ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DOS DIREITOS HUMANOS  

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202504262343


Rodrigo Nazareno Araújo Carneiro,
Orientador: Prof. Luiz Fernandes Machado Mendes


RESUMO 

Os direitos humanos foram conquistados após muitas lutas e embates travados pela sociedade que desejava se ver em busca cada vez mais de uma vida melhor, buscando, desta forma, sua dignidade. Tanto é que um dos preceitos fundamentais dos Direitos Humanos é a dignidade da pessoa humana. Para tanto, uma das formas de exigir a busca por uma vida mais digna está relacionada com a possibilidade de exigência de tal direito toda vez que este se encontrar lesionado ou sob ameaça de lesão. Desta forma, o cidadão poder bater às portas do judiciário tornou-se uma obrigação de efetivação do Estado, que é o responsável pela tutela dos Direitos Fundamentais e indisponíveis. Para isto, formulou direitos específicos para obtenção do acesso à justiça, quais sejam o Direito de ação e o Direito de defesa, onde por meio destes Direitos busca-se a efetivação da busca plena da justiça. Um aspecto importante a ser estudado é sobre as 3 ondas renovatórias do acesso à justiça que influenciou a maneira como se enxergava essa busca no Brasil. A primeira onda foi responsável pela busca da efetivação da assistência judiciária aos mais pobres, a segunda buscou tutelar os direitos coletivos e a terceira tratou de aspectos sobre a simplificação de procedimentos, como também de formas alternativas de resolução da lide. Para tanto, foram também previstos que as Instituições Brasileiras buscassem a efetivação do acesso à justiça, tendo o Ministério Público um redirecionamento de suas funções, bem como a criação e direcionamento da Defensoria Pública até os problemas e busca de soluções do judiciário para o aumento do cumprimento efetivo das demandas. 

Palavras-Chave: Direitos humanos, acesso à justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, Poder judiciário.   

RESUMEN  

Los derechos humanos fueron conquistados después de muchas luchas y batallas movidas por la sociedad que deseaba verse cada vez más en busca de una vida mejor, buscando, así, su dignidad. Tanto es así que uno de los preceptos fundamentales de los Derechos Humanos es la dignidad de la persona humana. Por tanto, una de las formas de exigir la búsqueda de una vida más digna se relaciona con la posibilidad de reclamar tal derecho, siempre que el mismo se encuentre lesionado o bajo amenaza de lesión. De esta manera, el hecho de que el ciudadano pueda llamar en las puertas del Poder Judicial se ha convertido en una obligación de efectuación del Estado, que es el responsable por la protección de los derechos fundamentales e indisponibles. Para ello, se formularon derechos específicos para obtener acceso a la justicia, a saber, el Derecho de Acción y el Derecho de Defensa, donde a través de estos derechos se persigue la efectividad de la búsqueda plena de la justicia. Un aspecto importante a ser estudiado es sobre las 3 ondas de renovación del acceso a la justicia que influyeron en la forma en que se observó esta búsqueda en Brasil. La primera onda fue responsable por la búsqueda de la efectuación de la asistencia legal a los más pobres, la segunda onda buscó proteger los derechos colectivos y la tercera onda se ocupó de aspectos sobre la simplificación de procedimientos, así como formas alternativas de resolución de conflictos. Por lo tanto, también se estipulo que las Instituciones Brasileñas buscarán la efectividad del acceso a la justicia, teniendo el Ministerio Público un redireccionamiento de sus funciones, así como la creación y direccionamiento de la Defensa Pública a los problemas y búsqueda de soluciones del poder judicial para incrementar el cumplimiento efectivo de las demandas.    

Palabras clave: Derechos Humanos. Acceso a la Justicia. Ministerio Público. Defensa Pública. Poder Judicial. 

INTRODUÇÃO 

Neste trabalho, buscaremos conceituar e entender de forma inicial como foi o processo de “criação” e legitimação dos Direitos Humanos no mundo, como se deu a sua origem histórica, e todas as lutas e reivindicações para que fosse materializado e aceito no mundo como um todo. Traremos todos os aspectos atinentes aos Direitos Humanos em si, olhando do Prisma material e processual, bem como sobre as Instituições e Organismos Internacionais disposto com a finalidade de assegurar e exigir a aplicabilidade dos Direitos Humanos nos Países que se filiaram e se comprometeram a cumprir com o disposto nas Convenções Internacionais. 

Em seguida, busca-se trazer a conceituação sobre a Sociedade Democrática de Direito que o Brasil está envolvido, trazendo sua conceituação bem como fazendo ligação com a concretização do acesso à justiça. 

Foi trazido também os princípios e mandamentos expressos na Constituição de 1988 que se destina ao cumprimento efetivo do acesso à justiça, qual seja o direito de ação bem como o direito de defesa, e posteriormente foi traçado a ligação com a Democracia que é o sistema político social do Brasil. 

Também foi trazido o Estudo protagonizado por Cappelletti e Garth na qual abordaram os seus entendimentos sobre as ondas renovatórias de acesso à justiça, sendo a primeira onda renovatórias voltada ao acesso à justiça pela parcela pobre da população que não dispõe de recursos e conhecimentos para ir em busca de seus direitos violados e ameaçados de violação. Sobre a segunda onda renovatória do acesso à justiça observa-se o panorama da busca pela efetivação dos Direitos coletivos, onde o Direito Tradicional era voltado apenas ao tratamento processual individual entre as partes envolvidas no processo, havendo essa evolução para tutela de interesses de certos grupos. Na terceira onda, observa-se uma evolução além das anteriores, onde o que se observa é a simplificação dos procedimentos, por meio da criação dos juizados especiais, por exemplo, que facilitam e agilizam a prestação jurisdicional, bem como a criação de formas de resolução alternativa de conflitos, quais sejam: Mediação, arbitragem e conciliação, transpassando a responsabilidade para solução dos conflitos para terceiros, diferentes da figura dos magistrados, com a finalidade de acelerar a resolução dos conflitos e aumentar a crença da população no poder judiciário. 

Por fim, observou-se a criação e observação de uma quarta onda, que estaria voltada na qualificação e humanização dos profissionais da seara judiciária, melhorando as grades curriculares e o operador do Direito como um ser que pensa além da técnica, mas que tem opinião e ponto de vista sobre questões da sociedade em que está inserido. 

Por fim, buscou-se enxergar por meio das Instituições o seu papel enquanto efetivador do acesso à Justiça. 

Analisou-se o Ministério Público enquanto com aumento e melhor aplicação de forma mais efetiva das suas funções, maximizando sua atividade Ministerial no aspecto judicial, bem como a procura pela resolutividade no aspecto extrajudicial, sendo o Ministério Público o órgão com maior autonomia para ir em busca da efetivação do acesso à justiça. 

Posteriormente, analisou-se a Defensoria Pública e sua criação, e sua atividade voltada aos Direitos dos Hipossuficientes, bem como daqueles que têm os seus direitos violados, observou-se sua maior autonomia e aumento nas suas atribuições, sendo considerado por muitos doutrinadores como um órgão completo e essencial à sociedade, sendo também uma das funções essenciais da justiça. 

Por fim, analisou os obstáculos do Poder Judiciário, suas dificuldades, entre elas a excessiva quantidade de demandas, o reduzido efetivo pessoal, entre outros e buscou-se a solução para esses problemas, quais sejam o aumento do uso de súmulas referendadas pelos Tribunais Superiores como mecanismos de desague de demanda, o aumento na permissão do uso de autonomia das vontades entre particulares, maximização e otimização do papel dos magistrados entre outros. 

Busca-se por meio deste trabalho ter uma visão abrangente do acesso à justiça no Brasil por meio dos Direitos Humanos. Analisamos sua problemática e buscamos soluções junto à doutrinadores a esses aspectos de melhoria do papel do Estado na busca pela efetivação do acesso à justiça por todos os cidadãos, sem distinção. 

1 DIREITOS HUMANOS 
1.1 Histórico dos direitos humanos no mundo. 

Os direitos humanos nas sociedades antigas não eram tão valorizados, a brutalidade e ausência de empatia e compaixão com o outrem predominava. Os movimentos que se sucederam na Europa tiveram muita influência na forma de se ver o ser humano como possuidor de Direitos e Garantias frente ao Estado e às castas consideradas mais elevadas. Grandes autores e obras foram escritas e trazidas ao conhecimento do público que buscavam modificar a forma como as pessoas viam seus semelhantes. 

Pode-se dizer que a Magna Carta da Inglaterra, de 1215, é considerada o documento que deu início às futuras declarações Universais de Direitos Humanos. Não tinha um caráter de verdadeiramente ser um código universal de direitos humanos, mas tinha como objetivo uma limitação dos poderes do monarca em relação aos nobres da Inglaterra.  

Entre os principais direitos adquiridos pela nobreza Inglesa, estariam a necessidade de haver julgamento para que um homem livre fosse preso, houve a criação da figura do habeas corpus, há a expressa previsão de um Júri e também diz respeito à proporcionalidade da pena, há a provisão legal de um inicio dos direitos ao acesso à justiça e há, por fim, a previsão de pagamentos de impostos apenas quando houvesse representação. 

Por conseguinte, foi lavrado na América do Norte, no ano de 1776, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, em que constava vários direitos essenciais, como Direito à vida, o Direito à propriedade, Direito à liberdade, à segurança e a obter felicidade, houve também o reconhecimento do princípio da legalidade e da igualdade, o Direito à propriedade, à liberdade religiosa entre inúmeros outros.  

Posteriormente, na Declaração de Independência dos Estados Unidos, o foco fora os Direitos Individuais com a valorização da liberdade individual, bem como uma contenção ao poderio Estatal e serviu como parâmetro e influenciou grandemente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.  

Na Constituição dos Estados Unidos que teve sua promulgação no ano de 1787, porém apenas em 1791, por meio de 10 emendas, que limitaram o poder Estatal do Governo Federal e asseguraram aos cidadãos, residentes bem como aos visitantes a proteção aos seus direitos face ao Estado. Há uma série de garantias presentes, como a Liberdade à religião, como a liberdade de expressão, visa a proibição de buscas e apreensões sem motivo determinado, veda o castigo cruel, também declara o direito a todo cidadão ao devido processo legal e a proibição de duplo julgamento. Por conta disto, se tornou modelo para diversas outras constituições. 

Em 1789, houve a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que havia a distinção entre os Direitos do homem e o Direito do Cidadão. O primeiro se refere basicamente ao homem, individualmente falando, sem haver o caráter do homem em sociedade, mas apenas este como fim em si mesmo, possuidor dos direitos à liberdade, propriedade, segurança entre outros, são os chamados direitos públicos atualmente para os Franceses. O direito do cidadão está relacionado ao contexto do indivíduo em sociedade, e os Direitos relacionados são os de exercer funções públicas, direito de resistência à opressão, entre outros.  

Apesar de a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão estar apoiada e baseada na declaração Norte Americana, aquela teve mais influência posteriormente a outras constituições em virtude do momento da Revolução Francesa em que a França trazia os holofotes para si como um modelo a ser seguido, pois foi uma afronta ao modelo tradicional que vigorava à época, sendo inspirada nos ideais iluministas e humanistas que viam o homem como um ser central possuidor de direitos e garantias que antes não haviam, por isso este movimento foi tão importante e refletiu em diversos outros movimentos espalhados pelo mundo, bem como outras constituições, entre elas a Brasileira de 1988, que será objeto de análise mais à frente. 

