GEOGRAFIA ANTIRRACISTA: ESTRATÉGIAS PARA A INCLUSÃO DO COMBATE AO RACISMO NO CURRÍCULO ESCOLAR E NOS PLANOS DE AULA

ANTI-RACIST GEOGRAPHY: STRATEGIES FOR INCLUDING THE FIGHT AGAINST RACISM IN THE SCHOOL CURRICULUM AND LESSON PLANS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202504301542


João Paulo da Silva Cavalcante
Orientador: Prof. Dr. Diogenes José Gusmão Coutinho


RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo analisar estratégias pedagógicas para a implementação de uma abordagem antirracista no ensino de Geografia, com foco na inclusão do combate ao racismo nos planos de aula e no currículo escolar. Trata-se de uma revisão bibliográfica fundamentada em produções acadêmicas que discutem as relações étnico-raciais, a estrutura curricular da educação básica e os fundamentos da Geografia crítica e decolonial. A investigação organizou-se em três eixos: os fundamentos teóricos da Geografia antirracista, a análise das contradições presentes nos documentos normativos que orientam o currículo escolar e a sistematização de práticas pedagógicas voltadas à valorização das geografias produzidas por sujeitos racializados. Os principais resultados indicam que o currículo oficial da Geografia, mesmo quando menciona a diversidade, ainda se sustenta em uma estrutura que limita o aprofundamento das questões raciais e invisibiliza experiências territoriais marcadas pelo racismo. Identificou-se também que a inclusão da Geografia da África, o uso crítico da cartografia e a valorização das narrativas dos estudantes são caminhos possíveis para a construção de práticas pedagógicas comprometidas com o enfrentamento das desigualdades raciais. A pesquisa evidencia que a transformação curricular exige não apenas a modificação de conteúdos, mas também o reposicionamento metodológico das propostas de ensino e o comprometimento institucional das escolas com uma política educacional antirracista. Conclui-se que a Geografia, quando mobilizada como ferramenta pedagógica crítica, pode contribuir para a formação de sujeitos conscientes das relações espaciais atravessadas por processos históricos de exclusão e resistência, desde que se incorporem práticas didáticas que enfrentem diretamente as dinâmicas do racismo estrutural.

Palavras-chave: Currículo, Cartografia, Geografia da África, Relações raciais.

ABSTRACT

The present research aims to analyze pedagogical strategies for implementing an anti-racist approach in the teaching of Geography, with a focus on including the fight against racism in the lesson plans and school curriculum. This is a bibliographic review based on academic productions that discuss ethnic-racial relations, the curricular structure of basic education and the foundations of critical and decolonial Geography. The research was organized into three axes: the theoretical foundations of anti-racist Geography, the analysis of the contradictions present in the normative documents that guide the school curriculum and the systematization of pedagogical practices aimed at valuing the geographies produced by racialized subjects. The main results indicate that the official Geography curriculum, even when it mentions diversity, is still based on a structure that limits the deepening of racial issues and renders invisible territorial experiences marked by racism. It was also identified that the inclusion of the Geography of Africa, the critical use of cartography and the valorization of students’ narratives are possible paths for the construction of pedagogical practices committed to confronting racial inequalities. The research shows that curricular transformation requires not only the modification of content, but also the methodological repositioning of teaching proposals and the institutional commitment of schools to an anti-racist educational policy. It is concluded that Geography, when mobilized as a critical pedagogical tool, can contribute to the formation of subjects aware of spatial relations crossed by historical processes of exclusion and resistance, as long as teaching practices that directly confront the dynamics of structural racism are incorporated.

Keywords: Curriculum, Cartography, Geography of Africa, Race relations.

