REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202504270624
Sandro Christovam Bearare1
Resumo
Este artigo investiga a aplicação da psicopedagogia institucional em contextos de ensino técnico-operacional com armas de fogo, propondo uma abordagem multidimensional para a compreensão dos processos de aprendizagem sob condições de estresse controlado. A pesquisa fundamenta-se nos princípios da neuropsicologia, com ênfase nas funções executivas, afetivas e cognitivas mobilizadas durante treinamentos de tiro e manuseio armamentista, integrando esses aspectos com evidências empíricas do campo da segurança estratégica e da educação técnica. O estudo propõe que a presença de bloqueios emocionais, disfunções atencionais e crenças limitantes em aprendizes pode comprometer a eficácia da formação técnica, sendo necessária a atuação psicopedagógica para diagnosticar, intervir e ajustar os processos pedagógicos às condições neurocomportamentais do indivíduo. Utilizando-se de metodologia qualitativa com base em estudo de campo e análise fenomenológica, a pesquisa aponta a relevância de estratégias pedagógicas personalizadas e mediadas psicopedagogicamente para maximizar o desempenho técnico, preservar a integridade emocional do aprendiz e aumentar a segurança no processo de instrução. Os resultados sugerem que a aprendizagem em ambientes de alta exigência cognitiva e emocional demanda protocolos educacionais que transcendam a técnica, incorporando dinâmicas simbólicas, neurofuncionais e adaptativas. A conclusão destaca a psicopedagogia como eixo transversal essencial na formação de operadores armados, sendo elemento estratégico para a eficácia e segurança do processo de ensino.
Palavras-chave: Psicopedagogia institucional; Treinamento técnico-operacional; Funções executivas; Neuropsicologia aplicada; Aprendizagem sob estresse; Ensino de armamento e tiro.
Abstract
This article investigates the application of institutional psychopedagogy in technical-operational training contexts involving firearms, proposing a multidimensional framework for understanding learning processes under controlled stress conditions. The research is grounded in neuropsychological principles, with a focus on executive, affective, and cognitive functions activated during firearms training and tactical instruction. It integrates these functions with empirical data from the fields of strategic security and applied technical education. The study argues that emotional blockages, attentional dysfunctions, and limiting beliefs in learners may impair the efficiency of technical skill acquisition, requiring psychopedagogical mediation to diagnose, intervene, and calibrate pedagogical strategies according to the neurobehavioral profiles of each individual. Using a qualitative methodology based on field observation and phenomenological analysis, the findings emphasize the necessity of tailored, psychopedagogically-mediated instructional models to enhance technical performance, ensure emotional stability, and improve safety throughout the training process. The results highlight that learning in high-demand cognitive and emotional environments requires educational protocols that transcend procedural instruction, incorporating symbolic, neurofunctional, and adaptive dynamics. The study concludes by positioning psychopedagogy as a strategic transversal axis in the education of armed professionals, essential for both instructional efficacy and operational security.
Keywords: Institutional psychopedagogy; Technical-operational training; Executive functions; Applied neuropsychology; Stress-based learning; Firearms instruction.
1. Introdução
A prática pedagógica em ambientes de treinamento com armas de fogo transcende o ensino técnico convencional e se insere em um campo de complexidade neurocognitiva elevada. A construção do saber, neste contexto, ocorre sob o impacto direto de variáveis como estresse induzido, tomada de decisão em milissegundos, pressão social, autorregulação emocional e, sobretudo, risco real ou simulado. A tríade “técnica – mente – comportamento” é continuamente tensionada por estímulos internos e externos que, se não forem adequadamente compreendidos e mediados, podem comprometer o processo de aprendizagem e até mesmo a segurança operacional. Sob esse viés, a psicopedagogia institucional deixa de ser um instrumento complementar e assume posição estratégica como agente modulador da aprendizagem em cenários de alta exigência técnica, afetiva e simbólica.
A aprendizagem em ambientes de formação técnico-operacional com armas de fogo exige mais do que a simples assimilação de procedimentos e protocolos. Envolve a integração de múltiplas dimensões cognitivas, emocionais, sensório-motoras e simbólicas que, sob tensão controlada, desafiam o funcionamento executivo do sujeito em níveis elevados. Neste cenário, o rendimento não se resume à performance motora ou à acurácia balística: trata-se de um processo formativo que demanda elaboração psíquica, autorregulação emocional, leitura contextual e adaptação neurofuncional constante.
Tais exigências posicionam a psicopedagogia como elemento estrutural, e não acessório, na mediação do ensino técnico com armamento real. O campo da psicopedagogia institucional, embora historicamente vinculado aos contextos escolares e clínicos, avança progressivamente para domínios onde a aprendizagem ocorre em situações de risco, pressão e exigência crítica de desempenho. A abordagem psicopedagógica, neste novo território, torna-se indispensável para diagnosticar padrões de bloqueio emocional, identificar perfis cognitivos limitantes, e reconfigurar estratégias de ensino a partir das evidências neuropsicológicas do sujeito-aprendiz.
A presença de disfunções executivas como desatenção seletiva, impulsividade, falhas na memória operacional ou comprometimento da tomada de decisão pode comprometer não apenas a eficácia do treinamento, mas também a segurança do ambiente instrucional, sobretudo quando lidamos com armamento letal. Autores como Luria (1973), Fonseca (2014) e Bearare (2023; 2024) reforçam que as funções superiores do cérebro humano operam em constante interação com as emoções, os estímulos ambientais e os esquemas mentais internalizados ao longo da vida. Nesse sentido, os eventos, cursos envolvendo armas de fogo, longe de ser um exercício meramente físico, constitui-se como um fenômeno neuroeducacional complexo, que mobiliza redes funcionais diversas e requer integração simbiótica entre a instrução técnica e a mediação psicopedagógica.