Também se faz relevante reconhecer a importância da Constituição da República de Weimar, que em 1919 trouxe um destaque grande aos direitos sociais que seriam como um norte para o reconhecimento futuro dos chamados direitos fundamentais. 

Um contexto de guerras, entre os anos de 1939 e 1945 foram fundamentais na história dos Direitos Humanos. Não há qualquer dúvida que a Segunda Guerra Mundial foi um evento muito trágico e traumático para a história. Evidentemente, após a guerra, viriam a se desdobrar inúmeros reflexos, entre eles o de evitar futuras guerras, então vários líderes mundiais reuniram-se em San Francisco com intuito de criar um organismo Internacional com o objetivo de promover a paz. A Conferência das Nações Unidas teve como objetivo a Carta de Organização das Nações Unidas que entrou em efeito no dia 24 de outubro de 1945. 

E em 1948, houve por parte da Comissão de Direitos Humanos, na presidência de Eleanor Roosevelt, defensora dos Direitos Humanos e Delegada dos Estados Unidos nas Nações Unidas, a elaboração de um rascunho da futura Declaração Universal de Direitos Humanos. E em 10 de dezembro de 1948, na terceira Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a aclamada Declaração Universal de Direitos Humanos. 

Ao aprovar a Declaração Universal de Direitos Humanos, a ONU teve como objetivo esclarecer que os direitos ali expostos não estariam sendo reconhecidos a partir daquele momento, mas que já existiam antes mesmo de serem codificados e que estes direitos devem existir independentemente de qualquer reconhecimento ou aceitação por quem quer que seja, já que os Direitos alvo da Declaração já nasciam e eram inerentes a todo e qualquer ser humano, independente de qualquer classe, cor, religião ou qualquer forma de diferenciação que possa haver. É o que há na Declaração em seu Preâmbulo:

“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, 

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum, 

(…) 

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, 

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades, 

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, 

Agora portanto a Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.” 

Como resultado da Declaração Universal dos Direitos Humanos, muitas Constituições passaram a adotar alguns artigos e principalmente a conter a essência dessa tão importante união entre os países com a finalidade da Paz e a busca pelo desenvolvimento de todos os países. 

1.2 Histórico dos Direitos Humanos no Brasil. 

As Constituições Brasileiras têm uma relação muito grande com a história dos Direitos Humanos e da nova forma do mundo enxergar o ser humano como um sujeito de Direitos.  

A Constituição Imperial de 1824 é considerada a primeira Constituição do Brasil e teve como resultados inúmeros protestos por conta da rejeição que teve. Houveram protestos que tiveram certo êxito em haver a adição de alguns Direitos Humanos essenciais, apesar de ser considerada autoritária por dar muitos poderes ao monarca da época, mas considerou importantes direitos fundamentais, como a garantia da liberdade, segurança individual e a propriedade. 

Apesar que essa época ainda fora marcada por período de escravidão, momento da história Brasileira que certamente consta como uma total falta de respeito para com a pessoa humana na figura dos escravos trazidos muitas vezes da África em que tinham seus direitos retirados e abusados de todas as formas possíveis.  

A Constituição do ano de 1891 teve mais um avanço no reconhecimento dos Direitos do Homem, instituindo o Sufrágio Direto para eleição de cargos políticos, porém não Universal, pois tirava a autonomia de diversos grupos de pessoas, tais como mulheres, mendigos, analfabetos e os religiosos. Havia o ideal de igualdade, liberdade e justiça como norteadores desta Constituição, mas que não foram totalmente concretizados a vista do momento em que se vivia, em que a cultura Brasileira do Coronelismo e dos donos do poder, como fazendeiros com alto poder econômico, subjugavam a parcela menos favorecida da população a agir de acordo com o interesse político que lhes interessassem.  

Porém a Constituição de 1891 já teve importantes conquistas, como direito à livre associação, à ampla defesa dos acusados, bem como a importante criação do Instrumento do habeas corpus. Porém, havia uma grande exigência para que houvesse realmente uma Constituição que concretizasse um regime republicano no Brasil. 

Em 1932 houve a chamada Revolução Constitucionalista, que acarretou na nomeação por parte do governo instalado provisoriamente da chamada Comissão do Itamaraty, responsável pelo projeto de uma nova Constituição. 

Em 1934, na nova Constituição, foram estabelecidos alguns direitos fundamentais aos Indivíduos, entre eles havia a proteção do Instituto do Direito Adquirido, houve proibição de penas com caráter perpétuo, vedação de prisão por dívidas, houve a criação da assistência judiciária aos necessitados, a comunicação imediata ao juiz competente de qualquer prisão para que analisasse sua legalidade, entre inúmeros outros direitos na órbita dos Direitos Humanos que foram positivados. 

Também houve a instituição de inúmeras garantias ao trabalhador, tais quais: a) Proibição de diferença do salário para o mesmo trabalho em razão de qualquer que seja o critério adotado para diferenciação dos trabalhadores (idade, sexo, etc), instituiu um salário mínimo ao trabalhador que atendesse às necessidades essenciais do trabalhador, a carga horária de 8 horas máximas ao dia, bem como o repouso semanal remunerado, entre outras garantias nesta seara. 

Foi considerada uma Constituição com muitas conquistas sociais e no campo dos Direitos Humanos, porém que teve vida curta, apenas pelo período de 3 anos, quando entrou em vigor uma onda autoritária no Brasil pelo chamado Estado Novo, onde houve muito desrespeito com os Direitos Humanos no Brasil. 

Durante o chamado Estado Novo houveram a supressão de muitos direitos, havia a criação de tribunais de exceção para julgamento de crimes contra segurança nacional, bem como a declaração de estado de emergência no País que culminou na perda de muitos direitos essenciais por parte da população, entre eles o Direito de se locomover, a liberdade dos meios de comunicação foram suprimidos por meio da censura das comunicações orais e escritas, entre outros direitos que foram suprimidos como forma de controle social. 

De acordo com João Baptista Herkenhoff (Curso de Direitos Humanos – Gênese dos Direitos Humanos, Pág. 77), em 1946 o Brasil foi “redemocratizado”, pois a nova Constituição instaurou Direitos e Garantias individuais, bem como direitos sociais, bem como houve a expansão desses Direitos. 

Esta Constituição teve muitas alterações à medida que houve a intervenção militar em 1964, que teve inúmeras emendas que fizeram com que muitos artigos perdessem vigência, por força principalmente de atos institucionais, tais quais o AI-1 e AI-2. Porém, pelos estudiosos é unânime a ideia de que a constituição de 1946 foi bastante garantidora dos direitos humanos. 

Posteriormente, em 1967, a nova Constituição vigente possuía inúmeros retrocessos relacionados à seara dos Direitos Humanos, onde muitos direitos conquistados nas Constituições anteriores foram suprimidos do texto Constitucional, como a liberdade de publicação, manutenção das arbitrariedades trazidas pelos atos Institucionais, inúmeras restrições ao Direito à reunião. 

Porém, em seu texto constitucional, havia o comando em relação ao direito ao preso da sua integridade física e moral que sabidamente eram violados por aqueles que eram responsáveis pelos mesmos. 

Houve uma série de direitos que foram restringidos nessa época, entre eles o Direito da liberdade de opinião e expressão, onde foi um período marcado pela censura em todos os campos, literários, musicais, entre outros, fora restringido também o direito de greve, entre vários outros direitos na esfera social. 

Esta Constituição teve vigência até o ano de 1968 em que o Ato Institucional Nº 5 fora baixado e tomou-se como regra de total desrespeito aos Direitos Humanos com inúmeras repressões policiais, arbitrariedades e total brutalidade por parte das autoridades da época. Fora o período de maior dificuldade da história brasileira, por assim dizer, pelo total falta de controle dos poderes estatais que estavam protegidos pelos mandamentos que os permitiam tomar qualquer decisão sem um controle moderado de outros órgãos ou mandamentos. 

Houve uma nova Constituição no ano de 1969 que apenas começou a vigorar em 1978, onde apesar disto, via-se um total retrocesso nos direitos conquistados por ter incorporado em seu texto muito dos mandamentos dos Atos Institucionais que retiravam muitos direitos dos cidadãos e serviam como realmente instrumento de intenso controle social. 

Em 1988, a nova e atual Constituição Federal da República do Brasil foi responsável pelo rompimento com o período de total desrespeito com os direitos do Homem, sangrando inúmeros direitos e garantias fundamentais que até hoje encontram-se positivados em nosso ordenamento jurídico Brasileiro, sendo chamada por Ulysses Guimarães, em seu discurso1 de “Constituição Cidadã”, consagrando o Estado Democrático de Direito e que desde o seu preâmbulo cita os Direitos Humanos na figura do Princípio corolário da dignidade da pessoa humana, bem como em seu artigo terceiro, que determina os objetivos fundamentais da república do Brasil e em seu artigo quinto que celebra os direitos e garantias fundamentais, quando menciona a inviolabilidade do Direito à vida, à segurança, à liberdade bem como à igualdade. 

O respeito trazido pela constituição de 1988 traz a individualidade do homem enquanto um ser possuidor de direitos, principalmente o de ser feliz e ser tratado com dignidade, por este motivo também que a honra é um bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico. Outra vitória foi a garantia do devido processo legal, da presunção de inocência, e do acesso à justiça, que será mais abordado à frente. 

Neste sentido, Flávia Piovesan (Temas de Direitos Humanos. 1998. Pg. 206) traz que: 

“A ordem constitucional de 1988 apresenta um duplo valor simbólico: é ela o marco jurídico da transição democrática, bem como da institucionalização dos direitos humanos no país. A Carta de 1988 representa a ruptura jurídica com o regime militar autoritário que perpetuou no Brasil de 1964 a 1985.” 

Bem como Sarlet (Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Pág. 65) reconhece que a Constituição Federal de 1988 ao trazer a dignidade da pessoa humana “reconhece categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio de atividade estatal” ou seja, o Estado existe para o bom funcionamento da sociedade e respeito àqueles que nela se encontram dando todo suporte necessário para vida em sociedade da melhor maneira possível. 

A dignidade da pessoa humana, segundo Sarlet (A eficácia dos Direitos Fundamentais. 2005. Pág. 123):

“constitui, em verdade uma norma legitimadora de toda a ordem estatal e comunitária, demonstrando, em última análise, que a nossa Constituição é, acima de tudo, a Constituição da pessoa humana por excelência” 

1.3 Organização dos Estados Americano 

Também conhecido por OEA, a Organização dos Estados Americanos teve sua fundação na Nona Conferência Internacional Americana no ano de 1948, ocasião em que a conhecida Carta da OEA foi assinada entrando em vigor a partir do ano de 1951. A carta passou por algumas reformas, a primeira delas no ano de 1967, pela Terceira Conferência Interamericana Extraordinária. Posteriormente, em 1985, houve novas alterações pelo conhecido “Protocolo de Cartagena  das Índias”, e por fim, em 1992, o conhecido Protocolo de Washington trouxe algumas mudanças no sentido de trazer para um dos propósitos da OEA a promoção da economia, cultura e desenvolvimento de todos os Estados Membros bem como buscar erradicar a pobreza do Hemisfério. 

De acordo como se obtém do parágrafo 1º da Carta, “uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência”. 

