COMO AS TARIFAS DOS EUA AFETAM A ECONOMIA MUNDIAL? UMA ANÁLISE MACROECONÔMICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505081243


Eduardo Visconti¹


I. Resumo

Este trabalho analisa os impactos da nova política tarifária dos Estados Unidos, implementada em 2025, sobre a economia mundial. Através de uma abordagem macroeconômica, o texto demonstra como tarifas baseadas em déficits bilaterais ignoram as complexas cadeias globais de valor, os princípios da vantagem comparativa e os compromissos multilaterais. A política, embora voltada à reindustrialização e à proteção da indústria nacional, gera inflação, perda de competitividade e desorganização do comércio internacional. Também são examinadas as consequências diplomáticas do protecionismo e os riscos de repetir experiências históricas malsucedidas, como a substituição de importações no Brasil nos anos 1980. O estudo propõe uma abordagem gradual, técnica e integrada para o uso de tarifas, considerando os efeitos sistêmicos sobre produção, preços, comércio e estabilidade global.

Palavras-chave: tarifas comerciais, protecionismo, cadeias globais, vantagem comparativa, inflação.

II. Introdução

O Presidente Donald Trump em sua campanha que o levou, pela segunda vez, ao cargo mais importante do mundo, criou para si uma missão clara: proteger a nação. Proteger da ameaça externa, das mãos gananciosas que, ao longo das décadas, transformaram o país num grande armazém de consumo, sugando riquezas e distribuindo desigualdade.

Um reflexo dessa posição, que foi de fato sustentada após a ascensão ao poder, é a publicação da nova política tarifária no mês de abril de 2025². Em seu discurso de apresentação das novas tarifas, Trump deixou claro que o novo projeto não é apenas econômico — é uma reafirmação de soberania norte-americana. Sobe-se, então, uma nova cortina de ferro, não de concreto ou ideológica, mas de políticas tarifárias, barreiras econômicas e uma desconfiança generalizada. A lógica é simples: desenvolver a economia interna para esta nova era, fortalecer a indústria nacional, criar empregos dentro das fronteiras e cortar, sempre que possível, os laços com os agentes externos que, aos olhos do governo, só visam derrubar o país.

III. Apresentação das tarifas

O coração da nova política econômica são as tarifas de importação, calculadas não com base nas tarifas já existentes em outros países ou nas diretrizes de acordos multilaterais, mas a partir de um critério próprio: o déficit da balança comercial dos EUA com cada nação³.

Trata-se de um modelo sob medida, que se afasta dos parâmetros tradicionais do comércio internacional ao basear-se exclusivamente em déficits bilaterais para calcular as tarifas. O cálculo parte da diferença entre o valor das importações dos EUA provenientes de um determinado país e o valor das exportações americanas para esse mesmo destino. Essa resultado é dividido pelo total das importações e, em seguida, o resultado é novamente dividido por dois, obtendo-se o percentual da tarifa a ser aplicado.

Em termos matemáticos, esse modelo revela apenas a proporção do déficit comercial em relação às importações, mas não fornece qualquer informação sobre as tarifas efetivamente praticadas ou sobre os fatores técnicos e políticos que geralmente norteiam a política tarifária. Por exemplo, se os Estados Unidos importam 100 bilhões de dólares em produtos de um país e exportam 70 bilhões, a diferença de 30 bilhões resulta em uma proporção de 30% em relação às importações, sendo a tarifa fixada em 15%. Entretanto, essa fórmula ignora por completo a complexidade das cadeias globais de valor, os compromissos assumidos em acordos multilaterais e a especificidade setorial dos fluxos comerciais.

Segundo dados oficiais do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR)[4], as tarifas americanas variam significativamente entre setores. Por exemplo, produtos como veículos de passageiros são tarifados em 2,5% quando importados pelos EUA, enquanto a União Europeia impõe 10% para os mesmos produtos.