É nesse ponto que se estabelece a centralidade desta pesquisa. O presente artigo propõe-se a investigar, sob perspectiva técnico-científica, como os fundamentos da psicopedagogia institucional e da neuropsicologia aplicada podem contribuir para a estruturação de treinamentos com armas de fogo mais eficazes, seguros e adaptados aos perfis neurocognitivos dos aprendizes. A pesquisa também busca delimitar estratégias de intervenção psicopedagógica que favoreçam o aprendizado sob estresse, reduzam a incidência de bloqueios emocionais e otimizem o desempenho em contextos de exigência cognitiva elevada.
2. Referencial Teórico
2.1 Fundamentos da Psicopedagogia Institucional
A psicopedagogia institucional é uma vertente da psicopedagogia que atua na interface entre os processos de aprendizagem e os sistemas organizacionais que os abrigam. Diferentemente da abordagem clínica, que se concentra na individualidade do sujeito em consultório, a atuação institucional foca nas dinâmicas coletivas, nas práticas educativas e nas estruturas simbólicas que condicionam a aprendizagem em ambientes formais e não formais. Trata-se de uma intervenção voltada para a identificação de disfunções nos processos pedagógicos, nas relações interpessoais e nos mecanismos que regulam o ensinar e o aprender dentro de uma instituição.
Bossa (2007) sustenta que a psicopedagogia institucional deve ser compreendida como uma prática estratégica de mediação entre o sujeito aprendente e o saber, com atenção aos fatores históricos, sociais, emocionais e cognitivos que modulam esse processo. Nesse campo, o psicopedagogo atua como facilitador da aprendizagem coletiva, promovendo o alinhamento entre objetivos educacionais, recursos metodológicos e condições neuropsicológicas dos envolvidos.
No contexto do treinamento com armas de fogo, a psicopedagogia institucional expande sua aplicação para além dos ambientes escolares, incorporando estruturas pedagógicas voltadas à formação técnico-operacional. Tais ambientes apresentam peculiaridades importantes: a instrução, muitas vezes, ocorre sob protocolos rígidos, em situações que simulam estresse real, com exigência de respostas rápidas e de tomada de decisão sob pressão. Além disso, envolvem riscos concretos associados ao uso de armamento, exigindo não apenas domínio técnico, mas maturidade emocional, autorregulação e controle simbólico da ação.
Ao inserir-se nesse cenário, a psicopedagogia institucional contribui com o mapeamento dos obstáculos que comprometem a eficácia da formação, tais como resistência à aprendizagem, dificuldades atencionais, baixa autoestima acadêmica e bloqueios emocionais relacionados ao medo, à frustração ou à autocobrança. A atuação psicopedagógica permite a criação de estratégias formativas mais ajustadas à diversidade de perfis cognitivos e emocionais, transformando o processo de ensino-aprendizagem em um percurso mais orgânico, seguro e eficaz.
A experiência prática descrita em Educação em Conflito (Bearare, 2024) evidencia que, em contextos táticos e de alta exigência cognitiva, a ausência de mediação psicopedagógica pode gerar ciclos de repetição do erro, comprometimento do aprendizado funcional e impacto negativo no desenvolvimento do autoconceito do aprendiz. Já Ciência das Armas (Bearare, 2023) aponta que a aprendizagem no uso de armamento é fortemente influenciada por condicionamentos pré-existentes e padrões emocionais internalizados, que exigem leitura cuidadosa por parte do instrutor — função que pode ser potencializada pela intervenção psicopedagógica.
Assim, ao incorporar a psicopedagogia institucional como ferramenta estratégica na formação armamentista, inaugura-se uma nova abordagem no ensino técnico-operacional: uma pedagogia que reconhece o sujeito como totalidade integrada, compreende o contexto simbólico do armamento e atua na mediação entre saber técnico, estrutura emocional e cognição funcional.
2.2 Neuropsicologia e aprendizagem sob estresse
A neuropsicologia é o campo da ciência que estuda a relação entre as estruturas e funções do sistema nervoso central e o comportamento humano, com especial atenção às funções cognitivas superiores envolvidas no processo de aprendizagem. Em contextos de ensino técnico-operacional, como o treinamento com armas de fogo, essa relação assume contornos particulares: o processamento da informação, a ativação de respostas motoras e a tomada de decisão ocorrem sob condições de elevada carga emocional e pressão temporal, sendo modulados pela presença do estresse como variável constante.
Aprender sob estresse é um fenômeno neurofisiológico e psicológico de alto impacto. De acordo com Lezak et al. (2012), a exposição a estressores agudos — como sons intensos, ambientes hostis ou exigência de resposta rápida — ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), liberando catecolaminas e cortisol, substâncias que afetam diretamente o hipocampo, o córtex pré-frontal e a amígdala. Esses três centros cerebrais são fundamentais para funções como atenção seletiva, memória operacional, autorregulação emocional e julgamento estratégico. Quando expostos de forma inadequada ou repetitiva a estressores não mediados, tais sistemas podem entrar em disfunção temporária, reduzindo a eficiência do aprendizado e aumentando a propensão ao erro técnico e ao bloqueio emocional.
Em ambientes controlados de instrução com armamento real, o desafio do aprendiz não é apenas executar uma tarefa, mas executá-la com controle emocional, lógica funcional e adaptação contínua ao cenário. Fonseca (2014) argumenta que a cognição só se organiza funcionalmente quando integrada a estados emocionais regulados, ressaltando que a disfunção de um sistema interfere na operacionalização do outro. A aprendizagem, portanto, é um sistema funcional tripartido: cognitivo, afetivo e comportamental, e exige coordenação entre estímulo, resposta e metacognição.
Essa perspectiva dialoga com as observações de Bearare (2024) em Educação em Conflito, ao afirmar que os erros técnicos frequentes em ambientes táticos são, muitas vezes, sintomas de conflitos internos não diagnosticados: medo do fracasso, autoimagem distorcida, resistência inconsciente à autoridade ou experiências negativas com o objeto da aprendizagem (a arma). Em Ciência das Armas (2023), o autor reforça que o manejo eficiente do armamento é tão dependente da fisiologia quanto da integridade da cadeia perceptivo-cognitiva do atirador, que deve ser desenvolvida e mantida com precisão ao longo do processo educativo.