Introdução 

A inserção do combate ao racismo no ensino de Geografia exige a problematização crítica do currículo escolar e a incorporação de práticas pedagógicas que questionem a neutralidade epistemológica tradicionalmente atribuída à disciplina. Campos e Nascimento (2024) destacam que a Base Nacional Comum Curricular, embora proponha competências relacionadas à diversidade, apresenta contradições quando confrontada com os objetivos de uma educação decolonial. Essa limitação curricular exige que educadores desenvolvam estratégias que transgridam a superficialidade das abordagens multiculturais e proponham uma revisão das referências eurocentradas ainda predominantes no ensino de Geografia. Nascimento e Castro (2021) reforçam essa perspectiva ao discutirem a urgência de um currículo decolonial como instrumento de enfrentamento ao racismo epistêmico, ressaltando que a Geografia escolar precisa refletir a multiplicidade de saberes e territorialidades ignoradas pelas matrizes hegemônicas de conhecimento.

A atuação docente torna-se central para efetivar mudanças nesse cenário. Santos e Santos (2020) analisam os conflitos vivenciados por professores ao tentarem implementar práticas antirracistas em suas rotinas pedagógicas, evidenciando a existência de barreiras institucionais e resistências ideológicas no cotidiano escolar. Em consonância, Santos (2024) propõe que o ensino de Geografia na educação básica seja compreendido como uma partilha de saberes orientada pela construção coletiva de uma educação antirracista. Tal abordagem envolve o reconhecimento das experiências territoriais dos estudantes, especialmente daqueles pertencentes a grupos racializados, como forma de estabelecer vínculos entre o conteúdo trabalhado e as realidades vividas. A sala de aula, nesse contexto, deve ser concebida como um espaço de escuta e ressignificação das narrativas geográficas invisibilizadas pelo currículo tradicional.

No que tange aos conteúdos, a Geografia da África é apontada como uma possibilidade concreta de ação antirracista. Marcelino (2020) defende que a valorização de temáticas africanas permite romper com a lógica da subalternização do continente africano no currículo, possibilitando que estudantes compreendam as dinâmicas socioespaciais a partir de outras epistemologias. Ferracini e Silva (2022) complementam essa análise ao evidenciar que a alfabetização cartográfica pode ser um recurso potente no ensino antirracista da Geografia da África, sobretudo ao permitir a desconstrução de mapas que historicamente reforçam hierarquias raciais e geopolíticas. O reposicionamento desses conteúdos exige planejamento didático comprometido com a inclusão de representações plurais e com a produção de sentidos geográficos ancorados em perspectivas não eurocentradas.

A construção de estratégias anti racistas no ensino de Geografia requer, ainda, a articulação com outras dimensões escolares, como a gestão pedagógica e os direitos humanos. Araújo e Clemente (2019) enfatizam o papel do gestor escolar na promoção de ações voltadas ao combate ao racismo, sinalizando a necessidade de um comprometimento institucional que ultrapasse as práticas isoladas de docentes. Silva e Faustino (2020), por sua vez, apontam que a educação em direitos humanos constitui um eixo estruturante no enfrentamento ao racismo estrutural, sendo fundamental para orientar a elaboração de planos de aula que contemplem a justiça racial como princípio. Dessa forma, a Geografia escolar pode assumir o papel de mediadora de processos educativos transformadores, desde que seus agentes estejam dispostos a revisar concepções pedagógicas, curriculares e institucionais que ainda reproduzem desigualdades raciais.

A problemática que orienta esta pesquisa pode ser sintetizada na seguinte pergunta: de que maneira o ensino de Geografia pode contribuir para o combate ao racismo no ambiente escolar por meio da inclusão de estratégias anti racistas nos planos de aula e no currículo oficial? Essa indagação busca compreender quais caminhos são possíveis para que a prática pedagógica geográfica atue de forma crítica diante das desigualdades raciais estruturais, rompendo com silenciamentos e promovendo a valorização de saberes historicamente marginalizados. 

Como objetivo geral, a pesquisa tem como propósito analisar de que forma a Geografia pode ser mobilizada como ferramenta pedagógica para o enfrentamento do racismo, com foco na elaboração de estratégias que permitam a inclusão efetiva do combate ao racismo nos planos de aula e no currículo escolar. Para cumprir esse propósito, a pesquisa de revisão bibliográfica delineia três objetivos específicos: (I) identificar as contribuições teóricas que fundamentam uma abordagem antirracista no ensino de Geografia; (II) examinar as principais críticas ao currículo oficial de Geografia no que se refere à representação das questões raciais; e (III) reunir propostas metodológicas e didáticas de educadores e pesquisadores voltadas à implementação de práticas pedagógicas antirracistas no ensino de Geografia. 