Em contrapartida, o aço e o alumínio são atualmente tarifados em 25%, após a ampliação das medidas em 2025, que incluiu parceiros estratégicos como Canadá e União Europeia. Esses dados revelam que a estrutura tarifária é fortemente moldada por fatores técnicos, geopolíticos e regulatórios, e que qualquer tentativa de padronização baseada em aritmética simplificada pode desorganizar relações comerciais e gerar retaliações. Assim, embora o novo modelo americano busque corrigir déficits específicos na balança comercial, ele ignora os fundamentos técnicos que sustentam as políticas tarifárias no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de acordos bilaterais, colocando em risco o equilíbrio e a previsibilidade do comércio global.

IV. Motivação para criação do novo sistema tarifário

A motivação para a criação dessas tarifas é dupla: corrigir os desequilíbrios econômicos causados por anos de déficits comerciais e retirar poder dos países que, segundo o novo governo, se aproveitaram dos EUA por meio de práticas comerciais desleais.

Ao mesmo tempo, busca-se fortalecer a indústria nacional com o objetivo de substituir gradativamente os bens importados. É a retomada do lema “Made in America”, mas agora com uma política agressiva por trás. O plano é claro: as fábricas voltarão a funcionar, o emprego industrial será retomado, e a economia não dependerá mais do exterior.

V. Vantagens comparativas

A teoria das vantagens comparativas, formulada por David Ricardo no início do século XIX, permanece um dos pilares mais influentes da economia internacional moderna e é frequentemente invocada como argumento contrário a políticas protecionistas, como as propostas por governos que buscam reindustrializar suas economias por meio de tarifas elevadas ou nacionalização da produção.

Ricardo observou que, mesmo quando um país detém vantagem absoluta na produção de todos os bens em comparação com seus parceiros comerciais — ou seja, mesmo quando ele consegue produzir todos os bens de forma mais eficiente — ainda assim haverá ganhos mútuos no comércio se cada país se especializar na produção daqueles bens em que possui vantagem comparativa, isto é, bens que consegue produzir com menor custo de oportunidade5.

Para compreender esse conceito de forma mais aprofundada, é fundamental distinguir entre vantagem absoluta e vantagem comparativa.

A vantagem absoluta refere-se à capacidade de produzir um bem com menos recursos (trabalho, capital, terra) em termos absolutos. Já a vantagem comparativa considera a perda relativa de produção de um bem ao optar por produzir outro — ou seja, o custo de oportunidade.

Se os EUA são extremamente eficientes na produção de computadores, trigo e calçados, mas sua eficiência em computadores é especialmente alta, faz mais sentido, do ponto de vista econômico, que o país concentre seus esforços na produção de computadores e importe os outros bens, mesmo que também os produza eficientemente. O México, embora menos eficiente em todos os setores, pode ter uma estrutura produtiva em que o custo de oportunidade de produzir calçados é relativamente mais baixo do que o de produzir computadores. Nesse cenário, ambos ganham ao se especializarem e trocarem entre si.

Nesse contexto, o déficit na balança comercial é algo natural. Em alguns casos, em razão da especialização das importações, é natural que o país compre mais do que venda. Podemos fazer um paralelo com um vendedor de panelas. Se nós somos vendedores de seguro e compramos R$ 1.000,00 em panelas, não é razoável exigir que o vendedor de panelas compre, em troca, R$ 1.000,00 em seguros.

A importância dessa teoria é que ela não apenas justifica o comércio internacional, mas revela como esse comércio pode ser benéfico mesmo entre países com níveis tecnológicos, salariais e produtivos distintos. Ao ignorar a lógica da vantagem comparativa, uma nação incorre em um uso ineficiente dos seus próprios recursos produtivos. Produzir tudo internamente, ainda que possível, pode gerar distorções, desperdício e uma alocação ineficiente de mão de obra e capital, além de preços mais altos para os consumidores e menor acesso à inovação.

No mundo contemporâneo, a teoria ricardiana se torna ainda mais relevante diante das complexas cadeias globais de valor. Produtos como smartphones, automóveis ou semicondutores não são inteiramente fabricados em um único país, mas resultam de etapas produtivas distribuídas globalmente, onde cada país participa conforme sua especialização relativa.