A psicopedagogia, ao dialogar com a neuropsicologia, possibilita a elaboração de estratégias didáticas que respeitam os tempos neurofuncionais de cada aprendiz, promovem a neuroplasticidade adaptativa e minimizam os efeitos nocivos do estresse sobre o processamento cognitivo. Além disso, oferece recursos de escuta ativa, mediação simbólica e construção de estratégias personalizadas que favorecem a internalização segura do conteúdo.
Conclui-se, portanto, que compreender os impactos do estresse na aprendizagem técnico-operacional é essencial para a construção de protocolos pedagógicos eficazes. Ignorar as evidências neuropsicológicas do sujeito-aprendiz é comprometer a formação em sua base, gerando operadores tecnicamente treinados, mas cognitivamente descompensados — um risco pedagógico e operacional que a psicopedagogia, aplicada com intencionalidade científica, pode e deve prevenir.
2.3 Funções cognitivas e executivas no uso de armamento
As funções cognitivas e executivas são responsáveis pela regulação de condutas adaptativas, planejamento de ações, tomada de decisões, controle inibitório e gestão da atenção. Essas funções são fundamentais para a aprendizagem e execução segura do uso de armas de fogo, uma vez que operam como a base estrutural para o comportamento consciente e responsivo em contextos de exigência técnica elevada. No processo de ensino e aprendizagem do armamento, essas habilidades não são coadjuvantes: são o núcleo neurofuncional que sustenta toda ação eficaz.
Segundo Lezak (2012), às funções executivas compreendem um conjunto de processos mentais interdependentes que incluem: flexibilidade cognitiva, memória operacional, raciocínio abstrato, organização de tarefas, controle da impulsividade e avaliação de riscos. Todas essas habilidades são decisivas para o desempenho em ambientes de tiro e treino tático, onde o tempo de resposta, a precisão e a segurança dependem diretamente da qualidade dessas operações cerebrais.
No treinamento com armas de fogo, por exemplo, o sujeito precisa identificar o alvo (atenção seletiva), avaliar a situação (planejamento), controlar a ansiedade (regulação emocional), manter a linha de raciocínio durante comandos complexos (memória de trabalho), e inibir respostas precipitadas (inibição motora). Qualquer falha em uma dessas etapas pode gerar um erro crítico, afetando a integridade do treino ou, em contextos reais, colocando vidas em risco.
Na obra Ciência das Armas (Bearare, 2023), há uma abordagem clara sobre a exigência técnica da atividade armamentista, detalhando como o operador deve manter alinhamento entre respiração, postura, análise de cenário e coordenação motora fina. Esse alinhamento é produto direto da maturidade executiva do cérebro. Já em Educação em Conflito (2024), o autor aponta que a fragmentação cognitiva — muito comum em aprendizes iniciantes submetidos a contextos de pressão — exige protocolos de ensino que estimulem a coesão entre os sistemas cerebrais envolvidos, ao invés de sobrecarregá-los com repetições mecânicas desconectadas da compreensão.
Nesse sentido, o papel do psicopedagogo institucional é mediar o processo formativo com consciência das limitações executivas do aprendiz. Ao invés de aplicar uma metodologia única para todos, o mediador pode avaliar o funcionamento neuropsicológico do grupo e propor ajustes pedagógicos personalizados — como pausas estratégicas, reformulação da linguagem instrucional, alternância entre prática e análise crítica, e técnicas de auto-observação metacognitiva.
Adicionalmente, a compreensão das funções executivas auxilia na leitura de comportamentos recorrentes em treinamentos armados, como: bloqueios de reação, respostas impulsivas, repetições automáticas sem aprendizado real e falhas na integração entre teoria e prática. Esses comportamentos, muitas vezes interpretados como “desatenção” ou “falta de perfil”, são, na verdade, sintomas de funções executivas pouco desenvolvidas ou mal estimuladas.
Portanto, o ensino do uso de armamento exige, mais do que domínio técnico do instrutor, um olhar psicopedagógico estruturado sobre o funcionamento mental do aprendiz. É essa combinação — técnica e neuroeducação — que transforma um treino de tiro em um processo formativo integral, seguro e eficiente.
2.4 Bloqueios emocionais e barreiras à aprendizagem técnica
No campo da psicopedagogia institucional aplicada a ambientes técnico-operacionais, um dos fatores de maior impacto sobre a aprendizagem é o conjunto de barreiras emocionais que se interpõem entre o sujeito e o objeto de aprendizagem. Tais bloqueios, frequentemente invisíveis ao olhar técnico tradicional, manifestam-se de maneira direta no desempenho motor, na resposta tática e na assimilação de protocolos operacionais — especialmente em situações envolvendo armas de fogo, onde a pressão, o medo e a autorresponsabilidade intensificam o impacto emocional do processo formativo.
As emoções, conforme Vygotsky (1934) e Luria (1973), não são acessórios ao pensamento, mas parte constituinte da estrutura cognitiva. Em situações de ameaça percebida, o sistema límbico — notadamente a amígdala cerebral — assume controle sobre respostas rápidas, inibindo o funcionamento de áreas como o córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio lógico, planejamento e regulação do comportamento. Nesse estado, a aprendizagem se torna limitada, fragmentada e superficial, dando lugar a reações impulsivas ou a paralisias cognitivas.
No ambiente de treinamento com armas, esses bloqueios emocionais se traduzem em comportamentos como: recuo excessivo diante do ruído do disparo, rigidez corporal extrema, esquecimentos frequentes de instruções simples, hesitação durante comandos críticos ou resistência à repetição de exercícios que envolvam erros anteriores. Em muitos casos, tais sintomas são erroneamente interpretados como “falta de vocação” ou “dificuldade motora”, quando, na realidade, revelam um conflito emocional não processado ou uma memória afetiva negativa associada à experiência com armamento.
Bearare (2024), em Educação em Conflito, descreve esse fenômeno como “aprendizagem interrompida por autodefesa emocional”, evidenciando que o cérebro, ao se sentir ameaçado, prioriza a autopreservação em detrimento da assimilação cognitiva. Esse mecanismo adaptativo, embora biologicamente coerente, compromete a eficácia do ensino técnico quando não reconhecido e devidamente tratado.
A psicopedagogia institucional, ao incorporar a escuta ativa, a análise do discurso e a mediação simbólica, atua diretamente sobre essas barreiras. Por meio da construção de um ambiente seguro, do respeito ao tempo subjetivo de cada aprendiz e da valorização das emoções como parte legítima do processo formativo, o psicopedagogo contribui para a reestruturação da experiência com o objeto de aprendizagem (neste caso, a arma de fogo), promovendo a ressignificação de situações traumáticas e a recuperação da confiança no próprio desempenho.
Além disso, a intervenção psicopedagógica pode atuar preventivamente, utilizando recursos como o mapeamento de perfil de aprendizagem, entrevistas exploratórias, dinâmicas de autorregulação emocional e estratégias de enfrentamento gradual ao estressor pedagógico. Tais práticas não apenas mitigam os bloqueios existentes, como também promovem o desenvolvimento de habilidades socioemocionais fundamentais para a atuação segura e eficaz em contextos armados.
É, portanto, imprescindível compreender que a aprendizagem técnica em ambientes de risco não pode ser dissociada da dimensão emocional. Ensinar temas envolvendo armas de fogo sem considerar os bloqueios afetivos é formar operadores fragilizados, inseguros ou tecnicamente inconsistentes. Inserir a psicopedagogia nesse processo é garantir que o sujeito aprenda com presença integral: corpo, mente e emoção alinhados à responsabilidade do ato.
2.5 Educação em ambientes de alta exigência operacional
Ambientes de alta exigência operacional, como treinamentos ou cursos com armas de fogo, formações especializadas e simulações de risco controlado, impõem ao processo educacional uma complexidade que transcende os modelos pedagógicos tradicionais. Nesses contextos, o conteúdo a ser aprendido não se limita à técnica em si, mas à capacidade de executar com precisão sob pressão, tomar decisões em tempo real, manter o autocontrole diante do erro e responder cognitivamente enquanto o corpo é submetido a estímulos extremos. Trata-se de uma experiência formativa de natureza simbiótica entre cognição, emoção e ação.
O conceito de pressão pedagógica funcional, cunhado por Bearare (2023) em Ciência das Armas, refere-se à tensão intencionalmente induzida em ambientes de ensino para simular realidades operacionais. Essa pressão, quando mal dosada ou aplicada de forma indiscriminada, pode gerar colapsos de aprendizagem, resistências inconscientes e estagnação do desempenho. Por outro lado, quando mediada pedagogicamente com base em princípios neuropsicológicos e psicopedagógicos, essa mesma pressão torna-se catalisadora do amadurecimento técnico, emocional e decisório do aprendiz.
A neurociência da educação confirma que a exposição sistemática a situações de alta demanda, desde que acompanhada de suporte afetivo e metodológico, estimula a neuroplasticidade, favorece a consolidação de circuitos corticais integrados e acelera o desenvolvimento de competências autorregulatórias. Fonseca (2014) reforça que ambientes exigentes devem ser estruturados em torno de sistemas de feedback construtivo, supervisão ativa e rotinas metacognitivas que permitam ao aprendiz refletir sobre sua própria performance, identificar falhas sem punição simbólica e reconfigurar padrões de resposta.
Na prática, porém, muitos treinamentos armados ainda operam sob a lógica do adestramento reprodutivo, baseado na repetição automática de movimentos, sem considerar a capacidade real de internalização dos sujeitos. Tal modelo ignora a variabilidade cognitiva dos aprendizes, desconsidera aspectos emocionais e promove uma falsa sensação de domínio técnico que não se sustenta em situações reais de crise. A consequência disso é a formação de operadores instáveis, dependentes de rotinas fixas e pouco adaptativos ao imprevisível.
A inserção da psicopedagogia institucional nesses ambientes implica, portanto, uma mudança paradigmática: da instrução centrada no conteúdo para a formação centrada no sujeito. O psicopedagogo atua como articulador entre os objetivos operacionais e as capacidades reais do aprendiz, redesenhando estratégias didáticas, propondo ajustes temporais e metodológicos e criando canais de expressão simbólica que permitam ao aluno compreender não apenas o que faz, mas porque faz, e com quais implicações.
Ambientes de alta exigência carecem, por definição, de um padrão formativo de alta complexidade. Isso inclui diagnósticos psicopedagógicos precoces, trilhas de aprendizagem adaptativas, critérios de avaliação que considerem evolução neurocomportamental, e protocolos institucionais capazes de alinhar a técnica à consciência do ato. Sem isso, o ensino em ambientes operacionais se reduz a uma coreografia de comandos sem sentido — eficiente apenas até o momento em que a realidade exige do operador aquilo que ele nunca foi treinado para enfrentar: o imprevisto emocional.
2.6 A simbiose entre técnica, emoção e adaptação: visão integrada
A complexidade envolvida na formação de operadores armados exige mais do que a aplicação isolada de fundamentos técnicos ou intervenções emocionais pontuais. O cenário educacional em ambientes de risco controlado exige uma visão sistêmica, onde técnica, emoção e adaptação neurocognitiva não operam de forma fragmentada, mas em simbiose dinâmica e contínua. É nessa intersecção que se encontra o verdadeiro campo de atuação da psicopedagogia institucional aplicada ao ensino técnico-operacional com armas de fogo.
Do ponto de vista técnico, o domínio de procedimentos balísticos, protocolos de segurança, postura tática e destreza em manipulação do armamento são apenas uma parte da equação. Conforme descrito em Ciência das Armas (Bearare, 2023), o aprendizado técnico exige precisão neuromuscular, interpretação espacial refinada e leitura constante de variáveis externas. No entanto, tais competências só se consolidam de forma estável quando integradas a um estado emocional regulado e a uma cognição funcionalmente adaptada ao estressor pedagógico.
Do ponto de vista emocional, a formação com armamento real carrega implicações simbólicas profundas. A arma, enquanto objeto de poder, proteção e potencial destruição, ativa circuitos emocionais primitivos associados à sobrevivência, ao medo, à autoridade e à culpa. O aprendiz, portanto, não se relaciona com o armamento de forma neutra. Há sempre um campo simbólico em operação — seja de fascínio, resistência, negação ou hiperidentificação. Ignorar essa dimensão significa ignorar a metade invisível do processo de aprendizagem.
É justamente essa dimensão que a psicopedagogia institucional é capaz de acessar e transformar em estratégia pedagógica legítima. A mediação psicopedagógica permite ao instrutor compreender os movimentos psíquicos do aprendiz diante da técnica, acolher suas resistências como parte do processo de desenvolvimento, e reconfigurar os conteúdos a partir de dinâmicas mais aderentes ao seu perfil cognitivo e afetivo. Trata-se, portanto, de construir uma aliança simbiótica entre o sujeito, o conhecimento e o contexto.
Adicionalmente, a adaptação é o elemento que garante a sobrevivência pedagógica do aprendiz em contextos de alta exigência. Adaptar-se, nesse caso, não significa apenas aprender a técnica, mas reprogramar circuitos mentais, emocionar-se com consciência, lidar com o erro como parte do progresso, e manter performance mesmo diante do inesperado. A plasticidade cerebral, nesse contexto, é ativada por experiências significativas, não por repetições mecânicas.
Essa visão integrada da aprendizagem — que une neuropsicologia, técnica e simbolismo — só se sustenta quando há articulação entre os saberes pedagógicos e os saberes operacionais. Por isso, defender a presença da psicopedagogia em ambientes sob estresses, que envolvam exercícios e dinâmicas com armas de fogo, não é um ato de humanização superficial, mas uma necessidade estratégica. Como afirma Bearare (2024), “a técnica desprovida de consciência é apenas repetição; a técnica integrada à emoção e ao pensamento se transforma em competência funcional”.
Conclui-se que a aprendizagem com embasamento técnico científico é o único caminho viável para formar operadores conscientes, seguros e adaptativos. E é exatamente nesse ponto que a psicopedagogia deixa de ser uma ciência do aprender e se torna uma ciência da formação integral.
3. Metodologia
3.1 Tipo e abordagem da pesquisa
Este estudo configura-se como uma pesquisa aplicada, de abordagem qualitativa, com ênfase exploratória e caráter interpretativo. A escolha por uma metodologia qualitativa se justifica pela natureza do objeto de estudo — a aprendizagem técnico-operacional com armas de fogo — cuja complexidade envolve aspectos cognitivos, emocionais, simbólicos e comportamentais que não podem ser devidamente compreendidos por métodos puramente quantitativos. A análise buscou interpretar os sentidos atribuídos pelos sujeitos à sua vivência nos processos formativos, bem como identificar padrões de funcionamento e bloqueios psicopedagógicos emergentes no contexto.
3.2 Delineamento metodológico
Adotou-se um delineamento baseado em estudo de campo com análise fenomenológica descritiva. A pesquisa foi desenvolvida a partir da imersão sistemática em cursos profissionalizantes voltados ao ensino de armamento e tiro, nos quais foram aplicadas intervenções psicopedagógicas específicas. Os dados foram coletados ao longo de três anos consecutivos, com acompanhamento longitudinal de participantes em ambientes reais de ensino técnico-operacional.
3.3 Participantes
A amostra foi composta por 200 alunos selecionados aleatoriamente entre os participantes dos cursos de Formação de Armeiro e Formação de Instrutores de Armamento e Tiro, realizados pela Propoint – Centro de Formação Especializada, no período compreendido entre 2020 e 2023. A composição da amostra considerou a heterogeneidade dos perfis — incluindo civis, militares, profissionais da segurança privada, CACs e instrutores em formação —, variando em idade, experiência prévia com armas de fogo, nível educacional e estilos de aprendizagem. A seleção aleatória foi utilizada para reduzir vieses e ampliar a representatividade dos dados. Todos os participantes foram informados sobre a natureza do estudo e autorizaram o uso dos dados de forma sigilosa e exclusivamente científica.
3.4 Instrumentos e procedimentos de coleta
A coleta de dados se deu por meio de múltiplas estratégias integradas:
- Observação psicopedagógica direta: realizada durante as atividades práticas de tiro e oficinas teóricas, com foco nas reações emocionais, condutas motoras, verbalizações espontâneas e respostas a situações de pressão.
- Roteiros de avaliação psicopedagógica funcional: adaptados para o ambiente técnico-operacional, permitindo mapear dificuldades cognitivas, emocionais e comportamentais em tempo real.
- Entrevistas exploratórias e devolutivas em grupo: conduzidas ao final dos módulos formativos, com ênfase na percepção dos aprendizes quanto ao próprio desempenho, às barreiras encontradas e às estratégias que facilitam sua superação.
- Registro em diário de campo reflexivo do pesquisador-instrutor: contendo observações sobre o clima do grupo, incidentes críticos, reações individuais e reflexões sobre os ajustes pedagógicos aplicados.