A justificativa desta pesquisa repousa na urgência de repensar as práticas educativas no campo da Geografia escolar diante do contexto de permanência das desigualdades raciais no Brasil, reconhecendo que o espaço escolar, longe de ser neutro, reproduz ou confronta tais desigualdades a depender das escolhas pedagógicas realizadas. Ao propor uma investigação centrada nas estratégias para incluir o combate ao racismo no currículo e nos planos de aula, o estudo contribui para o fortalecimento de uma educação comprometida com a transformação social e com o reconhecimento das múltiplas territorialidades e identidades presentes no cotidiano dos alunos, conforme apontam os debates contemporâneos sobre decolonialidade, justiça racial e formação docente crítica.

Geografia antirracista

A construção de uma Geografia antirracista demanda a análise crítica das estruturas que historicamente sustentaram a marginalização de determinados sujeitos e territórios no campo educacional. A proposta de uma abordagem comprometida com o enfrentamento das desigualdades raciais parte do reconhecimento de que a Geografia escolar, quando orientada por princípios eurocentrados, tende a invisibilizar experiências e produções de conhecimento de povos não brancos. Nascimento e Castro (2021) evidenciam que o currículo escolar reproduz o racismo epistêmico ao privilegiar formas de saber oriundas de uma matriz colonial, desconsiderando a diversidade de perspectivas que emergem de contextos sociais historicamente excluídos.

A crítica ao currículo tradicional envolve também a análise das formas pelas quais a Geografia se apresenta como disciplina normativa, orientada por uma lógica de homogeneização dos territórios e dos sujeitos. Couto (2020) afirma que a Geografia escolar precisa ser tensionada por uma leitura crítica da questão racial, na medida em que o discurso geográfico dominante muitas vezes legitima desigualdades espaciais e sociais. Nesse sentido, uma Geografia antirracista não se limita à inclusão de conteúdos temáticos, mas exige uma reestruturação epistemológica capaz de reconhecer os conflitos, os silenciamentos e as disputas que marcam a construção do espaço.

A proposta de uma Geografia voltada para o combate ao racismo encontra respaldo na educação decolonial, entendida como movimento de ruptura com os paradigmas coloniais de produção de conhecimento. Campos e Nascimento (2024) destacam que, embora a Base Nacional Comum Curricular afirme o compromisso com a diversidade, ela permanece estruturada a partir de referências que dificultam uma abordagem verdadeiramente decolonial e antirracista. A tensão entre a retórica da diversidade e a permanência de lógicas hegemônicas revela o desafio de promover transformações que alcancem o núcleo estruturante da formação escolar.

Nesse processo, o papel do professor se mostra central. Araújo e Clemente (2019) apontam que o combate ao racismo na escola ultrapassa a esfera do discurso e demanda ações sistemáticas de gestão pedagógica. A Geografia antirracista requer planejamento, formação continuada e a criação de espaços institucionais voltados à escuta e à valorização de saberes racializados. Assim, a atuação docente passa a ser entendida como uma prática que se insere em um projeto coletivo de transformação das estruturas educacionais.

A alfabetização cartográfica, quando articulada a um ensino crítico da Geografia da África, constitui uma das estratégias possíveis para a promoção de práticas antirracistas no espaço escolar. Ferracini e Silva (2022) argumentam que o ensino da cartografia pode ser instrumentalizado para desconstruir representações espaciais que reforçam hierarquias raciais, contribuindo para a formação de uma consciência geográfica crítica. Ao propor o uso de mapas que revelam os impactos da colonização e os processos de resistência dos povos africanos, os autores apontam caminhos para uma prática pedagógica alinhada com os princípios da justiça racial.