De acordo com Flávia Piovesan (2005, p.85): 

A análise do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos demanda seja considerado o seu contexto histórico, bem como as peculiaridades regionais. Trata-se de uma região marcada por elevado grau de exclusão e desigualdade social, ao qual se somam democracias em fase de consolidação. A região ainda convive com as reminiscências do legado dos regimes autoritários ditatoriais, com uma cultura de violência e de impunidade, com a baixa densidade de Estados de Direito e com a precária tradição de respeito aos direitos humanos no âmbito doméstico. […] Ao longo dos regimes ditatoriais que assolaram os Estados da região, os mais básicos direitos e liberdades foram violados, sob as marcas das execuções sumárias; dos desaparecimentos forçados; das torturas sistemáticas; das prisões ilegais e arbitrárias; da perseguição político-ideológica; e da abolição das liberdades de expressão, reunião e associação. Nas lições de Guilhermo O’Donnel: ‘É útil conceber o processo de democratização como um processo que implica em duas transições. A primeira é a transição do regime autoritário anterior para a instalação de um Governo democrático. A segunda transição é deste Governo para a consolidação democrática ou, em outras palavras, para a efetiva vigência do regime democrático’. Nesse sentido, sustenta-se que, embora a primeira etapa do processo de democratização já tenha sido alcançada na região – a transição do regime autoritário para a instalação da democracia –, a segunda etapa desse processo, ou seja, a efetiva consolidação do regime democrático ainda está em curso. 

Ou seja, seria uma ajuda mútua entre os países membros a fim de buscar estarem cada vez mais em luta pela concretização dos Direitos Humanos dos Cidadãos. 

1.3.1 Comissão interamericana de Direitos Humanos. 

A comissão Interamericana de Direitos Humanos tem previsão na Carta da OEA, bem como também está presente na Convenção Americana de Direitos Humanos que foi criada em 1969 em San José da Costa Rica, pela reunião da Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos. 

A comissão tem como principal competência a de verificar se os países que aderiram à Comissão estão cumprindo seu papel na efetividade dos Direitos Humanos, já que o aceite do País à Comissão gera automaticamente a obrigação de cumprimento de todas as cláusulas abordadas pela Convenção. 

Como traz Valério de Oliveira Mazzuoli (2007. P. 728): 

“Uma das principais competências da Comissão é, seguramente, a de examinar as comunicações de indivíduos ou grupos de indivíduos, ou ainda entidade não governamental, atinentes a violações de direitos humanos constantes na Convenção Americana, por Estado que dela seja parte. Assim, os indivíduos, apesar de não terem acesso direto à Corte, também podem dar início ao procedimento de processamento internacional do estado com a apresentação de petição à Comissão.” 

Com relação à forma de natureza procedimental, faz necessário o preenchimento de alguns pressupostos de admissão de uma Petição Inicial. O primeiro diz respeito ao esgotamento de todas as esferas recursais presentes no País, exceto quando houver comprovada demora no andamento processual ou em casos que o País não dispor do devido processo legal. O segundo requisito, como trazido por Bruno Smolarek Dias e Alexandre Magno Augusto Moreira, “o segundo requisito é a inexistência de litispendência internacional” (2011, Pág.12). 

Caso receba uma petição, a Comissão busca um diálogo entre as partes para que se resulte um possível acordo, até mesmo como forma de filtragem das demandas e caso não haja acordo, o processo segue até a corte para que haja, então, o julgamento. 

Em linhas gerais, e desprezados os tópicos secundários de sua pauta de competências, a Comissão atua como instância preliminar à jurisdição da Corte. É amplo seu poder para requisitar informações e formular recomendações aos governos dos Estados pactuantes. O verdadeiro ofício pré-jurisdicional da Comissão se pode instaurar, contra um Estado-parte, por denúncia ou queixa – atinente à violação de regra expressa na área substantiva do Pacto – formulada por (a) qualquer pessoa ou grupo de pessoas, (b) por entidade não governamental em funcionamento regular, e (c) por outro Estado-parte; neste caso, porém, sob a condição de que o Estado denunciado haja reconhecido a competência da Comissão para equacionar essa forma original de confronto, com ou sem exigência de reciprocidade. […] A Corte não é acessível a pessoas ou a instituições privadas. Exauridas, sem sucesso, as potencialidades da Comissão, pode esta transferir o caso ao conhecimento do colégio judiciário (MAZZUOLI, 2007. p. 223). 

1.3.2 Corte Interamericana de Direitos Humanos. 

A Corte Interamericana de Direitos Humanos foi criada mediante a criação também da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e foi estabelecida no ano de 1979 e tem sede em San José da Costa Rica. 

Segundo seu manual de relatório anual de 2012: 

“O Estatuto da Corte dispõe que esta é uma instituição judicial autônoma, cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana. A Corte tem sua sede em San José, Costa Rica e está integrada por sete Juízes, nacionais dos Estados membros da OEA.” 

Os juízes que fazem parte da Corte Interamericana prestam um compromisso de serem imparciais, independentemente da política dos países, sendo apenas intérpretes da Convenção Americana de Direitos Humanos, ou seja, das regras do Direito Internacional que regula as relações sobre Direitos Humanos nos Países. 

A corte tem duas funções, tanto a forma contenciosa como a forma consultiva sobre assuntos atinentes à direitos humanos, bem como também possui importante competência ditar medidas provisórias. 

“No plano contencioso, como já dito, a competência da Corte para o julgamento de casos é, por sua vez, limitada aos Estados-partes da Convenção que reconheçam tal jurisdição expressamente, nos termos do artigo 62 da Convenção. Compartilha-se da visão de Cançado Trindade, segundo o qual esse dispositivo constitui um Anacronismo histórico, que deve ser superado a fim de que se consagre o ‘automatismo da jurisdição obrigatória da Corte perante todos os Estados-partes da Convenção’. Isto é, todo Estado-parte da Convenção passaria a reconhecer como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, integralmente e sem restrição alguma, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação e aplicação da Convenção. Ainda nas lições de Cançado Trindade: ‘Sob as cláusulas da jurisdição obrigatória e do direito de petição individual se ergue todo o mecanismo de salvaguarda internacional do ser humano, razão pela qual me permito designá-las verdadeiras cláusulas pétreas de proteção internacional dos direitos da pessoa humana’. […] Em 2001, contudo, a Corte revisou substancialmente as suas Regras de Procedimento para, de forma mais efetiva, assegurar a representação das vítimas perante a Corte. Ainda que indivíduos e ONGs não tenham acesso direto à Corte, se a Comissão Interamericana submeter o caso a esta, as vítimas, seus parentes ou representantes podem submeter de forma autônoma seus argumentos, arrazoados e provas perante a Corte” (PIOVESAN, 2005. p. 104). 

Pode-se dizer que houve avanços significativos com a Criação da OEA e posteriormente a Comissão Interamericana que deu luz à corte Interamericana de Direitos Humanos, porém não há certeza que as sentenças emitidas pela Corte serão realmente cumpridas, por respeito à soberania dos Países, apesar de haver no Art. 68 da Convenção o dever dos Estados membros a cumprir as decisões que vierem a ser emitidas pela Corte. 

1.4 Direitos Humanos

O conceito do que hoje é conhecido pelo ramo dos direitos humanos se encontra em um estágio ainda recente quando comparado aos demais ramos do Direito. Apesar de um tema universal não faz tanto tempo que fora encarado e analisado de fato pelas sociedades em que vivíamos, que ainda possuíam pensamentos primitivos e que fora adequando o modo de tratamento inter partes com o decorrer do desenvolvimento das sociedades, principalmente em face das guerras havidas entre as nações foi que começou-se a questionar o modelo atual que se vivia buscando tratar o outro de maneira mais humana possível bem como legitimar este Direito em todos os Países. 

“Esta concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, que resultou no envio de 18 milhões de pessoas a campos de concentração, com a morte de 11 milhões, sendo 6 milhões de judeus, além de comunistas, homossexuais, ciganos,… O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direitos, à pertinência a determinada raça – a raça pura ariana. No dizer de Ignacy Sachs, o século XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror absoluto do genocídio concebido como projeto político e industrial. É neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a 2ª Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a sua reconstrução. Neste sentido, em 10 de dezembro de 1948, é aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como marco maior do processo de reconstrução dos direitos humanos. Introduz ela a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos” (PIOVESAN, Flávia. Ações afirmativas da perspectiva dos Direitos Humanos. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, p. 43-55, abr. 2005. p. 2).

Coaduna-se com este pensamento sobre os Direitos Humanos o Ilustre Professor Dalmo de Abreu Dallari (2004), que traz os Direitos Humanos como aspectos intrínsecos ao Direito necessário à Vida, desenvolvimento e gozo, sendo o Ser Humano útil para a sociedade. 

Os direitos Humanos, apesar de ser algo inato a todos os seres humanos de acordo com a consciência passam por importantes transformações, conquistas, ensinamentos e evoluem de acordo com o pensamento de cada época, onde a questão temporal tem grande influência em como se enxerga o outro, neste sentido: 

“[…] na condição de reivindicações morais, os Direitos Humanos nascem quando devem e podem nascer. Como realça Norberto Bobbio, os Direitos Humanos não nascem todos de uma vez, nem de uma vez por todas. Para Hannah Arendt, os Direitos Humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social (PIOVESAN, 2006. p. 7-8). “ 

Os mandamentos sobre Direitos Humanos também ditam a forma como os Estados devem se portar diante dos indivíduos, bem como sugere garantias aos indivíduos contra o Estado, “O respeito aos direitos fundamentais, notadamente pelas autoridades públicas, é pilastra-mestra na construção de um verdadeiro Estado democrático de direito” (PEIXOTO, 2007, p. 2). 

A dignidade da Pessoa Humana é a peça chave na forma de entender os Direitos Humanos, pois corre-se o risco de uma possível uniformização do que se entende por Direitos Humanos e isto pode ser muito prejudicial em razão da gama de sociedades diferentes que existem no globo, bem como no Brasil que possui uma diversidade, para isso, como o propósito da dignidade da Pessoa Humana, busca-se entendê-la em sua individualidade e particularidade. 

1.4.1 Características dos Direitos Humanos. 

Há uma complexidade enorme em encontrar-se conceitos adequados ao se buscar entender em que se baseiam os Direitos Humanos, mais ainda na tentativa de entender-se suas características. 

1.4.1.1 Universais 

A universalidade baseia o fato de que para possuir a qualidade de detentor de Direitos Humanos basta que sejamos considerados Seres Humanos e ter qualidade de tal. Então não há formas de diferenciação entre seres humanos, todos são titulares e possuidores de Direito, por isso o chamado caráter da universalidade. Porém, há Direitos Fundamentais que podem ser limitados de acordo com certas características de alguns grupos, sem, no entanto, prejudicar o caráter universal dos Direitos Humanos Fundamentais. Tais quais os Direitos dos trabalhadores em que os trabalhadores são individualizados e portadores de certos direitos. O Caráter universal se dá na impossibilidade de diferenciação entre os seres da mesma classe, como no caso em comento, não há como haver diferenciação entre trabalhadores. 

1.4.1.2 Historicidade 

O caráter histórico dos Direitos Humanos tem relação com a evolução que os Direitos Humanos passam a se perpetuar, são frutos de evoluções históricas, racionais e culturais. 