Barreiras tarifárias, nesse contexto, desestruturam cadeias de produção sofisticadas e comprometem a eficiência global. Estudos do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio apontam que políticas protecionistas de longo prazo costumam gerar crescimento mais lento, menos inovação e menos dinamismo econômico do que economias mais abertas e integradas ao comércio internacional.

Portanto, embora o impulso por políticas industriais e por uma certa dose de proteção a setores estratégicos possa ter justificativas temporárias — como segurança nacional ou desenvolvimento tecnológico —, uma política que sistematicamente ignora as vantagens comparativas corre o risco de provocar estagnação, ineficiência e isolamento econômico, contrariando os fundamentos clássicos que sustentam os benefícios do comércio global desde Ricardo até os dias atuais.

VI. Comércio interligado e sua importância

A noção de que o comércio internacional promove a paz entre as nações é sustentada tanto por argumentos teóricos quanto por evidências históricas6. Desde os escritos de Montesquieu no século XVIII até os tratados contemporâneos de relações internacionais, há uma linha de pensamento que defende que a interdependência econômica cria incentivos concretos para a cooperação e desincentiva conflitos armados. Quando países estabelecem relações comerciais estáveis e mutuamente vantajosas, passam a compartilhar não apenas bens e serviços, mas também riscos, expectativas e interesses comuns. Um conflito bélico, nesse contexto, deixaria de ser apenas uma questão militar para se tornar um desastre econômico com efeitos colaterais para ambos os lados.

Essa tese foi reforçada ao longo do século XX com a consolidação de instituições multilaterais como o GATT e, posteriormente, a Organização Mundial do Comércio (OMC), que surgiram não apenas para regular o comércio, mas também como instrumentos de estabilidade global no pós-segunda guerra.

A ideia de que “democracias não guerreiam com parceiros comerciais” ganhou corpo especialmente após a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos passaram a usar o comércio como ferramenta diplomática para reconstrução e pacificação da Europa (Plano Marshall) e, mais recentemente, para integrar economias emergentes em um sistema global de regras e trocas. O comércio, nesse sentido, passou a ser não só uma expressão de eficiência econômica, mas também uma forma de projetar estabilidade e evitar rupturas violentas na ordem internacional.

Quando uma potência econômica como os Estados Unidos adota posturas protecionistas extremas e ameaça se afastar das cadeias globais de suprimento, os impactos extrapolam o campo econômico. Rompem-se canais de diálogo e de interdependência que, historicamente, ajudaram a conter escaladas políticas e militares.

Isolar-se comercialmente não significa apenas perder acesso a bens mais baratos ou mercados consumidores: significa também perder poder de influência diplomática, abrir espaço para rivais estratégicos ocuparem posições-chave no comércio global e desarticular sistemas de confiança que garantem previsibilidade nas relações internacionais.

A interdependência, claro, não elimina completamente a possibilidade de conflitos. Mas reduz substancialmente seus incentivos e amplia o custo das hostilidades. Um mundo onde grandes economias decidem reerguer barreiras, desacoplar cadeias produtivas e privilegiar o nacionalismo econômico sobre a integração tende a se tornar mais instável, menos colaborativo e, inevitavelmente, mais propenso a rupturas econômicas, políticas e até bélicas. Assim, preservar o comércio internacional não é apenas uma questão de prosperidade; é uma escolha estratégica em prol da paz e da estabilidade global.

Protecionismo econômico de países em desenvolvimento

A Organização Mundial do Comércio (OMC), ciente das desigualdades históricas, permite que países em desenvolvimento adotem tarifas diferenciadas. Isso se justifica como uma reparação histórica: por séculos, as potências coloniais enriqueceram às custas dos recursos naturais e da mão de obra das nações hoje pobres. Impor tarifas que protejam suas indústrias nascente é uma forma de permitir que esses países consigam se desenvolver. Sem essa proteção, estariam eternamente condenados à importação e à subordinação econômica.

