PSYCHOPATHY AND CRIMINAL LAW: THE LEGAL TREATMENT OF CRIMES COMMITTED BY PSYCHOPATHS IN BRAZIL
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202505101654
Laís Silva dos Santos1; Marilena Fernanda Rodrigues de Souza2; Sandro Barbosa Cunha3; Wendell Scott Braga de Almeida4
Resumo
A psicopatia, caracterizada por traços como ausência de empatia, impulsividade e comportamento manipulador, tem sido amplamente estudada pela psiquiatria forense, mas ainda gera debates no campo jurídico. O objetivo geral desta pesquisa é analisar o tratamento jurídico dado a esses indivíduos, considerando as divergências entre o Direito Penal e a psiquiatria forense. Especificamente, este estudo busca: (i) conceituar a psicopatia sob a ótica da psiquiatria e do Direito Penal; (ii) identificar como a legislação brasileira classifica a imputabilidade dos psicopatas; e (iii) examinar jurisprudências para compreender como o Judiciário tem se posicionado sobre a questão. A metodologia adotada será de pesquisa bibliográfica, utilizando doutrinas jurídicas, artigos acadêmicos, legislação penal e decisões judiciais recentes sobre o tema. Torna-se essencial que o sistema jurídico brasileiro evolua na forma como lida com os psicopatas, considerando a criação de políticas penais e penitenciárias mais adequadas, que garantam tanto a segurança da sociedade quanto o manejo correto desses indivíduos.
Palavras-chave: Crimes; direito penal; psicopatas; tratamento jurídico.
Abstract
Psychopathy, characterized by traits such as lack of empathy, impulsivity, and manipulative behavior, has been widely studied by forensic psychiatry, but it still generates debate in the legal field. The general objective of this research is to analyze the legal treatment given to these individuals, considering the divergences between Criminal Law and forensic psychiatry. Specifically, this study seeks to: (i) conceptualize psychopathy from the perspective of psychiatry and Criminal Law; (ii) identify how Brazilian legislation classifies the imputability of psychopaths; and (iii) examine case law to understand how the Judiciary has positioned itself on the issue. The methodology adopted will be bibliographical research, using legal doctrines, academic articles, criminal legislation, and recent court decisions on the subject. It is essential that the Brazilian legal system evolves in the way it deals with psychopaths, considering the creation of more appropriate criminal and penitentiary policies that guarantee both the safety of society and the correct management of these individuals.
Keywords: Crimes; criminal law; psychopaths; legal treatment.
Introdução
A relação entre a psicopatia e o direito penal desperta debates complexos e controversos, uma vez que envolve aspectos tanto psicológicos quanto jurídicos na análise da responsabilidade criminal. Indivíduos com traços psicopáticos apresentam um padrão de comportamento marcado pela ausência de empatia, impulsividade e desrespeito às normas sociais, características que desafiam os critérios tradicionais de culpabilidade. Diante disso, surge a necessidade de avaliar até que ponto a psicopatia influencia a capacidade de discernimento e autodeterminação do agente, bem como as implicações disso para a aplicação da pena e medidas de segurança dentro do ordenamento jurídico.
No Brasil, o Decreto-Lei nº 2.848/1940, que institui o Código Penal estabelece que a imputabilidade penal está diretamente ligada à capacidade do indivíduo de compreender o caráter ilícito de seus atos e de se autodeterminar conforme esse entendimento. O artigo 26 do CP prevê a inimputabilidade para aqueles que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuam essa capacidade.
No entanto, a psicopatia não é classificada como uma doença mental nos principais manuais psiquiátricos, como o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e a CID-11 (Classificação Internacional de Doenças), o que gera incertezas sobre seu enquadramento jurídico (American Psychiatric Association, 2013; OMS, 2019). Diante dessa lacuna, surge o problema de pesquisa deste trabalho: como o sistema penal brasileiro trata os crimes cometidos por psicopatas?
O objetivo geral desta pesquisa é analisar o tratamento jurídico dado a esses indivíduos, considerando as divergências entre o Direito Penal e a psiquiatria forense. Especificamente, este estudo busca: (i) conceituar a psicopatia sob a ótica da psiquiatria e do Direito Penal; (ii) identificar como a legislação brasileira classifica a imputabilidade dos psicopatas; e (iii) examinar jurisprudências para compreender como o Judiciário tem se posicionado sobre a questão.
A relevância do estudo justifica-se pela necessidade de aprimoramento do tratamento jurídico dos crimes cometidos por psicopatas no Brasil. A falta de um enquadramento legal específico pode resultar em lacunas na aplicação da justiça, colocando em risco tanto a sociedade quanto a efetividade do sistema penal. Assim, espera-se que este trabalho contribua para o debate acadêmico e jurídico sobre a necessidade de reformas na legislação penal brasileira para lidar adequadamente com indivíduos que apresentam traços psicopáticos.
A metodologia adotada será de pesquisa bibliográfica, utilizando doutrinas jurídicas, artigos acadêmicos, legislação penal e decisões judiciais recentes sobre o tema. Além disso, será realizada uma abordagem comparativa com ordenamentos jurídicos estrangeiros para verificar se há modelos mais eficazes na responsabilização penal de psicopatas.
