ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL (ZEIS) E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: AVANÇOS E DESAFIOS JURÍDICOS NA GARANTIA DO DIREITO À CIDADE

SPECIAL ZONES OF SOCIAL INTEREST (ZEIS) AND LAND REGULARIZATION: ADVANCEMENTS AND LEGAL CHALLENGES IN GUARANTEEING THE RIGHT TO THE CITY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504272353


Bruna Oliveira dos Santos


RESUMO

Este artigo aborda as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) no contexto da regularização fundiária no Brasil, com o propósito de analisar seus avanços e limitações. As ZEIS são fundamentais para a inclusão social e a promoção do direito à cidade, oferecendo possibilidades de regularização de assentamentos urbanos informais e promovendo o acesso à infraestrutura e serviços urbanos. Contudo, o artigo destaca as principais dificuldades enfrentadas na implementação das ZEIS, como a falta de articulação entre políticas públicas, a precariedade da infraestrutura urbana e a resistência a projetos de urbanização nas áreas mais vulneráveis. A pesquisa, de caráter exploratório e qualitativo, utiliza o método de abordagem dialético, o que permite analisar a dinâmica entre os fatores que influenciam a efetividade das ZEIS. A metodologia inclui o procedimento histórico e a técnica de pesquisa indireta, por meio de análise documental e bibliográfica, permitindo um entendimento mais profundo das políticas públicas que envolvem as ZEIS e suas implicações para a regularização fundiária. Os resultados revelam que, apesar dos avanços significativos, as ZEIS ainda enfrentam obstáculos em sua aplicação, o que requer maior integração entre as políticas habitacionais, ambientais e urbanísticas.

Palavras-chave: Regularização Fundiária. Cidade. Planejamento Urbano.   

ABSTRACT

This research aims to analyze the possibility of applying the investigative technique known as criminal profiling in the field of inteligent investigation, as well as its use as proof in criminal process. Given that, despite all its historical development and relation with the sciences of criminology, sociology, psychology and criminalistics, its scientific validity is still the subject of discussion among specialists in the field, which provides a question about its validity and effectiveness in criminal persecution. In addition, it is appropriate to correlate the theme with the current Brazilian scenario regarding to the relentless and constant increase in crime rates, chaotic situation that plagues the country and calls for innovations in the area of investigative procedure, especially regarding violent crimes, since lamentably, this ambit is completely outdated, obsolete and unable to follow the growing wave of violence in the country. Facing this problematic, it is urgent that there is incentive from the State to improve the brazilian investigative structure by promoting research that explores the validity of promising new techniques such as criminal profiling in order to obtain an inteligent and improved investigative system. This is an exploratory and qualitative research  with the application of the dialectical approach method, as well as the historical procedure method and indirect research technique through documentary and bibliographic research. 

Keywords: Land Regularization. City. Urban Planning.                                    

1 INTRODUÇÃO

A moradia informal retrata um dos traços mais visíveis da desigualdade socioespacial nas metrópoles brasileiras. Composta por favelas, loteamentos irregulares, ocupações e outros modos de assentamentos precários, essa realidade comporta uma parcela significativa da população urbana, que reside há décadas em condições de vulnerabilidade, sem acesso regular à terra, à infraestrutura básica e à segurança jurídica da posse. 

Sob esse prisma, a ONU, através do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), apresentou uma definição em que um assentamento informal se caracteriza por apresentar uma ou mais das seguintes condições: superlotação, estado precário da moradia, ausência de algum dos serviços públicos e irregularidade da propriedade. 

As características apontadas na definição se limitam a descrever o estado físico e legal, deixando de fora a dimensão socioeconômica. Além da falta de segurança de posse de terra ou moradia, os assentamentos geralmente carecem de acesso à água, saneamento, eletricidade, transporte e demais serviços essenciais para a mínima qualidade de vida. Esses pontos constituem parte integrante e fundamental para a configuração deste fenômeno. 

No âmbito jurídico, a existência difundida da moradia informal desafia o modelo tradicional de ordenamento territorial e compele ao Estado o dever de articular estratégias inclusivas de regularização fundiária e urbanização, com base no princípio da função social da propriedade e na garantia constitucional do direito à moradia. Desse modo, a política urbana contemporânea tem buscado instrumentos legais capazes de possibilitar a junção socioespacial de populações marginalizadas, assegurando-lhes o direito à cidade e à moradia digna.

Nesse contexto, as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) surgem como um importante instrumento jurídico-urbanístico, previsto no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), constituídas de porções do território urbano, determinadas pelo município, para implantação de Habitação de Interesse Social destinada à população de baixa renda. Visa a regularização fundiária de assentamentos informais já existentes ou designação de uma área nova, já dotada de infraestrutura para receber os moradores. As ZEIS, portanto, podem ser adotadas pelos diversos municípios brasileiros na formulação de seus planos diretores. 

