentado com sacrifícios humanos, uma prática que persistiu até que Teseu, filho do rei de Atenas, decidiu enfrentar a criatura. Com a ajuda da filha de Minos, Ariadne, Teseu entrou no Labirinto, derrotou o Minotauro e conseguiu encontrar o caminho de volta graças ao fio de Ariadne. Para ajudar Teseu a encontrar o caminho de volta através do labirinto após matar o Minotauro, Ariadne lhe deu um fio. Teseu segurou o fio enquanto entrava no labirinto, e então, seguindo-o de volta, conseguiu encontrar a saída sem se perder nos corredores complexos.

Este mito do Minotauro e do Labirinto é uma das muitas histórias que ecoam a influência dos minoicos na cultura e mitologia gregas. O touro, como representado no mito, também pode ter ligações simbólicas com a fertilidade e o poder, características que eram importantes na religião e na sociedade minoicas.

7. O touro na mitologia egípcia

Na antiga civilização egípcia, o touro era considerado uma representação poderosa e imponente, simbolizando a personalidade e o vigor do próprio faraó. Os egípcios viam o touro como um exemplo marcante do mundo natural para ilustrar a força e o poder do monarca. É comum encontrar representações de reis retratados como touros em artefatos como a famosa Paleta de Narmer, que remonta ao início do Período Dinástico do Egito.

No seio da mitologia egípcia, os três mais conhecidos touros sagrados são Ápis (associado a Ptah e Osíris, em Mênfis), Meruer/ Mnévis (associado a Ré, em Heliópolis) e Bukhis (associado a Montu e a Ré, em Hermontis), mas são também de mencionar outros touros como Bata em Cinópolis, Kemuer em Athribis, Hesbu no XI nomos do Alto Egipto, Tjai-Sepf e Siankh. A estes exemplos de bovinos-machos devem ainda associar-se também várias divindades-vacas com signicativa importância na mitologia egípcia: Bat, Hathor, Mehet-Ueret, Nut, Hesat, Ihet, Sekhat-Hor, Sekhetet, Chentayet, Khensit (Dodson, 2009; Kessler, 2001; Sales, 2006; Somas, 1986; Vernus, Yoyotte, 2005; Wilkinson, 2003, apud SALES, 2016, pág. 212).

O boi Apis, uma figura venerada na antiga religião egípcia, desempenhou um papel significativo na mitologia e na vida cotidiana do Egito Antigo. Apis era considerado uma encarnação do deus Ptá, associado à fertilidade, renovação e criatividade, e era reverenciado como uma divindade celestial e terrena. De acordo com a crença egípcia, Apis era reconhecido como um touro sagrado, cuja aparição era interpretada como um sinal dos deuses. Ele era identificado por características específicas, como uma marca em forma de lua crescente na testa, manchas especiais no corpo, e certos padrões na língua e nas costas. Quando um touro com essas características era encontrado, ele era proclamado como o Apis e levado para um templo especial em Mênfis, onde era cuidadosamente criado e adorado pelos sacerdotes e devotos. Ápis era considerado um intermediário entre os deuses e os humanos, e sua presença era vista como uma bênção para o Egito. Os sacerdotes realizavam rituais em seu nome, incluindo oferendas de alimentos e orações, buscando sua intercessão divina para garantir a prosperidade, a fertilidade do solo e a saúde do reino.

A morte de um boi Ápis era um evento de grande importância e tristeza para o povo egípcio. Acreditava-se que, após a morte, a alma do Ápis seria transferida para outro touro, e uma busca cuidadosa era realizada para encontrar um substituto adequado. O novo Ápis era então levado ao templo para continuar seu papel sagrado.

O culto ao boi Ápis continuou por séculos, desde os tempos mais antigos do Egito até a era ptolomaica e romana. Sua influência se estendeu além das fronteiras do Egito, com alguns aspectos de sua adoração sendo adotados em outras culturas do Mediterrâneo.