2 A psicopatia sob a perspectiva jurídica e psiquiátrica
Para compreender a psicopatia no contexto jurídico, é essencial, primeiramente, analisar como essa condição é definida e estudada pela psiquiatria e pela psicologia forense. Essas áreas oferecem parâmetros científicos que auxiliam na identificação dos traços psicopáticos e na diferenciação entre transtornos mentais que podem ou não influenciar a responsabilidade penal do indivíduo. Assim, antes de explorar os aspectos legais da psicopatia, faz-se necessário abordar suas características e critérios diagnósticos sob a ótica da psiquiatria e da psicologia forense.
2.1 Definição de psicopatia segundo a psiquiatria e a psicologia forense
A psicopatia, do ponto de vista psiquiátrico, é um transtorno de personalidade caracterizado por comportamentos e atitudes persistentes que indicam ausência de empatia, remorso e culpa. Esses indivíduos demonstram um padrão de violação das normas sociais sem apresentar arrependimento, o que os diferencia de outros transtornos psiquiátricos. Embora frequentemente associada ao Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), a psicopatia é considerada uma condição mais grave, pois envolve um conjunto mais amplo de déficits emocionais e comportamentais (Hare, 1999).
Na psiquiatria, a psicopatia é analisada como um transtorno que tem raízes neurológicas e genéticas, estando associada a anomalias no funcionamento do cérebro. Estudos indicam que indivíduos psicopatas apresentam alterações na atividade do córtex pré-frontal e da amígdala, estruturas cerebrais responsáveis pelo controle emocional e pelo processamento de respostas emocionais, como medo e culpa (Raine, 2013). Essas disfunções neurológicas podem explicar a insensibilidade emocional característica dos psicopatas e sua dificuldade em formar vínculos afetivos genuínos (Lombroso, 2001).
A psicologia forense, por sua vez, busca compreender a manifestação da psicopatia no comportamento criminal e suas implicações legais. O principal instrumento utilizado para avaliar a psicopatia é a Escala de Psicopatia de Hare (PCL-R), que identifica traços como manipulação, grandiosidade, impulsividade e ausência de empatia (Hare, 2003). A aplicação da PCL-R permite que especialistas avaliem o grau de periculosidade e o risco de reincidência criminal de um indivíduo, auxiliando decisões jurídicas e penitenciárias (Morana, 2015).
Trindade (2018) salienta:
No momento, parece haver consenso de que o PCL-R é o mais adequado instrumento, sob a forma de escala, para avaliar psicopatia e identificar fatores de risco de violência. Como demonstrada confiabilidade, tem sido adotado em diversos países como instrumento de eleição para a pesquisa e para o estudo clínico da psicopatia, como escala de predição de recidivíssimo, violência e intervenção terapêutica (Trindade, 2018, p. 33).
Além do contexto criminal, a psicopatia também pode ser observada em ambientes sociais e profissionais. Indivíduos psicopatas costumam apresentar um charme superficial e uma grande capacidade de manipular os outros para alcançar seus objetivos, sem qualquer consideração pelos sentimentos alheios. Esse comportamento predatório pode ser identificado não apenas na prática criminosa, mas também em relações interpessoais e no mercado de trabalho, onde o psicopata pode utilizar sua frieza emocional para obter vantagens pessoais sem demonstrar culpa ou arrependimento (Babiuk, 2011).
Embora nem todos os psicopatas sejam violentos, sua falta de empatia e tendência à manipulação representam desafios para o sistema jurídico e psiquiátrico. A identificação e o estudo da psicopatia são essenciais para determinar o nível de responsabilidade penal desses indivíduos e para desenvolver abordagens mais eficazes no tratamento e na gestão de sua periculosidade (Trindade; Pimentel, 2018). A psicopatia, portanto, exige um olhar multidisciplinar que envolva psiquiatria, psicologia forense e direito penal, a fim de garantir a segurança social e a justiça nas decisões judiciais.
2.2 Diferenças entre transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
O transtorno de personalidade antissocial (TPA) e a psicopatia são frequentemente tratados como sinônimos no contexto jurídico e psiquiátrico, mas apresentam diferenças conceituais e diagnósticas relevantes. Ambos os perfis compartilham características como impulsividade, desrespeito às normas sociais, manipulação e ausência de remorso, mas possuem distinções fundamentais tanto na sua classificação médica quanto na manifestação de seus comportamentos. O correto entendimento dessas diferenças é essencial para a aplicação adequada das normas penais e para a definição de políticas criminais eficazes (Gorenstein, 2020).
O TPA está classificado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) como um transtorno psiquiátrico que se manifesta por um padrão persistente de desrespeito e violação dos direitos alheios, iniciando-se na adolescência ou no início da vida adulta (American Psychiatric Association, 2013). Entre os critérios diagnósticos, estão a incapacidade de conformar-se às normas legais, a tendência à mentira, a impulsividade, a agressividade, a irresponsabilidade e a falta de remorso após prejudicar terceiros. No entanto, indivíduos com TPA não necessariamente apresentam traços de frieza emocional ou planejamento estratégico, podendo agir de maneira impulsiva e sem calcular as consequências de seus atos (Brown, 2019).