Esse instrumento de política urbana previsto no ordenamento jurídico brasileiro, desempenha um papel relevante na efetivação do direito à moradia, um dos direitos fundamentais mais essenciais à vida digna, embora frequentemente negligenciado na realidade urbana do país. O acesso à moradia adequada não se limita a garantir abrigo físico, mas está intrinsecamente relacionado a outros direitos fundamentais, como o direito à saúde, ao trabalho, à educação e ao lazer. Sua violação, portanto, tende a desencadear a negação em cadeia de diversos outros direitos, agravando o quadro de vulnerabilidade e extrema pobreza que atinge milhões de pessoas, especialmente nas grandes metrópoles brasileiras.

Ainda que a Constituição Federal de 1988 assegure a todos o direito à moradia, à saúde, à educação e a condições mínimas de bem-estar, parcela significativa da população nacional permanece excluída do acesso a esses direitos, enfrentando uma realidade de carência estrutural e marginalização socioespacial. Tal cenário revela um profundo descompasso entre as normas constitucionais e a realidade concreta das cidades brasileiras, marcadas por desigualdades históricas e pela ausência de políticas públicas eficazes de inclusão urbana.

Sendo assim, o presente artigo tem como objetivo analisar os avanços e limites jurídicos na aplicação das ZEIS como ferramenta de regularização fundiária urbana, investigando sua efetividade na promoção do direito à cidade e na inclusão de populações vulneráveis no tecido urbano formal. Para tanto, adotar-se-á uma abordagem jurídico-normativa, com base na legislação vigente, na doutrina especializada e na análise de experiências práticas em diferentes municípios brasileiros.

Ao final, pretende-se contribuir para a reflexão crítica sobre o papel do direito na construção de cidades mais justas, acessíveis e democráticas, destacando a importância de políticas públicas integradas e da atuação interinstitucional no enfrentamento dos desafios urbanos contemporâneos.

2 MARCO TEÓRICO E JURÍDICO

2.1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS.

A Constituição Federal de 1988 representou um marco na consolidação dos direitos urbanísticos no Brasil, ao incorporar, de forma inédita, uma perspectiva social à propriedade e ao espaço urbano, sendo a primeira Constituição brasileira a prever o Direito Urbanístico. Diferentemente das constituições anteriores, especialmente a de 1967, que privilegiavam uma visão patrimonialista e centrada no direito absoluto de propriedade, a Carta de 1988 estabeleceu princípios fundamentais como a função social da propriedade (art. 5º, XXIII) e o direito à moradia (art. 6º), além de reconhecer expressamente a função social da cidade (art. 182). E

Esses dispositivos romperam com a lógica excludente do ordenamento urbano anterior, ao subordinar o uso da propriedade ao bem coletivo e à justiça social. Ao fazer isso, a Constituição abriu caminho para a criação de instrumentos de planejamento urbano mais democráticos e fortaleceu a legitimidade de políticas de regularização fundiária e urbanização de áreas informais, afirmando o direito à cidade como direito de todos e dever do Estado.

Sendo assim, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXIII, determina de forma explícita que a propriedade deve atender à sua função social. Logo, implica que a propriedade, seja ela rural ou urbana, deve ser utilizada para atender às necessidades da sociedade, promovendo o desenvolvimento econômico e social de forma sustentável e eficiente, em conformidade com o meio ambiente. Essa determinação é essencial para o desenvolvimento urbano, para que ele atenda aos interesses da sociedade garantindo a utilização do solo de forma correta.

Além disso, os artigos 182 e 183 da Constituição Federal estabelecem as bases para a política urbana e a função social da propriedade urbana. O artigo 182 define a política de desenvolvimento urbano como a responsabilidade do Poder Público municipal, visando ordenar a cidade e garantir o bem-estar dos habitantes. Já o artigo 183 trata da usucapião especial urbana, permitindo a aquisição do domínio de áreas urbanas por meio de posse continuada e utilização para moradia

Dessa forma, a função social da propriedade é o princípio que guia o direito de propriedade no Brasil, segundo o qual a propriedade deve servir aos interesses coletivos. Ademais, ao garantir que a propriedade seja utilizada de forma a atender aos interesses da sociedade, a função social da propriedade contribui para a promoção da justiça social e a redução das desigualdades.

A função social da propriedade é um princípio complexo e dinâmico, que exige uma interpretação contextualizada para que se ajuste às necessidades atuais e se comunique com a sociedade. Esse princípio é cumprido quando a propriedade é utilizada para a moradia, para atividades comerciais ou industriais, de forma a atender o interesse comum, respeitando as normas urbanísticas e ambientais.

2.1 O ESTATUTO DA CIDADE, LEI Nº 10.257/2001 E SEUS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS. 

A década de 60 no Brasil foi marcada pela forte tendência ao parcelamento e distribuição inadequada de terras, que gerou transtornos e desordem na ocupação do solo. Diante desse cenário, surgiu a necessidade de melhorias de urbanização e saneamento, originando movimentos sociais que reivindicavam melhorias nas políticas públicas urbanas.