VII. Qual é o local final de produção

As tarifas impostas com base em déficits bilaterais ignoram uma realidade fundamental da economia contemporânea: a globalização da produção. Em um mundo marcado por cadeias produtivas complexas e distribuídas, é comum que um mesmo bem tenha sua concepção nos Estados Unidos, componentes fabricados na Malásia, montagem final realizada no México e destino comercial na Europa.

Essa fragmentação produtiva não é exceção, mas sim a regra no funcionamento de setores inteiros, como o de eletrônicos, automóveis, têxteis e até alimentos processados. Ao adotar uma política tarifária que penaliza exclusivamente o país com o qual os Estados Unidos apresentam saldo negativo na balança comercial, ignora-se por completo a lógica real do processo produtivo global, abrindo margem para distorções e ineficiências.

Esse modelo de tarifação também incentiva estratégias empresariais de evasão tarifária que, embora legais, fragilizam o controle estatal. Multinacionais com ampla capacidade de mobilidade podem simplesmente realocar etapas produtivas para países que, naquele momento, enfrentam menos restrições tarifárias, como o Brasil, o Vietnã ou outros mercados emergentes com boa estrutura industrial. Quando a balança comercial com esses novos países também se tornar deficitária, é provável que os fabricantes repitam o processo, migrando para o próximo destino mais conveniente, alimentando assim um ciclo contínuo de fuga tarifária, que fragiliza o próprio propósito das medidas protecionistas.

Diante dessa realidade, os mecanismos internacionais de regulação comercial, especialmente sob o guarda-chuva da Organização Mundial do Comércio (OMC), já vêm lidando com esse fenômeno de forma mais técnica e precisa. A regra de origem consolidada nesses sistemas permite rastrear as várias etapas da cadeia produtiva de um bem, determinando não apenas onde foi montado, mas onde ocorreram etapas essenciais à sua agregação de valor. Dessa forma, avalia-se a relevância produtiva de cada país envolvido, evitando que a origem seja determinada artificialmente apenas com base na última etapa fabril.

O desafio dos Estados Unidos, portanto, será conciliar seu objetivo político de proteção à indústria doméstica com a complexidade operacional das cadeias globais de valor. Sem uma fiscalização eficiente e tecnicamente apurada, a tentativa de blindar o mercado interno pode ser frustrada por operações simples de triangulação comercial ou pela adulteração de documentos como faturas (invoices) e certificados de origem. O risco é duplo: por um lado, perde-se arrecadação e eficácia tarifária; por outro, estimula-se um ambiente de insegurança jurídica e de conflitos comerciais com parceiros estratégicos.

VIII. Inflação

A imposição de tarifas de forma generalizada, especialmente sobre bens com alta dependência de importação, tende a produzir um efeito inflacionário quase imediato. Isso ocorre porque muitos desses produtos não possuem substitutos perfeitos no mercado interno ou, quando possuem, os custos de transição para alternativas nacionais são altos, demorados e exigem investimentos em infraestrutura e tecnologia que não se concretizam da noite para o dia.

A teoria econômica clássica já aponta que, em mercados com baixa elasticidade de oferta no curto prazo, qualquer restrição na disponibilidade de bens resulta em aumento de preços. Com as tarifas elevando os custos de importação, os produtos chegam mais caros às prateleiras, e essa diferença é repassada diretamente ao consumidor final7.

Esse fenômeno é particularmente sensível em setores estratégicos, como o de alta tecnologia e o farmacêutico. Equipamentos eletrônicos, semicondutores, peças industriais, medicamentos e insumos hospitalares são áreas em que os Estados Unidos ainda dependem, em grande parte, de fornecedores estrangeiros, principalmente da Ásia e da Europa.

Sem substitutos viáveis produzidos internamente, ou com capacidade produtiva nacional insuficiente para suprir a demanda, o encarecimento desses bens se torna inevitável. Afinal, os importadores repassarão imediatamente o aumento do custo aos consumidores.