Uma cerimônia que ocorria no Egito era a corrida ritual do faraó com o touro Ápis. O Heb‑sed (também escrito como Heb Sed ou Heb‑Sed) era uma cerimônia de renovação e rejuvenescimento associada aos faraós do Antigo Egito. Essa cerimônia era realizada para marcar o jubileu real, um evento que ocorria aproximadamente a cada trinta anos do reinado de um faraó, embora a frequência pudesse variar. O Heb‑sed tinha como objetivo renovar a autoridade do faraó e garantir sua continuidade no poder, além de assegurar a estabilidade e a prosperidade do Egito. Durante a cerimônia, o faraó participava de uma série de rituais e atividades simbólicas, muitas das quais envolviam corridas, cerimônias religiosas e possíveis recriações de atos de governo.

Os detalhes exatos do Heb-sed variavam ao longo do tempo e de acordo com a dinastia reinante, mas geralmente envolviam elementos como o faraó realizando uma corrida ritual, possíveis cerimônias de coroação simbólica, e juramentos de lealdade por parte de nobres e oficiais do governo. A cerimônia também era uma oportunidade para o faraó demonstrar sua vitalidade física e mental, mostrando que ele ainda era capaz de governar com força e sabedoria.

O Heb-sed tinha profundos significados religiosos e políticos, servindo para reafirmar a ligação do faraó com os deuses egípcios, bem como sua posição como governante divinamente escolhido. Era um evento de grande importância e prestígio no Antigo Egito, marcando um ponto crucial no reinado de um faraó e celebrando sua continuidade no poder.

8. O touro na mitologia israelita

Na mitologia de Israel, o touro possui significados diversos e pode ser associado a diferentes contextos e simbolismos, especialmente em relação à religião.

A adoração de um touro na capital do Reino de Israel, Samaria, é mencionada no livro de Oseias. Em 1Reis:12 é dito que o touro de Samaria foi transferido para o santuário de Betel.

A veneração de um touro na capital do reino de Israel, Samaria, é atestada pelo livro de Oseias. A narrativa de 1Reis:12 transfere, então, o touro de Samaria para o santuário de Betel? A estátua bovina pode desempenhar o papel de um pedestal para Yhwh, ou representar o próprio Yhwh. RÖMER, 2016, pág. 109).

Em um pithos (vaso de armazenamento) descoberto durante escavações arqueológicas realizadas entre 1975 e 1976 em Kuntillet Ajrud, na região norte da península do Sinai, há um desenho representando uma “figura bovina, provavelmente símbolo da divindade invocada (Yahvé)” (MARTINS, 2023, pág. 126).

Segundo Kaefer,

O Estudo dos textos bíblicos de Ex 32; 1Rs 12,26-33; Os 8,4-7; Dt 33,13-17 e Gn 49,22-26 revela que em Israel Norte havia uma tradição que atribuía a libertação do Egito a uma divindade cultuada na forma de touro. Possivelmente essa tradição surgiu na luta contra a ocupação egípcia durante a campanha do faraó Sheshong I, registrada no templo de Karnak, no Egito, quando o nascente reino de Israel Norte foi derrotado pelas forças egípcias (1Sm 31). Vimos ainda que os textos analisados deixam a entender que a divindade cultuada na forma de touro era Javé (KAEFER, 2015, pág. 878)

9. O deus Gurzil

Do Egito a veneração do touro espalhou-se pela África. Gurzil era um deus da Guerra, com figura de touro, entre os berberes, um grupo étnico do norte da África, especialmente presentes em países como Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Mauritânia. Gurzil, é conhecido através de duas fontes principais. Primeiramente, encontramos referências a ele no poema latino “Iohannis”, escrito por Flávio Crescônio Coripo, um poeta romano cristão do século VI¹. Em segundo lugar, temos uma inscrição neopúnica² de Lépcis Magna. Lépcis Magna, também conhecida como Leptis Magna, foi uma cidade antiga localizada na região da Líbia, no norte da África, aproximadamente 130 quilômetros a leste da atual capital, Trípoli. Ela era uma das cidades mais importantes do Império Romano e um dos principais centros urbanos da região do norte da África.

Os berberes levavam Gurzil à batalha quando lutavam contra os invasores de suas terras. Laguatan, um chefe bérberelevou o seu deus Gurzilà batalha contra os bizantinos. Iarna era um governante mauro (primeiras populações bérberes) e sumo sacerdote de Gurzil. Quando os mauros foram derrotados, ele fugiu com a imagem de Gurzil, mas foi capturado e assassinado e a imagem destruída. Gurzil era considerado  descendente de Amom, deus egípcio.

