REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202504270658
Tayline Luiza Rocha Morais1
Aline de Assis Rodrigues do Amaral Muniz2
RESUMO
O presente trabalho tem como tema central o Direito da Moda, ramo emergente da propriedade intelectual voltado à proteção das criações e identidades visuais no setor fashion. A pesquisa busca analisar como esse campo jurídico tem sido aplicado na resolução de litígios envolvendo marcas renomadas e elementos distintivos de design, diante do crescente número de disputas relacionadas à concorrência desleal, apropriação indevida de trade dress e uso de sinais distintivos. O objetivo geral consiste em compreender a atuação do Fashion Law como instrumento de garantia à originalidade e à reputação das marcas, por meio da análise de casos emblemáticos que contribuíram para sua consolidação. A metodologia utilizada foi qualitativa, com abordagem teórico-descritiva e fundamentada em pesquisa bibliográfica e documental. Foram estudados três litígios paradigmáticos: Louboutin x YSL, envolvendo o uso exclusivo de cor como marca registrada; Hermès x Village 284, que trata da proteção autoral de design de bolsas de luxo; e Acrianas x Havaianas, caso brasileiro que discute o limite entre inspiração regional e violação de marca de alto renome. Os resultados evidenciam que o Judiciário tem reconhecido a importância de proteger elementos de identidade visual na moda, ao mesmo tempo em que busca evitar abusos que restrinjam a livre concorrência. Conclui-se que o Direito da Moda desempenha papel fundamental na promoção da inovação, no estímulo ao empreendedorismo criativo e na valorização das expressões culturais legítimas dentro do mercado da moda.
PALAVRAS-CHAVE: Fashion Law. Propriedade intelectual. Marca registrada. Concorrência desleal. Trade dress.
ABSTRACT
This study focuses on Fashion Law as its central theme, an emerging branch of intellectual property law dedicated to protecting creations and visual identities within the fashion industry. The research aims to analyze how this legal field has been applied in resolving disputes involving renowned brands and distinctive design elements, considering the increasing number of conflicts related to unfair competition, misappropriation of trade dress, and the use of distinctive signs. The general objective is to understand the role of Fashion Law as a tool to ensure brand originality and reputation, through the analysis of emblematic cases that have contributed to its consolidation. The methodology adopted was qualitative, with a theoretical-descriptive approach and based on bibliographic and documentary research. Three landmark legal cases were examined: Louboutin v. YSL, involving the exclusive use of a color as a registered trademark; Hermès v. Village 284, which addresses copyright protection of luxury handbag designs; and Acrianas v. Havaianas, a Brazilian case discussing the boundary between regional inspiration and infringement of a well-known trademark. The results show that the judiciary has recognized the importance of protecting visual identity elements in fashion, while also seeking to avoid abuses that could hinder free competition. It is concluded that Fashion Law plays a crucial role in promoting innovation, supporting creative entrepreneurship, and valuing legitimate cultural expressions within the fashion market.
KEYWORDS: Fashion Law. Intellectual property. Trademark. Unfair competition. Trade dress.
1. INTRODUÇÃO
A indústria da moda movimenta bilhões de dólares por ano e influencia comportamentos sociais, culturais e econômicos em escala global. Nesse contexto, a moda ultrapassa sua função estética ou funcional e passa a integrar o campo da criação intelectual, sendo considerada uma forma legítima de expressão artística e de valor comercial. Diante da crescente profissionalização do setor e da disputa por identidade visual, originalidade e prestígio de marca, o Direito da Moda (Fashion Law) surge como um ramo emergente e essencial para assegurar a proteção jurídica das criações, coibir práticas abusivas e promover uma concorrência leal no mercado.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a consolidação do Fashion Law como campo autônomo no âmbito da propriedade intelectual, a partir do estudo de litígios judiciais envolvendo grandes marcas e disputas por design, marca registrada e concorrência desleal.