Além disso, como esses setores costumam ter efeitos indiretos sobre outros segmentos da economia, os preços acabam subindo também em cadeias produtivas inteiras, como nos setores automobilístico, médico-hospitalar, agrícola (dependente de tecnologia) e educacional (que utiliza equipamentos eletrônicos e laboratoriais importados).

A inflação decorrente dessa política tarifária não é, portanto, meramente um fenômeno estatístico: ela afeta diretamente o cotidiano da população, reduzindo o poder de compra e corroendo a renda, especialmente das famílias de baixa e média renda, que destinam uma parcela significativa de seus rendimentos ao consumo de bens essenciais.

Para conter esse processo inflacionário, o Banco Central dos Estados Unidos pode se ver forçado a elevar a taxa básica de juros, o que encarece o crédito, desestimula o consumo e, principalmente, reduz a propensão ao investimento produtivo.

A lógica é a seguinte: ao elevar os juros, o dinheiro fica “mais caro” e, portanto, menos pessoas e empresas se mostram dispostas a obter empréstimos. Igualmente, o aumento dos juros torna mais atrativo o investimento em títulos da dívida pública, que agora pagarão mais. Essas duas situações levam a uma menor circulação de dinheiro, ou seja, a um desaquecimento do comércio. E é exatamente isso que o governo busca. Com uma demanda menor por produtos, a sua tendência natural é que eles tenham o preço reduzido.

Empresas que planejavam expandir, contratar ou inovar passam a recuar, aguardando um ambiente econômico mais estável. Com isso, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é prejudicado, a geração de empregos desacelera e a confiança no mercado interno enfraquece.

Esse efeito dominó — da tarifa ao preço, do preço à inflação, da inflação aos juros, dos juros ao investimento e do investimento ao crescimento — revela que uma política tarifária descolada da realidade produtiva doméstica pode ter consequências amplas e duradouras sobre o desempenho macroeconômico.

Embora o objetivo declarado das tarifas seja proteger a indústria e reequilibrar o comércio, os resultados de curto e médio prazo podem ser o oposto: retração, perda de competitividade e sacrifício do bem-estar do consumidor. A experiência histórica de países que adotaram políticas similares, como Argentina nos anos 2000 ou Índia antes da abertura econômica nos anos 1990, serve de alerta para os riscos de ignorar os mecanismos que regulam o equilíbrio entre comércio, produção e preços.

IX. Perda da competitividade internacional

A ideia de produzir tudo internamente, embora politicamente sedutora e associada à promessa de empregos e soberania industrial, repousa sobre uma suposição equivocada: a de que os Estados Unidos podem se desconectar das dinâmicas do comércio internacional sem consequências econômicas relevantes. Essa visão ignora os fundamentos da economia globalizada e os impactos diretos de políticas industriais excessivamente intervencionistas, como o uso indiscriminado de subsídios estatais. Ao subsidiar artificialmente a produção doméstica, o governo interfere nos sinais de mercado, distorcendo os preços relativos e, com isso, provocando desequilíbrios tanto na oferta quanto na demanda.

No curto prazo, essa prática pode até resultar em produtos mais acessíveis para o consumidor interno, uma vez que parte do custo de produção é absorvida pelos cofres públicos. No entanto, no mercado internacional, onde esses produtos concorrem com equivalentes produzidos sem intervenção governamental direta, os bens americanos tendem a perder competitividade.

Isso ocorre porque os subsídios não se aplicam às exportações, e o custo real de produção dos produtos norte-americanos é, muitas vezes, superior ao de seus concorrentes internacionais. Como resultado, esses bens chegam aos mercados externos com preços menos atrativos, perdendo espaço frente a alternativas mais baratas ou igualmente tecnológicas.