O culto a esta divindade foi mantido durante muito tempo, pois no século XI d.C., El Bekri menciona na Tripolitânia um ídolo de pedra, erguido numa colina e denominado Gorza, ao qual as tribos vizinhas, entre outras os Hoouaras, ofereciam sacrifícios e oraram pela cura de seus rebanhos  (BASSET, 1910).

10. O Boi Geroa

A veneração do touro chega à região que hoje é Angola. Havia ali uma etnia denominada de Ba-Nanecas. Os Ba-Nanecas “fazem uma festa anual que tem muitas semelhanças com a que se celebrava antigamente no Egito em honra do boi Apis” (NOGUEIRA, 1881, pág. 262). Os membros da tribo, quando na época do festival em homenagem ao deus, conduziam uma imagem de boi pelas ruas das aldeias cantando e dançando.

Os Anais de Mossâmedes mencionam a interessante festa do boi ou Geloa [sic] que celebra o povo desses sertões. […]. Esta cerimônia, com o objetivo de celebrar o estado de paz e abundância da terra, tem como símbolo ou objeto aparente um boi ao qual dão o nome de Geroa. O boi Geroa deve ser branco e preto, e fica sob a guarda de um dos mais respeitados senhores da terra, que tem o título de Muene-Hambo, significando o maior pastor ou o pastor por excelência; e é acompanhado por outro boi, chamado Xicaca, e por uma vitela com o nome de Tembo-Onjuo, como dona da casa. No final das colheitas, de julho a agosto, que é quando para eles termina o ano e com o aparecimento da lua nova, é conduzido processionalmente o boi Geroa e seus companheiros, Xicaca e Tembo-Onjuo, desde a residência do Muene-Hambo até a do Hamba, distância que em Gambue é de algumas sete léguas, tendo como cortejo um numeroso acompanhamento de donzelas enfeitadas na cabeça com grandes fios de várias sementes, e de homens com as faces pintadas de um barro branco, chamado peio, que tem um significado de felicidade. Na residência do Hamba, primeiro o Muene-Hambo e depois o Hamba, chegam à boca do boi Geroa o pó de uma casca de pani, bastante amarga e à qual dão o nome de bungurullo; se o boi lambe aquele pó é um bom presságio, e o Muene-Hambo recebe toda sorte de felicitações e obsequios, tanto do Hamba como dos principais da terra; se não lambe é um mau presságio e, nesse caso, o Muene-Hambo deve pagar com a vida aquela predição funesta. Desnecessário dizer que o boi sempre lambe o pó, ao qual facilmente tem sido acostumado. Imediatamente após esse ato, o Hamba toma a palavra e profere um discurso, relatando o estado de suas relações com os povos vizinhos e dizendo o que pretende fazer no novo ano. Nestes discursos dão às vezes provas de grande sagacidade. Ao discurso segue-se uma dança em honra de uma mulher do Hamba que tem o título de Kini e outra com o nome de Tembo. Durante os dias da festa, a alegria deve ser tão geral que não é permitido chorar os mortos. E conclui a narrativa: Tal é a festa de Geroa. Não parece haver em tudo isso uma vaga reminiscência do culto do boi Apis, também branco e preto, também pressagiando o futuro e acompanhado por uma vaca? (CORVO, 1884, págs. 274-275).

Mossâmedes é uma cidade de Angola. De Angola o Boi Geroa veio para o Brasil.

No nordeste brasileiro nas últimas décadas do século XVIII, nas regiões de criação de gado, era empregada mão de obra escrava. Escravos destas fazendas misturaram seus costumes ancestrais trazidos da África com costumes europeus e indígenas. De Angola teriam eles trazidos a cerimônia do Boi Geroa. As festas comemorativas ao Boi Geroa foram observadas com atenção pelos padres que queriam catequizar aquele povo todo. Os jesuítas desenvolverem uma encenação teatral religiosa com danças e pequenas representações com o intuito de eliminar o paganismo indígena e africano, bem como a descrença de alguns colonos portugueses: acabaram por originar o Bumbameu-boi. Vejamos a opinião de outros autores:

A brincadeira do Boi é um tipo de folguedo festejado em diversas regiões do Brasil tendo sua origem a partir da colonização portuguesa. A religião católica trazida pelos jesuítas deixou marcas na cultura que se instalara, pois tinham como missão catequizar os negros e índios. Para isso o auto do boi foi criado como forma de apresentar o evangelho de forma didática, pois continha elementos e personagens de fácil identificação para o povo colonizado. (NEVES, 2017, pág.90). Neves diz apenas que o bumba meu boi é de origem portuguesa não levando em consideração as outras etnias.