Como explica o Professor Noberto Bobbio (Página 5-19. 1992):

“os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (…) o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas” 

1.4.1.3 Indivisibilidade 

Os Direitos Humanos formam um grupo de Direitos a que o homem tem direito, não podendo ser divisível, portanto, quando um direito humano é violado, toda gama de direitos também é violada. 

1.4.1.4 Irrenunciabilidade 

Esta característica está ligada ao fato do portador do Direito não poder escolher abrir mão dos Direitos que possui, pois os Direitos Humanos Fundamentais carregam em si o caráter de fundamentalidade material da dignidade da pessoa humana, sendo, desse modo, irrenunciável. O Direito Fundamental é irrenunciável, também, pelo fato de que a renúncia deste direito atingiria toda a sociedade e não apenas o seu portador. 

Porém, em certas hipóteses, há a necessidade momentânea de renúncia de certos direitos em nome de outros da mesma espécie. Neste caso há de se analisar o caso em concreto com os bons olhos da proporcionalidade entre os direitos postos em conflitos. 

1.4.1.5 Vedação ao Retrocesso 

A vedação ao retrocesso impede que Direitos conquistados sofram restrições ou extinções, apenas se é admitido a expansão de tais Direitos em virtude de melhorias, isso por respeito ao princípio da dignidade da Pessoa Humana. Um Estado Democrático de Direito deve proteger ao máximo os Direitos Fundamentais, bem como buscar efetivar a aplicação das normas relacionadas a tal Direito, sendo alguma norma contrária a este pensamento, deve, ela, ser excluída do ordenamento jurídico. 

1.4.1.6 Inalienabilidade 

Os direitos humanos não possuem caráter econômico e nem patrimonial. Por isto que não é possível negociá-los ou transferi-los. Essa condição se dá pelo fato de que o homem jamais deixará tal condição, não perdendo a condição de titular destes direitos e sendo os Direitos Fundamentais a base para garantia da condição de ser humano. 

Nem todos os são direitos inalienáveis, mas, sim aqueles que busquem resguardar as condições mínimas da vida biológica, bem como pela liberdade de condições de tomada de decisões e estando resguardados a saúde mental e física da pessoa. 

1.4.1.7 Imprescritibilidade 

Em regra, os Direitos Fundamentais não prescrevem, pois a todo momento estão sendo exercidos apenas pela condição de ser humano que alguém possui, porém, certos Direitos possuem caráter prescritível, a exemplo da propriedade que caso não seja exercida pode vir a ser tomada pela usucapião. 

Nesse mesmo seguimento, temos:  

“prescrição é um instituto jurídico que somente atinge coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade dos direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.” (Silva, Afonso.1992.) 

Portanto, aqueles direitos que são exercidos apenas pela condição humana possuem esse caráter de imprescritíveis, pois o uso deles se torna contínuo apenas pela condição que se encontra, o de ser humano. 

Resumidamente, podemos anotar essas como as principais características dos Direitos Humanos, visto que não há precisão ainda em suas classificações por ser considerado um campo recente de estudos. Importantes conquistas houveram desde o início de maior aprofundamento e análises dos Direitos Humanos, entre elas o tratamento digno do ser humano que trouxe muitos direitos que antes não eram garantidos, como o da igualdade, garantias frente ao Estado e tudo isso graças ao acesso à justiça, ferramenta fundamental na luta pelas conquistas e reconhecimento de todos esses Direitos, que será objeto de análise mais a frente. 

2 O ACESSO À JUSTIÇA. 
2.1 O Estado de Direito e o acesso à justiça. 

Para entender melhor o conceito do acesso à justiça em um Estado Democrático de Direito, urge demonstrar os conceitos envolvidos, trazendo noção sobre os temas que serão comentados, pois são considerados conceitos complexos e de grande carga de subjetividade e que apesar de toda discussão teórica e dogmática, continua muito atual e pertinente tal discussão. 

Conceitos como o que se entende por justiça, o que procura ser a justiça e como é a funcionalidade de um Estado Democrático de Direito são ideias importantes para introdução do tema sobre o acesso à justiça no Brasil. 

Conceitos considerados princípios basilares da atual formação do Estado Brasileiro são objetos de discussão desde muito tempo, sendo a Grécia é considerada um dos primeiros palcos de tais discussões a respeito do Direito e seus pensamentos filosóficos que o circundam. 

A Grécia Antiga foi o berço das primeiras discussões filosóficas sobre o direito que vieram a influenciar várias correntes no decorrer da história. Especificamente no que interessa ao tema proposto, foi naquela época que começou a tomar forma a expressão hoje conhecida como isonomia, e cuja concepção, somada a correntes filosóficas como a jusnaturalista, teria grande influência no futuro, no que concerne à questão dos direitos humanos. (CARNEIRO, 2000, p.04)

Posto isto, percebe-se o grau de dificuldade do tema em debate, o que seria realmente o chamado acesso à justiça buscado? Que tipo de justiça se busca ter-se o acesso?  

A realidade do Brasil sem dúvidas algumas reflete em graves questões sociais, onde grande parte da população sofre da pobreza, a Ordem Constitucional vigente deve, por meio de mecanismos adotados buscar assegurar, assim, um dos princípios esculpidos na Constituição Federal da República do Brasil, qual seja o da isonomia por meio do acesso à justiça como forma de busca e efetivação dos Direitos e das Garantias de cada cidadão, independente da classe social ou qualquer outra forma de diferenciação. 

Desta forma, o Poder Judiciário é o órgão responsável por oferecer, àqueles que batem às suas portas, uma devida tutela jurisdicional de qualidade, que seja responsável por dirimir conflitos da melhor forma possível, trazendo decisões que sejam congruentes com a realidade social e que tenham efeitos e resultados possíveis. Este, é o início da busca para obter-se uma tutela por parte do Estado de Direito ameaçado de lesão (via preventiva) ou, propriamente lesado (via repressiva). 

Art. 5º, XXXV da Constituição Federal Brasileira: 

– A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; 

Com a leitura do artigo supracitado, tem-se o entendimento que o Ordenamento Jurídico fez a distinção entre o Direito de ação propriamente dito com a efetivação ou procedência do Direito postulado, sendo possível que aquele que acredite ter seu direito de alguma forma lesado ou ameaçado de lesão tenha sua demanda analisada e se possível, sanada. 

2.1.1 Do Estado Democrático de Direito. 

Importante Tema para ser introduzido ao assunto ora em análise é a significação do Estado Democrático de Direito, pois é de crucial importância entendê-lo para que seja mais próximo a compreensão dos motivos que levam ao acesso à justiça pelos cidadãos. 

O Estado pode ser considerado como as relações existentes entre um Poder Público Soberano e os indivíduos que se submetem e coexistem naquele espaço delimitado. Pode-se dizer que para ser considerado Estado, há de ser composto por elementos essenciais, tais como Território, População e Poder. Isto são os requisitos para existência do Estado. 

Urge a necessidade de organizar o Estado para que haja uma convivência harmônica entre seus cidadãos. Sendo no Brasil, a Constituição da República é considerada a materialização do Estado Brasileiro. 

O Estado Democrático de Direito está ligado à ideia de vinculação do Estado às normas de Direito, ou seja, o Estado busca respeitar as Leis, Normas e princípios, buscando concretizar os Direitos e Garantias Fundamentais dos Cidadãos. Os direitos básicos, como e de ir e vir, o Direito a um julgamento imparcial, sendo o Direito da ampla defesa àqueles acusados de cometer crimes, Direitos Trabalhistas, entre outros. 

Em suma, esse conjunto de Direitos pretende garantir uma vida digna em condições mínimas de existência para qualquer pessoa, sendo o Estado o responsável por assegurar isto. 

2.1.2 Do acesso à justiça. 

A concretização dos Direitos e Garantias Fundamentais é muito interligado à efetividade da tutela da prestação jurisdicional e sua real funcionalidade e efetivação e são temas de muito relevo no Direito contemporâneo.  

A noção do que seria o acesso à justiça era até pouco tempo atrás considerada como um conceito inacabado, pouco explorado e até mesmo pouco conhecido, ainda mais quando se via sob uma perspectiva social Brasileira, na qual conta com uma sociedade muita complexa e diferente que encontrava grandes óbices à concretização dos Direitos e Garantias Fundamentais dos seus membros. 

Com a evolução do Constitucionalismo e crescente a ideia de Neoconstitucionalismo, houve uma evolução do que seria considerado o acesso à justiça, sendo uma forma de aplicação concreta com eficácia e eficiência contemporâneo ao que se entende por Direito, em congruência com o princípio basilar da dignidade da Pessoa Humana. 

De acordo com este pensamento, Eduardo Cambi elucida, “o direito deve ser entendido dentro das respectivas relações de poder, sendo intolerável que, em nome da ‘vontade do legislador’, tudo que o Estado faça seja considerado legítimo”. (CAMBI, 2011, p. 37) 

Extrai-se a noção que o Estado é limitado a respeitar e assegurar os Direitos Fundamentais de aqueles indivíduos que ele tiver poder, bem como os particulares, tendo total observância aos preceitos esculpidos na Constituição Federal da República que serve como base e parâmetro para todo o Ordenamento Jurídico seguinte, que deve adotar os ensinamentos trazidos na Carta Maior. E neste sentido que está entrelaçado o significado máximo da forma de ser conduzido o Direito Fundamental de acesso à justiça. 

Importante ponto a esclarecer diante de tais questionamentos e reflexões baseia-se na crucial diferença entre o conceito do acesso à justiça e o conceito de acesso ao judiciário, que podem vir a confundir as percepções sobre a observância dos preceitos, mas que possuem distinções. 

Como Coaduna com este pensamento, Portanova (2001, p. 112), pensa haver duas possibilidades de interpretações na expressão “acesso à justiça”: 

O primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano.

Ou seja, haveria a dupla interpretação da busca por formas de tutelas justas, bem como a simples junção do significado de justiça em relação ao Poder Judiciário, sendo, porém, um sentido incompleto, pois não haveria qualquer preocupação com o resultado final de alguma demanda que fosse a vir posta a julgamento. 

Este tipo de pensamento não traria qualquer valoração aos mandamentos da decisão que fossem contrários aos direitos humanos básicos ou até mesmo aos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo a simples possibilidade de acesso à justiça o suficiente para que fosse, tal conceito, declarado cumprido. Bastaria qualquer forma de se permitir o acesso ao Judiciário que emitiria uma sentença de mérito, podendo ser esta sem qualquer aplicabilidade no cotidiano daqueles que estariam sujeitos à prestação jurisdicional, que estariam satisfeitos os princípios. Todavia, tal entendimento seria insuficiente para real busca de consagração dos Direitos Humanos e da dignidade da pessoa humana. 

Continuando o raciocínio, Portanova (2001, p. 112) indaga, “a formulação do princípio optou pela segunda significação. Justifica-se tanto por ser mais abrangente, como pelo fato de o acesso à justiça, enquanto princípio, inserir-se no movimento para a efetividade dos direitos sociais”. 

Conclui-se que a simples busca pelo Poder Judiciário não seria suficiente para o total acesso à justiça, o conceito precisa que se vá além, que realmente busque os resultados de acordo com a necessidade mínima daqueles que o procuram, mesmo que para se obter quaisquer decisões de mérito justas e aplicáveis seja necessário o ingresso pelas portas do Poder Judiciário. 