A Geografia da África, nesse contexto, representa uma chave para o reposicionamento curricular. Marcelino (2020) demonstra que o tratamento dado ao continente africano nos livros didáticos e planos de aula frequentemente o reduz a estereótipos, ignorando a complexidade de suas formações sociais, culturais e econômicas. A superação dessa abordagem exige um esforço de reconstrução de narrativas, que contemple a centralidade histórica da África e a contribuição de seus povos na constituição das dinâmicas globais. A abordagem antirracista, portanto, deve incluir a revisão crítica dos materiais didáticos e a incorporação de novas fontes e perspectivas.

A dimensão afetiva também integra a proposta de uma Geografia antirracista. Lima (2020) introduz o conceito de geografia emocional como possibilidade de aproximação entre o conteúdo escolar e as experiências dos estudantes. Ao reconhecer os afetos como constitutivos das territorialidades vividas, essa abordagem permite que o ensino geográfico se volte para o cotidiano e para a memória coletiva das comunidades racializadas. A sala de aula passa a ser entendida como um espaço de produção de sentidos, no qual as relações raciais são tematizadas a partir de vivências concretas.

Santos (2024) observa que o ensino de Geografia na educação básica deve ser pautado pela partilha de saberes e pela valorização das vozes historicamente excluídas do processo educativo. Isso implica romper com a lógica transmissiva do ensino e adotar práticas que favoreçam a escuta, o diálogo e a construção coletiva do conhecimento. A educação antirracista, nesse sentido, não se reduz a um conjunto de conteúdos, mas configura-se como um princípio orientador das relações pedagógicas.

O currículo escolar, ao refletir escolhas políticas e culturais, desempenha papel determinante na consolidação ou superação das desigualdades raciais. Silva e Costa (2019) ressaltam que as relações étnico-raciais, quando tratadas de forma superficial, contribuem para a manutenção de estigmas e a invisibilização de sujeitos. Uma proposta curricular comprometida com a equidade racial precisa enfrentar os desafios da formação docente, da estrutura institucional e da produção de materiais que expressem a diversidade das experiências humanas e territoriais.

Silva e Faustino (2020) afirmam que a educação em direitos humanos deve compor a base de um projeto educativo voltado à superação do racismo estrutural. Ao integrar essa perspectiva à prática geográfica, amplia-se a capacidade da escola de atuar como agente de transformação social. A Geografia, enquanto campo de conhecimento e prática pedagógica, pode contribuir significativamente para esse processo, desde que assuma o compromisso de problematizar as formas pelas quais o espaço é apropriado, representado e vivido por sujeitos racializados em diferentes contextos.

Críticas à abordagem das relações étnico-raciais no currículo oficial de Geografia

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), enquanto documento normativo que orienta a educação básica no Brasil, apresenta contradições quando analisada à luz das relações étnico-raciais no ensino de Geografia. Campos e Nascimento (2024) observam que, embora a BNCC mencione a diversidade como princípio estruturante, sua abordagem mantém referências eurocentradas e desconsidera a centralidade das questões raciais nas dinâmicas espaciais. Essa incongruência entre os princípios declarados e as diretrizes efetivas compromete a efetividade de uma prática pedagógica voltada à equidade racial.

O caráter normativo do currículo oficial, ao estabelecer competências e habilidades padronizadas, limita a inserção crítica de temas que exigem contextualização histórica e social. Nascimento e Castro (2021) discutem que essa estrutura curricular reforça o racismo epistêmico ao não reconhecer saberes oriundos de povos racializados como legítimos no campo da produção geográfica. A ausência de epistemologias decoloniais no currículo contribui para a manutenção de um ensino descolado da realidade vivida por estudantes negros, indígenas e de outras minorias étnicas.