O setor automobilístico é um exemplo claro dessa dinâmica. A Tesla tem enfrentado uma concorrência crescente da montadora chinesa BYD, que vem dominando mercados emergentes e avançando na Europa com modelos de veículos elétricos a preços significativamente mais baixos. Embora a Tesla tenha vantagens tecnológicas e de marca, a BYD se beneficia de custos de produção mais baixos e de uma estrutura de cadeia produtiva altamente integrada e competitiva. A dependência da Tesla de subsídios internos e de incentivos fiscais nos Estados Unidos torna sua expansão internacional mais onerosa, limitando seu alcance e favorecendo a ascensão de concorrentes globais com estruturas mais eficientes.

Além disso, o excesso de subsídios e a proteção artificial ao produtor interno podem gerar retaliações comerciais por parte de parceiros econômicos, especialmente em um sistema multilateral regido por regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), que limitam o uso de subsídios e exigem transparência e proporcionalidade.

Tais práticas podem desencadear disputas comerciais, medidas compensatórias e a perda de acesso privilegiado a mercados estratégicos. Em última instância, a tentativa de autossuficiência comercial não apenas prejudica as exportações americanas, mas também contribui para desbalancear ainda mais a balança comercial que a política tarifária pretende reequilibrar.

Portanto, longe de ser uma solução sustentável, o protecionismo travestido de política industrial pode representar uma armadilha de médio e longo prazo para a economia norte-americana, enfraquecendo sua posição no comércio global, elevando os custos internos, desincentivando a eficiência produtiva e reduzindo sua capacidade de competir em um mercado internacional cada vez mais dinâmico, integrado e competitivo.

X. Inflação de oferta. Uma dura lição aprendida pelo Brasil

Esse cenário remete ao Brasil da década de 1980, quando o país enfrentou um quadro de inflação crônica amplificado por uma política de substituição de importações mal concebida e mal executada.

A estratégia, embora tivesse como objetivo desenvolver a autonomia industrial nacional, gerou distorções profundas. A indústria brasileira, protegida por barreiras tarifárias e beneficiada por incentivos estatais, não conseguiu acompanhar os padrões internacionais de qualidade, produtividade e inovação.

Incapaz de suprir a demanda interna com eficiência, criou-se um ambiente de escassez de produtos, onde o descompasso entre oferta e procura se traduziu em aumentos constantes de preços. Esse processo gerou a chamada inflação de oferta, marcada por poucos produtos disponíveis, preços elevados e perda de poder aquisitivo generalizada. Os salários, corroídos pela inflação, não conseguiam acompanhar o ritmo da alta dos preços, o que resultou em um empobrecimento gradual da população. O modelo, que buscava autonomia, acabou produzindo um mercado interno artificialmente sustentado, tecnologicamente atrasado, dependente do Estado e incapaz de competir em escala global.

Esse histórico oferece uma lição valiosa: políticas protecionistas devem ser cuidadosamente calibradas para evitar efeitos colaterais adversos. Em vez de adotar medidas abruptas e generalizadas, como elevações tarifárias amplas sobre todos os setores, uma transição inteligente poderia ser conduzida de forma gradual e estratégica. O governo poderia, por exemplo, iniciar com a imposição de tarifas sobre bens cuja demanda é relativamente inelástica, ou seja, produtos que os consumidores continuam adquirindo mesmo diante de aumentos de preços, como medicamentos essenciais, energia, insumos industriais críticos ou determinados alimentos processados. Além disso, a escolha desses setores deveria considerar a capacidade produtiva já instalada no país, de forma que a indústria nacional consiga responder ao estímulo sem gerar gargalos ou escassez.

Esse tipo de abordagem mitigaria os riscos de um choque inflacionário imediato, ao mesmo tempo em que ofereceria à indústria local um ambiente previsível e protegido para modernizar seus processos, investir em tecnologia e aumentar a produtividade.

A adoção progressiva de tarifas, com base em análises de elasticidade-preço da demanda e maturidade do setor doméstico, permitiria um fortalecimento estruturado da produção nacional sem comprometer o bem-estar do consumidor nem a estabilidade macroeconômica. Trata-se, portanto, de uma estratégia que alia proteção temporária com responsabilidade econômica, evitando os erros do passado e abrindo espaço para um desenvolvimento industrial sustentável e competitivo.