Diferentemente do TPA, a psicopatia não é reconhecida como uma categoria diagnóstica no DSM-5, mas é amplamente estudada na criminologia e na psiquiatria forense (Cleckley, 1941). Os psicopatas apresentam um conjunto de características mais específicas e acentuadas, como manipulação extrema, ausência total de empatia, frieza emocional e comportamentos altamente calculistas (Kirchheimer, 2021). Enquanto um indivíduo com TPA pode agir impulsivamente e de maneira desorganizada, o psicopata tende a ser meticuloso, planejador e estratégico em suas ações, o que pode dificultar sua detecção e captura.
Indivíduos com transtorno de personalidade antissocial podem apresentar explosões de raiva e agir por impulso, enquanto os psicopatas são frios e raramente demonstram reações emocionais genuínas (Lillie, 2022). Ray (2020) explica que psicopatas apresentam alterações na amígdala e no córtex pré-frontal, áreas do cérebro associadas à regulação emocional e ao controle dos impulsos. Essas diferenças biológicas reforçam a tese de que a psicopatia não se resume a um transtorno de personalidade, mas envolve uma estrutura neurológica distinta que influencia diretamente o comportamento criminoso.
No contexto jurídico, a distinção entre TPA e psicopatia tem implicações diretas na avaliação da imputabilidade penal. O transtorno de personalidade antissocial, por ser um diagnóstico formalmente reconhecido no DSM-5, pode ser considerado na análise da responsabilidade criminal, especialmente em casos onde há comprometimento significativo da capacidade de autodeterminação (McCord, 1991). Já a psicopatia, apesar de ser amplamente estudada na criminologia, não é reconhecida como um transtorno mental no sentido jurídico, o que significa que, em regra, psicopatas são plenamente imputáveis e recebem penas convencionais, sem possibilidade de medidas de segurança (Hare, 1991).
A diferenciação entre transtorno de personalidade antissocial e psicopatia é essencial para a correta aplicação do Direito Penal e da psiquiatria forense. Embora compartilhem algumas características, os psicopatas apresentam traços distintos que os tornam mais perigosos e reincidentes no contexto criminal. Essa realidade exige uma abordagem diferenciada no tratamento jurídico desses indivíduos, buscando equilibrar a necessidade de punição com a prevenção da reincidência e a proteção da sociedade (Gorenstein, 2020).
2.3 Características comportamentais e sociais dos psicopatas
A psicopatia é um transtorno de personalidade caracterizado por um padrão persistente de comportamentos manipuladores, ausência de empatia e desprezo pelas normas sociais e pelos direitos alheios. Indivíduos psicopatas apresentam características comportamentais e sociais distintas, que os diferenciam de outras condições psiquiátricas e fazem com que sejam considerados altamente perigosos, sobretudo no contexto criminal. Essas características impactam diretamente sua capacidade de estabelecer relações interpessoais, sua forma de interação com a sociedade e sua tendência à reincidência criminal.
Entre os traços comportamentais mais marcantes dos psicopatas, destaca-se a ausência de empatia e remorso. Diferentemente de indivíduos com transtornos emocionais, os psicopatas não sentem culpa por suas ações e não demonstram sofrimento genuíno pelas consequências que impõem às vítimas. Essa frieza emocional é um dos fatores que os torna extremamente perigosos, pois permite que cometam crimes violentos ou atos de exploração sem hesitação ou arrependimento. Hauck Filho et al., (2009) apontam que essa ausência de empatia está relacionada a alterações no funcionamento da amígdala e do córtex pré-frontal, regiões cerebrais associadas ao processamento emocional e ao controle dos impulsos.
Eles costumam ser carismáticos e persuasivos, utilizando sua inteligência emocional para enganar e explorar outras pessoas em benefício próprio. Essa manipulação pode se manifestar em diversas áreas da vida, desde relações interpessoais até crimes sofisticados, nos quais empregam sua capacidade estratégica para evitar suspeitas e maximizar suas vantagens. Diferente de criminosos impulsivos, psicopatas são calculistas e frios, planejando suas ações com precisão e evitando erros que possam comprometê-los (Bertoldi et al., 2014).
Embora alguns apresentem um comportamento meticuloso e planejado, outros demonstram uma tendência à busca por estímulos intensos, levando-os a assumir riscos desnecessários e a agir de forma impulsiva. Essa impulsividade, somada à ausência de medo ou preocupação com consequências, contribui para a alta taxa de reincidência criminal entre indivíduos com traços psicopáticos (Soeiro & Gonçalves, 2010).
No âmbito social, os psicopatas têm grande dificuldade em estabelecer relações afetivas genuínas. Suas interações são baseadas no interesse e na conveniência, e eles frequentemente exploram as emoções alheias para obter benefícios. Muitas vezes, são vistos como indivíduos superficiais e egocêntricos, incapazes de demonstrar vínculos autênticos com familiares, amigos ou parceiros amorosos. Em contextos profissionais, podem ascender a cargos de liderança devido à sua audácia e falta de escrúpulos, mas também costumam ser responsáveis por ambientes tóxicos, intrigas e condutas antiéticas (Kiehl & Hoffman, 2011).