3.5 Técnicas de análise dos dados
Os dados foram tratados por meio de análise de conteúdo temática, conforme a técnica proposta por Bardin (2011), associada à interpretação fenomenológica inspirada em Merleau-Ponty (1945). As unidades de registro foram categorizadas em eixos temáticos emergentes que refletiam os objetivos da pesquisa, como: “funções executivas sob pressão”, “bloqueios emocionais durante o manuseio”, “respostas adaptativas simbióticas” e “impacto da mediação psicopedagógica”. Essa triangulação metodológica buscou garantir profundidade interpretativa, coerência interna e validade na estruturação dos achados.
3.6 Critérios de rigor e validade
Para assegurar o rigor científico da pesquisa, foram adotadas as seguintes estratégias:
- Triangulação de instrumentos: cruzamento dos dados obtidos por observação, entrevistas e registros documentais.
- Saturação teórica: delimitação do corpus de análise a partir do ponto em que novas observações deixaram de gerar categorias relevantes inéditas.
- Desenvolvimento reflexivo contínuo: o pesquisador-instrutor manteve registros sistemáticos de sua atuação, identificando possíveis interferências, deslocamentos de sentido e mudanças de estratégia pedagógica ao longo do tempo.
- Alinhamento ético e formativo: todos os participantes foram incluídos em processos devolutivos coletivos e respeitados quanto à confidencialidade de suas falas e experiências.
4. Análise e Discussão dos Resultados
4.1 Perfil dos aprendizes e instrutores
A análise do perfil dos 200 participantes permitiu identificar a diversidade funcional, emocional e técnica presente nos cursos de Formação de Armeiro e de Instrutor de Armamento e Tiro. Os dados demonstraram a coexistência de múltiplos perfis cognitivos, desde sujeitos com elevada capacidade de abstração e planejamento até aqueles com forte dependência de repetição motora e baixa autonomia metacognitiva. Essa heterogeneidade, típica de ambientes de ensino técnico-operacional, representa tanto um desafio quanto uma oportunidade para a atuação psicopedagógica.
Em termos de composição, observou-se que aproximadamente 40% dos participantes eram oriundos da segurança pública ou privada, 30% eram CACs com formação civil e 30% eram iniciantes absolutos, sem experiência prévia com armamento. Tal distribuição forneceu ao estudo uma base sólida para comparar reações, bloqueios e estratégias de superação entre diferentes perfis de ingresso. A média etária dos sujeitos situou-se entre 29 e 48 anos, com predominância de adultos em fase de requalificação profissional ou busca por certificação técnica especializada.
No que se refere aos instrutores observados ao longo do estudo, notou-se um padrão técnico elevado, porém com variabilidade considerável quanto à sensibilidade didática, domínio de linguagem acessível e capacidade de identificação de bloqueios emocionais. Em muitos casos, o discurso instrucional mantinha um viés performativo e verticalizado, centrado na repetição de comandos e na pressão por resultados técnicos imediatos — o que, em determinados perfis de alunos, embora raríssimos casos, funcionava como um fator inibidor, e não motivador.
A psicopedagogia institucional, ao ser aplicada de forma integrada nesse cenário, revelou a necessidade de se mapear não apenas o que o aluno executa, mas como ele interpreta, sente e processa a experiência formativa. Essa leitura ampliada do perfil do sujeito-aprendiz — levando em consideração sua história, crenças, reações somáticas, estilo de raciocínio e posicionamento emocional frente ao objeto (a arma de fogo) — foi fundamental para a reestruturação de estratégias pedagógicas mais eficazes e humanizadas.
A seguir, serão apresentadas as categorias temáticas emergentes, que revelam as principais dificuldades, reações simbólicas, efeitos das intervenções e relações entre cognição, emoção e desempenho técnico.
4.2 Evidências de impacto da mediação psicopedagógica
A aplicação de técnicas psicopedagógicas ao longo do processo formativo evidenciou efeitos significativos sobre o desempenho dos aprendizes, especialmente nos domínios emocional, comportamental e cognitivo. As intervenções, realizadas em contextos práticos e teóricos dos cursos de armeiro e instrutor de tiro, demonstraram que a mediação psicopedagógica não apenas corrige trajetórias de erro, mas reposiciona o sujeito no centro do processo educativo, resgatando autonomia, segurança e consciência do ato técnico.
Entre os efeitos mais relevantes, destacam-se:
- Redução da ansiedade de desempenho: Com a introdução de práticas de autorregulação emocional, como pausas conscientes, respiração estratégica e reestruturação de linguagem instrucional, notou-se diminuição expressiva nos comportamentos de hesitação, paralisação sob pressão e reatividade emocional exacerbada. Essa mudança foi especialmente perceptível em alunos com pouca familiaridade com armas ou com histórico traumático não verbalizado.
- Aumento da autopercepção cognitiva: A mediação favoreceu o desenvolvimento de competências metacognitivas, como a capacidade de reconhecer limites individuais, identificar estratégias pessoais de aprendizagem e reformular padrões de erro. Alunos que anteriormente apresentavam resistência a feedback passaram a solicitar devolutivas personalizadas, demonstrando abertura ao aprimoramento reflexivo.
- Melhora na organização sequencial das ações técnicas: Instrutores relataram melhora na fluidez dos procedimentos executados por alunos após intervenções psicopedagógicas que reforçaram a compreensão da lógica tática por trás de cada etapa. Esse dado revela que o simples aumento da prática não substitui a mediação simbólica que estrutura o raciocínio técnico.
- Reconfiguração do vínculo com o objeto (arma): Em muitos casos, a arma era inicialmente percebida com ambivalência — ora como símbolo de poder, ora como fonte de medo ou insegurança. A abordagem psicopedagógica promoveu a ressignificação simbólica desse objeto, permitindo que o sujeito o integrasse à sua identidade técnica sem desequilíbrio emocional ou fantasias compensatórias.