Como objetivos específicos, pretende-se: compreender os conceitos fundamentais do Direito da Moda e sua relação com os direitos autorais, marcas e trade dress; identificar os principais instrumentos jurídicos utilizados na proteção das criações no setor fashion; analisar, à luz da jurisprudência, casos emblemáticos como Louboutin x YSL, Hermès x Village 284 e Acrianas x Havaianas; refletir sobre os limites entre inspiração legítima e imitação ilícita no design de moda.
A justificativa da pesquisa reside na crescente relevância do setor da moda para a economia criativa, bem como no aumento dos litígios envolvendo infrações a marcas e cópias de elementos visuais, em um cenário em que a estética é, muitas vezes, o principal ativo de uma marca, torna-se imprescindível compreender como o Direito pode (e deve) proteger tais expressões, garantindo segurança jurídica e valorizando o trabalho criativo.
O problema de pesquisa que orienta esta investigação é: De que maneira o Direito da Moda tem sido aplicado no Brasil e no exterior para proteger elementos distintivos como marca, design e identidade visual frente à concorrência desleal e ao uso indevido por terceiros?
Quanto à metodologia, trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, com abordagem teórico-descritiva, baseada em levantamento bibliográfico e documental, foram utilizados doutrinas jurídicas, artigos científicos, legislações e decisões judiciais relacionadas ao tema, a análise dos casos emblemáticos permite a reflexão crítica sobre a aplicação prática dos princípios do Fashion Law no contexto contemporâneo, contribuindo para o desenvolvimento acadêmico e profissional nessa área.
2. A MODA E O DIREITO DA MODA
A palavra “moda” tem origem no latim modus, que significa “modo” ou “maneira”, De acordo com Limeira, Lobo e Marques (2014), a moda pode ser entendida como uma forma de linguagem não verbal, que expressa diferenciação, ela reflete distintas maneiras de pensar, agir, vestir-se, comportar-se e comunicar-se.
Como meio de comunicação, a moda assume variados significados, desde a revolta e contestação até o conformismo, no entanto, como estilo de vida, ela se manifesta nas escolhas que fazemos em relação a roupas, sapatos, penteados, músicas e outros aspectos do nosso cotidiano. Ao complementar o pensamento, Lars Svendsen (2010, p. 12) diz que:
Moda é um termo notoriamente difícil de definir com precisão, e é extremamente duvidoso que seja possível descobrir as condições necessárias e suficientes para que possamos considerar, de forma embasada, que alguma coisa está “na moda” (Svendsen, 2010, p. 12).
Um aspecto fundamental a ser destacado na definição de moda é que ela está presente no cotidiano de todos, influenciando não apenas acessórios e roupas, mas diversos outros elementos da vida diária.
2.1 Fashion Law
O direito desempenhou um papel crucial ao longo da história na consolidação do poder da moda, desde a proteção da exclusividade de certos tecidos por classes sociais específicas até a atual disputa pelos solados vermelhos, ao longo do tempo, surgiram diversos conflitos, refletindo a influência da legislação sobre a moda. Por exemplo, a questão dos solados vermelhos será abordada em um capítulo específico.
O Fashion Law, ou Direito da Moda, é uma área especializada que lida com as relações jurídicas dentro da indústria da moda, sua origem oficial remonta aos anos 2000, quando a professora e advogada Susan Scafidi criou um blog com o propósito de integrar o direito à comunidade da moda, a importância do Fashion Law reside em sua capacidade de regulamentar e proteger os interesses da indústria, abordando questões como propriedade intelectual, contratos e direitos de imagem.
(…) o Fashion Law surge como um ramo mercadológico capaz de abranger e elucidar as questões e as demandas existentes na indústria da moda e que não são sanadas pelo direito comum. É importante ressaltar que a moda se torna íntima ao mundo do direito, relacionando-se com o direito empresarial e direito penal, por exemplo, que neste último caso, visa a suprimir os casos de pirataria e falsificação (Andrade, 2019, p. 18).