XI. Conclusão

A atual política tarifária adotada pelos Estados Unidos, baseada em déficits bilaterais e desconectada das dinâmicas complexas da economia global, revela-se não apenas economicamente ineficiente, mas também estrategicamente arriscada.

Ao desconsiderar a interdependência das cadeias produtivas, os princípios da vantagem comparativa e os efeitos macroeconômicos de curto e médio prazo, como a inflação e a perda de competitividade internacional, o país corre o risco de repetir os erros históricos de modelos protecionistas fracassados, como o do Brasil nos anos 1980. A tentativa de reindustrialização forçada e desconectada do comércio internacional gera distorções de preços, retaliações comerciais, desorganização das cadeias globais de valor e perda de influência geopolítica — tudo isso sem garantir, de fato, o fortalecimento sustentável da indústria nacional.

Uma política comercial eficaz não pode ser construída sobre cálculos aritméticos simplistas ou narrativas nacionalistas, mas sim sobre diagnósticos técnicos, transições inteligentes e integração estratégica ao mercado global. Tarifas podem ser instrumentos legítimos de política econômica, mas seu uso exige parcimônia, critérios claros e coordenação com políticas industriais, educacionais e tecnológicas. O caminho mais promissor para o crescimento sustentável passa por fortalecer setores estratégicos a partir da realidade produtiva, investir em inovação e produtividade e, sobretudo, manter o país inserido nas redes de comércio internacional que garantem não apenas prosperidade econômica, mas também estabilidade política e cooperação entre as nações.


²UNITED STATES. Regulating imports with a reciprocal tariff to rectify trade practices that contribute to large and persistent annual United States goods trade deficits. Washington, D.C.: The White House, 2025. Disponível em: https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/2025/04/regulating-imports-with-a-reciprocal-tariff-to-rectify-trade-practices-that-contribute-to-large-and-persistent-annual-united-states-goods-trade-deficits/. Acesso em: 29 mar. 2025.
³MILLER, Joey Garrison; PADILLA, Rosalie Chan. Tariff formula explained: How Trump wants to calculate reciprocal tariffs on countries. USA Today, 4 abr. 2025. Disponível em: https://www.usatoday.com/story/graphics/2025/04/04/tariff-formula-explained-trump-calculation-countries/82878359007/. Acesso em: 29 mar. 2025.
4UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE. 2025 Trade Policy Agenda and 2024 Annual Report: WTO at 30. Washington, D.C.: Executive Office of the President of the United States, 2025. Disponível em: https://ustr.gov/sites/default/files/files/reports/2025/2025%20Trade%20Policy%20Agenda%20WTO%20at%2030%20and%202024%20Annual%20Report%2002282025%20–%20FINAL.pdf. Acesso em: 29 mar. 2025.
5KRUGMAN, Paul R.; OBSTFELD, Maurice; MELITZ, Marc J. Economia internacional: teoria e política. 10. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2015.
6Pimenta Ricardo, Luena Abigail and Ricardo, Lucas Narciso Pimenta, O COMÉRCIO INTERNACIONAL COMO PROMOTOR DA PAZ: as Restrições às Exportações e o Risco à Estabilidade Democrática (International Trade as a Promoter of Peace: Export Restrictions and the Risk to Democratic Stability) (2020). Anais do Congresso Internacional PPGD PUC Minas 2020 Preservar e fortalecer a democracia em tempos de pandemia, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3837909
7MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2019. Cap. 5 – A elasticidade e suas aplicações.

XII. Referências bibliográficas

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PIMENTA RICARDO, Luena Abigail; RICARDO, Lucas Narciso Pimenta. O comércio internacional como promotor da paz: as restrições às exportações e o risco à estabilidade democrática. Anais do Congresso Internacional PPGD PUC Minas 2020 – Preservar e fortalecer a democracia em tempos de pandemia, 2020. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3837909. Acesso em: 29 mar. 2025.

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¹Eduardo Fernandes Silva Visconti, Pós-graduado em Ciências Criminais pela PUC-MG;