A crítica à abordagem curricular não se restringe ao conteúdo prescrito, mas se estende às formas como os temas são distribuídos e problematizados nos componentes da Geografia. Silva e Costa (2019) argumentam que o tratamento das relações étnico-raciais ocorre de forma fragmentada e pouco aprofundada, o que reduz a possibilidade de debates significativos em sala de aula. Essa superficialidade favorece a reprodução de estereótipos e impede que os alunos desenvolvam uma compreensão crítica das desigualdades raciais que estruturam o território brasileiro.

Além das lacunas conceituais, o currículo oficial apresenta omissões em relação à história dos povos africanos e afro-brasileiros. Marcelino (2020) aponta que o continente africano é frequentemente apresentado de maneira genérica e descontextualizada, o que compromete a construção de uma visão mais ampla das contribuições históricas, sociais e culturais da África. Essa invisibilização reforça a ideia de uma Geografia universal, neutra e desprovida de conflitos, quando, na realidade, os processos espaciais estão profundamente imbricados com questões raciais.

A institucionalização de uma proposta antirracista requer a problematização dos instrumentos normativos que moldam a prática docente. Araújo e Clemente (2019) indicam que a atuação do gestor escolar é fundamental para que as diretrizes curriculares sejam interpretadas e aplicadas de modo a valorizar a diversidade racial. Entretanto, a ausência de formações específicas para a implementação de políticas antirracistas evidencia a fragilidade das estruturas escolares na promoção de uma educação geográfica crítica e inclusiva.

A dificuldade de operacionalizar o combate ao racismo por meio do currículo é também evidenciada nas experiências docentes. Santos e Santos (2020) mostram que os professores enfrentam tensões ao tentar articular os conteúdos da BNCC com propostas que questionam desigualdades raciais. Os autores relatam que muitos docentes não se sentem respaldados pelos documentos oficiais, o que gera insegurança e limitações na construção de abordagens mais comprometidas com a justiça racial.

A Geografia crítica, ao ser confrontada com as normativas curriculares, encontra resistência quando propõe uma leitura do território pautada por conflitos sociais e raciais. Couto (2020) assinala que o currículo tende a diluir as desigualdades em narrativas de diversidade que não reconhecem as hierarquias históricas e políticas que estruturam os espaços. A ausência de um enfrentamento direto ao racismo territorial dificulta a construção de práticas que articulem os conceitos geográficos às experiências concretas de discriminação e exclusão.

A forma como os documentos curriculares tratam a cartografia também revela as limitações no enfrentamento ao racismo institucional. Ferracini e Silva (2022) apontam que os mapas escolares raramente representam as geografias produzidas por populações periféricas, negras e indígenas, reforçando visões homogêneas do espaço. A cartografia crítica, quando ausente do currículo, contribui para a perpetuação de leituras lineares e despolitizadas dos territórios.

Outro aspecto relevante é a invisibilidade das emoções e dos afetos no ensino de Geografia, sobretudo em relação às experiências raciais vividas pelos estudantes. Lima (2020) propõe uma geografia emocional que reconheça os sentimentos como elementos constitutivos das territorialidades e como ferramentas para compreender as marcas do racismo nos corpos e nos espaços. A ausência dessa dimensão nos documentos normativos reduz as possibilidades de uma educação que leve em conta os impactos subjetivos das desigualdades raciais.

Guimarães (2019) conclui que a superação das limitações do currículo oficial passa pela reconstrução epistemológica do ensino de Geografia, com ênfase em metodologias que reconheçam a centralidade do racismo na constituição das dinâmicas espaciais. Para a autora, não basta adicionar conteúdos sobre diversidade, é necessário reorganizar os fundamentos que estruturam o conhecimento geográfico escolar. A crítica ao currículo, portanto, deve ir além da identificação de lacunas temáticas e avançar para a reestruturação das formas de ensinar e aprender Geografia em uma perspectiva antirracista.