A criminalidade psicopática se manifesta de diversas formas, desde fraudes e estelionatos até crimes violentos, como homicídios em série. A ausência de medo e o prazer em exercer poder sobre os outros fazem com que muitos psicopatas sejam reincidentes e altamente perigosos para a sociedade. Diferentemente de criminosos comuns, que muitas vezes agem por impulso, necessidade financeira ou motivações emocionais, os psicopatas cometem crimes de forma premeditada, calculada e, em alguns casos, com uma frieza impressionante (Jalava et al., 2015).
Diante dessas características, a psicopatia representa um grande desafio para o sistema penal e para a sociedade. Sua alta taxa de reincidência, aliada à sua resistência a tratamentos tradicionais, levanta questionamentos sobre a melhor forma de lidar com esses indivíduos dentro do Direito Penal. A correta identificação dos traços psicopáticos pode contribuir para o aprimoramento das estratégias de investigação criminal, para a formulação de penas mais eficazes e para a proteção da sociedade contra indivíduos com alto grau de periculosidade.
3 Imputabilidade penal e psicopatia no direito brasileiro
No direito penal brasileiro, a imputabilidade é um fator determinante para a responsabilização criminal de um indivíduo. No caso da psicopatia, surgem questionamentos sobre a capacidade do agente de compreender a ilicitude de seus atos e de se autodeterminar conforme essa compreensão. Para esclarecer essa questão, é fundamental entender os conceitos de imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade previstos no CP, os quais estabelecem os critérios para a aplicação da pena ou a adoção de medidas de segurança em casos específicos.
3.1 Conceitos de imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade no Código Penal Brasileiro
A imputabilidade penal é um dos pilares fundamentais do Direito Penal brasileiro, pois estabelece quem pode ser responsabilizado criminalmente por seus atos. No Brasil, o Código Penal adota o critério biopsicológico para determinar a imputabilidade, considerando tanto a condição mental do agente quanto sua capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da infração (Mendes, 2021).
A legislação classifica os indivíduos como imputáveis, semi-imputáveis ou inimputáveis, sendo que essa diferenciação tem implicações diretas na aplicação da pena ou de medidas de segurança. No contexto da psicopatia, a classificação jurídica desses indivíduos ainda gera controvérsias, pois, apesar de apresentarem transtornos de personalidade marcantes, os psicopatas geralmente não se encaixam nas definições clássicas de inimputabilidade ou semiimputabilidade (Costa, 2022).
A imputabilidade penal é a regra geral, ou seja, presume-se que todo indivíduo tenha plena capacidade de compreender o caráter ilícito de suas ações e de se autodeterminar de acordo com esse entendimento. O CP, em seu artigo 26, estabelece que apenas aqueles que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, sejam inteiramente incapazes de compreender o ilícito ou de se conduzir conforme essa compreensão serão considerados inimputáveis (Brasil, 1940).
Esse critério, no entanto, não abarca os psicopatas, uma vez que eles possuem total entendimento da ilicitude de seus atos, embora apresentem ausência de empatia, frieza emocional e impulsividade (Ferreira, 2023). Santos (2021) aponta que a psicopatia não afeta as funções cognitivas, mas sim os aspectos emocionais e sociais do comportamento, o que impede seu enquadramento automático como doença mental para fins penais. Assim, no sistema jurídico brasileiro, psicopatas são, em regra, considerados imputáveis e punidos com penas privativas de liberdade nos moldes tradicionais.
Por outro lado, o Código Penal prevê a figura da semi-imputabilidade para aqueles que, em razão de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, possuam sua capacidade de entendimento ou autodeterminação reduzida, mas não totalmente ausente. Nesses casos, a pena pode ser atenuada, com possibilidade de substituição por medidas de segurança (Oliveira, 2022).
Contudo, há um debate doutrinário sobre se a psicopatia poderia ser enquadrada nessa categoria, uma vez que sua principal característica não é um déficit cognitivo, mas sim um padrão persistente de comportamento antissocial e manipulador. A jurisprudência brasileira, na maioria dos casos, não reconhece a semi-imputabilidade para psicopatas, pois entende que esses indivíduos agem com plena consciência e controle sobre suas ações (Almeida, 2020).
Já a inimputabilidade ocorre quando a pessoa é totalmente incapaz de entender a ilicitude de seus atos ou de se autodeterminar. Essa condição se aplica a indivíduos que sofrem de transtornos mentais graves, como esquizofrenia em estado avançado, demência ou retardo mental severo. Nessas situações, em vez de penas privativas de liberdade, o agente está sujeito a medidas de segurança, como internação em hospital psiquiátrico ou tratamento ambulatorial (Gomes, 2023).
Entretanto, como a psicopatia não é considerada uma doença mental segundo os principais manuais psiquiátricos, os psicopatas não se beneficiam dessa previsão legal. O CP não possui uma regulamentação específica para lidar com esses indivíduos, o que levanta questionamentos sobre a adequação do sistema penal no tratamento da periculosidade associada à psicopatia (Martins, 2023).