Ao complementar a sua definição, Souza (2019, p.3) diz que:
Em outras palavras, o fashion law é o estudo do direito consoante a realidade apresentada por essa indústria, a qual revela questões jurídicas presentes desde a obtenção de matéria-prima até problemas ambientais ligados ao incorreto descarte de resíduos têxteis. Do mesmo modo, para responder às mais diversas necessidades, é interdisciplinar, abrangendo diversos campos do direito, dentre outros, a área de propriedade intelectual e de contratos, o direito do trabalho, o direito da publicidade, o direito do comércio exterior, o direito ambiental, o direito tributário e o direito penal.
No Brasil, não existem ainda normas jurídicas específicas quanto ao direito da moda, contudo, existe no ordenamento guaritas que são capazes de garantir o crescimento do setor, assim como incentivar a inovação (Silva, 2018).
A temática Direito da Moda em âmbito brasileiro ainda está em processo de difusão, e somente começou a ser explorado em 2012, enfrentando um processo de adaptação jurídica, insta ressaltar que, a maioria das questões da moda estão relacionadas também com o Direito Empresarial, visto que, “o processo criativo é a mãe de toda coleção bem-sucedida” (Silva, 2018).
Assim sendo, resta evidente que, o Direito da Moda não se limita a indicar tendências de vestuário, ele abrange questões complexas como trabalho análogo à escravidão, proteção de marcas e desenhos industriais, e direitos autorais, esses aspectos são fundamentais para garantir a identificação e associação de um produto ou serviço a uma marca específica, seja por características visuais, cor, logomarca, disposições do rótulo, ou até mesmo por fragrâncias exclusivas (Gomes; Carvalho, 2015).
Ademais, no Brasil, o Direito da Moda é tratado de forma sistêmica, sem uma legislação específica que o regule diretamente, assim sendo, a proteção é abordada conforme as circunstâncias de cada caso.
3. PROPRIEDADE INTELECTUAL E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
A propriedade intelectual é um mecanismo de proteção jurídica que surge a partir da criação e do esforço intelectual do ser humano. Vale destacar que a própria convenção que a instituiu não a define de maneira rígida, mas apresenta um rol exemplificativo de direitos a ela relacionado. Complementando essa perspectiva, observa-se que:
Propriedade Intelectual é o conceito relacionado com a proteção legal e reconhecimento de autoria de obra de produção intelectual tais como invenções, patentes, marcas, desenhos industriais, indicações geográficas e criações artísticas e garante ao autor o direito, por um determinado período, de explorar economicamente sua própria criação (Portal da Indústria, s.d).
O principal objetivo da propriedade intelectual é resguardar a criação de um indivíduo contra a exploração não autorizada por terceiros, garantindo ao criador o direito de obter retorno econômico sobre sua obra, tal proteção se justifica como forma de recompensar o tempo, esforço e recursos investidos no desenvolvimento da criação. Além disso, a propriedade intelectual assegura ao titular o direito de exploração exclusiva por um período determinado, conforme estabelecido na legislação.
No Brasil, a proteção à propriedade intelectual está prevista no artigo 5º da Constituição Federal, que dispõe:
XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
(…)
XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País (Brasil, 1988).
Ao analisar os artigos mencionados, observa-se que a propriedade intelectual visa garantir ao criador o direito exclusivo de uso e exploração de sua obra.
É importante destacar que a propriedade intelectual se divide em duas categorias principais: os direitos autorais e os direitos da propriedade industrial. Dessa forma, pode-se afirmar que ela representa a proteção conferida às criações do intelecto, conforme discorre Barbosa (2009, p. 09):
A propriedade intelectual […] aglutina tanto a proteção da propriedade industrial, quanto a proteção à propriedade literária e artística, além de algumas outras espécies sui generis. E, mesmo considerando a diversidade de objetos e institutos jurídicos compreendidos pelo mesmo termo, observamos que o elemento comum é ainda mais forte do que as diferenciações apresentadas pelas espécies.
O direito autoral é protegido pela Lei nº 9.610/1998, que regula a salvaguarda das criações de natureza artística e literária, garantindo a proteção das obras intelectuais voltadas à apreciação estética.