Como resultado do princípio de acesso à justiça, tem-se a presença de outros postulados que têm essencial importância, são eles: Os Direitos de Ação e Defesa. 

2.1.2.1 Do Direito de Ação.  

O direito de ação é um Direito Fundamental que é instrumento processual de concretização de outros Direitos e compreende a necessidade do Estado de dar o suporte aos Cidadãos de terem suas demandas analisadas e decididas as prestações voltadas à satisfação de tais direitos. 

Como trazem ao conhecimento Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 175): 

“O legislador tem o dever de instituir técnicas processuais que permitam ao cidadão exercer a ação de maneira efetiva. Ou melhor, o legislador tem o dever de dar ao cidadão as ferramentas que lhe permitam construir e utilizar a ação adequada e idônea à proteção do seu direito material. Isto evidencia que o direito fundamental de ação não se volta somente contra o Estado-juiz.” 

Para que seja considerada efetiva, a tutela estatal frente a violação ou ameaça de violação de Direito deve atender a demanda de acordo com a necessidade, sendo necessário que haja a satisfação bem como que se volte ao status quo, ou seja, não havendo qualquer tipo de lesão ou ameaça a lesão de Direito de outrem. Para melhor entender: 

 “(…) a fiel identificação da tutela do direito pretendida pela parte. Vale dizer: é preciso em primeiro lugar olhar para o direito material a fim de saber-se qual a situação jurídica substancial que se pretende proteger judicialmente” (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2016, p. 188). 

Pelo Direito de ação, o indivíduo obriga a jurisdição a trazer um posicionamento, com “técnicas processuais adequadas para a efetivação do direito material” (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2016, p. 183), a fim de obter uma tutela satisfatória sobre seu direito. 

Por fim, demonstra-se a suprema necessidade de haver o Direito à ação no Ordenamento Jurídico brasileiro, como forma de acesso pelo ao judiciário em busca das tutelas dos Direitos dos cidadãos. 

2.1.2.2 Do Direito à Defesa. 

O Direito à defesa constitui, também, um Direito Fundamental assegurado pela Constituição Federal da República de 1988, em seu Artigo 5º, que prevê tanto o contraditório, quanto a ampla defesa, bem como os recursos inerentes a ela, tanto nos processos que sejam judiciais quanto nos procedimentos administrativos. 

É um Direito garantido ao réu (polo passivo) em algum processo e também em certos casos ao próprio autor (pólo ativo). 

Para se conceituar mais profundamente o Direito à Defesa, urge iniciar a busca, conforme supracitado, pela Constituição Federal, que traz em seu Art. 5º, LV, a seguinte descrição: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” 

Percebe-se que por estar incluído no rol do Art. 5º da Constituição, trata se de um Direito e Garantia Fundamental, bem como o direito de ação, o direito de defesa é assegurado, formal e material, pela Carta Maior, portanto, é garantia assegurada a todo tipo de processo, judicial e administrativo. 

Importante constatação diz respeito que o Direito à defesa é complementado pelos recursos e meios a ela inerentes, que é algo indispensável para seu pleno exercício. 

Percebe-se que o Direito à defesa é acompanhado pelo Direito da parte ao contraditório, visto que é observado o Direito das partes de trazerem argumentos de acordo com seu entendimento com a finalidade de participar e influir na decisão almejada. 

“O princípio do contraditório é reflexo do princípio democrático na estruturação do processo. Democracia é participação, e a participação no processo opera-se pela efetivação da garantia do contraditório. O princípio do contraditório deve ser visto como exigência para o exercício democrático de um poder.” (DIDIER JR., 2010, p. 52).

Ou seja, a ampla defesa está intimamente ligada ao contraditório, sendo uma indispensável ao outro, “a ampla defesa qualifica o contraditório. Não há contraditório sem defesa. Igualmente é lícito dizer que não há defesa sem contraditório. O contraditório é o instrumento de atuação do direito de defesa”. (DIDIER JR, 2010, p. 55). 

Porém, apesar de estarem interligados e comunicarem-se intimamente, não devem, pois, ser confundidos, guardando cada um destes conceitos particularidades que servem como complemento de princípios e garantias. 

Importante frisar, porém, que o Direito à defesa não é absoluto e ilimitado, tendo certas ocasiões que seu exercício poderá ser postergado por situações excepcionais demonstradas no escopo do processo pela parte demandante. No caso do conhecido Brocardo do “Inaudita Altera Parte”, onde o juiz toma uma decisão liminar sem que seja ouvida a parte contrária, quando houver necessidade urgente ou quando houverem medidas acautelatórias, quando necessita de sigilo e caso seja ouvida a outra parte, poderá impedir a própria medida. 

A eventual restrição do direito de defesa, caso justificada racionalmente, não fere o direito constitucional de defesa. O que importa é evitar que a restrição da defesa, nessa ocasião, redunde em “prejuízo definitivo”, retirando do réu a oportunidade de exercer a defesa em fase posterior à decisão proferida no curso do processo ou mesmo através do exercício de ação autônoma. (MARINONI, 2011, p. 319).

Por ser uma medida excepcional, em que uma das partes tem seu direito ao contraditório e a ampla defesa diferido, a medida não pode ser irreversível e nem causar dano muito grave à parte adversa em função da demora.  

Pode ser notado que o objetivo principal é que haja equilíbrio no processo, pautado no princípio da isonomia e não apenas direitos ilimitados.

“Ter ampla defesa não é, evidentemente, possuir uma possibilidade de defesa que supere o limite da dimensão de participação que se deve dar ao réu para que ele possa efetivamente influir sobre o juízo e evitar que a sua esfera jurídica seja invadida de forma não adequada ou necessária. Por ampla defesa se deve entender o conteúdo de defesa necessário para que o réu possa se opor à pretensão de tutela do direito (à sentença de procedência) e à utilização de meio executivo inadequado ou excessivamente gravoso”. (MARINONI, 2011, p. 318). 

Dentro de toda essa perspectiva do Direito à defesa, é importante salientar a necessidade de que não deva haver uma confusão entre o exercício deste Direito e o uso abusivo do mesmo. 

Os sujeitos e partes integrantes do processo devem utilizar-se de “técnicas adequadas à realização concreta dos direitos fundamentais à tutela efetiva e à duração razoável do processo” (MARINONI, 2007, p. 22), pois, de acordo com conhecimento geral dos operadores do Direito, “a demora do processo sempre prejudica o autor que tem razão e beneficia o réu que não a tem”. (MARINONI, 2007, p. 25). 

O uso abusivo do Direito de defesa pode ser ligado a um ato ilícito, sendo o lesado passível de recebimento de indenização por aquele que venha a lesá-lo. 

De acordo com Theodoro Júnior (2001, p.20): 

“O uso abusivo do direito, isto é, aquele feito com desvio de sua função natural, para transformar-se em veículo do único propósito de lesar outrem, equipara-se a ato ilícito e, como tal, enquadra-se na hipótese prevista no art. 159[8], do Código Civil, acarretando para o agente o dever de reparar integralmente o prejuízo injustamente imposto ao ofendido.” 

Pode haver situações em que aquele que se encontre em posição de defesa use e abuse deste Direito com intuito de protelar ao máximo qualquer resultado proveniente da demanda, ao saber e ser conhecedor do real Direito do Titular que busca a resolução do mesmo se utiliza dos mecanismos processuais para prejudicar o autor que possui razão. Por este motivo, há algumas penalidades previstas àqueles que agem de má fé no curso da marcha processual, buscando prejudicar o autor que possui Direitos violados ou ameaçados de lesão. 

Posto isto, é de suma importância aos operadores que não se confunda o Direito de Defesa com o abuso deste Direito. 

Para finalizar, o Direito de defesa faz parte da busca do acesso à justiça a partir do momento que o cidadão que passa por uma processo, tanto judicial quanto administrativo, certamente possui a prerrogativa garantida pela Constituição Federal da República de se defender e buscar a justiça plena, influindo e demonstrado o seu ponto de vista no caso em análise, sempre buscando a melhor solução para si e influindo em busca do resultado almejado. 

2.1.3 Questões legais do acesso à justiça por meio do Estado democrático de Direito. 

A perspectiva voltada análise pela visão da sociedade democrática de Direito é vista sob o prisma de um constitucionalismo como topo da Ordem Jurídica e de um Estado que tem como Princípio basilar a supremacia da Constituição e dos Direitos Fundamentais de cada Cidadão para que se busque chegar próximo à dignidade da pessoa humana. 

O Estado é formado por seus órgãos e seus mandamentos garantistas devem estar voltados à satisfação da justiça. E a constituição é um “guia” de como ter acesso à justiça, tanto nas formas procedimentais, quanto nas questões substanciais. 

Tais instrumentos materiais e processuais podem ser listados de acordo com o que se encontra na Constituição Federal da República do Brasil de 1988: 

– A dignidade da pessoa Humana:  Art. 1º A República Federativa do 

Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana; 

Pode-se obter a dignidade da Pessoa Humana, um dos princípios basilares da sociedade democrática de Direito, buscando: 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; 

Tendo essa sociedade livre, justa e solidária pautada no respeito entre cada cidadão dessa sociedade: 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II – a cidadania; 

Tendo como objetivos: 

Art. 3º da Constituição (…): 

II – garantir o desenvolvimento nacional; 

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

Sendo, a Constituição, sistemática, basicamente uma bússola que demonstra os caminhos, objetivos e princípios que devem ser buscados pelo Estado formado. 

No tocante ao contexto processual, encontramos o princípio da inafastabilidade da jurisdição, já mencionado anteriormente: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; 

O dever do judiciário de apreciar qualquer ameaça a lesão ou lesão de Direito deve ser por meio do devido processo legal, sendo garantido o contraditório e a ampla defesa e tendo o processo, uma duração razoável, sendo os julgamentos públicos e fundamentados, caso seja desrespeitado tais situações, ocorrem pena de nulidade: 

Art. 5º (…) da CF: 

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; 

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; 

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.  

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: 

(…) 

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; 

Tudo isso demonstra o cuidado do legislador em buscar ao máximo as garantias de modo a trazer uma vida digna aos cidadãos do Brasil. 

2.1.4 Direito de ação e de defesa como forma de concretização do acesso à justiça. 

De acordo com os pensamentos trazidos acima, bem como as reflexões, se aduz que os Direitos de ação e o de ampla defesa e contraditório são essenciais para a manutenção e busca pela justiça. Por meio deles, permite-se às partes dialogarem no curso do processo, como também influírem na decisão final de acordo com a demonstração da lesão ou ameaça de lesão, ou de qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo de Direito. Quando se move uma ação contra outra pessoa, o polo ativo tem a oportunidade de trazer seus argumentos com a finalidade de convencer a jurisdição sobre sua tese, em contrapartida o polo passivo também recebe a oportunidade de se pronunciar sobre a lide, sendo buscado, o melhor possível, a verdade processual que chegue próximo da verdade real. 

O Poder Judiciário deve ser visto como um local onde os cidadãos busquem a saciedade de seus Direitos: 

Isso porque a questão do acesso à justiça se originou da necessidade de integrar as liberdades clássicas, inclusive as de natureza processual, como os direitos sociais. O direito de acesso à jurisdição – visto como direito do autor e do réu – é um direito à utilização de uma prestação estatal imprescindível para a efetiva participação do cidadão na vida social, e assim não pode ser visto como um direito formal e abstrato – ou como um simples direito de propor a ação e de apresentar defesa –, indiferente aos obstáculos sociais que possam inviabilizar o seu efetivo exercício. (MARINONI, 2011, p. 316).  