A ausência de uma abordagem diferenciada para psicopatas dentro do Direito Penal brasileiro gera desafios tanto para o sistema de justiça quanto para a sociedade. Por não serem considerados doentes mentais, eles cumprem pena em presídios comuns, onde frequentemente exercem influência sobre outros detentos e apresentam altas taxas de reincidência. Em outros países, como os Estados Unidos e o Reino Unido, há debates sobre a possibilidade de um regime específico para criminosos psicopatas, incluindo penas diferenciadas e avaliações de risco contínuas (Rodrigues, 2024). No Brasil, a falta de diretrizes específicas torna o tratamento jurídico desses indivíduos um tema ainda aberto para discussões e possíveis reformas legislativas.
A análise da imputabilidade penal no Brasil demonstra que, na maioria dos casos, os psicopatas são considerados plenamente imputáveis, pois possuem plena consciência do caráter ilícito de suas ações. A semi-imputabilidade é raramente aplicada, e a inimputabilidade praticamente não se aplica a esses indivíduos. Esse cenário evidencia a necessidade de um debate aprofundado sobre a adequação do sistema penal na responsabilização e no tratamento jurídico de psicopatas.
3.2 Da imputabilidade penal: doença mental e capacidade de entendimento
O artigo 26 do CP trata da inimputabilidade penal em decorrência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. De acordo com o dispositivo legal:
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (Brasil, 1940, p. 10).
A norma baseia-se na premissa de que o Direito Penal deve responsabilizar apenas aqueles que possuem plena consciência da ilicitude de seus atos. A inimputabilidade prevista no artigo 26, portanto, considera a condição psíquica do agente no momento da infração penal, afastando a culpabilidade caso fique comprovado que ele não possuía discernimento suficiente para compreender a ilicitude do seu comportamento. Essa análise deve ser realizada por meio de perícia médica-legal, geralmente conduzida por psiquiatras forenses, que avaliam a presença de transtornos psiquiátricos e sua influência na conduta criminosa (Bitencourt, 2019).
Embora o artigo 26 isente de pena aqueles que se enquadram nos critérios de inimputabilidade, ele não exime completamente o infrator de medidas legais. O parágrafo único do artigo dispõe que, caso o agente apresente periculosidade, ele poderá ser submetido a medidas de segurança, como internação em hospital psiquiátrico forense ou tratamento ambulatorial, conforme a gravidade do caso (Brasil, 1940). Essa medida visa a proteção da sociedade e a tentativa de tratamento do indivíduo, evitando reincidência criminosa (Nucci, 2021).
Art. 26. (…)
Redução de pena
Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícicito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (Brasil, 1940, p. 10).
A aplicabilidade do artigo 26 gera discussões sobre os limites entre doença mental e a capacidade de entendimento do agente. Nem todo transtorno psiquiátrico implica inimputabilidade; indivíduos com transtornos de personalidade, como a psicopatia, por exemplo, costumam apresentar plena capacidade de compreender a ilicitude de seus atos, embora possam demonstrar ausência de empatia e remorso. Dessa forma, muitos psicopatas são considerados imputáveis e plenamente responsáveis por seus crimes, mesmo que apresentem desvio de personalidade significativo (Morana, 2015).
Diante disso, a análise do artigo 26 do CP deve ser feita de forma cuidadosa, levando em consideração fatores médicos, psiquiátricos e jurídicos. A intersecção entre o Direito Penal e a psiquiatria forense é essencial para garantir que a isenção de pena seja aplicada de maneira justa, reservando a inimputabilidade apenas para aqueles cuja condição mental efetivamente compromete a compreensão da ilicitude do ato ou a autodeterminação. O equilíbrio entre proteção social e direitos fundamentais do acusado é um dos grandes desafios da aplicação desse dispositivo legal no sistema penal brasileiro.
3.3 Discussão sobre a aplicação de penas ou medidas de segurança a psicopatas
A aplicação de penas ou medidas de segurança a psicopatas é um dos grandes desafios do Direito Penal contemporâneo. A principal dificuldade reside no fato de que, embora a psicopatia seja um transtorno de personalidade grave, ela não é considerada uma doença mental nos termos do artigo 26 do CP. Assim, diferentemente dos indivíduos com transtornos psicóticos graves, os psicopatas, em regra, são considerados imputáveis, uma vez que possuem plena capacidade de entender o caráter ilícito de suas ações (Ferreira, 2023).
No entanto, a questão da periculosidade dos psicopatas levanta debates sobre a adequação do sistema penal tradicional a esses indivíduos. Lima (2021) ressalta que psicopatas possuem uma alta taxa de reincidência, especialmente em crimes violentos. Diante desse cenário, surge a discussão sobre se as penas privativas de liberdade são eficazes ou se deveriam ser aplicadas medidas de segurança após o cumprimento da pena para garantir a proteção da sociedade.
Martins (2023) defende a criação de uma categoria intermediária entre a imputabilidade e a inimputabilidade, que permita a aplicação de medidas preventivas a psicopatas de alta periculosidade. Isso incluiria avaliações psiquiátricas mais rigorosas para a concessão de benefícios como progressão de regime e liberdade condicional, evitando que indivíduos manipuladores utilizem brechas do sistema penal para obter vantagens indevidas.