Por outro lado, a propriedade industrial abrange a proteção de criações ligadas ao setor produtivo, incluindo patentes, desenhos industriais, modelos de utilidade e indicações geográficas, essa conceituação está expressamente prevista no artigo 2º da Lei nº 9.279/1996:
Art. 2º. A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, efetua-se mediante: I – concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; II – concessão de registro de desenho industrial; III – concessão de registro de marca; IV – repressão às falsas indicações geográficas; V – repressão à concorrência desleal (Brasil, 1996).
Assim sendo, a propriedade industrial tem por objetivo os produtos de outros idênticos ou semelhantes, protegendo o consumidor de adquirir um produto fraudulento, bem como, protege os fabricantes e comerciantes quanto à concorrência desleal.
3.1 Design de moda e Propriedade Intelectual
A proteção da moda pelo direito da propriedade intelectual se justifica devido à natureza efêmera das estações e ao ciclo acelerado de renovação dos produtos, o que favorece a reprodução indevida e a concorrência desleal.
Diante desse contexto, é fundamental compreender o conceito de moda, no meio acadêmico, sua definição é objeto de intensos debates, pois se trata de um conceito dinâmico que se transforma ao longo do tempo, ao passo que, no passado, a moda estava diretamente vinculada ao vestuário; contudo, atualmente, abrange diversos segmentos e reflete as mudanças no estilo de vida da sociedade (Aragão; Lopes, 2012).
De maneira geral, moda pode ser definida como um uso, costume ou hábito que se torna predominante em determinada região e período, trata-se de uma tendência amplamente adotada pela sociedade, influenciando comportamentos e padrões culturais: “A moda não é apenas vestir. É um conjunto de informações que guiam comportamentos e costumes. Além de roupa e adornos, pode incluir também a literatura, a música e os hábitos, entre outros. Na moda, tudo muda com o tempo e a cada época significa uma nova tendência” (Aragão; Lopes, 2012, p. 48).
É importante destacar que as atividades econômicas relacionadas à indústria da moda são amplas e abrangem toda a cadeia produtiva, desde a criação até a comercialização, assim, a moda se consolidou como um fenômeno complexo, repleto de particularidades, exercendo grande influência tanto na economia quanto na sociedade.
Nesse contexto, a proteção do design de moda torna-se essencial para inibir a reprodução indevida, evitar prejuízos aos criadores e preservar a integridade do mercado, garantindo um ambiente mais justo e sustentável para o setor.
4. CASOS EMBLEMÁTICOS ENVOLVENDO O DIREITO DA MODA E A EXISTÊNCIA DE LACUNAS
A disputa entre Christian Louboutin e Yves Saint Laurent (YSL) é amplamente reconhecida como um dos litígios mais emblemáticos do Direito da Moda, sendo frequentemente citada como um caso paradigmático na consolidação dessa área jurídica.
A controvérsia teve início quando a Louboutin, marca internacionalmente conhecida por seus sapatos de luxo com solado vermelho característico, registrou esse elemento distintivo nos Estados Unidos como uma marca comercial, esse detalhe, além de ser um diferencial estético, tornou-se um símbolo de exclusividade e identidade da grife.
No ano de 2011, a Yves Saint Laurent relançou uma coleção de sapatos monocromáticos, que incluía modelos inteiramente vermelhos, ou seja, com solado e cabedal na mesma tonalidade, esse lançamento gerou um conflito jurídico, pois a Louboutin alegou que o uso do solado vermelho por outra marca violava seus direitos de propriedade intelectual.
Em resposta, a YSL apresentou contestação acompanhada de pedido reconvencional, negando todas as acusações e requerendo a anulação do registro do solado vermelho sob o argumento de que uma única cor não poderia ser apropriada exclusivamente por uma marca dentro do setor da moda.
