REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504141224
Platon Teixeira de Azevedo Neto¹
Marcos Aurélio Egídio da Silva²
RESUMO: Este estudo analisa a influência da tecnologia da informação na modernização e transparência dos processos licitatórios. A licitação, enquanto instrumento fundamental para a gestão de recursos públicos, tem sido objeto de constantes aprimoramentos, visando garantir a igualdade entre os concorrentes, a eficiência na aplicação dos recursos e o combate à corrupção. Este artigo aborda a evolução da legislação brasileira referente aos processos licitatórios, das regras que norteiam a licitação e das formas de controle do procedimento licitatório e os benefícios que elas trazem no combate à corrupção. O ponto central do artigo é a quarta parte, que visa demonstrar a importância da utilização de plataformas digitais, inteligência artificial e outras ferramentas tecnológicas para automatizar diversas etapas dos processos licitatórios, desde a publicação dos editais até a análise das propostas. A última parte é a demonstração dos aspectos administrativos e de gestão subjacentes aos leilões. O artigo conclui afirmando que a adoção de tecnologias da informação nos processos licitatórios apresenta diversos benefícios, como aumento da transparência, redução de custos e prazos, melhoria da eficiência e combate à corrupção, dificultando a ocorrência de fraudes e irregularidades. No entanto, há também desafios a serem superados, como a necessidade de capacitação dos servidores públicos, a garantia da segurança da informação dos dados e a adaptação das empresas participantes aos novos formatos de licitação.
Palavras-chave: licitação, tecnologia da informação, controle e inteligência artificial.
ABSTRACT: This study analyzes the influence of information technology on the modernization and transparency of bidding processes. Bidding, as a fundamental instrument for the management of public resources, has been the subject of constant improvements, aiming to guarantee equality among competitors, efficiency in the application of resources and the fight against corruption. This article will address the evolution of Brazilian legislation regarding bidding processes, the rules that guide bidding, and the forms of control of the bidding process and the benefits they bring in the fight against corruption. The central focus of the article is the fourth part and demonstrates the importance of using digital platforms, artificial intelligence and other technological tools to automate several stages of the bidding processes, from the publication of notices to the analysis of proposals. The last part is the demonstration of the administrative and management aspects underlying the auctions. The article concludes by stating that the adoption of information technologies in bidding processes presents several benefits, such as: increased transparency; reduced costs and deadlines; improved efficiency; and combating corruption, making it more difficult for fraud and irregularities to occur. However, there are also challenges to be overcome, such as the need to train public servants, guarantee data security and the adaptation of participating companies to new bidding formats.
Keywords: bidding, information technology, control and artificial intelligence
1 INTRODUÇÃO
A inteligência artificial (IA) já está sendo desenvolvida por diversas plataformas disponíveis no mercado, que propõem atuar em processos de licitações públicas, classificar e validar as participações de licitantes, averiguar informações de fornecedores por regiões, analisar a tributação local, qualificar e quantificar produtos e serviços e, por fim, auxiliar o órgão comprador para oferecer a melhor solução para a comunidade.
A metodologia empregada neste artigo buscou articular as particularidades teórico-conceituais, os interesses e os jurídicos conhecimentos dos autores. Para tanto, o desenvolvimento metodológico da pesquisa foi baseado em campo teórico, exploratório e bibliográfico, tomando como base livros, artigos científicos, trabalhos acadêmicos, revistas acadêmicas, dentre outras fontes de consulta. Fizemos uma entrevista com empresas fornecedoras de plataformas de IA que já atuam no mercado das licitações brasileiras, tendo recebido delas bastantes dados técnicos para a elaboração deste artigo.
A Nova Lei Geral de Licitações (NLGL), Lei n. 14.133/2021, surgiu como um compilado de leis, decretos, instruções normativas e até jurisprudência produzidos após a Lei n. 8.666/1993, possuindo regras bastante parecidas com sua antecessora, mas também trazendo para a norma geral definições que antes estavam esparsas. Uma das inovações trazidas pela nova lei foi um vasto rol de princípios, que podemos notar na redação do artigo 5º, incluindo as disposições do Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB).
A NLGL, além de reproduzir os princípios previstos no artigo 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), também replicou a redação dos outros princípios previstos no artigo 3º da Lei n. 8.666/1993 (igualdade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo). A esses acrescentou-se mais treze princípios: interesse público, planejamento, transparência, eficácia, segregação de funções, motivação, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, proporcionalidade, celeridade, economicidade e desenvolvimento nacional sustentável.
Dessas “novidades”, podemos observar que alguns princípios já estavam implícitos na Lei n. 8.666/1993, como o interesse público e a proporcionalidade, ou na Lei n. 10.520/2002, como a celeridade. Ainda outros constam expressamente no sistema normativo de licitações, como motivação e segurança jurídica, presentes na LINDB; economicidade e desenvolvimento nacional sustentável, citados no artigo 3º da Lei n. 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC); competitividade e transparência, constantes do artigo 31 da Lei n. 13.303/2016 (Estatais); e razoabilidade, planejamento, segregação de funções e eficácia, decorrente do princípio da eficiência, elencados na Instrução Normativa n. 05, de 26/05/2017 (Madeira, 2021).
As plataformas de IA atualmente vistas no mercado já operam conforme a Lei 13.303/2016 e a NLGL, garantindo conformidade legal para pregão eletrônico, dispensa eletrônica, concorrência eletrônica, leilão eletrônico e Sistema de Registro de Preço (SRP). Também há a realização de processos de cotação para produtos e serviços, permitindo que a empresa obtenha as melhores ofertas disponíveis no mercado. Importante destacar que, na IA, o leilão reverso é uma modalidade em que os fornecedores competem para oferecer o menor preço, o que gera economia financeira ao poder público.