O acesso ao judiciário não pode ter obste para aquele cidadão que não possui recursos econômicos suficientes para custear os valores do processo, portanto, deve-se ter também uma justiça isonômica, que se preocupe com a situação de vulnerabilidade de alguns cidadãos, como será visto mais à frente quando falarmos de como o Estado garante a assistência jurídica gratuita em todos os níveis de jurisdição, tanto judicial quanto extrajudicial, pois caso não fosse assegurado este Direito aos desprovidos economicamente “isso negaria o direito de usufruir de uma prestação social indispensável para o cidadão viver harmonicamente na sociedade”. (MARINONI, 2011, p. 316). 

O processo deve ser encarado como um meio instrumental de transformação da sociedade, muitos mais do que apenas um elemento de efetivação do Direito. Por meio do processo, busca-se a diminuição de desigualdades sociais e efetivação da busca pelos objetivos norteadores constitucionais, objetivando sim, a justiça social. 

2.2 Das ondas renovatórias da justiça. 

Importante trabalho foi realizado por Mauro Cappelletti em sua obra denominada de “acesso à justiça” onde o mesmo expôs 3 ondas renovatórias de acesso à justiça que fizeram parte e influenciaram a legislação brasileira. Importante destacar que a obra foi importante para aperfeiçoar a criação de mecanismos suficientemente úteis de efetivação da garantia jurisdicional. 

2.2.1 Primeira onda renovatória do acesso à justiça: Assistência judiciário aos desfavorecidos.

De acordo com Cappelletti (Obra acesso à justiça, 2002), a primeira onda de renovação do acesso à justiça teria como objetivo a população menos abastada. O pagamento de honorários advocatícios, o custo envolvendo o processo e até mesmo a falta de conhecimento dos indivíduos mais pobres sobre os Direitos tornava-se o acesso à justiça quase que impossível. 

A necessidade de se ter um advogado é essencial em face de Leis com significados complexos e procedimentos únicos e da mesma forma com graus elevados de complexidade. De acordo com Cappelletti e Garth (2002, pág. 3): “na maior parte das modernas sociedades, o auxílio de um advogado é essencial, senão indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa” 

Na obra, Cappelletti e Garth trazem possíveis modelos para efetivação da assistência judiciária aos carentes. 

O primeiro, seria o denominado por eles de “sistema judicare” que segundo Cappelletti (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 35). 

Tratava-se de um sistema através do qual a assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei. Os advogados particulares, então, são pagos pelo Estado. A finalidade do sistema judicare é proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que teriam se pudessem pagar um advogado.  

Portanto, o Estado seria o responsável por pagar o advogado particular daqueles que não tivessem condições para realizar tal pagamento. 

Porém, este modelo possuía certas desvantagens, pois “Não estão aparelhados para transcender os remédios individuais”. (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 39).  

Para se obter serviços técnicos de qualidade de profissionais jurídicos deve-se pagar um preço alto, gerando grande despesa para o Estado que certamente não pagaria o que um particular pagaria, pela alta quantidade de demanda que culminaria em grandes gastos públicos. Desta maneira, “sem remuneração adequada, os serviços jurídicos para os pobres tendem a ser pobres, também”. (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 47). 

O problema deste modelo é a limitação da busca pelos Direitos, não sendo uma luta tão ampla quanto à real necessidade dos cidadãos. 

Dando continuidade, o segundo modelo é conhecido como “salaried staff”, sendo assim trazido por Cappelletti e Garth:  

“O modelo de assistência judiciária com advogados remunerados pelos cofres públicos tem um objetivo diverso do sistema judicare, o que reflete sua origem moderna no Programa de Serviços Jurídicos do Office of Economic Opportunity, de 1965 — a vanguarda de uma “guerra contra a pobreza”. Os serviços jurídicos deveriam ser prestados por “escritórios de vizinhança”, atendidos por advogados pagos pelo governo e encarregados de promover os interesses dos pobres, enquanto classe.”. ( 2002. Pág. 202.) 

Aqui, já havia uma alteração, caracterizando a comunidade carente como uma classe e prestando uma assistência não apenas judiciária, mas também uma assistência prévia e informativa trazendo aqueles mais carentes uma conscientização sobre seus Direitos. 

Este é um modelo que é considerado obrigatório no Direito Brasileiro evoluindo no ordenamento jurídico até se chegar ao atual padrão conhecido das Defensorias Públicas, com base no mandamento Constitucional presente no Art. 5º, LXXIV e no Artigo 134. 

O Brasil começou a evoluir com experiências do Rio de Janeiro e São Paulo em que os membros do Ministério Público também realizavam a defesa daqueles que eram carentes na forma da lei. 

Posteriormente viu-se a necessidade da criação de órgão com autonomia funcional, administrativa e financeira, vindo a criar a Defensoria Pública. A defensoria pública será mais aprofundada posteriormente. 

2.2.2 Segunda onda renovatória: Interesses Difusos. 

A segunda onda estava voltada a solucionar os problemas encontrados e apontados dos códigos tradicionais, que eram mais voltados ao individualismo, mas que se buscava a resolução de lides de cunho coletivo. Voltado mais especificamente ao Processo Civil que era visto apenas no campo de disputa de particulares, tendo como interesse a resolução de controvérsias individuais. 

“Centrando seu foco de preocupação especificamente nos interesses difusos, esta segunda onda de reformas forçou a reflexão sobre noções tradicionais muito básicas do processo civil e sobre o papel dos tribunais. Sem dúvida, uma verdadeira “revolução” está-se desenvolvendo do processo civil” (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 18). 

A sociedade contemporânea evoluiu e seus problemas evoluíram da mesma forma, houve cada vez mais os chamados conflitos de massa, onde diversas pessoas faziam parte de um determinado grupo que estaria atrás de seus Direitos ou que teriam estes violados, gerando causas complexas e que teve como resultado a busca de criação de mecanismos a tutelá-los quando fossem lesionados. 

Para tanto, em seu Art. 81, P.Ú, o Código de Defesa do Consumidor veio a conceituar os respectivos direitos: 

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. 

        Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: 

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; 

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; 

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Entre esses mecanismos aptos a tutelar os direitos coletivos estão: Ação Popular, Ação Cível Pública, Mandado de Segurança Coletivo, o próprio Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública. 

2.2.3 Terceira onda renovatória: Instrumentalidade do processo e métodos alternativos de solução de Conflitos.  

Na terceira onda de acesso à justiça há uma maior preocupação com a efetividade da aplicação do Direito, bem como métodos para encontrar sua simplificação. 

Um dos exemplos foi a criação dos juizados especiais (Lei 9.9099/95), onde várias atividade processuais de menor complexidade foram simplificadas para se alcançarem resultados de forma mais rápida e célere, como traz mandamento Constitucional expresso do Art. 98, onde trata de que o sistema público irá criar os juizados especiais. 

Por seu turno, ao trazer a temática de métodos alternativos de solução de conflitos, faz-se mister trazer sobre mediação, conciliação e arbitragem utilizadas para resolver a lide de forma célere. O acesso à justiça por métodos alternativos torna-se, nesta senda, Direito fundamental dos jurisdicionados, visto que a busca pela pacificação dos conflitos de forma mais rápida e efetiva não é mera discricionariedade e sim de dever ser seguido de forma prioritária. 

2.2.4 Quarta onda renovatória da justiça: humanização dos profissionais do Direito. 

De acordo com trazido acima, a literatura de Garth e Cappelletti trouxeram significativas contribuições para o acesso à justiça. 

Nesta senda, porém, de acordo com Kim Economides, restou por faltar mais um aspecto que ficou materializado no que para ele seria a quarta onda do acesso à justiça.  

A observação de Kim Economides se voltou aos profissionais do Direito, observando a má formação dos futuros profissionais, que além de serem muitas vezes pouco dotados de conhecimento técnico, por vezes falta aquele conhecimento humanista, sobre as diversas áreas do conhecimento. 

Portanto, busca-se trazer uma proposta na renovação da formação jurídico acadêmica, a partir da premissa que a justiça precisa de pessoas técnicas, pensadoras e sensíveis para com os problemas sociais que se apresentam diariamente, sendo capaz de interpretar as normas e na mesma direção ser responsáveis e coerentes com suas ações. 

3 O PAPEL DO ESTADO DE DIREITO NA POSITIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA. 

Com o advento da Constituição Federal da República do Brasil de 1988, o Estado buscou fornecer instrumentos de acesso à justiça para sociedade como um todo, muito além apenas daqueles que possuíam condições de adquirir serviços jurídicos, como também aparatos institucionais que fizessem valer o acesso de toda a população à justiça 

3.1 Ministério Público e sua função social em prol do acesso à justiça. 

A partir do momento que houve uma regulação pelo Estado de ser o responsável pela resolução de conflitos advindos da sociedade, houve a criação da chamada jurisdição, onde, dividida por matérias, porém sendo una, ficou na figura dos juízes a resposta aos imbróglios naturais que acontecem em uma sociedade. Portanto, cada juiz ficaria responsável por uma matéria, sendo o representante estatal apto a assegurar a aplicação da função de dizer o Direito do Estado, sendo coibido, apenas possível em raras exceções, a autotutela. 

Portanto, por a autotutela ser algo proibido, todos que tiverem lesão ou ameaça de lesão a Direito devem ter a possibilidade de recorrer ao judiciário. 

Certamente, basta uma rápida análise no contexto cultural, econômico e sociais, para se ter ideia bastante cristalina que não há uma igualdade na possibilidade da busca ao acesso à justiça por todos aqueles que a procuram. 

À vista dessa situação, a cada passo que o Ministério público se faz presente em prol da busca ao equilíbrio da balança a quem quer se encontre em uma situação de “inferioridade”, ele está garantindo o Direito ao acesso à justiça. 

Pelas suas funções ditadas constitucionalmente, quais sejam, a defesa da ordem jurídica, bem como do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis, há o papel tanto de interventor como de autor responsável por iniciar algumas ações. 

Com a evolução e constante problemática atinente à complexa vida que a sociedade leva, deram origem a uma gama de efeitos, como a propagação de resultados vindos do comportamento humano, trazendo a probabilidade de, mediante um único fenômeno jurídico, atingir diversas pessoas indistintamente. Diante desta situação, onde diversas pessoas não definidas sofrem efeitos e um único fato ou ato jurídico, é que foi criado a categoria dos intitulados interesses ou direitos difusos. Por um mesmo direito pertencer ao mesmo tempo a um como a vários outros seres humanos fez com que tivesse a impossibilidade desses direitos serem tratados de maneiras distantes. 

Não sendo possível a determinação individual ou sendo seus titulares identificáveis, os interesses ou direitos difusos são conhecidos como “dessubstantivados”, “sem dono” ou “esparsos” (MANCUSO, 2010, pág. 103), e mais de interesses “de série”, por seus titulares serem desconhecidos (GOZAÍNI, 2005, pág. 103). Por conta dos sujeitos estarem em agrupamentos sociais, que não tem uma dimensão definida, a identificação destes não se faz cabível, sendo reconhecido pelo caráter difuso. Neste caso, a familiaridade advém de circunstâncias fáticas, não sendo necessário ato jurídico anterior. 