Esses resultados validam a hipótese central do estudo: a presença de um mediador psicopedagógico, capaz de ler os sinais emocionais, cognitivos e simbólicos do aprendiz, aumentar a eficiência do ensino técnico-operacional e melhorar os indicadores de desempenho e retenção do conhecimento. Mais do que complementar a instrução tradicional, a psicopedagogia mostrou-se capaz de corrigir falhas estruturais no processo de ensino que, isoladamente, a técnica não é capaz de superar.
Como observação adicional, instrutores que participaram ativamente das mediações passaram a adotar, espontaneamente, posturas mais dialógicas, ajustando sua comunicação e incorporando estratégias psicopedagógicas em suas práticas — um efeito de retroalimentação formativa que reforça a importância da interdisciplinaridade na construção de ambientes de aprendizagem seguros e eficazes.
4.3 Identificação de padrões de dificuldade e superação
A análise dos dados coletados ao longo dos três anos de acompanhamento psicopedagógico revelou padrões recorrentes de dificuldades enfrentadas pelos aprendizes, os quais se manifestaram de forma diversa, mas com raízes cognitivas, emocionais e simbólicas bem definidas. A identificação desses padrões foi essencial para o desenvolvimento de intervenções estratégicas e personalizadas que resultaram em trajetórias reais de superação e internalização do conhecimento técnico-operacional.
Entre os principais padrões de dificuldade, destacaram-se:
- Desorganização sequencial motora com base cognitiva: Muitos aprendizes demonstraram dificuldade em manter a ordem lógica de procedimentos durante o manuseio da arma (ex: recargas, resolução de panes, mudança de empunhadura), não por falha técnica em si, mas por déficit na memória de trabalho e sobrecarga de estímulos. Essa condição era intensificada sob pressão ou após erros anteriores, sugerindo um bloqueio neurofuncional reversível por meio de reorganização simbólica e redução da ansiedade antecipatória.
- Bloqueio emocional diante do disparo: Aproximadamente 18% dos participantes apresentaram sinais clássicos de inibição emocional associada ao som do disparo ou à sensação de recuo da arma. Em alguns casos, a origem estava ligada a experiências negativas anteriores com armas, em outros, tratava-se de um conflito simbólico com o ato de disparar — compreendido como transgressor, perigoso ou contrário a convicções internas. A abordagem psicopedagógica, por meio da escuta ativa e da ressignificação simbólica, foi eficaz na maioria desses casos.
- Rigidez comportamental e resistência à correção: Um grupo expressivo de alunos, especialmente aqueles com histórico militar ou perfil autodidata, apresentava resistência ativa ao feedback instrucional, assumindo postura defensiva ou rejeitando ajustes técnicos. A intervenção psicopedagógica aqui teve foco em mediação do ego técnico, promovendo percepção de aprendizagem como processo contínuo, não como julgamento de competência.
- Dificuldade de transposição entre teoria e prática: Um padrão comum era o aluno que compreendia cognitivamente o conteúdo, mas apresentava dificuldades em transpor esse entendimento para a ação coordenada na pista. Essa lacuna foi reduzida com a implementação de exercícios de verbalização de comandos, prática mental orientada e dinâmicas de ancoragem simbólica entre o conceito e o gesto técnico.
No que se refere aos padrões de superação, identificaram-se cinco eixos principais:
- Autoconhecimento funcional: Aprendizes que passaram a identificar e nomear suas dificuldades conseguiram redirecionar sua atenção para aspectos específicos do desempenho com mais eficácia.
- Segurança emocional restaurada: O fortalecimento da autoconfiança e o acolhimento de erros como parte legítima do processo de aprendizagem resultaram em maior fluidez técnica.
- Adesão ao feedback como ferramenta de crescimento: A reformulação do papel do erro no discurso instrucional promoveu mudanças significativas na postura dos alunos, que passaram a solicitar correções e valorizar ajustes personalizados.
- Engajamento simbólico com o treinamento: Alunos que desenvolveram vínculo positivo com a arma como ferramenta de proteção e responsabilidade demonstraram maior coerência entre teoria e prática.
- Consistência metacognitiva: A repetição assistida com consciência crítica levou à internalização de sequências técnicas, reduzindo erros e aumentando a autonomia.
Esses dados reforçam a tese de que a aprendizagem técnico-operacional é atravessada por dinâmicas profundas que não se resolvem apenas com treino exaustivo. A superação das dificuldades depende de um trabalho psicopedagógico contínuo, que promova reorganização mental, desbloqueio emocional e alinhamento simbólico entre o sujeito, a técnica e o contexto.
4.4 Relações entre aprendizagem, estresse e performance técnica
A relação entre estresse e desempenho técnico no processo de aprendizagem com armas de fogo revelou-se um dos pontos mais sensíveis da pesquisa, tanto do ponto de vista neuropsicológico quanto psicopedagógico. A análise das observações e entrevistas evidenciou que a performance não depende unicamente da quantidade de prática ou da repetição de comandos operacionais, mas da maneira como o sistema nervoso do sujeito responde à pressão e integra cognitivamente o conteúdo técnico.
Do ponto de vista fisiológico, o estresse pode ser compreendido como um modulador ambíguo da aprendizagem: quando bem calibrado, ele atua como catalisador da atenção, foco e tomada de decisão. Contudo, quando ultrapassa o limiar adaptativo do sujeito — seja pela carga emocional, pelo ambiente hostil, pela presença de julgamentos ou pelo histórico individual — ele bloqueia circuitos executivos superiores, inviabilizando a retenção do conhecimento e provocando erros repetitivos, evasões e colapsos operacionais.
Durante a aplicação das técnicas psicopedagógicas, observou-se que aprendizes submetidos a níveis moderados e progressivos de estresse, com suporte emocional e intervenções simbólicas adequadas, apresentaram melhor fixação de conteúdos, maior tempo de atenção sustentada e respostas técnicas mais consistentes. Por outro lado, aprendizes submetidos a abordagens instrucionais agressivas, sem espaço para verbalização de sentimentos ou ajustes metodológicos, demonstraram aumento de respostas disfuncionais, como bloqueios motores, automatismos ineficazes ou lapsos de memória de curto prazo.