Concluindo, plataformas de licitações públicas com IA já oferecem um sistema completo e integrado para gestão de recursos, permitindo que todas as etapas do processo recursal sejam realizadas de forma totalmente online e centralizada. Isso inclui desde a manifestação e interposição de recursos até a recepção de contrarrazões e o julgamento pelo órgão responsável. Com essa funcionalidade, pode-se garantir agilidade, transparência e rastreabilidade em todas as fases, assegurando uma experiência otimizada e segura para todos os envolvidos na licitação.
2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA LICITAÇÃO NO BRASIL
A primeira lei no Brasil a tratar das compras pela Administração Pública foi a Ordem Filipina de 1595 (lei portuguesa “trazida para o Brasil colonial”). As Ordenações Filipinas resultaram da reforma feita por Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal) ao Código Manuelino, durante o período da União Ibérica. Continuou vigendo em Portugal ao final da União, por confirmação de D. João IV. Até a promulgação do primeiro Código Civil brasileiro, em 1916, as Ordenações Filipinas estiveram vigentes no Brasil³.
No Brasil, o processo de licitação foi introduzido por meio do Decreto n. 2.926, de 14 de maio de 1862 (Approva o Regulamento para as arrematações dos serviços a cargo do Ministerio da Agricultura, Commercio e Obras Publicas) (Brasil, 1862). Porém, a consolidação no âmbito federal só ocorreu com Decreto n. 4.536, de 28 de janeiro de 1922, a partir do qual foi criado o Código da Contabilidade de União, que tinha o objetivo de fazer as contratações públicas apresentarem maior eficiência (Brasil, 1922).
Em seguida, veio o Decreto n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, ainda em vigor, que dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelecendo diretrizes para a Reforma Administrativa e dando outras providências (Brasil, 1967).
Posteriormente, surgiu o Decreto Legislativo n. 2.300, de 21 de novembro de 1986, atualizado pelos Decretos Legislativos n. 2.348, de 24 de julho de 1987, e n. 2.360, de 16 de setembro de 1987, que estabeleceu o Estatuto Jurídico das Ofertas e Contratos Administrativos, combinando normas gerais e específicas relacionadas a essa matéria. Assim, pela primeira vez, foi adotado o Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos, que continha regras gerais sobre o assunto.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, ocorreram mudanças na Administração Pública. De acordo com art. 37, inc. XXI, foi estabelecida a obrigatoriedade da aplicação do procedimento licitatório no caso de licitações e licitações públicas.4 Para tanto, o leilão passou a ser percebido como norma constitucional, obrigando União, estados e municípios a utilizar leilões para obras, serviços, compras e alienações.
A Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, regulamentou o art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, e instituiu normas para licitações e contratos da Administração Pública, além de dar outras providências (Brasil, 1993). A partir dessa lei, os recursos públicos passaram a obedecer a regras específicas de utilização mais vantajosa, com o menor gasto possível e com a melhor qualidade para o poder público.
Finalmente, veio a NLGL, que objetiva assegurar um procedimento licitatório mais transparente, isonômico e justo aos licitantes. De acordo com essa legislação, é vedada qualquer forma de discriminação que possa beneficiar ou prejudicar indevidamente os licitantes, devendo ser promovido um processo mais equilibrado e seguro. A NLGL (Brasil, 2021) dispôs no art. 193 que as leis n. 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11 seriam revogadas a partir de 1º de abril de 2023. Significa que, durante o período de 14/04/2021 a 01/04/2023, as leis licitatórias anteriores conviveram com a nova lei, podendo ser utilizadas, uma ou outra, a critério do gestor público a cada caso concreto, sendo vedado o uso combinado delas.
3 REGRAS QUE NORTEIAM A LICITAÇÃO
O instituto da licitação pública é regido por princípios e normas gerais de direito constitucional e administrativo e por legislação própria, tendo como principais instrumentos normativos aqueles conquistados pela revogada Lei Federal n. 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações e Contratos), a Lei Federal n. 10.520/2002 (Lei do Pregão), Lei Complementar n. 123/2006 (Lei das Microempresas – MEs e da Empresas de Pequeno Porte – EPPs), Lei Federal n. 12.462/2011 (RDC), Lei Federal n. 13.303/2016 (Lei das Estatais) e, por fim, a vigente NLGL. A primeira lei fixou a normas gerais de licitação e contratos em obediência ao comando de competência do art. 22, XXVII, da Constituição, atribuído à União; a segunda cuidava exclusivamente da criação e da extensão aos estados e municípios da modalidade de licitação denominada pregão; a terceira estabeleceu regras de preferência de contratação pelo poder público de microempresas e empresas de pequeno porte; a quarta instituiu o RDC, que serviu, inicialmente, para facilitar as contratações relacionadas à organização dos grandes eventos esportivos ocorridos no Brasil, a saber, a Copa do Mundo Fifa de Futebol Masculino, de 2014, e as Olimpíadas do Rio, de 2016; a quinta fixou o novo marco regulatório para as empresas públicas e sociedades de economia mista e estabeleceu normas específicas de licitação e contratos para tais entidades; e, finalmente, a última representa a Nova Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública (Chaves, 2023, p. 22).
Esses princípios legais fazem do leilão um instrumento fundamental nas atividades da Administração Pública, pois seu principal objetivo é assegurar ao poder público a melhor proposta, garantindo, ao mesmo tempo, a igualdade entre os participantes e contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país. Essa perspectiva é reforçada pela NLGL (Brasil, 2021), que, em seu artigo 5º, assegura que serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Brasil, 1942).