Quando há a possibilidade de determinação do grupo de pessoas resultantes da relação jurídica com a mesma parte contrária, surgem os chamados interesses ou direitos coletivos, mesmo se o bem jurídico não for repartível. 

Porém, não apenas como um órgão responsável e atuante em casos judiciais, aumentaram-se oportunamente os papéis com que venha a desenvolver em um contexto extrajudicial. 

Pode ser o responsável por investigações diretas de delitos penais, como também ser o responsável pelo controle externo da polícia. Já no campo fora da área criminal, pode vir a exercitar a chamada administração pública de interesses privados, a exemplo de concordâncias em acordos extrajudiciais, bem como também no dever prestacional de atendimento ao público. 

3.1.1 Ministério Público atuante na área judicial. 

Como trazido anteriormente, na esfera judicial, o Ministério Público faz parte da relação a partir do momento que este inicia uma ação ao provocar a função jurisdicional do Estado, quando busca fazer valer normas indisponíveis de ordem pública, bem como também se faz presente quando intervém como terceiro interessado em uma relação jurídica já instaurada, zelando por interesses indisponíveis do cidadão. 

Define a Constituição de 1988 como instituição “essencial à função jurisdicional do Estado” de acordo com artigo 127, sendo essencialmente fundamental quando está em jogo os interesses sociais ou individuais indisponíveis, sendo sua responsabilidade sobre a ordem jurídica perante todos os órgãos públicos, não apenas os órgãos do Poder Judiciário, como consta no artigo 129, II do Código supracitado. 

Para tanto, justamente nesses momentos, na defesa de interesses sociais ou individuais indisponíveis, a interesses difusos ou coletivos, que o Ministério Público busca a defesa destes valores democráticos, seja possibilitando o acesso ao Judiciário, seja como o fator de equilíbrio nas relações processuais. 

Na esfera criminal, tem o Ministério Público, a função de promover a apuração dos delitos e responsabilização de seus autores. Tem total liberdade para fazê-lo como bem entender, tendo liberdade de convicção, podendo inclusive agir em favor do réu quando entender que este seja inocente. Portanto, pode-se tirar de conclusão que ter um órgão de acusação, apesar de parecer um paradoxo, já é uma garantia do acusado, pois o réu tem o direito de ser acusado por um órgão que tenha independência do Estado, sendo escolhido pelo meio Legal para atuar na causa. A ação Penal nas mãos do Ministério Público é uma garantia de defesa pois mostra-se como um fator de imparcialidade do órgão julgador, qual seja o judiciário, porque possibilita a concretização do princípio da inércia. 

Na esfera Cível as funções do Ministério Público vêm crescendo significativamente, sendo o iniciador de inúmeras ações, bem como de órgão interveniente quando há interesse de pessoas que possuam interesses indisponíveis ou que estejam em relação de inferioridade com a outra parte, como exemplo, quando se verificarem a presença de índios, incapazes, massa falida, entre outros. Faz-se interveniente, também, quando houver interesse público presente na lide, tais quando houverem questões de famílias, mandado de segurança, questões testamentárias, etc. 

De acordo com artigo 129, III da Constituição Federal, também fora destacado a função do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.  

A proteção do patrimônio público é campo vasto dentro da expressão. O patrimônio social busca-se o sentido amplo de patrimônio da sociedade, tais quais a flora, a fauna, o ar, entre outros. No campo da ação civil pública, o Ministério Público pode pleitear em defesa do meio ambiente, do consumidor e do patrimônio cultural. A possibilidade de promoção do inquérito civil é responsável pela coleta dos elementos necessários à possível ação civil pública que poderá ser ajuizada pelo Ministério Público na defesa de interesses difusos ou coletivos, bem como na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis. 

Resta importante frisar que a Constituição não deu exclusividade ao Ministério Público de iniciativa da ação civil pública, sendo também permitido a iniciativa por terceiros, de acordo com grafia do artigo 129, §1º da Constituição Federal. 

Outro ponto importante sobre o Ministério Público, é a reserva do artigo 129, V da Constituição que atribui a defesa em juízo dos interesses das populações indígenas. No mandamento do artigo 132 da mesma CF, os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingresso em juízo em defesa de seus interesses, servindo o órgão Ministerial como parte interveniente da lide

3.1.2 Ministério Público atuante na área extrajudicial. 

  Com o passar dos tempos, a iniciativa de questões judicializadas pelo Ministério Público foram inúmeras, não sendo o poder judiciário efetivo no deslinde dos casos pela quantidade excessiva de situações postas à análise, bem como a falta de recursos materiais e humanos suficientes para que houvesse celeridade. O Ministério Público também visualizou a busca de verificar se os seus membros estavam se esforçando para evitar uma judicialização sem necessidade, com a finalidade de otimização nos julgamentos. 

De acordo com Mauro Cappelletti e Bryant Garth, o Ministério Público deveria se vincular com a terceira onda do acesso à justiça, que seria a responsável pela efetividade dos interesses ou direitos transindividuais. De acordo com os autores, a primeira onda de acesso ao judiciário estaria ligada pela presença de pessoas vulneráveis em sua esfera. A segunda onda estaria agarrada à tutela dos direitos pertencentes a um grupo ou a toda sociedade. Ora, a Lei 1.060/50 veio para possibilitar a presença de pessoas carentes na esfera judicial, sendo responsável pela primeira etapa do acesso à justiça. A segunda etapa ficou marcada pela Lei 7.347/85, que disciplinou a ação civil pública, buscando a efetividade de questões de grupos sociais. (CAPPELLETTI, BRYANT, 2002). 

Na terceira onda, deve o Ministério Público focar em questões que simplificam os procedimentos, trazendo maior celeridade, economia e eficiência por meio de mediações e conciliações, optando por uma justiça mais “acessível, participativa e desburocratizada” (WATANABE, 1988, Pág. 123.). 

Portanto, o Ministério Público deve buscar ser o mais resolutivo possível, utilizando a via judicial apenas em último caso, sendo mais proativo e preventivo, antecipando a possíveis questões objeto de conflitos utilizando-se de mecanismos extrajudiciais.  

Não quer dizer que sempre deva ser desta maneira, pois nem sempre há a resolutividade fora da via judicial, visto que as ações civis públicas muitas vezes são essenciais, mas deve-se buscar apenas por ultima ratio, priorizando uma busca mais efetiva e célere pelos direitos de outrem. 

Como instrumento de busca por esse meio mais objetivo de resolução de questões, desde a Lei 8.625/93, que arregimentou a estrutura e as funções Ministeriais, houve uma reiteração sobre a possibilidade do Ministério Público de firmar termos de ajustamentos de conduta como forma de evitar a judicialização de algumas questões, após isto, a Carta de Ipojuca, Pernambuco, em 2003, buscou racionalizar a atividade Ministerial para que se encontrasse em combate de situações mais necessárias para sociedade, devendo atuar como mediadores e pacificadores dos conflitos, retirando o Ministério Público de algumas questões de natureza cível que não justificavam a presença. Já em demandas como do campo criminal e transindividuais exigiam muito mais a presença Ministerial. 

 O CNMP em 2014 baixou a Resolução Nº 118, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público. Em 2016, a chamada Carta de Brasília foi assinada buscando a modernização do controle da atividade extrajurisdicional da Instituição, incentivando a sua atuação resolutiva. 

3.2 Defensoria Pública como conquista ao acesso à justiça pelo Cidadão. 

Com a evolução das Constituições que o Brasil passou, houve um crescente aprimoramento da busca ao acesso à justiça pela população como um todo, buscando o mínimo existencial para os cidadãos para que fosse de fato concretizado a dignidade de vida a todos. 

A Defensoria Pública faz parte deste contexto evolutivo de sociedade, sendo este instrumento de concretização do mínimo existencial. 

De acordo com o artigo 5.º, LXXIV, da Constituição Federal consta que:  

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; 

A assistência judiciária apenas passou a ser vista a partir da Constituição de 1934, no artigo 113, n. 32, que tinha a seguinte escrita: 

“A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais, e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos.” 

Posteriormente, esta garantia foi retirada do texto da Constituição de 1937, voltando a ser posta na Constituição de 1946, no artigo 141, §35, que trazia: 

“o poder público, na forma que a Lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados.” 

Também na de 1967, em seu artigo 150, §32 e na EC 1/69, no artigo 153, §32, que ditava “será concedida assistência judiciária aos necessitados na forma da lei.” 

Por fim, de forma mais ampla e desenvolvida, na Constituinte de 1988 prevaleceu o status de direito e garantia fundamental da República a assistência judiciária, no Art. 5.º, LXXIV, como comentado anteriormente, vindo a consagrar a Defensoria Pública também como instrumento de realização da busca por esse Direito, encaixando a instituição em uma das funções essenciais da justiça. 

De acordo com que analisou Jorge Bheron Rocha:  

“No brasil intentando fazer cumprir o objetivo de redução das desigualdades e erradicação da pobreza (art. 3º, III, CRFB), garantindo, a todos, o acesso à justiça (Art. 5º,XXXV, CRFB), como forma de construir uma sociedade livre, justa e solidária (Art. 3º, I, CRFB), independente de origem, cor, raça, posição social, gênero ou orientação sexual, convicção filosófica, política ou religiosa, idade , entre outros (art. 3.º, IV, CRFB), é que o constituinte originário erigiu em favor dos necessitados (Art. 5.º, LXXIV, CFRB) uma Instituição especialmente dedicada à sua orientação, defesa e promoção jurídicas: a Defensoria Pública (Art. 134, caput, CFRB)” (O histórico do arcabouço normativo da Defensoria Pública: da assistência judiciária à assistência defensorial internacional. 2016. Pág. 266). 

Observando todas as Constituições anteriores a de 1988, vê-se uma evolução real que passou da simples assistência judiciária à assistência jurídica integral e gratuita, globalizando o sentido de ajuda aos vulneráveis. 

Como anota Barbosa Moreira: 

“a grande novidade trazida pela Carta de 1988 consiste em que, para ambas as ordens de providências, o campo de atuação já não se delimita em função do atributo ‘judiciário’, mas passa a compreender tudo que seja ‘jurídico’. A mudança do adjetivo qualificador da ‘assistência’, reforçada pelo acréscimo ‘integral’, importa notável ampliação do universo que se quer cobrir. Os necessitados fazem jus agora à dispensa de pagamentos e à prestação de serviços não apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos. Incluem-se também na franquia: a instauração e movimentação de processos administrativos, perante quaisquer órgãos públicos, em todos os níveis; os atos notariais e quaisquer outros de natureza jurídica, praticados extrajudicialmente; a prestação de serviços de consultoria, ou seja, de informação e aconselhamento em assuntos jurídicos”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência /jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. RePro 67/130.). 

Portanto, a Constituição assegura muito mais do que antes era exigido, as vias jurídicas como um todo estão disponíveis a quem necessite e não tem condições de buscar um advogado particular, desde um simples atendimento jurídico, à instauração de processos administrativos, judiciais nas searas criminais e cíveis, sendo uma notável evolução no modo da concepção do acesso à justiça a todos. 

Definitivamente, após o advento da EC n. 80/2014, na qual a Defensoria passa a ser uma das funções essenciais da justiça, houve a desvinculação da atividade dos defensores públicos a dos advogados, sendo suas funções bem mais delimitadas que anteriormente. 

