CHARACTERIZATION OF DEATHS BY SUICIDE OF MEMBERS OF THE CIVIL POLICE OF THE FEDERAL DISTRICT
CARACTERIZACIÓN DE MUERTES POR SUICIDIO DE MIEMBROS DE LA POLICÍA CIVIL DEL DISTRITO FEDERAL
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202504301141
Flávio Messina Alvim1
RESUMO
Objetivo: descrever frequência, distribuição anual, idade, cargo e principais características de suicídio dos integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal ocorrido no Distrito Federal. Métodos: estudo descritivo e transversal que inclui todos os óbitos que ocorreram por suicídio consumado no período de 01/01/2013 a 31/12/2022 entre a população pesquisada. A análise compreendeu a descrição dos casos, verificação da distribuição das informações sociodemográficas e cálculo da taxa anual de mortalidade. Resultados: Foram apurados 19 óbitos causados por suicídio entre todos os policiais civis do Distrito Federal, observando-se 17 suicídios entre policiais civis do sexo masculino (89,47%), com maior ocorrência de suicídios cometidos em casa (68,42%), por pessoas na faixa etária entre 33 a 59 anos (84,21%), por indivíduos casados (73,69%), que estavam em atividade profissional (57,89%) e com uso de arma de fogo como método principal (57,89%). Dos casos de suicídio, a maioria foi cometido por agentes de polícia (89,48%). Conclusão: constatou-se, nos últimos anos, altas taxas de suicídio entre os policiais civis do Distrito Federal, havendo a necessidade de aprofundamento dos estudos sobre a saúde mental desse grupo ocupacional, inclusive como forma de contribuir para a adoção de medidas preventivas que propiciem a redução do risco de suicídio.
PALAVRAS-CHAVE: suicídio; causas de morte; forças de segurança; violência; perfil epidemiológico.
ABSTRACT
Objective: to describe frequency, annual distribution, age, position and main characteristics of suicides among members of the Civil Police of the Federal District that occurred in the Federal District. Methods: descriptive and cross-sectional study that includes all deaths that occurred due to completed suicide in the period from 01/01/2013 to 12/31/2022 among the researched population. The analysis included describing the cases, verifying the distribution of sociodemographic information and calculating the annual mortality rate. Results: 19 deaths caused by suicide were found among all civil police officers in the Federal District, with 17 suicides among male civil police officers (89.47%), with a higher incidence of suicides committed at home (68.42%), by people aged between 33 and 59 years (84.21%), by married individuals (73.69%), who were in professional activity (57.89%) and using a firearm as their main method (57.89%). Of the suicide cases, the majority were committed by police officers (89.48%). Conclusion: in recent years, high suicide rates have been found among civil police officers in the Federal District, with the need for further studies on the mental health of this occupational group, including as a way of contributing to the adoption of preventive measures that provide reducing the risk of suicide.
KEYWORDS: suicide; causes of death; security forces; violence; epidemiological profile.
RESUMEN
Objetivo: describir la frecuencia, distribución anual, edad, cargo desempeñado y las principales características del suicidio entre miembros de la Policía Civil del Distrito Federal ocurrido en el espacio geográfico del Distrito Federal. Métodos: estudio descriptivo y transversal que incluye todas las muertes ocurridas por suicidio consumado en el período del 01/01/2013 al 31/12/2022 entre la población investigada. El análisis incluyó describir los casos, verificar la distribución de la información sociodemográfica y calcular la tasa de mortalidad anual. Resultados: Se encontraron 19 muertes por suicidio entre el total de policías civiles del Distrito Federal, siendo 17 suicidios entre policías civiles varones (89,47%), con mayor incidencia de suicidios cometidos en el hogar (68,42%), por personas con edades entre 33 y 59 años (84,21%), por personas casadas (73,69%), que aún se encontraban en plena actividad profesional (57,89%) y utilizaban arma de fuego como método principal (57,89%). De los casos de suicidio, la mayoría fueron cometidos por agentes de policía (89,48%). Conclusión: en los últimos años se han encontrado altas tasas de suicidio entre policías civiles del Distrito Federal, siendo necesario realizar mayores estudios sobre la salud mental de este grupo ocupacional, incluso como una forma de contribuir a la adopción de medidas preventivas que brinden reduciendo el riesgo de suicidio.