Há propostas para reformular a forma como os psicopatas são tratados no Direito Penal, incluindo a possibilidade de tratamentos psiquiátricos compulsórios ou monitoramento contínuo após o cumprimento da pena. Essas propostas, no entanto, geram debates éticos e jurídicos, pois tocam em princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, como a legalidade e a individualização da pena (Costa, 2022).
Dessa forma, a aplicação de penas e medidas de segurança a psicopatas exige uma abordagem equilibrada, que leve em consideração tanto a necessidade de responsabilização criminal quanto a proteção da sociedade. A intersecção entre Direito Penal, psiquiatria forense e criminologia pode fornecer respostas mais adequadas para esse desafio, garantindo um tratamento jurídico eficaz e proporcional à periculosidade desses indivíduos.
4 O tratamento jurídico dos psicopatas no sistema penal brasileiro
No Brasil, o sistema penal enfrenta desafios ao lidar com psicopatas, uma vez que, embora apresentem desvios comportamentais significativos, geralmente não são considerados inimputáveis. Para compreender como o Judiciário tem tratado essas questões na prática, é essencial analisar decisões judiciais que envolvem réus com traços psicopáticos, observando os critérios adotados para a imputabilidade, a aplicação de penas e a eventual adoção de medidas de segurança.
4.1 Como o Judiciário trata os psicopatas no Brasil: análise de jurisprudência
O tratamento jurídico dos psicopatas no Brasil apresenta divergências dentro da jurisprudência, principalmente no que se refere à imputabilidade penal desses indivíduos. A ausência de um consenso unificado faz com que cada tribunal adote entendimentos distintos, analisando caso a caso com base nos laudos psiquiátricos e na periculosidade do réu. Enquanto alguns julgados reconhecem a inimputabilidade em razão do transtorno mental, outros mantêm a imputabilidade, entendendo a psicopatia como um transtorno de personalidade e não uma doença mental nos termos do artigo 26 do CP.
Um exemplo da disparidade no entendimento judicial pode ser observado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que, ao julgar casos de crimes cometidos por psicopatas, leva em consideração o grau do transtorno para determinar a aplicação de medida de segurança. Em casos de alta periculosidade, a jurisprudência tem determinado a internação compulsória do réu, entendendo que sua permanência em liberdade representa risco à sociedade. Veja:
APELAÇÃO CRIMINAL – DELITOS DE AMEAÇA E INCÊNDIO – ARTIGOS 147 E 250, INC. II, ALÍNEA ‘a’, AMBOS DO CÓDIGO PENAL – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – RÉU INIMPUTÁVEL – MEDIDA DE SEGURANÇA – INTERNAÇÃO – SUBSTITUIÇÃO PARA TRATAMENTO AMBULATORIAL – IMPOSSIBILIDADE – EVIDÊNCIAS DE PERICULOSIDADE DO ACUSADO – RECURSO NÃO PROVIDO. – Na aplicação da medida de segurança deve o julgador observar a natureza do crime cometido, o potencial de periculosidade do réu e o grau da psicopatia, ainda que o crime seja apenado com reclusão. – Diante das evidências de periculosidade do réu, justifica-se submetê-lo à medida de segurança de internação. (TJ-MG – APR: 10428130027223001 MG, Relator: Jaubert Carneiro Jaques, Data de Julgamento: 08/11/2016, Câmaras Criminais / 6ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 22/11/2016)
Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) tem adotado uma abordagem mais rígida, considerando os psicopatas como plenamente imputáveis, com base na premissa de que possuem plena consciência dos atos que praticam. Decisões desse tribunal sustentam que, embora apresentem comportamento antissocial e tendências violentas, esses indivíduos são capazes de compreender a ilicitude de seus atos, devendo, portanto, ser penalmente responsabilizados sem a conversão da pena em medida de segurança. Vide:
EMENTA – APELAÇÃO DEFENSIVA – OCULTAÇÃO DE CADÁVER – ANTECEDENTES, CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADES NEGATIVADAS – FUNDAMENTAÇÃO INDÔNEA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. O decurso do prazo depurador previsto no art. 64, I, do Código Penal, impossibilita o reconhecimento da reincidência, porém não impede a negativação dos maus antecedentes. A conduta social e a personalidade do agente podem ser consideradas prejudiciais na primeira fase da dosimetria da pena com a consequente exasperação da pena-base quando constam nos autos elementos concretos a fundamentar a negativação dos vetores. 18 (TJ-MS – APR: 00056693120178120001 MS 0005669-31.2017.8.12.0001, Relator: Desª Elizabete Anache, Data de Julgamento: 01/11/2019, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 04/11/2019).
Casos emblemáticos na história do Judiciário brasileiro reforçam essa polarização. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no caso de Roberto Aparecido Alves Cardoso, conhecido como “Champinha”, ilustra a preocupação com a reincidência e a periculosidade desses indivíduos. Apesar de ser menor de idade na época do crime, laudos psiquiátricos comprovaram sua ausência de arrependimento e falta de empatia, justificando a manutenção de sua internação. O STJ reconheceu que a soltura de um indivíduo com tais características representaria uma ameaça à segurança pública (Pereira, 2020).