Portanto, segundo o disposto no artigo 5º da NLGL, o leilão público deve estar alinhado com esses objetivos, assegurando a observância dos princípios da Administração Pública e cumprindo rigorosamente as normas estabelecidas, para garantir a integridade, a justiça e a eficiência no processo licitatório.
3.1 Princípios da licitação
O artigo 5º da NLGL, ao contemplar os princípios que norteiam a licitação pública, trouxe a seguinte redação:
Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Brasil, 2021, online).
Agora passamos a examinar as regras que servem de guia para o procedimento de contratação. O estudo das regras de procedimento de contratação pública e licitações justifica-se pelo fato de se apresentar como parâmetros que orientam as atividades de desenvolvimento, interpretação e aplicação de normas legais nesse setor. As leis e a Constituição impõem ao poder público o dever geral de licitar. Mas a aplicação das regras por elas instituídas não pode afastar-se da observância de outro importante conjunto normativo: os princípios de direito. Princípio de uma ciência é o alicerce sob o qual essa mesma ciência se desenvolve. Na ciência jurídica, funciona como uma proposição geral e abstrata que orienta determinado sistema jurídico, de modo a compatibilizar as partes que o integram, conferindo o fundamento de validade às normas que se seguem, atribuindo-lhes clareza e unidade para sua elaboração, interpretação e aplicação, impondo coerência geral ao sistema que serve. Sua inobservância é tão ou mais desastrosa quanto a própria desobediência à lei. A ordem principiológica, portanto, reflete a inteligência e o espírito da norma, auxiliando o intérprete na integração das lacunas deixadas pelo direito positivo. Permite, ainda, ao longo da vigência de uma mesma norma, mantê-la eficaz mesmo diante de alterações das situações fáticas que inspiraram sua criação (Chaves, 2023, p. 73).
Prevenir irregularidades e, consequentemente, atos públicos desastrosos é sempre mais eficaz do que aplicar quaisquer medidas punitivas. O gestor, dirigindo a máquina estatal em busca da satisfação do interesse coletivo, deve garantir o uso responsável do dinheiro público. Portanto, tudo que diga respeito ao bem deve ocorrer exatamente nas condições da lei; caso contrário, o ato será declarado inválido e ainda resultar na condenação pessoal dos envolvidos, com perda de bens ou cargos, multa, ressarcimento de valores à Administração Pública e sanções na esfera criminal.
Entre as várias fontes de direito, destacam-se os princípios e as normas (direito positivo). As normas constituem as proposições de condutas omissivas ou comissivas objetivamente impostas como forma de orientação a ser tomada em todos os atos jurídicos. São circunscritas a pressupostos de fato. Já os princípios se caracterizam por alcançar e informar as mais variadas e amplas situações, tal qual ocorre com a própria eficiência, a dignidade humana, a justiça social etc. (Niebuhr, 1999, p. 955).
Quando se trata de licitações públicas, a preocupação é que não basta apenas aplicar a lei, mas interpretá-la corretamente, visto que, por mais completa, explicativa ou ampla que seja a lei, ela é diversa, enquanto as situações que podem ocorrer durante a gestão administrativa são específicas.
Portanto, os princípios constitucionais são os elementos norteadores que organizam o Estado de Direito, mantendo os valores fundamentais do ordenamento jurídico. Os princípios constitucionais são normas que orientam o ordenamento jurídico, atribuindo ao sistema racionalidade e integridade sistêmica. Além disso, são orientações e mandamentos informativos com eficácia vinculante na proteção dos direitos fundamentais. Dessa forma, o fundamento do Estado brasileiro são as regras, pois, além de regular as relações jurídicas, elas também regem todo o ordenamento jurídico.
3.1.1 Legalidade e Imparcialidade. Submissão à lei e vinculação ao edital
A proposição mais clara em relação ao princípio da legalidade é a de que, segundo o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, “enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza” (Meirelles, 2014, p. 82-83). O administrador público não pode praticar atos desvinculando-se das normas que regem sua administração. Ato administrativo, portanto, é, via de regra, vinculado, ou seja, somente nasce a partir da existência de uma norma que lhe dê fundamento de validade (Chaves, 2023, p. 75). Hely Lopes Meirelles destaca uma distinção fundamental entre a esfera privada e a pública. Na primeira, a liberdade de ação é ampla, limitada apenas pelas proibições legais. Já na Administração Pública, a atuação é muito mais restrita, exigindo-se sempre um fundamento legal para qualquer ato.
O Ministro Alexandre de Moraes reporta que o tradicional princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal, aplica-se normalmente na Administração Pública, porém de forma mais rigorosa e especial, pois o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo incidência de sua vontade subjetiva. Isso significa que o administrador público está estreitamente vinculado à lei em todas as suas ações. Esse princípio coaduna-se com a própria função administrativa do executor do direito, que atua sem finalidade própria, mas sim em respeito à finalidade imposta pela lei, e com a necessidade de preservar a ordem jurídica (Moraes, 2017, p. 348). Por tais razões, a melhor definição para o princípio da legalidade é aquela que reconhece ser dever do agente público agir na conformidade do direito, ou seja, adotar medidas e soluções e tomar decisões que encontrem respaldo nas normas e princípios aplicáveis à espécie (Chaves, 2023, p. 76).
Não se pode, todavia, interpretar de forma estanque o conteúdo do princípio da legalidade, como se fora sinônimo de princípio da reserva legal. Isto porque nenhuma lei ou conjunto normativo tem a capacidade de prever, em tese, as infinitas variáveis e casuísmos que a vida humana pode apresentar, porquanto suas relações permanecem em constante evolução. Da mesma forma, não é possível admitir que cada nova circunstância das relações provoque atualização normativa, pois isso seria inviável. Eis a razão da existência de lacunas no sistema normativo a serem preenchidas pelo intérprete. E sua melhor ferramenta de integração são os princípios afetos àquele sistema normativo.
Ora, se dissemos que os princípios constituem o espírito da norma, sendo seu próprio fundamento de validade, não se admite que o aplicador da norma se afaste dos princípios aos quais deve obediência e aplique normas a partir da interpretação da letra fria da lei (Chaves, 2023, p. 75-76). O autor nos alerta para a necessidade de uma interpretação mais flexível e contextualizada do princípio da legalidade, evitando uma visão estanque e formalista que o equipare ao princípio da reserva legal.
Quanto à imparcialidade, Ana Cláudia Borges Oliveira diz que essa é caracterizada pelo dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente. Já a independência e autonomia caracterizam-se como o dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível (Oliveira, 2023, p. 548).
A ação do agente público deve sempre encontrar respaldo nas normas e princípios jurídicos aplicáveis. Isso significa que não basta apenas a existência de uma lei, sendo necessário que a conduta do agente esteja em consonância com o ordenamento jurídico como um todo.
3.1.2 Impessoalidade. Todos os licitantes devem ser tratados de forma igual
O princípio da impessoalidade, previsto nos artigos 5º e 37 da Constituição Federal, representa uma ampliação do princípio da igualdade, especialmente no que tange às normas que regem a Administração Pública. Esse entendimento reforça que todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza. Assim, a discriminação, seja ela baseada em raça, gênero, crenças religiosas ou ideologias políticas, é absolutamente inadmissível no âmbito das atividades públicas.
No exercício das funções públicas, é imperativo que o tratamento dispensado a todos os cidadãos seja uniforme, sem qualquer tipo de diferenciação. Ademais, práticas como favoritismo e assédio são igualmente inaceitáveis, pois não devem interferir na ação administrativa, tampouco nos interesses de grupos sectários, facções ou qualquer outra organização. A proibição de tratamentos diferenciados é sustentada pelo princípio da impessoalidade, que se aplica, inclusive, à administração de medicamentos.
Em síntese, a impessoalidade é o princípio que obriga a Administração, no exercício de suas funções, a não realizar atividades de interesse pessoal ou privado, mas, ao contrário, direcioná-las ao interesse público.
3.1.3 Moralidade. Conduta ética e boa-fé
O princípio de moralidade deve garantir que o administrador e o ente público atuem com moral, ética, boa-fé e lealdade. Portanto, entende-se que, para ser efetivado, esse princípio explicitamente enunciado em norma constitucional deve ser atributo indispensável de cada pessoa que se beneficia do dinheiro público. A lei não cria a moralidade do agente, pois esta deve existir de antemão, sendo indissociável do caráter.
A moralidade está diretamente ligada ao princípio da dignidade humana, que, aliás, está presente em todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e vem sendo continuamente reconhecido na atuação do poder público nas compras públicas. Exemplo do destaque à dignidade da pessoa humana está no recente Decreto n. 11.430, de 8 de março de 2023, que regulamenta a nova Lei de Licitações, prevendo, em contratações públicas, a exigência de percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica (AGU; Barth; Bliancheris, 2024, p. 12).
3.1.4 Planejamento, eficiência e melhoria da qualidade dos serviços públicos
A fase de planejamento da contratação, inicialmente entendida apenas como uma boa prática administrativa, evoluiu e foi erigida a imperativo legal, conforme se extrai da Lei n. 14.133, de 1º de abril de 2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC). Da NLLC infere-se que o planejamento passou a ser positivado inclusive como um dos princípios basilares na aplicação de seu texto (art. 5.º, caput), o que apenas evidencia ser, em verdade, um pressuposto lógico para atingimento das tão almejadas eficiência e economicidade no campo das contratações públicas (Brasil, 2023, p. 5).
O planejamento da contratação é tratado pela atual doutrina como fator primordial para o sucesso da contratação e sua execução. A Lei de Licitações fez questão de incluir o planejamento como um princípio da licitação, o que provavelmente derivou da intenção de reforçar a ênfase nessa fase, anterior ao procedimento de disputa. É amplamente reconhecido que o bom planejamento pode evitar desperdícios e configurações equivocadas do objeto da licitação (Torres, 2023).
A Lei n. 14.133/2021 valorizou de forma extraordinária o planejamento do procedimento de contratação pública. O caput de seu art. 18 aponta que a fase preparatória da licitação corresponde ao planejamento. A história da regulamentação das licitações no Brasil revela que jamais se conferiu tamanho espaço ao planejamento. Crê-se que essa valorização corresponda ao mesmo tempo a uma tendência que acompanha a evolução do próprio modelo de Administração Pública (Sarai, 2021).
Um dos pilares da Lei n. 14.133/2021 consiste em promover o planejamento, reconhecido como essencial e indispensável para a gestão eficiente dos recursos públicos e a obtenção de contratações satisfatórias e bem executadas. A lei pressupõe que o planejamento pode neutralizar dois defeitos fundamentais das contratações administrativas: a ineficiência e a corrupção (Justen Filho, 2021).
3.1.5 Motivação. As decisões devem ser justificadas de maneira clara e objetiva
O princípio da motivação, embora não explicitamente mencionado na Lei n. 14.133/2021, é um desdobramento do princípio da publicidade e da transparência.
Ele exige que todos os atos administrativos praticados durante o processo licitatório sejam devidamente justificados, ou seja, que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito que embasam suas decisões.
Conforme definição do art. 6º, inc. XX, da Lei n. 14.133/2021, o estudo técnico preliminar (ETP) é documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução, servindo de base – posteriormente – ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação.
Antes previstos em instruções normativas do órgão central do Poder Executivo Federal, os elementos que devem constar do ETP passaram a compor dispositivo próprio da NLLC, notadamente o §1º do art. 18. Oportuno registrar que, caso o ETP deixe de abordar algum elemento acima apontado, deverá haver expressa justificativa para tal (art. 18, §2º), o que se coaduna com o dever de motivação que recai sobre a Administração Pública (art. 50 da Lei n. 9.784/1999) (Brasil, 2023, p. 20).
3.1.6 Vinculação ao edital
O edital é o instrumento que detalha as regras específicas de cada licitação, como os critérios de julgamento, os documentos necessários para a participação, o objeto da contratação, etc. Trata-se da aplicação específica do princípio da legalidade, razão pela qual a não observância das regras fixadas no instrumento convocatório acarretará a ilegalidade do certame (ex.: a obtenção da melhor proposta será auferida necessariamente a partir do critério de julgamento elencado no edital; os licitantes serão inabilitados caso não apresentem os documentos expressamente elencados no edital etc.) (Oliveira, 2024, p. 19). Ao participar de uma licitação, os licitantes e a própria Administração Pública se vinculam às regras estabelecidas no edital. Qualquer desvio dessas regras pode gerar a invalidação do processo licitatório.
A igualdade em uma licitação é um desafio importante para o poder público, sendo a ausência dela uma situação sempre criticada pelos licitantes. A comissão de licitação muitas das vezes é acusada de parcialidade e falta de neutralidade no certame. Daí, não é incomum participantes de licitação moverem impugnações aos editais e ações judiciais pleiteando o cumprimento da vinculação às normas previstas no edital em igualdade de condições no processo licitatório. A IA, como debatida neste artigo, poderá resolver esse problema da parcialidade no futuro.
O edital estabelece as regras do jogo, garantindo que todos os licitantes participem em condições iguais. O instrumento convocatório (edital) é a lei interna da licitação que deve ser respeitada pelo poder público e pelos licitantes (art. 5º da NLGL) (Oliveira, 2024, p. 19). Se o edital for descumprido de forma grave, o processo licitatório pode ser anulado. Os agentes públicos responsáveis pelo descumprimento do edital podem ser responsabilizados administrativa, civil e penalmente.
Em resumo, a vinculação ao edital é uma garantia de que o processo licitatório será conduzido de forma justa, transparente e eficiente. Ao exigir que todos os atos estejam conforme as regras estabelecidas no edital, o princípio da legalidade contribui para o fortalecimento da democracia e para a melhoria da gestão pública.
3.1.7 Julgamento objetivo. Transparência e objetividade
O princípio do julgamento objetivo, previsto no artigo 5º, inciso IV, da NLGL, configura um dos fundamentos centrais do processo licitatório, assegurando isonomia entre os concorrentes e imparcialidade na seleção da proposta mais vantajosa. Esse princípio exige que a Administração Pública adote critérios claros, previamente definidos e mensuráveis para a avaliação das propostas, visando afastar qualquer traço de subjetividade que possa comprometer a integridade do procedimento. Assim, a análise deve ser conduzida exclusivamente com base nos fatores estabelecidos no edital, garantindo a imparcialidade e prevenindo favoritismos ou desvios de finalidade.
A relevância do julgamento objetivo está na sua capacidade de assegurar a competitividade, a igualdade entre os participantes e a segurança jurídica nos processos licitatórios. Ao cumprir rigorosamente os critérios previamente definidos no edital, a Administração Pública reforça a transparência, evita favorecimentos e fortalece a confiança da sociedade no sistema de contratações públicas. A aplicação desse importante princípio contribui para a eficiência da gestão pública, em todas as esferas, permitindo a escolha da proposta que melhor atenda aos interesses coletivos e promova resultados vantajosos para a comunidade.
Contudo, a efetivação do julgamento objetivo não está isenta de desafios. A complexidade técnica de alguns objetos licitatórios, a subjetividade inevitável na avaliação de propostas qualitativas e a presença de vícios formais nos editais são fatores que podem comprometer a imparcialidade e a confiabilidade do processo. Para mitigar esses problemas, é imprescindível que a Administração Pública invista na capacitação contínua de seus servidores, adote tecnologias que auxiliem na análise objetiva das propostas e estimule a participação da sociedade civil no monitoramento dos procedimentos licitatórios, fortalecendo o controle social.
Portanto, o princípio do julgamento objetivo é garantidor da integridade e da legitimidade das licitações públicas, o que não apenas aprimora a gestão pública, mas também fortalece a democracia. No entanto, a Administração deve estar vigilante quanto às dificuldades associadas à sua aplicação e buscar implementar medidas que assegurem sua plena efetividade e confiabilidade. A transparência proporcionada por esse princípio é indispensável para a igualdade de condições entre os participantes e para a consolidação da confiança no processo licitatório. A objetividade na tomada de decisão reduz a influência de preferências pessoais ou subjetivas, minimizando riscos de fraudes, favorecimentos ou discriminações. Nesse sentido, o edital desempenha um papel primordial, uma vez que deve estabelecer, de forma detalhada, os critérios de avaliação, como aspectos relacionados a preço, técnica ou a combinação de ambos, além de indicar, quando cabível, ponderações específicas e fórmulas matemáticas que embasem o julgamento das propostas.
3.1.8 Competitividade. A busca pela melhor proposta
O princípio da competitividade, consagrado na Lei de Licitações, é um dos pilares que sustenta a legitimidade e a eficiência dos processos licitatórios. Ele determina que a Administração Pública deve buscar, sempre que possível, a maior concorrência entre os interessados na contratação, visando obter a proposta mais vantajosa para o interesse público. Esse princípio deve servir como norte interpretativo das cláusulas editalícias, de maneira a aumentar o universo de competidores (Oliveira, 2024, p. 17). A competitividade garante que mais empresas possam participar dos certames, o que, por sua vez, estimula a oferta de produtos e serviços de melhor qualidade e a redução dos preços.
A competitividade nas licitações públicas, com a implementação de ampla concorrência entre interessados, impõe a adoção de regras editalícias e contratuais que promovam a ampla participação de potenciais interessados, inclusive com a adoção de exigências que inibam corrupção e conluios, tais como a formação de cartéis entre os participantes do procedimento licitatório (Oliveira, 2024, p. 18).
3.1.9 Desenvolvimento nacional sustentável. Pilar econômico, social e ambiental
A NLGL, em seu art. 5º, confirma, inquestionavelmente, o desenvolvimento nacional sustentável como princípio, reconhecendo-o como valor fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. Vale lembrar que desenvolvimento nacional sustentável não se restringe à preservação ambiental, pois, além da observância do fundamental aspecto ambiental, as dimensões social, econômica e cultural também estão englobadas. A sustentabilidade deve, portanto, ser entendida como o princípio que tem por objetivo proteger situações especialmente valoradas, que merecem a tutela jurídica para a sua permanência (AGU; Barth; Bliancheris, 2024, p. 11).
O princípio do desenvolvimento nacional sustentável, consagrado na Lei de Licitações, representa um avanço significativo na forma como a Administração Pública conduz seus processos de contratação. Ele determina que as licitações devem considerar não apenas os aspectos econômicos das propostas, mas também seus impactos sociais e ambientais. Em outras palavras, a busca pela proposta mais vantajosa deve levar em conta a sustentabilidade no longo prazo, buscando um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico, a proteção ambiental e a inclusão social.
No Brasil, as licitações são um meio crucial para a concretização do princípio do desenvolvimento nacional sustentável. Nada obstante, a incorporação desse princípio pelo sistema jurídico brasileiro tornou a atuação da Administração Pública, no campo das licitações e contratações públicas, mais complexa, demandando conhecimentos abrangentes para a adequada escolha do objeto e para o estabelecimento de obrigações que efetivamente atendam ao princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável sob os aspectos ecológico, econômico e social (AGU; Barth; Bliancheris, 2024, p. 11).
A importância do desenvolvimento sustentável nas licitações reside na necessidade de garantir que as ações do poder público contribuam para a construção de um futuro mais justo e equitativo para as próximas gerações. Ao incorporar critérios de sustentabilidade nos processos licitatórios, a Administração Pública pode estimular a inovação tecnológica, promover a utilização de produtos e serviços ecologicamente corretos e fomentar a inclusão social de grupos vulneráveis.
Para garantir a efetividade do princípio do desenvolvimento sustentável, a Lei de Licitações prevê a possibilidade de inclusão de critérios socioambientais nos editais, como a exigência de certificações ambientais, a preferência por produtos reciclados e a utilização de mão de obra local. Além disso, a lei incentiva a formação de consórcios entre empresas de diferentes portes e a participação de microempreendedores individuais e empresas de economia solidária nos processos licitatórios. Ao promover a sustentabilidade nas licitações, a Administração Pública contribui para a construção de um país mais justo, equitativo e ambientalmente responsável.
4 FORMAS DE CONTROLE DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO E OS BENEFÍCIOS QUE ELAS TRAZEM NO COMBATE À CORRUPÇÃO
O controle do procedimento licitatório desempenha um papel essencial para garantir a lisura e a transparência na Administração Pública. A despeito de o tema ter um tratamento bem consolidado nas jurisprudências do Tribunal de Contas da União (TCU), esse controle pode ser exercido por diferentes instâncias, tanto internas quanto externas, e busca evitar irregularidades e práticas ilícitas no processo de contratação pública, tanto que já existe uma maior conscientização dos gestores no âmbito federal, pois projetos com deficiência ainda são muito recorrentes. Entre os mecanismos disponíveis, destacam-se o controle interno, o controle externo e o controle social, cada um com sua importância e contribuição para a integridade das licitações.
As comissões de licitação, as unidades de auditoria interna e as equipes de compliance desempenham um papel fundamental na fiscalização da conformidade com as normas legais e na prevenção de fraudes. A verificação criteriosa da documentação, a análise da regularidade fiscal e trabalhista dos licitantes e o monitoramento das fases do procedimento são práticas que fortalecem a gestão interna e reduzem riscos de corrupção. A insuficiência de estudos prévios e de um bom amadurecimento do empreendimento eleva o risco de imprecisões e erros no projeto básico, inclusive nos orçamentos das obras e serviços, aumentando a probabilidade de ocorrência de aditivos contratuais, paralisação da obra e até mesmo cancelamento do empreendimento. Para tanto, o controle interno é realizado pelos próprios órgãos e entidades responsáveis pela condução da licitação. O que se pode afirmar, com segurança, é que a melhoria da qualidade dos projetos passa pela melhoria dos critérios de seleção e contratação, mas não se limita a isso. Envolve etapas anteriores à contratação, que balizariam os próprios critérios de avaliação dos aspectos técnicos, bem como todo o processo de acompanhamento da elaboração e recebimento desses projetos, o que se vincula à capacidade institucional da Administração para especificar e fiscalizar a execução de seus contratos.