Esses achados dialogam com os princípios da neurociência educacional, especialmente com as pesquisas de LeDoux (1998) e Fonseca (2014), que indicam que o aprendizado significativo só ocorre em estados emocionais que não ativem o modo de defesa do cérebro. O predomínio da ativação da amígdala em detrimento do córtex pré-frontal compromete as funções executivas necessárias para o manuseio técnico eficaz, como controle inibitório, planejamento sequencial e autocorreção.
Em termos psicopedagógicos, esse fenômeno exige a criação de ambientes formativos onde o estresse seja introduzido como elemento pedagógico e não como ferramenta punitiva. Isso implica repensar o papel do erro como parte legítima da aprendizagem, reformular a linguagem instrucional para reduzir o tom de ameaça simbólica e criar rotinas de preparação cognitiva e emocional antes de avaliações de performance.
A presença de psicopedagogos em campo contribuiu para equilibrar a curva de estresse dos aprendizes, oferecendo intervenções mediadoras que não anularam a pressão necessária, mas que a transformavam em desafio compreensível, contornável e mensurável. Essa mediação simbiótica permitiu que a performance técnica fosse sustentada com maior fluidez, precisão e consciência, mesmo sob cenários de simulação realista ou durante exercícios avaliativos.
Conclui-se, portanto, que o estresse não deve ser eliminado do processo formativo, mas sim dosado, acompanhado e ressignificado pedagogicamente. A performance técnica não é fruto da ausência de estresse, mas da capacidade do sujeito de performar com inteligência emocional, suporte cognitivo e estrutura simbólica organizada — pilares que a psicopedagogia, quando integrada ao processo, tem pleno potencial de sustentar.
5. Considerações Finais
O presente estudo demonstrou, com base em evidências empíricas e fundamentação interdisciplinar, que a psicopedagogia institucional, quando aplicada de forma estratégica em ambientes de formação técnico-operacional com armas de fogo, contribui significativamente para a melhoria da aprendizagem, da performance técnica e da segurança instrucional. A atuação psicopedagógica revelou-se eficaz na mediação de bloqueios emocionais, na reorganização de funções cognitivas sob pressão e na construção de vínculos simbólicos mais saudáveis entre o aprendiz e o objeto técnico (a arma).
A análise dos dados obtidos junto a 200 alunos dos cursos de Formação de Armeiro e de Instrutores de Armamento e Tiro, na Propoint – Centro de Formação Especializada, entre 2020 e 2023, permitiu identificar padrões recorrentes de dificuldade e superação, assim como evidenciar o impacto direto da mediação psicopedagógica sobre o comportamento e o desempenho dos participantes. Fatores como ansiedade de desempenho, resistência à correção, inibição diante do disparo e falhas de transposição entre teoria e prática foram minimizados a partir da intervenção qualificada do psicopedagogo institucional, que atuou como elemento de conexão entre a técnica, a emoção e a cognição funcional.
Entre as principais contribuições deste trabalho, destacam-se:
- A proposição de uma nova abordagem para o ensino de armamento, baseada na integração simbiótica entre saber técnico e mediação psicopedagógica.
- A validação da aprendizagem sob estresse como fenômeno complexo, passível de regulação pedagógica quando mediado por instrumentos da psicopedagogia.
- A inserção de fundamentos da neuropsicologia e da educação emocional no campo da formação de instrutores e professores de armamento e tiro, até então dominado majoritariamente por práticas repetitivas e modelos instrucionais rígidos.
Entretanto, este estudo também apresenta limitações importantes. A ausência de mensuração quantitativa de desempenho técnico (como tempo de resposta ou acurácia sob pressão) impede a generalização estatística dos achados. Além disso, a análise fenomenológica depende da interpretação do pesquisador, o que demanda vigilância constante contra viés de confirmação. A diversidade dos perfis analisados, embora enriquecedora, também torna mais complexa a uniformização dos resultados.
Diante disso, recomenda-se que futuras pesquisas explorem a aplicação da psicopedagogia em contextos operacionais com metodologias mistas (quantitativas e qualitativas), incluindo testes neuropsicológicos padronizados, simulações com controle de variáveis e protocolos de avaliação baseados em métricas objetivas de desempenho. Também se sugere a ampliação da atuação psicopedagógica para outras esferas da formação em segurança, como cursos de atendimento pré hospitalares e formações de agentes de segurança pública e privada.
Em síntese, conclui-se que a presença da psicopedagogia institucional no ensino de armas de fogo não representa apenas um avanço pedagógico, mas uma medida estratégica de segurança, eficiência e humanidade na formação técnica. Tratar o sujeito como totalidade — corpo, mente, emoção e contexto — é, mais do que uma proposta inovadora, uma necessidade urgente diante dos desafios contemporâneos da educação em ambientes de risco.
Referências
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BEARARE, Sandro Christovam. A Ciência das Armas – Vol. 1, 2 e 3. Coroados/SP: Edição dos Autores, 2023.
BEARARE, Sandro Christovam. Educação em Conflito – Vol. 1. Coroados/SP: Edição dos Autores, 2024.
FONSECA, Valéria. Neuropsicologia na prática pedagógica: contribuições para o desenvolvimento das funções executivas. Petrópolis: Vozes, 2014.
LEDAUX, Joseph. The Emotional Brain: The Mysterious Underpinnings of Emotional Life. New York: Simon & Schuster, 1998.
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VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
1Engenheiro Eletricista, MBA em Engenharia de Produção, Pós-graduado em Logística, psicopedagogia e extensão em neurociência. Especialista em formação e treinamento de profissionais na área de armamento, tiro e segurança, com vasta experiência em desenvolvimento de produtos, processos logísticos e coordenação de equipes operacionais e administrativas. E-mail: scbearare@bol.com.br