Como fruto deste período, nasceu a Constituição Federal de 1988, inovadora em vários quesitos, mas principalmente no que diz respeito ao direito urbanístico. Contudo, apesar da presença do Capítulo II na Carta Magna que trata da política urbana na Constituição Federal de 1988 e faz referência à elaboração de uma lei federal que tratasse das diretrizes gerais para desenvolvimento da política urbana, a criação do Estatuto da Cidade só ocorreu alguns anos depois, em 10 de julho de 2001.

A Lei Federal nº 10.257/2001, também conhecida como Estatuto da Cidade, regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece uma série de instrumentos compatíveis para a institucionalização de políticas de desenvolvimento urbano. Em meio à concentração de regras de aproveitamento do solo urbano, alguns mecanismos se destacam, almejando pôr em prática o princípio da função social da propriedade em consonância com o princípio da dignidade humana. 

Sob esse contexto, o Estatuto da Cidade se relaciona com o planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, com os planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e desenvolvimento econômico e social, bem como, o planejamento municipal, disponibilizando ferramentas de competência municipal como o Plano Diretor. Em continuidade, o Estatuto também se conecta à instrumentos previstos no Código Civil, como direito de superfície, desapropriação, outorga onerosa, regularização fundiária, usucapião especial de imóvel urbano, assim como, elementos da esfera tributária tais como IPTU progressivo, contribuições de melhoria e incentivos fiscais. 

Os instrumentos urbanísticos e tributários previstos no Estatuto da Cidade não apenas promovem o ordenamento territorial, mas também impactam de forma positiva o cenário orçamentário municipal, ao possibilitarem uma gestão mais estratégica dos recursos públicos. Ao instituírem mecanismos onerosos de uso e ocupação do solo, como a outorga onerosa do direito de construir e a transferência do potencial construtivo, esses instrumentos ampliam as possibilidades de captação de receitas que podem ser destinadas ao financiamento de políticas urbanas, à oferta de terras para habitação de interesse social e à instalação de equipamentos públicos.

Dessa forma, o Estatuto da Cidade consolida-se como um marco regulatório fundamental para a efetivação da política urbana no Brasil, ao proporcionar instrumentos jurídicos e administrativos capazes de orientar o desenvolvimento urbano de maneira mais justa, eficiente e sustentável.

2.3 LEI Nº 13.465/2017 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA – REURB.

De acordo com a Lei n° 13.465, de 2017, a Regularização Fundiária Urbana ou simplesmente REURB, é o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.

Trata-se, portanto, de um procedimento complexo, que envolve não apenas a regularização urbanística de áreas e lotes, mas também a implantação de infraestrutura pública essencial, muitas vezes inexistente. Essa regularização possui caráter multidimensional, abrangendo aspectos urbanísticos, ambientais, sociais e jurídicos, de forma integrada.

A legislação estabelece um rol de legitimados para requerer a REURB, podendo solicitar a regularização a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, diretamente ou por meio de suas entidades da administração pública indireta. Bem como, os próprios beneficiários da regularização, de forma individual ou coletiva, por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações e determinadas organizações sociais. 

Além disso, os proprietários de imóveis ou terrenos, loteadores e incorporadores têm legitimidade para iniciar o procedimento. Complementarmente, a Defensoria Pública pode atuar em nome dos beneficiários hipossuficientes, assim como o Ministério Público, no exercício de sua função de defesa dos interesses sociais e coletivos. Ao final, o Município é competente para aprovar a REURB solicitada. 

2.4 MODALIDADES DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 

A REURB possui duas modalidades, REURB-S: Regularização fundiária de Interesse Social e REURB-E: Regularização Fundiária de Interesse Específico. A primeira, se aplica aos assentamentos informais ocupados majoritariamente por cidadãos de baixa renda, enquanto a segunda aplica-se aos demais casos. Essa diferenciação existe, visto que, na modalidade da REURB-S os custos sempre recaem para o Poder Público e na modalidade da REURB-E, o custo será de seus potenciais beneficiários ou requerentes privados. 

O processo de Regularização Fundiária Urbana compreende várias etapas, tai como: Construção da política, ou apenas revisão no caso dos Municípios que já fazem regularização fundiária; Diagnóstico municipal dos núcleos urbanos; Classificação da modalidade; Notificação dos titulares e responsáveis; Projeto de regularização fundiária; Cadastros necessários; Aprovação da REURB; Registro cartorial e Trabalho social. 

O trabalho social exerce um papel central na conexão entre os moradores e o processo de Regularização Fundiária Urbana, sendo responsável por promover a mobilização comunitária e incentivar a participação ativa dos ocupantes. Suas atividades incluem o apoio à realização do cadastro físico — especialmente quando há necessidade de acesso às unidades habitacionais —, bem como a coleta de informações para o cadastro social, etapa fundamental para a qualificação dos beneficiários e para a efetividade da política pública.