Na primeira instância, o tribunal decidiu favoravelmente à YSL, reconhecendo seu direito de continuar fabricando sapatos monocromáticos, incluindo os modelos inteiramente vermelhos, e determinando a revogação do registro da Louboutin sobre o solado vermelho, no entanto, a Louboutin recorreu da decisão, e o tribunal superior reformou parcialmente a sentença, reconhecendo a validade do registro da marca para o solado vermelho aplicado exclusivamente em sapatos de cor contrastante.
Diante dessa nova decisão, a YSL interpôs novo recurso e obteve o direito de continuar comercializando seus sapatos monocromáticos inteiramente vermelhos, uma vez que o uso da cor, nesse caso, não configurava violação da marca registrada da Louboutin, esse julgamento estabeleceu um importante precedente sobre os limites da proteção de cores como marca registrada na moda e a necessidade de se considerar o contexto do uso para evitar restrições excessivas à concorrência.
Outro caso emblemático se refere à Hermès x Village 284, o litígio teve início em 2011, impulsionado por disputas relacionadas à reprodução de elementos icônicos no mercado de moda brasileiro, em um caso de grande relevância para o Direito da Moda, a empresa francesa Hermès International moveu ação judicial contra a marca brasileira Village 284, sediada em São Paulo, culminando no processo nº 0187707-59.2010.8.26.0100 (Eduarda, 2021).
A controvérsia decorreu da fabricação e comercialização de bolsas pela Village 284, cujos modelos apresentaram forte semelhança com os renomados designers Birkin e Kelly, da Hermès, essas bolsas são amplamente reconhecidas como símbolos de luxo e exclusividade, características que elevam seu valor de mercado e consolidam a identidade da grife francesa no segmento de alta costura (Eduarda, 2021).
A Hermès alegou que a Village 284 estaria reproduzindo indevidamente traços distintivos de suas criações, configurando concorrência desleal e violação de trade dress, o processo resultou em um julgamento que trouxe importantes reflexões sobre os limites da inspiração na moda e a proteção de design no Brasil:
DIREITOS AUTORAIS. Bolsas Hermès. Ação declaratória. Reconvenção. Pedido para que a autora se abstenha de produzir, importar, exportar, comercializar produtos que violem direitos autorais da Hermès sobre as bolsas Birkin ou qualquer outro produto de titularidade da Hermès. Preliminares de cerceamento de defesa. Sentença extra petita. Ausência de nomeação à autoria e ilegitimidade passiva. Preliminares afastadas. Bolsas Hermès. Ação declaratória e Reconvenção. Reconvenção procedente – Bolsas Hermès constituem obras de arte protegidas pela lei de direitos autorais. Obras que não entraram em domínio público. Proteção garantida pela Lei 9.610/98. A proteção dos direitos de autor independe de registro. Autora/Reconvinda que produziu bolsas muito semelhantes às bolsas fabricadas pelas rés/reconvintes. Imitação servil. Concorrência desleal configurada. Aproveitamento parasitário evidenciado. Compatibilidade de infração concorrencial com violação de direito autoral reconhecida. Dever de a autora/reconvinda se abster de produzir, comercializar, importar, manter em depósito produtos que violem os direitos autorais da Hermès sobre a bolsa Birkin ou qualquer outro produto de titularidade das rés/reconvintes. Indenização por danos materiais e morais. Condenação mantida. Recurso desprovido. (TJ –SP. APL: 01877057592108260100 SP 0187707-59.2010.8.26.0100, Relator: Costa Netto, DJ: 16/08/2016, DP: 17/08/2016).
A decisão judicial reconheceu a prática de aproveitamento parasitário por parte da empresa brasileira, caracterizando uma conduta desleal ao obter vantagem econômica indevida em um segmento que não lhe era legítimo, a Village 284 foi considerada responsável por se beneficiar da reputação consolidada da Hermès, uma marca de alto renome no mercado de luxo, explorando indevidamente sua notoriedade para alavancar suas próprias vendas.
Um aspecto fundamental da sentença foi o reconhecimento de que os modelos Birkin e Kelly estão protegidos pelo direito autoral, dada sua originalidade e caráter distintivo, com base nessa proteção, a Village 284 foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, como forma de compensação pelos prejuízos causados à Hermès (Eduarda, 2021).