PALABRAS CLAVE: suicidio; causas de muerte; fuerzas de seguridad; violencia; perfil epidemiológico.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo realizar um inventário dos óbitos decorrentes de suicídio dos integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal nos últimos 10 anos, descrevendo-se o perfil socioeconômico desses indivíduos e o método empregado para o cometimento do autoextermínio, bem como o local e o uso ou não de álcool e/ou drogas lícitas e ilícitas.
Pode-se dizer que o suicídio é definido como um ato de autoextermínio, executado de forma intencional, de origem complexa e multifatorial, uma vez que envolve fatores biológicos, psicossociais e culturais. Segundo Cassorla (2017), o suicídio pode ser cometido pelo indivíduo de modo consciente ou até mesmo inconsciente. A prática do suicídio se caracteriza como um grave problema mundial de saúde pública, passível, no entanto, de auxílio que previna sua ocorrência.
A ocorrência de suicídio é um tema de abrangência internacional. Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS/WHO (2021), a cada ano se suicidam cerca de 800.000 pessoas em todo o mundo, o que significa dizer que a cada 45 segundos uma pessoa comete suicídio em algum lugar do planeta. Não por outra razão, a OMS considera a prática do suicídio como um dos grandes problemas de saúde pública existente na atualidade.
No Brasil os números são igualmente altos: segundo dado constante da publicação Suicide worldwide in 2019, da OMS (2021), foram registrados 14.540 suicídios durante o ano de 2019, com uma taxa anual de 6,9 suicídios por 100 mil habitantes (10,9 para homens e 3,0 para mulheres).
No Distrito Federal, as taxas são bastante semelhantes àquelas verificadas no Brasil, de acordo com o último constante do Relatório Epidemiológico Sobre Mortalidade Geral, divulgado pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (2019): foram registrados 199 suicídios durante o ano de 2019, com uma taxa anual de 6,6 suicídios por 100 mil habitantes.
Segundo publicação de 2020, do Centro de Valorização da Vida (CVV), o suicídio é um impulso inerente à própria natureza humana, que se torna mais forte em indivíduos cansados e emocionalmente fragilizados. São diversos os motivos que levam uma pessoa a cometer suicídio, sendo observadas certas condições presentes, como ansiedade, medo, depressão, angústia, sentimento de fracasso e humilhação, vontade de eliminar pressão e cobranças sociais e financeiras.
Diante da crescente preocupação mundial com o tema e, tendo em vista um novo olhar do Estado sobre a saúde mental dos servidores de segurança pública, o governo federal brasileiro sancionou, em janeiro de 2023, a Lei 14.531 (Brasil, 2023), que prevê ações de apoio à saúde mental e de prevenção ao suicídio para profissionais dessa sensível área.
A edição dessa norma também representa a ampliação e o detalhamento do Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança Pública – conhecido comoPró-Vida, criado em 2018 pelo governo federal, que tem como objetivo destinar atenção psicossocial e de saúde no trabalho aos profissionais da segurança pública, bem como permitir a inclusão desses profissionais na Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio criada pela Lei 13.819 (Brasil, 2019).
Algumas pesquisas já realizadas tiveram como resultado a percepção da prevalência que determinados indivíduos, integrantes de alguns grupos ocupacionais, têm em praticar suicídio, sobretudo quando expostos a alguns perigos e estressores relacionados à profissão (Milner et al., 2013).
Com a caracterização do suicídio praticado pelos policiais civis do Distrito Federal, pretende-se oferecer a oportunidade de se conhecer o perfil sociodemográfico desses indivíduos, os cargos ocupados, bem como o meio utilizado para tal prática, o eventual uso de drogas e/ou álcool no momento do ato, entre outras variáveis, contribuindo para a busca de soluções futuras nessas instituições.
1.1 Suicídio entre policiais civis
Durkheim (2000), refletindo sobre o suicídio, sustenta que sua ocorrência não é derivada apenas de causas individuais; ao contrário: segundo ele, o suicídio decorre de causas sociais, da própria constituição moral de cada sociedade ou grupo social a que o sujeito pertença. Tal circunstância derivaria da força coletiva desse grupo, de sua coesão social, que impulsionaria ou refrearia esse desejo pelo suicídio. Para ele, o grupo social seria responsável pela manutenção da coesão social e que exerceria forte influência sobre o indivíduo, a ponto de se verificar menores taxas de suicídio em segmentos mais coesos, mais unidos.