Os Tribunais de Contas (TCs) e o Ministério Público são os órgãos competentes para exercer o controle externo. Essas instituições têm a função de fiscalizar a legalidade e a eficiência das licitações, podendo realizar auditorias, emitir pareceres e, se necessário, aplicar sanções. Essa supervisão externa assegura que as normas sejam respeitadas e promove um ambiente de maior accountability, ao responsabilizar gestores por eventuais desvios ou má condução do processo.
O controle social também é um elemento importante e, embora pouco utilizado, também permite à sociedade civil acompanhar e fiscalizar as licitações públicas. Os instrumentos processuais coletivos representam, no Brasil, um fomento à proteção dos direitos difusos e coletivos por meio da sociedade civil organizada. Dentre tais instrumentos, pode ser citada a Ação Popular como um dos principais para o controle externo da Administração Pública. Para tanto, a sociedade civil pode utilizar ferramentas como os portais de transparência, nos quais os cidadãos podem acessar informações detalhadas sobre os processos licitatórios. O fortalecimento de conselhos e comitês de participação social ampliam o engajamento da população no combate à corrupção. A participação ativa da sociedade estimula a transparência e desincentiva práticas ilícitas, ao mesmo tempo que fortalece a confiança pública na Administração.
Os benefícios dessas formas de controle são amplos e impactam diretamente o combate à corrupção. Ao monitorar e avaliar continuamente os procedimentos licitatórios, essas práticas reduzem a possibilidade de fraudes, conluios e superfaturamentos, promovendo uma utilização mais eficiente e ética dos recursos públicos. Além disso, o fortalecimento dos controles interno e externo, aliado à participação cidadã, desestimula a atuação de agentes públicos e privados que possam ter interesse em práticas corruptas. Portanto, os mecanismos de controle do procedimento licitatório são essenciais para garantir a integridade e a eficiência da Administração Pública. Ao promover transparência, prevenir irregularidades e responsabilizar os envolvidos em eventuais desvios, esses controles fortalecem a confiança social nas instituições e contribuem significativamente para o combate à corrupção, assegurando que os recursos públicos sejam aplicados em benefício da coletividade. Quanto ao controle, podemos citar medidas cautelares pelos TCs ou pelo Judiciário, que suspendem a execução de serviços ou o pagamento respectivo; determinações para ajustes dos valores contratuais aos preços de mercado, inclusive com retenções de pagamentos; interpretações restritivas em relação a hipóteses de realização de aditivos contratuais; apenação de gestores e empresas executoras de obras públicas.
Vale destacar que essas alegações, em geral, não têm sido acompanhadas de evidências que lhes deem suporte, ou seja, são genéricas e não se fundamentam em casos específicos. Além disso, devido à multiplicidade de situações e à subjetividade dos alegados efeitos, não é possível medir, com o mínimo de segurança, o real impacto dessas medidas.
De acordo com relatos de gestores ouvidos por esse autor em diversas oportunidades, como reuniões de trabalho e consultoria na condição de Procurador-Geral do Município, há uma espécie de efeito psicológico que se propaga no âmbito da Administração Pública e tem favorecido a imobilidade em detrimento da proatividade dos gestores. Não é incomum o gestor de um município ou estado devolver dinheiro ao governo federal por não conseguir cumprir as regras da burocracia brasileira. Isso acontece por causa do medo de responder a processos judiciais de reparação e improbidade, o que gera consequências sociais graves ao deixar de aplicar os recursos em prol da comunidade.
Embora não se reconheça o alegado impacto negativo da atuação dos TCs, por esse país afora, sobre o cenário geral de paralisação de serviços e obras públicas, em face da ausência de evidências concretas, eles têm se mostrado sensíveis às dificuldades enfrentadas pelo setor e buscado, por meio da ampliação do diálogo e da aproximação com os gestores, enfatizar a atuação pedagógica e preventiva, bem como contribuir para o aprimoramento da gestão, incentivando uma atuação responsável e baseada em riscos. Tais iniciativas contribuem para o esclarecimento de entendimentos equivocados e para dar mais segurança aos gestores comprometidos com o cumprimento de seus deveres funcionais.
5 A AUTOMAÇÃO DA LICITAÇÃO E SEUS IMPACTOS
A utilização da IA vem a cada dia mudando a vida e o processo de aprendizado da humanidade. Os processadores, hardwares e softwares estão em contínuo desenvolvimento tecnológico.
Importante destacar a fase do recurso no processo licitatório. A plataforma de licitações públicas com IA oferece um sistema completo e integrado para gestão de recursos, permitindo que todas as etapas do processo recursal sejam realizadas de forma totalmente online e centralizada. Isso inclui desde a manifestação e interposição de recursos até a recepção de contrarrazões e o julgamento pelo órgão responsável. Com essa funcionalidade, garante-se agilidade, transparência e rastreabilidade em todas as fases, assegurando uma experiência otimizada e segura para todos os envolvidos.
5.1 Origem e conceito de inteligência artificial
Antes dessa nova era de conhecimento, é importante saber que a IA teve origem por volta de 1950, graças aos estudos de Alan Mathison Turing (1912-1954), matemático britânico, pioneiro da computação e considerado hoje o pai da ciência computacional e da IA. Turing liderou um grupo de matemáticos e criptógrafos que decifraram os códigos utilizados pelos alemães para enviar mensagens aos submarinos durante a Segunda Guerra Mundial. Um dos trabalhos de Turing foi On Computable Numbers (1936), com uma aplicação ao Entscheidungsproblem (um problema da lógica simbólica que consiste em achar um algoritmo genérico para determinar se um dado enunciado da lógica de primeira ordem pode ser provado). Em seu artigo revolucionário, que inaugurava os fundamentos da computação, Turing concluiu que seria possível criar uma máquina automatizada que materializasse fisicamente a lógica humana e solucionasse qualquer cálculo representado no formato de um algoritmo. Surgiram aí as raízes do primeiro computador: um sistema que, sozinho, realizaria tarefas determinadas pelo programa com o qual ele está equipado. A agora chamada de “Máquina de Turing” se tornou um protótipo dos computadores modernos.