A análise comparativa das bolsas evidencia a notável semelhança entre os produtos, o que poderia induzir o consumidor ao erro, levando-o a acreditar que as bolsas fabricadas pela Village 284 possuíam algum vínculo com a Hermès ou eram autênticas criações da grife francesa, esse fator não apenas compromete a identidade exclusiva da marca original, mas também afeta sua reputação e prejudica seu valor de mercado, caracterizando concorrência desleal (Eduarda, 2021).
Dessa forma, os casos analisados evidenciam que o Direito da Moda é um campo interdisciplinar, que perpassa o direito empresarial, civil, do consumidor e da propriedade intelectual, exigindo uma abordagem sensível aos contextos de criação, circulação e consumo. Como observa Marques (2015), a judicialização da moda não pode ser meramente repressiva, mas sim educativa e regulatória, promovendo um mercado mais ético, competitivo e inovador.
Os casos apresentados demonstram como a moda ultrapassa os limites do estilo e do mercado, tornando-se objeto de disputas jurídicas complexas, que envolvem não apenas o uso indevido de marcas registradas, mas também temas como concorrência desleal, aproveitamento parasitário e proteção ao design autoral (Diniz, 2018).
Ao mesmo tempo em que o ordenamento jurídico busca garantir a exclusividade e a originalidade das criações, é preciso atentar-se para os riscos da excessiva restrição à concorrência e à liberdade criativa, sobretudo em contextos onde elementos culturais e regionais estão presentes, como no caso da marca “Acrianas” (Diniz, 2018).
O equilíbrio entre a proteção da propriedade intelectual e a liberdade de expressão estética no mercado da moda continua sendo um dos maiores desafios enfrentados por juristas, empreendedores e artistas do setor (Diniz, 2018).
Ademais, nota-se que a atuação do Poder Judiciário, ao decidir sobre esses litígios, tem contribuído não apenas para pacificar relações comerciais conflituosas, mas também para consolidar princípios fundamentais do Fashion Law no Brasil e no mundo, fortalecendo a compreensão da moda como campo legítimo de criação intelectual e inovação econômica.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve como finalidade examinar como o Direito, por meio da proteção da propriedade intelectual, responde à dinâmica acelerada da indústria da moda, caracterizada por inovação constante, efemeridade das tendências e grande competitividade, por meio da análise teórica e de casos emblemáticos, observou-se que o Fashion Law constitui um campo emergente e indispensável para a preservação dos direitos dos criadores e para a regulação de práticas comerciais éticas no setor.
A moda, enquanto fenômeno cultural e econômico demanda um tratamento jurídico específico, que leve em consideração tanto a liberdade de criação quanto a necessidade de coibir práticas como a concorrência desleal, o aproveitamento parasitário e a imitação servil. A partir dos casos analisados, Louboutin x YSL, Hermès x Village 284, identificaram-se não apenas os limites da proteção jurídica no setor, mas também a importância do contexto sociocultural, da intencionalidade e da percepção do consumidor na configuração de infrações (Diniz, 2018).
O estudo reforça que a propriedade intelectual é peça-chave na proteção da identidade das marcas e da originalidade criativa, mas que, ao mesmo tempo, deve ser aplicada com equilíbrio, evitando excessos que possam inibir a concorrência saudável e a expressão cultural legítima, a consolidação do Fashion Law como área autônoma do Direito revela-se, portanto, não apenas como uma tendência acadêmica, mas como uma resposta concreta às demandas jurídicas geradas por um setor em constante transformação (Diniz, 2018).
Por fim, conclui-se que o fortalecimento dessa área exige maior difusão do conhecimento jurídico aplicado à moda, capacitação dos operadores do Direito, é uma constante atualização legislativa e jurisprudencial, nesse sentido, proteger a criatividade sem sufocar a inovação é o desafio contínuo do Fashion Law, cuja relevância jurídica e social tende a crescer no cenário contemporâneo.
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