Dentre as diversas profissões conhecidas, a literatura sugere que a atividade policial é bastante sujeita a alto risco de morte por suicídio, muito em virtude da grande carga de estresse envolvido no trabalho. Apesar dessa preocupante percepção, é possível verificar a ausência de um cuidado, efetivo, do poder público brasileiro com o suicídio policial, sobretudo em alguns estados da federação.
De acordo com Miranda e Guimarães (2012), os servidores policiais suportariam grande sobrecarga de trabalho, tanto sob o aspecto físico como emocional; tais pressões institucionais seriam derivadas de pressões sociais e políticas pelo combate à criminalidade, cada vez mais crescente nos grandes centros urbanos, mas esbarrariam na carência de recursos humanos e materiais, forçando os policiais a se desdobrarem e suportarem o serviço que lhes é designado e cobrado. Isso acabaria por reforçar a crença na indestrutividade do policial, sujeito capaz de suportar todas as adversidades impostas e ainda enfrentar a criminalidade.
A atividade policial faz com que o sujeito carregue consigo a noção de inexistência de possibilidade de errar e falhar, uma vez que tais situações seriam vistas como fraqueza, debilidade, levando-o a acreditar ser capaz de enfrentar qualquer situação sem ajuda (Silva e Bueno, 2017). O policial se firmaria na mítica crença de sua invencibilidade, de se verem como super-heróis, pessoas indestrutíveis, verdadeiros guerreiros aptos a enfrentar quaisquer situações, mesmo aquelas de extrema violência.
Souza e Oliveira (2017), em seus estudos, sustentam que, diferentemente do que ocorre em histórias nas quais os super-heróis são invencíveis e não morrem, o mundo real revela uma outra realidade: os policiais se ferem, sofrem, passam por angústias e, ao final, são abandonados pelo próprio Estado, que os estimula, reiteradamente, a acreditarem nessa invencibilidade e a camuflarem suas fraquezas.
Dessa maneira, para a manutenção dessa imagem de invencibilidade, o policial, muitas vezes, esconde seus próprios sentimentos de angústia, evitando à busca de um auxílio psicológico, eis que teme ser visto com alguém frágil. Segundo Kapardis (2010), é possível verificar entre os policiais a existência de uma cultura machista ainda prevalente, que acaba desestimulando-os a relatar suas angústias, seus estressores, suas fraquezas.
O policial seria levado, assim, a acreditar se tratar de um sujeito extremamente forte, dotado de super poderes, capaz de suportar as maiores dificuldades sem reclamar, invencível. Tal modelo acabaria gerando indivíduos que não compartilham suas dificuldades, temores, uma vez que receiam serem mal vistos por suas corporações, como alguém que não representa adequadamente o personagem idealizado.
Tal retração em se expor, em relatar suas dificuldades, acaba afastando, ainda mais, o policial do cuidado de sua saúde mental, pois receia que seus pares tomem conhecimento dessa suposta “fraqueza”. Além disso, o policial teme que o atendimento psicológico ou psiquiátrico acabe resultando na retirada de sua arma de fogo, tornando-o vulnerável aos bandidos que enfrentou em sua rotina de combate à criminalidade. Tudo isso vai afastando o policial do tratamento de sua mente, fazendo com que o atendimento especializado não ocorra ou ocorra tardiamente, quando seu estado emocional já está bastante deteriorado.
De acordo com Silva e Bueno (2017), o trabalho policial é cercado de ambivalências, internas e externas: os policiais são constantemente objeto de atitudes de desprezo e admiração, reconhecimento e repulsa, hostilidade e carinho, confiança e ceticismo, que se caracterizam como fatores psicológicos que colaboram na moldagem do indivíduo policial. Tais ambivalências, ao se somarem a problemas pessoais, poderiam conduzir o policial a uma situação de sofrimento intransponível.
Segundo estudos de Burnett, Boxer e Swanson (Burnett et al., 1992), policiais americanos teriam taxas de suicídios superiores àquelas registradas pela população em geral. Para Kates (2008), as taxas de suicídio observadas entre policiais de São Francisco seriam superiores àquelas verificadas entre a população geral. Segundo o autor, entre os policiais a taxa de suicídio foi de 33,33 por 100.000, enquanto entre a população geral verificou-se a taxa de 21 por 100.000.
De acordo com Charbonneau (2000), também foi possível verificar em Quebec, Canadá, maiores taxas de suicídio entre policiais do que na população controle, o que equivaleria ao dobro do número de suicídio de policiais em relação ao restante da população local.
Corroborando essa observação, Musumeci e Muniz (1998) constataram, no Brasil, elevadas taxas de suicídio de policiais, inclusive quando comparadas às taxas da população geral. Tal observação foi realizada a partir da análise dos números registrados no Rio de Janeiro em 1995, verificando-se que a taxa de suicídio entre policiais cariocas foi 7,6 vezes superior às taxas registradas entre a população geral.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. Desenho do estudo e população
O presente artigo se caracteriza por ser oriundo de um estudo descritivo, transversal, documental e retrospectivo, que inclui todas as notificações de óbitos em decorrência de suicídio no Distrito Federal e que tenham sido cometidos por policiais civis do Distrito Federal, ativos ou inativos, no período compreendido entre 01/01/2013 a 31/12/2022.
A coleta de dados ocorreu por intermédio da análise documental a partir da análise do sistema de registros de ocorrência policial da Polícia Civil do Distrito Federal (Millenium) nos quais o suicídio constasse como natureza do ato e também do sistema de laudos periciais do IML da PCDF (Sicola), nos quais houvesse a indicação de suicídio como causa mortis.
Segundo Lakatos e Marconi (2001), a pesquisa documental é a coleta de dados realizada em fontes primárias, como documentos escritos ou não, pertencentes a arquivos públicos, aos arquivos particulares de instituições e domicílios, e/ou às fontes estatísticas. Para Moreira (2009), a realização da análise documental permite ao investigador promover a identificação, a avaliação e a confrontação das informações que foram disponibilizadas com um específico objetivo, tudo isso realizado com baixo custo e credibilidade das informações colhidas.
A amostra foi selecionada a partir do sistema de registros de ocorrência policial da Polícia Civil do Distrito Federal (Millenium) e também do sistema de laudos periciais do IML da PCDF (Sicola), nos quais houvesse a indicação de suicídio como causa mortis.
Do sistema de dados brutos do Millenium da PCDF foram colhidas as seguintes variáveis: sexo, idade, situação conjugal, instrumento utilizado para o suicídio, cargo, momento e local do suicídio, bem como a situação empregatícia (ativo ou aposentado).
Já do sistema de dados Sicola, do IML, foram colhidas as seguintes variáveis: uso de álcool, uso de drogas lícitas e uso de drogas ilícitas.
Os dados de identificação das vítimas de suicídio foram completamente suprimidos desta pesquisa, sem a possibilidade de identificação.
O acesso foi realizado a partir de informações autorizadas e disponibilizadas pela Polícia Civil do Distrito Federal em sua base dados, em conformidade com o processo SEI 00052-00022955/2023-80, em obediência às Resoluções 466/2012 e 510/2016, ambas do Conselho Nacional de Saúde.
Dessa forma, tem-se como objetivo deste trabalho descrever a taxa e a distribuição anual, a idade, cargo a que pertenciam e as principais características de suicídio dos integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal ocorrido no espaço geográfico do Distrito Federal, tendo em vista o senso comum que propaga a maior incidência de suicídio entre policiais do que no restante da população.
2.2. Critérios de eleição
2.2.1. Critérios de inclusão
Todos os policiais civis que tenham falecido no Distrito Federal entre 1º de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2022 e cujas mortes tenham sido definidas como suicídio pela Polícia Civil do Distrito Federal, seja pelas investigações policiais ou pelo Instituto de Medicina Legal.
2.2.2. Critérios de exclusão
Foram excluídos da pesquisa os policiais civis que, mesmo sendo servidores do Distrito Federal, tenham cometido suicídio, entre 1º de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2022, em outra unidade da federação diversa do Distrito Federal. As tentativas de suicídio, sem consumação, também foram excluídas.
2.2.3. Ferramentas de coleta de dados
Informações sobre os óbitos foram coletadas das seguintes formas: 1) sistema Millenium da Polícia Civil do Distrito Federal e 2) formulários de investigação de óbitos do Departamento de Informação de Saúde e Análise da Situação. Neste último caso as informações registradas foram obtidas junto aos laudos emitidos pelo Instituto de Medicina Legal da Polícia Civil do Distrito Federal.
3. RESULTADOS
Os achados do presente estudo foram coletados de um banco de dados contendo informações relacionadas a 18 vítimas de suicídio entre os policiais civis do DF.
A Tabela 1 demonstra a quantidade de suicídios verificados entre a população de policiais civis, divididos por ano, entre 2013 a 2022. Verifica-se que em 2017 não houve o registro de nenhum suicídio consumado entre os policiais civis do DF.
Tabela 1 – Suicídios cometidos entre policiais civis do DF e no DF nos últimos 10 anos (n=19)

Fonte: elaborado pelo autor.
As Tabelas 2 e 3 apresentam, respectivamente, os resultados sociodemográficos e informações sobe local do óbito, método de suicídio uso de álcool e/ou drogas lícitas e/ou ilícitas, relacionados às vítimas de suicídio verificados entre aqueles que pertenciam à Polícia Civil do Distrito Federal.
Dentre os policiais civis, a grande maioria das vítimas era do sexo masculino (89,47%) e optou pelo uso de arma de fogo como método de suicídio (57,89%). Quanto à situação empregatícia, houve um equilíbrio entre os policiais civis do DF: 57,89% eram servidores ativos, enquanto 42,11% já se encontravam em inatividade.
Quanto ao uso de álcool, a maioria dos policiais civis não estava sob efeito de álcool ou drogas lícitas ou ilícitas no momento do óbito (47,37%), enquanto relevante parcela (26,32%) estava, apenas, sob efeito de drogas lícitas (remédios antidepressivos, ansiolíticos) e outra parcela estava sob feito exclusivo de álcool (21,05%).
Em relação ao cargo a que pertenciam as vítimas, verificou-se uma maioria entre aqueles que ocupavam o cargo de agente de polícia (89,48%). Verificou-se, ainda, que a maioria dos suicídios observados entre os policiais civis se deu entre servidores que estavam na faixa etária entre 33 a 59 anos de idade (84,21%).
A maioria dos policiais civis que se matou era casado (73,69%), o que contraria a tese defendida por Durkhein (2000), segundo o qual o casamento funcionaria como uma instituição protetiva ao suicídio, tendo em vista a suposta possibilidade de conferir ao indivíduo um suporte social e emocional, inclusive por mantê-lo mais integrado à comunidade.
Quanto ao local do suicídio, observou-se que a maioria dos policiais civis se suicidou dentro de casa (68,42%), verificando-se dois suicídios ocorridos dentro da área de trabalho dos servidores (11,11%).
Tabela 2 – Número (n) e percentual (%) das características sociodemográficas relacionadas às vítimas de suicídio, policiais civis do Distrito Federal, no Distrito Federal, 2013-2022 (n=19)

Fonte: elaborado pelo autor.
Tabela 3 – Número (n) e percentual (%) das informações sobe local do óbito, método de suicídio uso de álcool e/ou drogas lícitas e/ou ilícitas, relacionadas às vítimas de suicídio, policiais civis do Distrito Federal, no Distrito Federal, 2013-2022 (n=19)


Fonte: elaborado pelo autor.
Tendo em vista a caracterização dos suicídios dos policiais civis do DF, algumas informações foram agrupadas, a fim de permitir compreender o fenômeno dentro da Polícia Civil do Distrito Federal. Entre esses dados que foram agrupados estão os métodos usados para a prática do suicídio, o uso de álcool e/ou drogas lícitas e ilícitas, o sexo das vítimas e a situação ocupacional de todos eles.
A partir da reunião dos dados de todos os servidores da PCDF e que cometeram suicídio entre 2013 a 2022, observou-se uma maior ocorrência de suicídio com o uso de arma de fogo (57,89%), seguido de asfixia (31,58%) e outros métodos (10,53%), conforme se observa pela distribuição constante da Figura 1. Relevante registrar que “outros métodos” englobam suicídios praticados por precipitação de local elevado, uso de arma branca e atropelamento voluntário no trânsito. Nenhum policial civil do DF, no período pesquisado, utilizou o envenenamento como método para provocar o óbito.