3 A CONCRETIZAÇÃO DAS ZEIS: ENTRE A NORMA E A REALIDADE

ZEIS, é sigla para Zona Especial de Interesse Social, um mecanismo de política urbana que tem por finalidade garantir a moradia digna, acesso à infraestrutura e evitar remoções forçadas de moradores de assentamentos precários. Ao reconhecer o direito à permanência da população de baixa renda em territórios tradicionalmente marginalizados, esse instrumento busca concretizar os princípios da função social da propriedade e do direito à cidade, ambos assegurados pela Constituição Federal de 1988.

Sob essa lógica, esse instituto urbanístico visa romper com o modelo excludente de urbanização brasileira, historicamente marcado pela segregação socioespacial e pela negação de direitos básicos nas periferias urbanas. Para tanto, se faz essencial a participação da população no processo e o comprometimento da gestão pública, como pode ser evidenciado nos exemplos práticos fornecidos por diversas metrópoles brasileiras. 

3.1 ANÁLISE DAS ZEIS NA REGIÃO DE FORTALEZA, CEARÁ. 

Em Fortaleza, no Ceará, a prefeitura disponibiliza em seu site uma ferramenta na qual é possível analisar exemplos de Zonas Especiais de Interesse Social na prática, por exemplo, a ZEIS Lagamar, localizada nos bairros São João do Tauape e Alto da Balança, a qual acolhe dois assentamentos precários, denominados, Lagamar e Santo Expedito, que juntos somam uma população estimada de 11.747 mil habitantes segundo dados divulgados pela prefeitura de Fortaleza. 

É válido ressaltar que, a comunidade de Lagamar foi uma das mais antigas de Fortaleza, com ocupação iniciada na década de 1930 e aumento gradativo a partir das secas ocorridas na década de 50. Ao longo dos anos, a comunidade se destacou pela forte mobilização popular, principalmente contra tentativas de remoção devido à realização de obras públicas. 

Foram justamente essas mobilizações que pressionaram a inclusão do Lagamar como ZEIS no plano diretor de Fortaleza, em diversas reuniões com a prefeitura e câmara municipal, atividades culturais de conscientização por meio de teatro, música e cinema, bem como, o ponto alto que foi uma grande marcha com cerca de 500 pessoas até a câmara municipal. 

Após muito embate com o governo e pressão realizada pelos moradores, foi aprovada a lei complementar específica que finalmente reconheceu a área como ZEIS, tornando a experiência da região referência para outras comunidades, tanto pelo confronto político como pela resistência frente às omissões estatais, além de demonstrar que a efetivação do direito à cidade necessita diretamente do interesse e envolvimento da população. 

Por meio do Decreto nº 14.211 de 2018 foi formado o Conselho Gestor da ZEIS Lagamar, possuindo uma natureza consultiva e deliberativa, o conselho propicia um espaço de participação da comunidade, reunindo-se frequentemente para discutir atividades a serem desenvolvidas pelo Plano Integrado de Regularização Fundiária, desenvolvido pela Universidade Estadual do Ceará. Essa conexão entre a população e a política urbana é essencial para atribuir novo significado à moradia e trazer efetividade ao processo de reestruturação. 

3.2 ANÁLISE DAS ZEIS NA REGIÃO DE RECIFE, PERNAMBUCO. 

Outra cidade nordestina que possui experiência emblemática com a aplicação das ZEIS na prática é Recife, no estado de Pernambuco. Com a criação de um Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis), que nasceu por meio da mobilização da população e da atuação de organizações como a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife, o Prezeis foi institucionalizado em 1987 e reformulado em 1995, com o objetivo de promover a regularização urbanística e fundiária de assentamentos precários, dentro de um sistema de gestão participativa.

O Prezeis conta com instâncias participativas como as Comissões de Urbanização e Legalização (Comul) e o Fórum Permanente do Prezeis, que reúnem representantes comunitários, ONGs, técnicos e membros da administração pública. Apesar do modelo participativo, o plano enfrenta desafios estruturais, como escassez de recursos, baixa articulação institucional, resistência de setores da burocracia estatal e baixa efetividade em regularização fundiária e urbanística.

Outro ponto crítico refere-se à fragilidade do sistema de controle e fiscalização urbana, especialmente em relação aos parâmetros estabelecidos para proteger as ZEIS da especulação. A ausência de investimentos em estrutura administrativa e a falta de integração com outros setores do poder público municipal fragilizam a capacidade do Estado de garantir a permanência da população em áreas valorizadas, abrindo brechas para processos de substituição populacional silenciosa.

Desse modo, apesar do Prezeis ter possibilitado importantes conquistas como a permanência de moradores em áreas centrais, o acesso a financiamento internacional e o reconhecimento institucional de demandas populares, acabou por não se consolidar como prioridade da política habitacional de Recife, muitas vezes sendo deixado em segundo plano pela gestão local. Sem dados recentes sobre a atuação das Comissões de Urbanização e Legalização, é difícil avaliar o nível atual de engajamento das comunidades nas decisões relacionadas às ZEIS. 