Além disso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) adotou um posicionamento intermediário ao julgar um caso em que o réu, diagnosticado com transtorno de personalidade antissocial moderado, teve sua pena reduzida em um terço, sendo mantida sua condenação, mas sem a aplicação de medida de segurança. Esse caso demonstra que, mesmo nos tribunais que reconhecem a psicopatia como um fator atenuante, há uma tendência a evitar a total absolvição do réu (Almeida, 2022). Vide:
PENAL E EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 121, § 2º, INCISO IV, DO CP. CONDENAÇÃO. SEMI-IMPUTABILIDADE. PENA 19 PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. ALTERAÇÃO PARA TRATAMENTO AMBULATORIAL. IMPOSSIBILIDADE. I – O art. 98 do Código Penal autoriza a substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança ao condenado semi-imputável que necessitar de especial tratamento curativo, aplicando-se o mesmo regramento da medida de segurança para inimputáveis. II – O juiz deve aplicar a medida de segurança de internação ao condenado por crime punível com reclusão, possibilitada a posterior desinternação ou liberação condicional, precedida de perícia médica, ex vi do art. 97 do CP (Precedentes do STJ e do STF). Recurso especial provido. (STJ, REsp 863.665/MT, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 22/05/2007, DJ 10/09/2007, p. 296).
Diante desse panorama, percebe-se que a falta de um critério unificado sobre a aplicação das penas e medidas de segurança para psicopatas gera decisões conflitantes no Judiciário brasileiro. O debate continua em aberto, com especialistas do Direito Penal e da Psiquiatria Forense defendendo a necessidade de maior clareza legislativa para evitar julgamentos excessivamente subjetivos e desiguais.
4.2 Medidas de segurança e sua efetividade no caso de psicopatas
As medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro têm como principal finalidade a proteção da sociedade contra indivíduos considerados perigosos e sem capacidade plena de entendimento e autodeterminação. No caso dos psicopatas, a aplicação dessas medidas apresenta desafios consideráveis, uma vez que a psicopatia não é tecnicamente classificada como uma doença mental, mas sim como um transtorno de personalidade grave, o que interfere diretamente na sua caracterização como inimputáveis.
O CP, em seu artigo 96, prevê duas formas de aplicação das medidas de segurança: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou tratamento ambulatorial. No entanto, a efetividade dessas medidas para indivíduos com psicopatia é amplamente questionada. Silva (2022) denota que a psicopatia é um transtorno resistente a tratamentos convencionais e que muitos dos que cumprem internação retornam ao convívio social sem apresentar mudanças significativas em seu comportamento criminoso.
Art. 96 – As medidas de segurança são:
I – internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II – sujeição à tratamento ambulatorial (Brasil, 1940, p. 17).
Um dos principais problemas na aplicação dessas medidas está na avaliação da periculosidade do psicopata. O critério de periculosidade, embora fundamental para determinar a necessidade de internação, é subjetivo e depende da interpretação dos profissionais responsáveis pelos laudos psiquiátricos e da decisão do magistrado (Freitas, 2023).
A falta de estabelecimentos especializados para o tratamento de psicopatas compromete a eficácia das medidas de segurança. No Brasil, os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico geralmente são destinados a indivíduos com transtornos mentais severos e não possuem programas específicos voltados ao tratamento da psicopatia. Como resultado, muitos psicopatas acabam cumprindo suas medidas de segurança em estabelecimentos prisionais comuns, onde não recebem acompanhamento adequado e podem representar risco para outros detentos e agentes penitenciários (Carvalho, 2023).
Diante dessas dificuldades, torna-se essencial repensar a forma como o sistema jurídico lida com os psicopatas criminosos. Modelos internacionais sugerem a criação de unidades especializadas para o manejo de indivíduos com transtornos de personalidade severos, combinando medidas de contenção com abordagens terapêuticas mais eficazes. No Brasil, o debate sobre essa questão ainda é incipiente, mas a necessidade de uma política pública mais eficiente para lidar com a periculosidade dos psicopatas é evidente, visando tanto a proteção da sociedade quanto a busca por uma abordagem jurídica mais coerente e funcional (Rodrigues, 2024).
4.3 Comparação com legislações internacionais sobre o tema.
A abordagem jurídica para o tratamento de psicopatas no sistema penal varia significativamente entre os países, refletindo diferentes concepções sobre imputabilidade, medidas de segurança e a periculosidade desses indivíduos. Enquanto o Brasil adota um modelo baseado na distinção entre imputáveis, semi-imputáveis e inimputáveis, outros países apresentam legislações mais específicas para o tratamento penal de criminosos diagnosticados com transtornos de personalidade severos, como a psicopatia.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a psicopatia não é considerada uma condição que automaticamente exclui a responsabilidade criminal. O sistema jurídico norte-americano enfatiza o conceito de “culpabilidade” e, mesmo em casos em que o réu apresenta sinais claros de transtorno de personalidade antissocial ou psicopatia, ele pode ser condenado e cumprir penas em presídios de segurança máxima. Entretanto, algumas jurisdições permitem a imposição de sentenças diferenciadas, incluindo confinamento em unidades especializadas, como hospitais psiquiátricos forenses, desde que fique comprovado que o indivíduo representa um risco contínuo para a sociedade (Williams, 2023).