Os indígenas foram importantes na elaboração do auto do boi: eles faziam muitas festas nos quais utilizavam instrumentos musicais de sopro. Diz Santana:

Os padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta descobriram que os índios e mamelucos tinham grande habilidade para a dança e para a música, levando-os a participar das representações de espetáculos religiosos enriquecidos com elementos do imaginário indígena, incluindo problemáticas morais e regionais. (SANTANA, 2009, pág. 62).

Ferreira numa obra sobre o padre Manoel da Nóbrega fala do entrechoque de duas culturas: a portuguesa e a indígena mas, não cita a cultura dos cativos africanos. Diz ele:

Nesse espigão do século XVI, a sociedade brasileira nascente se entrechocava. Coexistiam lado a lado, a aculturar-se, as populações nativa e portuguesa. Nóbrega desenvolveu todos os recursos de seu talento criador para fazer a aliança das duas raças, a vermelha e a branca. (FERREIRA, 1957, pág. 211).

Ferreira descarta a possibilidade da aculturação dos cativos africanos. Ele prossegue:

Orientava, nesse sentido, os trabalhos pesadíssimos da catequese, segundo a psicologia, a cultura e as tradições dos brasilíndios. E daí recorrer a todos os processos compatíveis com a religião e com o ambiente para alicerçar, em bases pagãs, e definitivas, capazes de vencer os homens e o tempo.

Nessas condições o Padre Manoel da Nóbrega conhecia o valor do teatro como instrumento eficaz para a instrução e educação do povo (FERREIRA, 1957, pág. 211)

Além de observarem que os indígenas gostavam de música e dança, os jesuítas ainda observaram que os indígenas criavam cabeças em forma de cabaças, completas com cabelos, olhos, narizes e bocas, adornadas com penas coloridas presas com cera, como se fossem elaborados trabalhos artesanais.

Estes fazem umas cabaças a maneira de cabeças, com cabellos, olhos, narizes e bocca com muitas penas de cores que lhes apegam com cera compostas á maneira de lavores e dizem que aquelle santo que tem virtude para lhes poder valer e diligenciar em tudo e dizem que falla, e á honra disto inventam muitos cantares que cantam diante delle, bebendo muito vinho de dia e de noite, fazendo harmonias diabólicas.” (CARTAS JESUÍTICAS II – Cartas Avulsas: 1550-1568, pág. 97).

Assim, montando pequenas peças teatrais, os denominados autos, o

teatro em terras brasileiras nasce em meados do século XVI como instrumento de catequese dos Jesuítas vindos de Coimbra como missionários. Era um teatro, portanto, com função religiosa e objetivos claros: evangelizar os índios e apaziguar os conflitos existentes entre eles e os colonos portugueses e espanhóis. Anchieta, então com dezenove anos, chegou ao Brasil no segundo grupo de missionários no dia 13 de junho de 1533, como parte da comitiva de Duarte da Costa³.

O teatro foi amplamente utilizado pelos padres da Companhia de Jesus como instrumento pedagógico. Tanto na Europa quanto no Brasil, os padres escreviam peças de teatro que auxiliavam não somente na instrução de seus alunos, mas também no ensinamento dos dogmas católicos. No chamado “Novo Mundo”, era a catequese dos autóctones que estava no horizonte dos padres jesuítas, ao utilizarem o teatro como recurso didático. (SILVA, s/d).