Ademais, é fundamental pontuar que a cidade de Recife encerrou 2024 com um aumento de 16,17% nos valores de aluguel residencial, posicionando-se entre as capitais brasileiras com os maiores reajustes, de acordo com o Índice FipeZap de abrangência nacional. Essas dinâmicas de valorização imobiliária impactam diretamente as ZEIS, principalmente aquelas localizadas em áreas centrais com alta demanda. A especulação imobiliária e o aumento dos custos habitacionais podem levar à substituição progressiva da população de baixa renda por grupos com maior poder aquisitivo, contestando os objetivos iniciais do Prezeis de promover a não somente a inserção, mas a permanência da população na área. 

Contudo, a experiência do Prezeis demonstra tanto o potencial das ZEIS como ferramenta de justiça urbana quanto os entraves políticos, institucionais e sociais que desafiam sua efetivação como política estruturante de habitação e inclusão urbana, considerando que, sua plena efetividade depende de um conjunto de condições políticas, técnicas e sociais, requerendo compromisso político, continuidade institucional, comunicação intersetorial e participação popular. Sem esses elementos, mesmo as melhores iniciativas, como o Prezeis, correm o risco de se tornarem promessas não cumpridas no horizonte da justiça urbana.

3.3 ANÁLISE DAS ZEIS NA REGIÃO DE PIRACICABA, SÃO PAULO. 

Em Piracicaba, São Paulo, As ZEIS foram impulsionadas pelo programa Minha Casa Minha Vida em 2009, com a criação de vinte e uma ZEIS voltadas para novas moradias. No entanto, no decorrer dos anos muitas foram localizadas em áreas frágeis, com baixa infraestrutura e inseridas em zonas de forte segregação social. Sendo assim, a facilitação de criação dessa quantidade de ZEIS terminou por ignorar garantias fundamentais que culminaram neste resultado desastroso. 

Diante desse cenário, foi necessária a criação de um índice denominado ISZ (Índice de Sustentabilidade) que analisa compacidade urbana, adequação ambiental, diversidade social e acessibilidade, divididos entre os graus forte, médio e fraco.  Lamentavelmente, o índice apontou que nenhuma das vinte e uma ZEIS criadas atingiu o índice forte, apenas médio e fraco. Sendo assim, a falta de critérios na escolha das áreas e a concentração das ZEIS em regiões desestruturadas e desassistidas comprometem a função social da política habitacional. 

Além disso, cabe destacar que, ao longo do tempo houve um desvirtuamento no uso das ZEIS, sendo utilizadas como ferramentas de interesse privado, que se valem estrategicamente dos incentivos e subsídios como flexibilizações urbanísticas e valorização do solo para viabilizar empreendimentos que não se relacionam com as necessidades sociais. A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik (2015) observa que a apropriação privada do solo urbano, inclusive por meio de instrumentos criados para promover justiça espacial, tem sido um traço marcante do urbanismo neoliberal, no qual o Estado passa a operar em função da lógica do mercado.

Sob essa perspectiva, a professora Emérita, Ermínia Maricato (2011) também denuncia o descolamento entre a política urbana legal e a realidade de um urbanismo excludente e segregador, que ignora a autoconstrução popular e se alia à especulação imobiliária. Esse movimento tem transformado profundamente as práticas de planejamento urbano, afastando as ZEIS de seu propósito original de justiça socioespacial e reforçando dinâmicas de segregação, precariedade e captura do espaço urbano por interesses econômicos.

3.4 ANÁLISE DAS ZEIS NA REGIÃO DE NATAL, RIO GRANDE DO NORTE. 

Outro retrato das ZEIS na prática pode ser analisado no estado do Rio Grande do Norte, na capital Natal, que nomeou como Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) em seu plano diretor. Os maiores avanços na temática foram registrados a partir da primeira revisão do plano diretor dentre os anos de 2004 e 2007, visto que, na revisão houve a criação do Sistema Municipal de Habitação, da Campanha Nacional Plano Diretor Participativo e formulação da Política de Habitação de Interesse Social para o Município de Natal (PHIS). 

Os estudos feitos pelos institutos mencionados trouxeram dados e avaliações que identificaram lacunas na caracterização das AEIS natalenses, por exemplo, a existência de assentamentos com diferentes graus de irregularidade e informalidade, ocupados majoritariamente por populações com renda de até três salários-mínimos. No entanto, tais áreas não haviam sido classificadas como AEIS, uma vez que não se enquadravam nas tipologias estabelecidas pelo Plano Diretor em 1994, como favelas, vilas ou loteamentos irregulares. Diante dessa constatação, tornou-se necessário aprofundar a análise das dimensões social e urbanística do município, de modo a ampliar os critérios de identificação e reconhecimento dessas áreas no âmbito das políticas públicas, além de culminar na criação de mais categorias de AEIS que abarcaram os bairros Rocas e Santos Reis.

Importante frisar que, uma das categorias criadas foi impulsionada pelos moradores da região do Gramorezinho, no bairro Lagoa Azul, pois encontravam-se com dificuldade de se encaixar nas definições pré-estabelecidas até então, visto que, toda a área do município era considerada como urbana apesar de essa região em específico ser marcada pelo cultivo e comercialização de hortaliças, tornando difícil a beneficiação da área em políticas agrícolas. Sendo assim, surgiu a delimitação de AEIS voltada para o foco de segurança alimentar, demonstrando mais uma vez a importância da comunicação entre a população e as políticas de urbanização. Afinal, para que seja considerado de fato um avanço é preciso que faça sentido e seja eficaz para quem irá residir na região, considerando aspectos econômicos e sociais. 

O Plano Diretor de Natal foi revisado novamente em 2017 e enfrentou inúmeros empecilhos, além do período da pandemia, finalizando o processo de revisão apenas em 2022. Alguns avanços conquistados pela Agenda Popular do Plano Diretor foram: A inclusão de uma nova categoria de AEIS, voltada para comunidades litorâneas responsáveis pela pesca artesanal assegurando a conservação ambiental e consolidação das AEIS constituídas de áreas que concentram imóveis não edificados ou vazios que devem ser destinadas à implementação de empreendimentos de Habitação de Interesse Social (HIS). 

Nesta última revisão, observou-se um ambiente frágil e indiferente no que diz respeito ao poder público, com pouco interesse em regulamentar as áreas e aprovar critérios que visam minimizar a especulação imobiliária nos territórios das AEIS. Essa postura inerte por parte da administração pública acaba por comprometer significativamente o avanço das Zonas Especiais de Interesse Social, esvaziando sua potencialidade como instrumento de inclusão socioespacial.

Este cenário não é exclusivo de uma localidade, visto que, se repete nas cidades analisadas, revelando um padrão alarmante de negligência institucional. É possível analisar grandes lapsos temporais, normalmente superiores há uma década e notar poucos avanços concretos sendo efetivados. Essa estagnação é, além de lamentável, profundamente desmotivadora, sobretudo diante da relevância das ZEIS no contexto do planejamento urbano. 

3.5 O FENÔMENO DA GENTRIFICAÇÃO DENTRO DO CENÁRIO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. 

A gentrificação é denominada como um processo de transformação urbana caracterizado pela valorização imobiliária de determinadas áreas, geralmente centrais ou com infraestrutura consolidada, que leva à substituição da população de baixa renda por grupos com maior poder aquisitivo. 

Consequentemente, o referido fenômeno resulta, muitas vezes, na expulsão indireta dos moradores originais, devido ao aumento dos custos de vida e à reconfiguração do território para atender interesses de mercado. Embora as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) tenham sido criadas justamente para garantir a permanência da população vulnerável e a proteção contra a especulação imobiliária, elas também podem se tornar suscetíveis a esse fenômeno, indo de encontro ao seu propósito inicial. 

Isso acontece em virtude da valorização do solo decorrente da regularização fundiária, da melhoria da infraestrutura ou da proximidade com áreas em processo de requalificação urbana. Sem mecanismos efetivos de controle social, regulação do mercado e garantia de permanência, o risco é que as ZEIS deixem de cumprir sua função social original e passem a servir como vetor de transformação do espaço urbano em benefício de agentes privados, como já foi vislumbrado em algumas cidades analisadas anteriormente, como Piracicaba, São Paulo. 

A ausência de políticas complementares, como subsídios habitacionais, controle de aluguéis ou apoio à economia local, contribui para esse deslocamento silencioso da população vulnerável, esvaziando o potencial das ZEIS como instrumento de justiça territorial.

Dessa forma, as ZEIS deveriam estar mais concretizadas nas políticas municipais, se traduzindo não somente nas normas, mas também em ações coordenadas, investimentos e participação efetiva da sociedade. O descompasso entre a teoria e a prática revela, portanto, uma lacuna que exige enfrentamento urgente.

4 PERSPECTIVAS E PROPOSTAS

Sob esse raciocínio, reconhece-se que as Zonas Especiais de Interesse Social, instituídas no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), são instrumentos fundamentais da política urbana brasileira. As referidas zonas têm como objetivo a promoção do direito à cidade, permitindo que populações de baixa renda possam ter acesso à terra urbanizada de forma regularizada e a serviços públicos adequados. 

No entanto, apesar do potencial das ZEIS, elas enfrentam desafios consideráveis no processo de implementação e na garantia de uma melhoria efetiva na qualidade de vida das populações beneficiadas. A seguir, exploram-se as principais perspectivas e propostas relacionadas às ZEIS no Brasil, com foco em quatro áreas centrais: fortalecimento da legislação local sobre ZEIS, adoção de planos diretores mais inclusivos, maior transparência e participação popular nos processos e a integração entre políticas habitacionais, ambientais e urbanísticas.

Por conseguinte, a legislação federal que regulamenta as ZEIS é um ponto de partida crucial, contudo, a eficácia dessa legislação depende de sua aplicação no nível municipal. Em vista disso, o fortalecimento da legislação local sobre ZEIS envolve a adaptação e a complementação das normativas para refletir as realidades e necessidades específicas de cada cidade, sobretudo nas grandes metrópoles e regiões metropolitanas, onde o déficit habitacional é mais acentuado. Consequentemente, a criação de políticas públicas locais claras e robustas, que regulamentem o uso do solo e assegurem os direitos de ocupação das famílias de baixa renda, é essencial.

A partir dessa análise, a adoção de planos locais de regularização fundiária, além de fortalecer as ZEIS, pode permitir que as populações vulneráveis não apenas tenham acesso à um local para simplesmente residir, mas também usufruam da infraestrutura necessária para prosperar. De acordo com Santos e Silva (2020), é necessário que os municípios elaborem legislação local que seja eficaz no controle do uso do solo e que, ao mesmo tempo, leve em consideração as especificidades sociais e culturais das áreas afetadas, de forma que, por exemplo, não torne a acontecer o que foi discutido anteriormente pela população de Gramorezinho, em Natal, Rio Grande do Norte. 

À luz dessa consideração, a legislação local também deve garantir que os projetos de urbanização nas ZEIS respeitem os direitos de uso da terra, evitando processos de gentrificação ou expulsão das populações de baixa renda. A questão fundiária nas ZEIS precisa ser tratada com uma visão holística, que contemple não apenas a moradia, mas também a construção de uma rede de serviços urbanos que atenda às necessidades da população.

Sob essa ótica, os planos diretores são os principais instrumentos de planejamento urbano no Brasil. Eles devem, de acordo com o Estatuto da Cidade, ser elaborados com a participação da sociedade e estabelecer diretrizes para o ordenamento do território. No entanto, muitos planos diretores ainda não incorporam adequadamente as ZEIS ou fazem isso de forma superficial, sem considerar as especificidades sociais e econômicas das populações que habitam essas áreas. Os períodos de revisão desses planos diretores são uma oportunidade de aperfeiçoar esse quesito. 

A proposta de adoção de planos diretores mais inclusivos envolve não apenas a reserva de áreas para ZEIS, mas também a integração dessas zonas a uma visão mais ampla de desenvolvimento urbano. É fundamental que esses planos promovam a inserção das ZEIS no tecido urbano da cidade, sem segregação espacial ou social. Para tanto, é necessário que as zonas de interesse social sejam dotadas de infraestrutura adequada e conectadas a áreas de oportunidade, como centros comerciais e redes de transporte público. Tendo em vista que, não adianta ofertar moradia em uma região completamente isolada e desprovida de conexão com o restante da cidade. 

Sob esse enfoque, os planos diretores devem incorporar soluções sustentáveis que contemplem o uso racional dos recursos naturais e o enfrentamento das mudanças climáticas. A inclusão das ZEIS nesses planos pode ser vista como uma oportunidade de promover a justiça social e ambiental, visto que, os assentamentos informais acabam sendo construídos da forma que é possível pela população, visando prioritariamente a sua sobrevivência e deixando o meio ambiente de lado, causando impactos ambientais que se prolongam no tempo. 

Com base nesse entendimento, os estudos de Souza e Lima (2019) apontam que a inclusão das ZEIS nos planos diretores urbanos tem o potencial de transformar o modelo de desenvolvimento das cidades brasileiras, criando espaços mais justos, acessíveis e integrados.

A participação popular e a transparência nos processos de planejamento urbano são fundamentais para garantir que as políticas de ZEIS realmente atendam às necessidades das populações vulneráveis. A falta de participação das comunidades nas decisões sobre as ZEIS muitas vezes resulta em projetos que não consideram suas reais necessidades e demandas. É possível notar, através da análise feita de cidades brasileiras, que o envolvimento popular foi crucial para todos os avanços observados. Desse modo, é preciso proporcionar os espaços para que os moradores se comuniquem com a gestão, como o estabelecimento de conselhos em cada ZEIS, com representantes responsáveis por colher as dores e ideias da população e levá-las para os governantes. 

Em decorrência disso, uma das propostas centrais para fortalecer as ZEIS é a ampliação dos espaços de participação social não só posteriormente, mas também durante o processo de elaboração e implementação dos planos urbanos. O envolvimento ativo das comunidades afetadas, especialmente as organizações da sociedade civil, associações de moradores e movimentos sociais, é essencial para moldar as políticas públicas às realidades locais. Dessa maneira, a participação pode ocorrer por meio de audiências públicas, consultas populares e fóruns de discussão, onde as pessoas tenham voz ativa na definição das prioridades e soluções.