Já no Reino Unido, a legislação adota um modelo híbrido, combinando punição e tratamento. A Lei de Saúde Mental britânica (Mental Health Act 1983) permite que juízes determinem a internação compulsória de indivíduos considerados perigosos e com transtornos mentais graves, incluindo psicopatas, mesmo que sejam formalmente considerados imputáveis. Essa medida visa garantir não apenas a contenção do criminoso, mas também a tentativa de reabilitação por meio de programas terapêuticos específicos, ainda que a eficácia desses programas seja frequentemente debatida (Thompson, 2024).
A Alemanha, por sua vez, possui uma abordagem distinta, baseada na ideia de “custódia preventiva” (Sicherungsverwahrung). De acordo com o Código Penal Alemão, criminosos considerados altamente perigosos podem permanecer internados por tempo indeterminado, mesmo após o cumprimento da pena, caso a Justiça avalie que sua soltura representa uma ameaça à sociedade. Esse modelo tem sido alvo de críticas por parte de organizações de direitos humanos, pois, na prática, pode resultar em um encarceramento por tempo indefinido sem uma nova condenação formal (Schmidt, 2023).
Na Suécia e em outros países escandinavos, a política penal é orientada por princípios de reabilitação e reintegração social. Embora psicopatas violentos possam ser condenados a longas penas de prisão, há um foco significativo em tratamentos psiquiátricos dentro do sistema penitenciário. No entanto, pesquisas indicam que os programas terapêuticos tradicionais têm pouca efetividade para indivíduos com alta psicopatia, o que levanta questionamentos sobre a real utilidade desse modelo para a contenção da reincidência criminal (Larsson, 2023).
Comparando essas abordagens com a realidade brasileira, observa-se que o Brasil ainda carece de uma legislação mais clara e eficaz para o tratamento jurídico dos psicopatas. A aplicação de medidas de segurança no país é muitas vezes inconsistente e depende de interpretações subjetivas dos magistrados, o que pode resultar em decisões díspares para casos semelhantes.
A ausência de instituições especializadas para esse perfil criminoso compromete a efetividade da contenção e do eventual tratamento. Dessa forma, uma análise comparativa das legislações internacionais pode servir de base para reformulações legislativas no Brasil, buscando um modelo que concilie a proteção da sociedade com uma abordagem mais científica e fundamentada para o tratamento dos psicopatas no sistema penal.
Considerações finais
A interseção entre psicopatia e direito penal levanta questões complexas, especialmente no que se refere à imputabilidade e ao tratamento jurídico dos indivíduos diagnosticados com esse transtorno. A psicopatia, embora seja reconhecida como um transtorno de personalidade grave, não é classificada pelo Código Penal Brasileiro como uma condição que possa excluir a responsabilidade penal do agente. Dessa forma, a maioria dos psicopatas é considerada plenamente imputável, o que significa que podem ser processados e condenados como qualquer outro indivíduo.
A análise das jurisprudências revela que os tribunais brasileiros, ao julgar casos envolvendo psicopatas, costumam adotar uma abordagem rigorosa, enfatizando a periculosidade desses indivíduos e, muitas vezes, aplicando penas severas. No entanto, o sistema penal ainda apresenta lacunas no que diz respeito a medidas adequadas para lidar com esses casos, uma vez que a prisão comum pode não ser suficiente para evitar a reincidência, e as medidas de segurança muitas vezes não se aplicam a pessoas consideradas imputáveis. Isso gera um impasse sobre a melhor forma de compatibilizar a punição com a necessidade de prevenção de novos crimes.
Outro ponto de destaque é a necessidade de um maior diálogo entre o direito penal e as ciências forenses, como a psiquiatria e a psicologia criminal, para aprimorar a compreensão da psicopatia no contexto jurídico. A ausência de uma regulamentação específica para o tratamento jurídico dos psicopatas dentro do sistema penal brasileiro reforça a importância de reformulações legislativas que considerem a periculosidade e a falta de resposta desses indivíduos a penas tradicionais.
Portanto, torna-se essencial que o sistema jurídico brasileiro evolua na forma como lida com os psicopatas, considerando a criação de políticas penais e penitenciárias mais adequadas, que garantam tanto a segurança da sociedade quanto o manejo correto desses indivíduos. A implementação de centros de custódia especializados, estudos sobre a eficácia das penas privativas de liberdade nesses casos e a possibilidade de regimes diferenciados para criminosos psicopatas são caminhos que merecem ser explorados. Somente por meio desse debate contínuo será possível alcançar um equilíbrio entre justiça, prevenção e segurança pública.
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1Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário do Norte – UNINORTE. E-mail: laissantos.lrsm@gmail.com.
2Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário do Norte – UNINORTE. E-mail: marilena.fernanda.rodrigues@gmail.com.
3Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário do Norte – UNINORTE. E-mail: barboasandro@gmail.com.
4Professor Orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito do Centro Universitário do Norte.