Estratégias pedagógicas e didáticas para o ensino de Geografia com enfoque antirracista

As estratégias pedagógicas voltadas à implementação de uma abordagem antirracista no ensino de Geografia implicam a reorganização dos conteúdos e a reformulação das práticas de sala de aula. Marcelino (2020) afirma que a centralidade da Geografia da África, quando inserida de maneira crítica, permite reconfigurar o currículo escolar, deslocando o olhar dos alunos para dinâmicas espaciais historicamente marginalizadas. Ao abordar o continente africano para além de estereótipos, o docente contribui para a valorização de múltiplas territorialidades e para o reconhecimento de agentes históricos que foram excluídos das narrativas geográficas tradicionais.

A elaboração de planos de aula que contemplem experiências de povos racializados exige o domínio de conteúdos que confrontem o racismo estrutural e a construção de sequências didáticas baseadas em vivências concretas. Santos (2024) sugere que a prática docente deve considerar os saberes dos estudantes como ponto de partida para a construção de propostas antirracistas. Essa perspectiva permite a criação de vínculos entre o conhecimento escolar e as trajetórias dos sujeitos, favorecendo uma aprendizagem significativa orientada pela equidade.

A discussão sobre o papel das emoções e das memórias na produção dos espaços escolares contribui para o fortalecimento de uma geografia comprometida com as experiências subjetivas de grupos racializados. Lima (2020) propõe o conceito de geografia emocional para indicar a importância dos afetos na relação dos estudantes com o território. Ao reconhecer essas dimensões, o professor pode mobilizar estratégias de ensino que abordem o racismo como fenômeno que afeta a organização espacial, a circulação das pessoas e as dinâmicas de pertencimento.

A cartografia escolar, quando utilizada de forma crítica, se apresenta como uma ferramenta eficaz para a desconstrução de representações espaciais excludentes. Ferracini e Silva (2022) demonstram que a alfabetização cartográfica permite não apenas o desenvolvimento de competências técnicas, mas também a ressignificação de territórios negligenciados. A produção de mapas alternativos, elaborados pelos próprios estudantes, é uma das possibilidades de intervenção pedagógica que desloca o foco dos centros de poder e visibiliza realidades locais racializadas.

A escolha dos materiais didáticos também impacta a efetivação de práticas antirracistas. Couto (2020) aponta que muitos recursos disponíveis ainda apresentam visões coloniais e hierarquizadas dos territórios. Assim, torna-se necessário selecionar ou produzir materiais que incorporem perspectivas críticas, incluindo textos, imagens, vídeos e mapas que retratem a diversidade étnica e cultural com precisão histórica e respeito às múltiplas identidades. O uso de fontes alternativas e a crítica aos livros didáticos oficiais devem fazer parte do planejamento docente.

A gestão pedagógica desempenha um papel articulador na promoção da educação antirracista. Araújo e Clemente (2019) destacam que o apoio institucional é fundamental para garantir a continuidade das ações em sala de aula. Planos de aula e projetos interdisciplinares que abordem o racismo e as desigualdades territoriais devem contar com a mediação de equipes gestoras dispostas a enfrentar os conflitos que emergem no cotidiano escolar e a sustentar uma política educacional pautada por compromissos éticos com os direitos humanos.

A construção de conteúdos que abordem a territorialização do racismo exige a articulação entre os conceitos fundamentais da Geografia e os processos históricos de exclusão. Nascimento e Castro (2021) argumentam que práticas pedagógicas comprometidas com o combate ao racismo devem considerar o currículo como espaço de disputa simbólica. A elaboração de sequências temáticas que abordem, por exemplo, a segregação urbana, os fluxos migratórios forçados e a colonização de territórios africanos e indígenas permite que os alunos compreendam a espacialização das desigualdades.

Guimarães (2019) enfatiza que a prática pedagógica antirracista precisa ser ancorada em metodologias que problematizem as formas pelas quais o conhecimento geográfico é construído e transmitido. Para a autora, o ensino deve se apoiar em epistemologias que considerem as marcas do colonialismo e suas permanências nas estruturas educacionais. Assim, o planejamento das aulas deve incluir atividades que tensionem as bases eurocêntricas do currículo, incentivando o protagonismo dos estudantes e a reflexão crítica sobre o espaço vivido.