Cabe destacar que, a transparência nos processos de planejamento urbano também deve ser garantida, com a divulgação clara e acessível de informações sobre os projetos e suas etapas de implementação. Isso envolve a publicação de estudos e relatórios sobre os impactos ambientais, sociais e econômicos das intervenções nas ZEIS, permitindo que a população acompanhe a execução das políticas e possa questionar ou sugerir modificações.

Segundo Silva et al. (2021), a participação popular nas decisões urbanísticas fortalece a legitimidade dos projetos e contribui para a construção de cidades mais inclusivas e equitativas. A participação efetiva das comunidades nas ZEIS pode resultar em um planejamento mais eficaz e adaptado às suas necessidades reais.

Nesse sentido, a integração entre políticas habitacionais, ambientais e urbanísticas é uma proposta essencial para a efetivação das ZEIS no Brasil. As áreas destinadas a ZEIS muitas vezes estão localizadas em zonas marginalizadas, que sofrem com problemas ambientais graves, como a falta de infraestrutura básica e a degradação ambiental, além de colocar em risco a segurança dos moradores. Portanto, é fundamental que as políticas públicas considerem não apenas a construção de moradias, mas também a preservação e melhoria do meio ambiente, criando um ambiente urbano saudável e sustentável.

Desse modo, a integração entre essas políticas pode se dar por meio de estratégias como a promoção de soluções ecológicas e de baixo impacto ambiental, como a construção de sistemas de drenagem urbana sustentáveis, o uso de tecnologias verdes e a recuperação de áreas degradadas. A criação de espaços públicos, áreas de lazer e a promoção de uma mobilidade urbana sustentável também devem ser contempladas nas ZEIS.

A partir disso, é fundamental que as políticas habitacionais considerem a preservação ambiental, evitando a ocupação desordenada e o impacto negativo sobre os recursos naturais. A integração entre as políticas habitacionais e ambientais pode contribuir para um modelo de urbanização mais equilibrado e sustentável.

Segundo Pereira e Costa (2018), a integração entre as políticas habitacionais, ambientais e urbanísticas é fundamental para criar cidades mais inclusivas e resilientes, capazes de enfrentar os desafios contemporâneos relacionados à mudança climática e ao crescimento urbano desordenado.

5 CONCLUSÃO

As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) configuram-se como um dos instrumentos mais relevantes da política urbana brasileira voltada à regularização fundiária de assentamentos informais e efetivação do direito à moradia. Ao longo deste artigo, foram analisados os fundamentos jurídicos das ZEIS, suas possibilidades de aplicação, experiências concretas em diferentes cidades e os principais entraves enfrentados para sua efetividade. Os exemplos de Fortaleza, Recife, Piracicaba e Natal ilustram tanto o potencial transformador quanto as limitações estruturais do instrumento, revelando um cenário de profundas contradições entre a normatividade urbanística e a realidade social.

Embora as ZEIS representem um avanço no reconhecimento do direito à cidade, é evidente que, por si só, elas não são suficientes para superar as desigualdades urbanas historicamente consolidadas. Sua implementação eficaz depende de um conjunto de fatores interligados, entre os quais se destacam a vontade política, o comprometimento institucional, a participação ativa das comunidades e a articulação com políticas públicas integradas de habitação, infraestrutura e meio ambiente. A ausência ou fragilidade desses elementos tem comprometido a consolidação das ZEIS como política estruturante, reduzindo-as, em muitos casos, a meras previsões legais sem aplicação concreta ou, pior ainda, a instrumentos capturados por interesses privados e dissociados das necessidades sociais.

Nesse sentido, a persistente distância entre o que está previsto na legislação e o que se observa nas cidades demonstra que o direito à cidade, apesar de constitucionalmente assegurado, ainda é um direito negado a grande parte da população urbana brasileira. A moradia adequada, a permanência em territórios consolidados, o acesso a serviços e oportunidades urbanas são expressões de um direito coletivo e difuso, que exige respostas públicas concretas e contínuas. É, portanto, urgente superar a inércia estatal e os usos oportunistas das ZEIS, resgatando seu propósito original de inclusão e equidade.

Sob essa visão, para que seja cumprida sua função de garantir moradia digna às populações de baixa renda, é necessário que haja um fortalecimento da legislação local, a adoção de planos diretores mais inclusivos, a promoção da transparência e da participação popular nos processos e a integração entre as políticas habitacionais, ambientais e urbanísticas. Apenas assim será possível transformar as ZEIS de promessas normativas em realidades justas e sustentáveis, capazes de materializar o direito à cidade em sua plenitude.

Diante disso, compreende-se que o fortalecimento das ZEIS depende de um novo pacto urbano, em que o planejamento seja efetivamente democrático, o solo urbano não seja tratado como mera mercadoria, e os espaços da cidade estejam a serviço da dignidade humana. Essas medidas podem contribuir para a construção de cidades mais justas, sustentáveis e inclusivas, onde as ZEIS sejam um ponto de partida para a transformação do espaço urbano em benefício das populações mais vulneráveis.

REFERÊNCIAS

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