Segundo estudos de Botega (2014), os métodos mais utilizados para o cometimento de suicídio variariam segundo a cultura e o acesso que se tem a eles, o que confirmaria a maior frequência de uso de arma de fogo pelos policiais civis do DF no ato de se suicidarem.
Figura 1 – Percentual dos métodos de suicídio utilizados pelos policiais civis do DF

Fonte: elaborado pelo autor.
Com relação ao uso de álcool e drogas, observou-se que relevante parcela dos policiais civis não havia feito uso de álcool nem de drogas lícitas ou ilícitas no período que antecedeu o suicídio 47,37%). Uma parcela havia consumido apenas drogas lícitas (26,32%), enquanto outra parte havia consumido apenas álcool (21,05%), seguida de drogas ilícitas (5,26%). Não houve nenhum caso de consumo associado de drogas lícitas e ilícitas, assim como nenhum caso de associação entre álcool e drogas lícitas e/ou ilícitas entre os óbitos verificados (Figura 2). Entre as drogas lícitas estão os antidepressivos e ansiolíticos.
Figura 2 – Percentual do uso de álcool e drogas entre os integrantes da polícia civil do DF que se suicidaram

Fonte: elaborado pelo autor.
Verificou-se que a quase totalidade dos suicídios praticados entre os profissionais da polícia civil do DF, no período compreendido entre 2013 a 2022, era do sexo masculino (89%), sendo a minoria composta por profissionais do sexo feminino (11%), conforme se verifica da Figura 3.
Figura 3 – Percentual da distribuição dos suicídios por gênero na PCDF

Fonte: elaborado pelo autor.
Quanto à situação ocupacional dos policiais civis do DF, verificou-se que a maioria ainda se encontrava em plena atividade profissional quando cometeu suicídio (58%), ante uma parcela que já estava aposentada (42%), o que está demonstrado na Figura 4.
Figura 4 -Percentual da distribuição dos suicídios entre servidores ativos e inativos

Fonte: elaborado pelo autor.
Como se sabe, o presente estudo englobou a caracterização do suicídio na Polícia Civil do Distrito Federal no período compreendido entre 2013 a 2022. Aspecto relevante dessa análise está relacionado à verificação da taxa de suicídio desses profissionais em relação à população em geral.
Para retratar a taxa de suicídio entre os profissionais da PCDF, utilizou-se o contingente dessa corporação durante todo o período compreendido na pesquisa, a partir dos dados disponibilizados por ela.
De acordo com os dados repassados pela PCDF, seu contingente, no período, variou entre o mínimo de 7.781 servidores ativos e inativos (2013) a um número máximo de policiais civis de 8.892 pessoas (2019), sendo assim possível apurar a taxa anual de suicídios dessa corporação por 100.000 habitantes. O Quadro 1 representa todo o efetivo da PCDF entre 2013 a 2022, divido entre servidores ativos e inativos.
Quadro 1 – Efetivo total da PCDF durante o período entre 2013 a 2022

Fonte: elaborado pelo autor, a partir de dados fornecidos pelo PCDF.
Na PCDF, no período observado, a maior taxa de suicídio foi registrada em 2013 (38,56 suicídios por 100 mil indivíduos/ano), conforme se vê na Figura 5. Apenas em 2017 a PCDF não registrou nenhum suicídio entre seus servidores.
A Figura 5 representa a taxa anual de suicídios observada entre policiais civis por 100 mil habitantes, entre 2013 a 2022, notando-se que, à exceção do ano de 2017, as taxas de suicídio verificadas na PCDF sempre estiveram acima das taxas verificadas no Distrito Federal entre a população em geral. De acordo com informações do Relatório Epidemiológico Sobre Mortalidade Geral Distrito Federal (2019), no Distrito Federal, até o ano de 2019, as taxas de suicídio da população em geral nunca foram superiores a 6,6/100 mil indivíduos por ano. 7
Figura 5 – Taxa de suicídio de policiais civis por 100 mil pessoas/ano

Fonte: elaborado pelo autor.
Os resultados demonstram que o grupo ocupacional composto pelos policiais civis do Distrito Federal está em risco elevado de suicídio quando comparado com o restante da população em geral.
À exceção de 2017, as taxas anuais sempre estiveram acima de 6,6 suicídios por 100 mil habitantes, que vem a ser a taxa anual verificada entre a população em geral do Distrito Federal. Em alguns anos, inclusive, a taxa de suicídio entre os policiais civis esteve de 4 a 5 vezes acima do restante da população, o que demonstra a gravidade dos achados.
Segundo parâmetros definidos pela OMS, a mortalidade oriunda da prática de suicídio é classificada como baixa quando representa menos de 5 óbitos/100 mil hab.; média, entre 5 e 14; alta, entre 15 e 29; e muito alta, quando chega a 30 óbitos ou mais, por 100 mil hab. (Botti et al., 2019).
Assim, tendo em vista o sistema de classificação definido pela OMS, podemos considerar altas (anos de 2015, 2016, 2018, 2019, 2020 e 2022) ou muito altas (2013 e 2014) as taxas de suicídio encontradas na Polícia Civil do Distrito Federal.
Em populações pequenas, no entanto, a utilização dessas taxas (100.000 habitantes/ano) acaba ocasionando grande variação e a representação de valores mais elevados, mesmo diante de poucos casos em números absolutos. Na PCDF isso não é diferente, eis que o seu efetivo é considerado pequeno (efetivo total <9.000).
A grande quantidade de policiais civis casados que se suicidou (73,69%) merece atenção, uma vez que o casamento é referido em muitos estudos como um fator de proteção contra o autoextermínio (Gomes et al., 2017). Os estressores da profissão são tamanhos e tão intensos que parecem reduzir os efeitos do refúgio que adviria das relações conjugais.
A taxa de suicídio verificada entre os policiais civis do sexo masculino chama atenção: 89,47% dos suicídios foram cometidos por homens, acima da taxa verificada entre homens que se suicidaram no Distrito Federal no ano de 2019 (73%).
Verificando os métodos escolhidos para a prática de suicídio, verifica-se a existência de uma pesquisa realizada por Moreira, Félix, Flôr, Oliveira e Albuquerque (Moreira et al., 2017), no município de Sobral, Ceará, entre 2006 e 2016, que identificou maiores taxas de enforcamento e uso de arma de fogo, o que coincide com os achados encontrados nesta pesquisa. A disponibilidade de arma de fogo entre os policiais civis é fator que permite compreender a eleição desse método entre esses profissionais, sobretudo por conhecerem a letalidade desse tipo de instrumento.
Com relação à faixa etária dos policiais civis que se suicidaram, os achados estão acima dos dados nacionais da população em geral. Os suicídios entre os policiais civis na faixa etária entre 35 a 59 anos representam a quase totalidade dos óbitos (84,21%) verificados na PCDF.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há verificação de uma alta taxa de suicídio entre os policiais civis do Distrito Federal nos últimos 10 anos, muito acima das taxas verificadas entre a população em geral do Distrito Federal e do Brasil. Verifica-se estabilidade nas taxas de suicídio dos policiais civis, à exceção do ano de 2017, no qual nenhum suicídio foi notificado.
Importante registrar que, em uma população pequena, as taxas podem variar significativamente de um ano para o outro.
Observou-se que o principal método de suicídio entre os policiais civis do DF é pelo uso da arma de fogo, justamente um objeto disponível para essa categoria profissional. Ressalta-se, ainda, a nítida diferença entre os números de suicídios praticados pelos homens, o que deveria influenciar o debate sobre essa condição de gênero na ocorrência desse complexo fenômeno, sobretudo diante da cultura machista observada em instituições policiais brasileiras.
Os dados coletados indicam a necessidade de aprofundamento do debate sobre a saúde mental dos profissionais de segurança pública, demonstrando a importância de pesquisas adicionais e complementares, bem como da adoção de estratégias e programas que sensibilizem esses policiais sobre prevenção e tratamento dos problemas que os afligem e que acabam os conduzindo ao autoextermínio, inclusive descontruindo os preconceitos existentes nessa categoria ocupacional sobre os cuidados necessários com saúde mental, acompanhamento e tratamento psicológico e/ou psiquiátrico e o retorno após afastamento, muitas vezes cercado de medos, receios e desconfiança.
7. REFERÊNCIAS
- Brasil. Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019. Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Diário Oficial da União, Brasília, 29 abr. 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13819.htm. Acesso em: 23 ago. 2023.