A formação docente contínua constitui outra dimensão das estratégias pedagógicas voltadas à equidade racial. Silva e Faustino (2020) argumentam que a educação em direitos humanos deve estar presente na capacitação de professores, possibilitando o desenvolvimento de práticas fundamentadas no respeito às diferenças. A abordagem do racismo como tema transversal às disciplinas do currículo contribui para que os educadores compreendam a complexidade do fenômeno e consigam construir propostas que envolvam a comunidade escolar em processos formativos mais amplos.

Campos e Nascimento (2024) reforçam que a superação das contradições presentes na BNCC requer ações intencionais por parte dos docentes no sentido de ampliar o escopo temático das aulas de Geografia. A incorporação de atividades que valorizem as contribuições dos povos africanos, afro-brasileiros e indígenas, bem como a análise crítica das estruturas territoriais racializadas, permite transformar o ensino da Geografia em instrumento de enfrentamento às desigualdades. Essas estratégias, quando sistematizadas, contribuem para a consolidação de uma prática pedagógica comprometida com a transformação do currículo e das relações sociais no ambiente escolar.

Considerações finais 

A presente pesquisa permitiu compreender que o enfrentamento das desigualdades raciais no espaço educacional depende da superação de abordagens curriculares tradicionais que ignoram ou marginalizam as experiências de povos racializados. A análise teórica evidenciou que o ensino de Geografia, ao ser conduzido por epistemologias eurocentradas, tende a reforçar silenciamentos e invisibilizações históricas. Nesse contexto, a construção de uma prática geográfica antirracista exige a reorganização dos conteúdos, metodologias e materiais didáticos, com vistas à promoção de uma educação que reconheça e valorize a diversidade étnico-racial.

As críticas à Base Nacional Comum Curricular revelaram contradições entre a proposta oficial de valorização da diversidade e a manutenção de estruturas normativas que pouco dialogam com uma abordagem decolonial. Foi possível identificar que, embora o documento cite a importância da pluralidade cultural, as diretrizes não garantem mecanismos efetivos para a implementação de práticas antirracistas nas aulas de Geografia. Esse distanciamento entre intenção e execução reforça a necessidade de iniciativas pedagógicas autônomas que ampliem os limites impostos pelos marcos legais vigentes, através de planejamentos comprometidos com a justiça racial.

No desenvolvimento da revisão bibliográfica, observaram-se diversas contribuições que orientam o trabalho docente na elaboração de planos de aula voltados à valorização das geografias da África e da diáspora africana. As propostas de ensino apresentadas por autores da área demonstram que a cartografia crítica, a escuta das territorialidades dos estudantes e o uso de recursos pedagógicos contextualizados podem contribuir para a construção de saberes geográficos mais próximos da realidade vivida pelos sujeitos historicamente excluídos. Nesse sentido, o ensino antirracista de Geografia exige práticas pedagógicas que articulem teoria, território e memória coletiva.

Além disso, a atuação da gestão escolar, a formação continuada dos docentes e a articulação entre os diversos atores da comunidade escolar foram apontadas como elementos indispensáveis para a consolidação de estratégias antirracistas. O combate ao racismo no currículo de Geografia não deve ser entendido como responsabilidade individual do professor, mas como parte de um projeto institucional que reconheça a centralidade das relações étnico-raciais na formação cidadã. A construção coletiva dessas ações reforça a ideia de que o currículo é um espaço político, em constante disputa e transformação.

Conclui-se, portanto, que a Geografia pode e deve ocupar um papel relevante na luta contra o racismo na escola, desde que seja orientada por princípios que rompam com os paradigmas tradicionais de ensino. A adoção de estratégias pedagógicas antirracistas no planejamento curricular exige compromisso ético, conhecimento teórico e sensibilidade às dinâmicas de exclusão que estruturam o território e a sociedade. Ao reconhecer a complexidade das relações raciais no Brasil, o ensino de Geografia tem a possibilidade de se constituir como um instrumento de transformação, contribuindo para a formação de sujeitos críticos e conscientes das desigualdades que atravessam o espaço em que vivem.

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