De acordo com a nova abordagem trazida pela EC n. 80/2014, o Artigo 134 da Constituição Federal assim traz a Defensoria Pública: 

“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal .” 

Sendo as principais características: a) Orientação Jurídica; b) Promoção dos direitos humanos e) Defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos. 

Pois bem, além da defesa do cidadão que se encontra em situação de vulnerabilidade, ou do chamado pobre na forma da Lei, a Defensoria Pública vai além dessa função. 

Como observa o Professor Pedro Lenza: 

“De acordo com o art. 4º, XI, da LC n. 80/94, dentre as funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, está a de exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, das pessoas portadoras de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado. Assim, fica claro que a vulnerabilidade não se resume ao aspecto financeiro.” (LENZA, Pedro. 2020. Pág. 1081). 

E de acordo com o trazido por Jorge Bheron:

“Desta forma, não há razão para dividir as funções da Defensoria Pública em típicas e atípicas, uma vez que a atuação da instituição está sempre tipicamente ligada à presença de alguma vulnerabilidade coletiva ou individualmente considerada, sob o prisma econômico, jurídico, circunstancial ou organizacional.” (ROCHA. Jorge Bheron. 

Legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública tendo por objeto direitos transindividuais, nota do autor, pág. 19-20.) 

Dito isto, o papel da defensoria é estar ao lado de todo e qualquer possível grupo reconhecido no seio social como “minoria”, lutando pela igualdade e sendo combativa frente ao grande e opressor aparato estatal e social. 

Importante, porém, destacar a definição de “necessitados” trazidos pelo grande Min. Herman Benjamin, ao precisar analisar a legitimidade da Defensoria Pública a propor ação civil pública. Vejamos: 

“Por espelhar e traduzir exemplarmente as marcas identificadoras do Welfare State, que está baseado nos princípios da solidariedade, da dignidade da pessoa humana e da efetividade igualdade de oportunidades, inclusive de acesso à justiça, a Defensoria Pública – instituição altruísta por excelência – é essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 134, caput, da Constituição Federal (…). A expressão ‘necessitados’ (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição, forma-se, no Welfare state, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana.” (REsp 1.264.116, 2ª T., STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 18.10.2011, DJE de 13.04.2012, fls. 7 do acórdão). 

A partir desta premissa trazida por Bheron (2017. Pág. 20), a expressão “necessitados” pode ser vista do prisma de 3 ângulos de atuação da Defensoria Pública, atuando assim, como amiga dos vulneráveis (amicus vulnerabilis). 

Primeiramente, pode ser visto como procurador judicial dos vulneráveis, quando atua judicialmente com sua capacidade postulatória, sendo o beneficiado comparecedor dos autos, sendo a atividade tradicional da Instituição. 

Segundo, quando atua como legitimado extraordinário, ou seja, quando atua em próprio nome, porém visando a defesa de interesses e direitos de grupos vulneráveis, como na Ação Civil Pública. 

Por último, quando atua como guardião dos vulneráveis, quando, em seu nome enquanto Instituição, atua em prol da missão institucional em busca pela promoção de Direitos Humanos. 

A vocação para que busca-se na Defensoria Pública deve ser contramajoritária, onde o grupo dominante não pode ser o responsável por subjugar os grupos minoritários, tendo-se essa noção enquanto atividade defensorial dos Direitos e Garantias mínimas buscadas pelo Estado. 

Estamos diante de uma Instituição Pública que tenha muito a agregar na comunidade Brasileira e que com o passar dos tempos se mostra como uma Instituição forte e que está em busca da melhoria da situação de muitas pessoas. 

3.3 A busca pela efetividade no judiciário. 

Como já trazido anteriormente, na obra acesso à justiça (Cappelletti e Garth, 1988), há de se dividir em 3 as ondas renovatórias do acesso à justiça. Em resumo, a primeira seria a garantia adequada com a representação dos hipossuficientes, tendo a implementação da assistência jurídica integral e gratuita. É voltado a um aspecto mais quantitativo, na real abertura das portas do poder judiciário. 

A segunda onda estaria voltada à tutela de interesses difusos e coletivos, da mesma forma que a primeira, buscava um aspecto mais quantitativo, buscando abarcar uma maior quantidade de Direitos. 

A terceira onda, aspecto que será mais destrinchado nesse tópico, buscou um aspecto mais qualitativo em torno da busca efetiva pela justiça. 

Buscou-se simplificar os procedimentos. De acordo com o Professor Rafael Vasconcellos (2020. Pág. 35): “Especialmente no Brasil, verificado o excessivo número de processos nos Tribunais, resultante de uma cultura focada na litigância judicial, pretende-se recuperar a efetividade e instrumentalidade do processo.” E continua o Professor: 

“Valoriza-se: a) informalidade: incentivando a utilização dos juizados de pequenas causas e incremento do princípio da oralidade; b) instrumentalidade: diminuição do número de recursos passíveis de interposição, fortalecimento da atividade do juiz; c) efetividade, inclusive da execução (…); d) relativização do monopólio jurisdicional, incentivando os meios alternativos de solução de conflitos (…), bem como a participação de terceiros alheios à estrutura do Poder Judiciário no processo, tais como os mediadores e conciliadores (…).” 

Portanto, busca-se medidas para desafogar o trânsito de inúmeras causas que se encontram possivelmente passíveis de resolução de mérito ainda por parte do Poder Judiciário, buscando aumentar a porta de saída dos processos, enquanto a porta de entrada é bastante larga neste sentido. 

Há ainda aspectos intrínsecos ligados à Administração Pública, que não garante aos administrados a prevalência de Direitos claros, levando muitas vezes o cidadão a ter a necessidade de recorrer ao judiciário para ver suas pretensões satisfeitas. 

Diante desta dificuldade enfrentada pelo Judiciário Brasileiro, há tendências no movimento jurídico para atenuar essa crise. Quais sejam: 

  • Maior valorização pela autonomia de vontade entre as partes: Busca-se retirar do Monopólio do Estado o poder de decisão de determinadas causas delegando a terceiros aptos, como mediadores, conciliadores, árbitros, entre outros. Permite-se também em alguns casos estabelecer o prazo para prática de atos processuais em conjunto com juiz. A escolha consensual dos mediadores, conciliadores e árbitros, saneamento processual consensual, entre outras medidas que os códigos buscam trazer como inovações. 
  • Otimização do papel do juiz: Por meio de súmulas vinculantes e os procedimentos em recursos repetitivos, fazendo com que haja rápida solução judicial de inúmeras causas parecidas, sendo um instrumento de redução de volumes dos processos e maior foco pro juiz atuar em processos diferentes e casos singulares. 
  • Buscar cada vez mais a verticalização das decisões: Para que haja uma uniformidade e previsibilidade no ordenamento jurídico, o que sabidamente não é realidade no ordenamento jurídico Brasileiro, o que pode incentivar a busca pelo Judiciário mesmo em questões “pacíficas” por não serem seguidas pela maioria dos magistrados. 
  • Adequação procedimental: buscar uniformizar procedimentos com a finalidade de que sejam justas e válidas as decisões administrativas em órgãos fazendários que fazem grande volume ao Poder Judiciário, buscando efetivar certas questões já em âmbito administrativo. 
  • A questão tecnológica está bastante presente em grande parte dos processos judiciais atuais, acelerando o saneamento dos processos pela maior versatilidade do mecanismo de processos on-line. 

O que se vê pode ser interpretado como uma quarta onda renovatória do acesso à justiça, onde busca-se cada vez mais aumentar a saída daquelas pretensões que chegam e que são objetos de lide no dia a dia. Para tanto, os juristas como um todo fazem parte do dever de buscar a efetividade jurídica, sendo instrumentos de um mecanismo como um todo destinado a dirimir questões e conflitos advindos de situações cotidianas. 

Considerações Finais 

O presente trabalho teve a intenção de descrever o cenário mundial primeiramente no tocante aos Direitos Humanos e sua forma de ser regida pelos Países aderentes aos acordos mundiais sobre o tema. Analisamos os mecanismos e órgãos responsáveis contra a violação de tais Direitos, bem como houve a análise principiológica e conceitual do Tema na visão material. 

Após estas breves análises, foram trazidos conceitos de Estado Democrático de Direito que restou suficientemente demonstrado que é obrigação do Estado de garantir o mínimo existencial aos seus cidadãos, que deve buscar a todo custo que todos aqueles residentes em suas fronteiras tenham uma dignidade, como cumprimento ao princípio chave da dignidade da pessoa humana. 

Observou-se, portanto, alguns Direitos consagrados e chaves para o acesso à justiça, quais sejam o Direito de ação e o Direito de defesa, da qual todos os cidadãos possuem a permissão de se valerem toda vez que verem seus Direitos ameaçados de lesão ou de fato lesionados. Sendo o Direito de ação aquele responsável pela permissão de ir bater à porta do judiciário e o Direito de Defesa é aquele que o indivíduo utiliza quando for acusado em algum processo, administrativo ou judicial, para que se proteja e traga sua versão dos fatos e busque obter o melhor resultado para si, sendo sinônimo da verdadeira justiça a oportunidade de cada um poder atuar dentro do processo em busca dos seus interesses. 

Verificou-se também que o modelo das ondas renovatórias trazidas e estudadas por Garth e Cappelletti tiveram grande influência na forma como o Brasil buscou permitir o acesso à justiça, sendo este um trabalho de fundamental relevância para criação das Defensorias Públicas para a assistência jurídica gratuita e integral em todos os níveis de jurisdição, bem como dos juizados especiais, na celeridade e simplificação procedimental presente nestes órgãos do judiciário, bem como na criação de métodos fora do mecanismo judicial, sendo formas alternativas de solução de conflitos, ademais, também teve suma importância na criação de mecanismos e instrumentos aptos a explorar e defender o interesse coletivo de cidadãos de grupos com mesmos interesses. 

Por fim, analisamos como cada órgão essencial à justiça busca o aprimoramento do acesso ao justo por parte daqueles que o procuram, sendo o Ministério Público responsável por se especializar em áreas de forte atuação, bem como se familiarizar com técnicas alternativas de resolução de conflitos, da mesma forma tratar de Direitos Coletivos como impetrante de ações populares que visam tal proteção. Foi tratada também a Defensoria Pública, órgão que ganhou autonomia e independência financeira, funcional e administrativa para aconselhar, interpor, opor, impetrar, protocolar, a busca da assistência judiciária àqueles menos abonados, sendo livre para tal fim. Por fim, o judiciário em sua busca pelo aumento na efetividade para suprir todas suas demandas e suas soluções cada vez mais inovadoras para que traga uma efetiva prestação jurisdicional. 

Diante do exposto, temos que o trabalho para ir efetivar um acesso à justiça e uma assistência judicial gratuita é constante. Visto que um dos objetivos presentes no Art. 3º da CF, é construir uma sociedade livre, justa e igualitária, como também garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades e por fim promover o bem de todos sem diferença de qualquer característica dos povos. O acesso à uma justiça para que haja tranquilidade no convívio social é importantíssimo, sendo responsável por ir atrás do cumprimento dos objetivos da república em prol de uma vida melhor para o povo Brasileiro.  


1 https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anos-da-constituicao-de-1988/constituinte-1987-1988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf. Acesso em 10/11/2020 às 16:00h


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