- Brasil. Lei nº 14.531, de 14 de janeiro de 2023. Altera as Leis n.º 13.675, de 11 de junho de 2018, que cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), e 13.819, de 26 de abril de 2019, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, para dispor sobre a implementação de ações de assistência social, a promoção da saúde mental e a prevenção do suicídio entre profissionais de segurança pública e defesa social e para instituir as diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública e defesa social; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 jan. 2023. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14531.htm. Acesso em: 23 ago. 2023.
- Botega, N. J. (2014). Comportamento suicida: epidemiologia. Psicologia Usp, 25, p. 231-236.
- Botti, N. C. L., Veríssimo, D. S., Souza, E. D., Souza, G. N., Diniz, I. A., & Campos, L. G. (2019). Suicídio em infográficos: coletânea de infografia temática. Divinópolis: UFSJ.
- Burnett, C. A.; Boxer, P. & Swanson, N. (1992), “Suicide and Occupation: Is there a Relationship?” Trabalho apresentado no American Psychological Association, National Institute for Occupation Health Conference, Washington, DC.
- Cassorla, R. M. S. (2017). Suicídio: fatores inconscientes e aspectos socioculturais: uma introdução. São Paulo: Editora Blucher.
- Centro de Valorização da Vida. (2020). Falando abertamente sobre suicídio. [Internet]. Disponível em https://www.cvv.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Cartilha-Falando-Abertamente-2020-vers%C3%A3o-impress%C3%A3o-A4.pdf. Acesso em: 10 ago. 2023.
- Charbonneau, F. (2000). “Suicide among the Police in Quebec”. Population, n 55, p. 367- 378.
- Distrito Federal. (2019). Secretaria de Estado de Saúde. Relatório Epidemiológico Sobre Mortalidade Geral Distrito Federal 2019. Distrito Federal.
- Durkheim, E. (2000). O Suicídio: Estudo de sociologia.
- Gomes, G. A., Maronezi, L. F. C., Felizari, G. B., Riffel, R. T., Fernandes, J. D. F., Rabello, R. D. S., & Lindemann, I. L. (2021). Caracterização dos óbitos por suicídio entre 2013-2017. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 70, 203-210.
- Kapardis, A. (2010). Psychology and law: a critical introduction. Third Edition. New York: Cambridge University Press.
- Kates, A. R. (1999) CopShock: Surviving posttraumatic stress disorder (PTSD). Cortaro, AZ: Holbrook Street Press.
- Lakatos, E. M.; Marconi, M. A. (2001). Fundamentos metodologia científica. 4.ed. São Paulo: Atlas.
- Milner, A., Spittal, M. J., Pirkis, J., & LaMontagne, A. D. (2013). Suicide by occupation: systematic review and meta-analysis. The British Journal of Psychiatry, 203(6), 409-416.
- Miranda, D. (2012). Guimarães, T. O suicídio policial e as práticas de prevenção no Brasil. Gramado: ABCP. Disponível em: http://docplayer.com.br/2674180-O-suicidio-policial-as-politicas-de-prevencao-no-brasil.html. Acesso em: 15 ago. 2023.
- Moreira, S. V. (2009). Análise documental como método e técnica. In.: DUARTE, Jorge & BARROS, Antonio (orgs.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Editora Atlas.
- Moreira, R. M. M., Félix, T. A., Flôr, S. M. C., Oliveira, E. N., & Albuquerque, J. H. M. (2017). Análise epidemiológica dos óbitos por suicídio. SANARE-Revista de Políticas Públicas, 16.
- Musumeci, B. [e] Muniz, J. (1998). Relatório de pesquisa sobre Mapeamento da Vitimização de Policiais no Rio de Janeiro, Cesec.
- Silva, M. A., & Bueno, H. P. V. (2017). O suicídio entre policiais militares na Polícia Militar do Paraná: esforços para prevenção. Diretor/Comandante da Academia Policial Militar do Guatupê. Coordenador Geral da Revista de Ciências Policiais da APMG., 5.
- Souza, E. L. D., & Oliveira, M. R. D. (2017). Desconstruindo mitos: uma leitura de uma morte anunciada. 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 26-39.
- World Health Organization. (2019). Suicide in the world: global health estimates (No. WHO/MSD/MER/19.3). World Health Organization.
1Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Mestre em Gestão Pública pela Universidade de Brasília – UnB. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4866-8646, E-mail: messinaalvim@gmail.com