Os jesuítas encontraram pouca resistência ao envolver os indígenas em apresentações teatrais de marionetes, onde encenavam uma variedade de alegorias com o intuito de catequizar. Os ritmos percussivos executados pelos escravos exerciam fascinação sobre os indígenas, o que  não passou despercebida pelos jesuítas. Ao perceberem a oportunidade de utilizar esses ritmos e as festividades dos escravos para catequizar os índios, eles transformaram esses eventos em autos religiosos, abordando temas como a morte e a ressurreição através de alegorias. Esta foi uma estratégia de marketing astuta. As festividades rapidamente conquistaram o interesse tanto dos índios quanto do público em geral. O auto, inicialmente concebido e organizado pelos jesuítas, acabou sendo adotado e imitado pela população. Nascia o bumba meu boi. “A influência da cultura indígena está caracterizada pela presença no auto do Boi de um dos personagens dessa cultura: o caipora, que aparece no bumba meu boi.”(RODRIGUES FILHO, 2017, pág. 54).

11. O Bumba meu Boi

Bumba meu boi é uma manifestação cultural brasileira que faz parte do folclore e das festividades populares em várias regiões do país, principalmente no Norte e Nordeste. Também conhecido como Boi-Bumbá em algumas regiões, é uma festa popular que combina elementos de dança, teatro, música e religiosidade. Em Santa Catarina ele é conhecido como boi de mamão.

O enredo do Bumba meu Boi varia conforme a região, mas geralmente envolve a narrativa da morte e ressurreição de um boi. Em muitas versões, o enredo gira em torno de um fazendeiro ou senhor de engenho que possui um boi muito querido. Esse boi é morto por algum motivo, geralmente devido a um capricho da esposa do fazendeiro ou por alguma situação trágica. A partir daí, uma série de eventos se desenrola, com personagens como o vaqueiro, o índio, o pajé, entre outros, participando da história. O boi é eventualmente ressuscitado, geralmente por meio de intervenção divina ou mágica.

Durante as festividades do Bumba meu Boi, grupos de pessoas se organizam em comunidades para encenar essa história por meio de danças, músicas, trajes coloridos e performances teatrais. Os participantes se dividem em diferentes personagens, como o boi, o fazendeiro, os vaqueiros, os índios, entre outros, e dançam ao som de músicas tradicionais, muitas vezes acompanhadas de tambores e instrumentos de percussão.

O Bumba meu Boi é uma celebração vibrante e animada que reflete a diversidade cultural e a riqueza folclórica do Brasil, e é uma parte importante das tradições populares em muitas comunidades brasileiras.

12. Conclusão

Este artigo teve o propósito de construir uma teoria coerente para a origem do bumba meu boi: a sua origem estaria relacionada com a mitologia.

Os nomes do Bumba meu Boi por estado, em ordem alfabética são os seguintes: Alagoas: bumbameu-boi;  Amazonas: boi-bumbá e pavulagem;  Bahia: boi-janeiro, boi-estrela-do-mar, dromedário e mulinha-de-ouro; Ceará: boi-de-reis, boi-surubim e boi-zumbi; Espírito Santo: boi-de-reis; Maranhão: bumba-meu-boi; Minas Gerais: bumba e folguedo-do-boi; no Pará: boi-bumbá e pavulagem; Paraná: boi-de-mamão; Piauí: bumba-meu-boi; Rio de Janeiro: bumba e folguedo do boi; Rio Grande do Norte: bumba-meu-boi; Rio Grande do Sul: bumba, boizinho e boi-de-mamão; Santa Catarina: boi-de-mamão e boi-de-pano; São Paulo: boi-de-jacá e dança-do-boi. .

Assim, o Bumba meu Boi, uma rica expressão da cultura brasileira, transcende fronteiras geográficas, unindo comunidades em celebrações vibrantes e cheias de significado. Esta manifestação folclórica, enraizada nas tradições populares do Norte e Nordeste do Brasil, bem como em outras regiões sob diferentes nomes, como o Boi de Mamão em Santa Catarina, é um testemunho da diversidade e da criatividade do povo brasileiro.


¹Essas informações constam de manuscritos de vários autores. Não tivemos acesso ao poema original.
²Uma inscrição neopúnica é um tipo de inscrição escrita na língua e no sistema de escrita púnica, que era usada pelos antigos cartagineses e outros povos do norte da África antes da chegada dos romanos.)
³Duarte da Costa foi o segundo governador-geral do Brasil colonial, que exerceu seu mandato entre 1553 e 1558.

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¹ilson.wilmar@ufsc.br
Departamento de Ciência da Informação
Centro de Educação
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina