REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504301130
Mayara Domingues¹
Rose Meyre Moggi²
Renata Guadagnin³
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar as dificuldades enfrentadas pelo magistrado ao proferir sentença penal em processos envolvendo réus diagnosticados com psicopatia. A pesquisa adota metodologia qualitativa, com abordagem dedutiva, e utiliza técnicas de observação direta extensiva e intensiva. Analisa-se a distinção entre imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade à luz do Código Penal Brasileiro, com especial atenção ao artigo 26 e seus desdobramentos na aplicação das medidas de segurança. A ausência de políticas públicas efetivas voltadas às medidas de segurança e tratamentos adequados compromete a efetividade da sentença penal, levando o Judiciário, em muitos casos, à imposição de penas provisórias e não ao adequado tratamento médico. Trata-se de um tema de relevância crescente, dada a recorrência de casos de psicopatia no sistema carcerário e o impasse jurídico entre punição e tratamento.
Palavras-chave: psicopatia; sentença penal; imputabilidade; medidas de segurança; Direito Penal.
1 Introdução
psicopatia constitui um dos mais controversos temas da interface entre Direito Penal, Criminologia e Psiquiatria. Seu impacto na responsabilização penal é relevante, sobretudo diante da dificuldade em classificar o réu como imputável, semi-imputável ou inimputável. Busca-se com este artigo compreender as implicações jurídicas da psicopatia, com foco nas sentenças penais proferidas em casos concretos e nas limitações do sistema prisional brasileiro quanto à execução das medidas de segurança.
2 Psicopatia: Aspectos Conceituais e Históricos
psicopatia, conforme descrita por Cleckley (1941) e Hare (1991), representa um transtorno de personalidade marcado por frieza emocional, manipulação e ausência de remorso. No campo jurídico, tal perfil tem implicações diretas sobre a análise da culpabilidade e da imputabilidade. A jurisprudência brasileira, seguindo doutrinadores como Bitencourt (2011) e Greco (2014), tende a classificar psicopatas como semi-imputáveis.
3 O Dilema Jurídico: Pena ou Medida de Segurança?
legislação brasileira, notadamente o art. 26 do Código Penal (DecretoLei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), que trata da inimputabilidade penal, prevê a aplicação de medidas de segurança aos inimputáveis e a redução de pena aos semi-imputáveis.
Vejamos:
Art.26 -É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Redução de pena
Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Observa-se, entretanto, que o semi-imputáveis não tem opção de tratamento adequado, ante a ausência de centros especializados para internação psiquiátrica, como observado na presente pesquisa em Sinop-MT, assim o Estado os mantêm em presídios comuns, desvirtuando a finalidade terapêutica da medida de segurança.
4 A Sentença Penal e os Limites do Estado.
A sentença penal é o ato que materializa o juízo de culpabilidade, mas, nos casos de psicopatia, o magistrado enfrenta dilemas éticos e legais. O estudo de campo realizado junto a profissionais do sistema penal de Sinop-MT revelou que a maioria dos réus com diagnóstico de psicopatia permanece em unidades prisionais, sem acesso a tratamento adequado, em razão da inexistência de estrutura para cumprimento das medidas previstas em lei.
Considerações Finais
A psicopatia representa um desafio à racionalidade penal. Entre o imperativo da punição e a necessidade de tratamento, o Estado brasileiro opta muitas vezes por soluções provisórias que violam princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana. Faz-se urgente a reavaliação da política penal e a ampliação da rede de suporte psiquiátrico para a efetiva execução das medidas de segurança. No ano de 2022 o CNJ sob a Presidência do
Ministro Fux, coordenou o Grupo de Trabalho (GT), a partir do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. O caso refere-se à condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em 2006, devido à morte de Damião Ximenes Lopes em uma unidade de saúde mental, evidenciando violações de direitos humanos. O GT foi criado para monitorar o cumprimento da sentença e propor ações voltadas à saúde mental no Sistema de Justiça. Além disso, o documento propõe um Seminário Internacional de Saúde Mental e cursos de formação para magistrados e operadores do Direito, com foco na aplicação de medidas de segurança e socioeducativas alinhadas à Lei nº 10.216/2001 e à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O objetivo é aprimorar a atuação do Judiciário na garantia de direitos humanos e saúde mental, promovendo cuidado em liberdade e inclusão social.
Há outras iniciativas como o Programa Fazendo Justiça, que busca fortalecer políticas de saúde mental e promover a desinstitucionalização de pessoas em sofrimento psíquico. Entretanto ainda que a legislação esteja avançando, com Política Antimanicomial, com a Lei 10.216/20001(Lei da Reforma Psiquiátrica), Diretrizes para implementar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência) o que se vê na prática, é que há grande demanda de réus nas Penitenciárias aguardando a oportunidade de tratamento médico mental em locais adequados. Ao que se vê a Política Anti manicômios não alcançou seu objetivo de desinternação e tratamento em liberdade dos agentes.
Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2011.
CLECKLEY, Hervey. The Mask of Sanity. 5 ed. St. Louis: Mosby, 1988.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Niterói: Impetus, 2013.
HARE, Robert D. Without Conscience. New
¹Advogada, Especialista em Direito Previdenciário.
²Mestranda em Ciências Criminais e Criminologia Forense pela Universidade de La Empresa.
³Professora no Programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Unifacvest-SC. Professora convidada do Programa de Ciências Criminais e Criminologia Forense da Universidad de la Empresa, Montevidéu. Professora colaboradora do Programa de Pós Graduação em Filosofia da PUC-RS. Pós-doutoranda no Projeto Alteridades, bolsista CAPES. Doutora em Criminologia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8613316875410870.