Após dois anos da morte de Turing, em 1956, John McCarthy apresentou a expressão “Inteligência Artificial” na conferência de Dartmouth College, em New Hampshire, nos EUA, definindo-a assim: “Fazer a máquina comportar-se de tal forma que seja chamada inteligente caso fosse este o comportamento de um ser humano”. Um dos pioneiros da área de Inteligência Artificial, McCarthy foi o criador da linguagem de programação Lisp – a segunda mais velha linguagem de alto nível ainda em amplo uso hoje (atrás do Fortran). Teve ainda participação na criação de sistemas compartilhados (time-shared), que permitiram ampliar o acesso a grandes sistemas computacionais. Em 1971, recebeu o prestigiado Turing Award, devido a suas pesquisas em IA. Desde o ano 2000, está aposentado, após uma carreira na universidade de Stanford, nos EUA. Uma lista de seus artigos pode ser encontrada em sua página no site da universidade. Particularmente, vale a leitura de Programs with Common Sense, possivelmente o primeiro artigo sobre aplicação de lógica em IA, e de seu artigo apresentado no recebimento do Turing Award, Generality in Artificial Intelligence (Universidade Federal de Pelotas, 2011, online).
5.2 O uso de tecnologias inovadoras como a inteligência artificial, blockchain e plataformas digitais
O uso de tecnologias inovadoras como IA, blockchain5 e plataformas digitais no processo licitatório aumenta a transparência e o combate à corrupção. O uso da tecnologia e inovação nas licitações tem se tornado cada vez mais comum, garantindo mais transparência, agilidade e eficiência aos processos de compras públicas. Algumas das formas de utilizar a tecnologia e inovação nas licitações incluem o uso de plataformas online para divulgação, realização de pregões eletrônicos, assinatura digital de documentos, entre outros processos administrativos.
A utilização de IA em licitações, já amparada na nova lei, proporciona inúmeros benefícios, como a otimização do processo de seleção de fornecedores, uma análise mais eficiente das propostas e da avaliação de riscos e até mesmo a detecção de possíveis fraudes. A ferramenta tecnológica certamente reduz a possibilidade de erros humanos. A agilidade na análise de grandes quantidades de volumes de dados, a promoção da clareza e a imparcialidade no processo de seleção pública de fornecedores são melhoradas com a IA.
A análise de documentos por meio da aplicação da IA, no decorrer dos processos licitatórios, vai além da simples automatização de algoritmos avançados, possibilitando reconhecer padrões complexos, identificar inconsistências entre diferentes documentos e até mesmo detectar indícios de falsificação ou adulteração.
Essa capacidade de análise de documentos, por leitura digital e IA, não apenas agiliza o processo de avaliação, mas garante a precisão e confiabilidade das verificações em uma camada adicional de segurança e transparência aos procedimentos. O uso da IA na verificação de propostas dos licitantes também é um modelo importante na detecção de comportamentos de licitantes suspeitos, pois detecta todo e qualquer indício de irregularidades, por meio de algoritmos sofisticados programados para tal avaliação técnica.
É possível identificar padrões que escapariam facilmente à detecção humana, como variações atípicas nos preços oferecidos ou redações ambíguas que podem cobrir intenções fraudulentas. Dessa forma, a IA não apenas facilita o trabalho dos gestores públicos, como também contribui significativamente para a lisura e integridade dos processos licitatórios. A utilização da tecnologia blockchain para garantir a integridade e transparência oferece uma abordagem inovadora para assegurar a integridade e transparência dos processos licitatórios ao registrar todas as transações e interações em um livro-razão descentralizado e imutável. O bloco envia uma trilha de auditoria transparente e inviolável que pode ser acessada e verificada por todas as partes interessadas. Isso elimina a necessidade de intermediários e reduz consideravelmente o risco de manipulação de dados ou fraudes, garantindo a confiabilidade e autenticidade de cada etapa do processo licitatório. Essas tecnologias ajudam a reduzir os casos de malversação de recursos, garantindo que os contratos sejam concedidos de forma justa e imparcial. Além disso, automatizam tarefas suscetíveis a interferências, como análise de documentos e verificação de propostas, minimizam o risco de influências indevidas e subjetividades, assegurando a integridade e lisura dos processos licitatórios em suas etapas.
O uso de tecnologias inovadoras como IA, blockchain e plataformas digitais representa uma evolução significativa nos processos licitatórios, trazendo benefícios tangíveis em termos de eficiência, transparência e combate à corrupção. Ao aproveitar essas ferramentas poderosas, a Administração Pública pode garantir uma distribuição mais justa e eficiente dos recursos, além de fortalecer a confiança dos cidadãos nas instituições. No entanto, é importante ressaltar que a implementação bem-sucedida dessas tecnologias requer um compromisso contínuo com a capacitação, atualização e monitoramento constante a fim de garantir a sua utilização ética e responsável.
A automação dos processos licitatórios elimina o gargalo da formação do preço médio com um Banco de Preços integrado ao Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que acessa dados de outras atas de órgãos públicos. Isso permite ao pregoeiro consultar preços reais de mercado para criar estimativas precisas e alinhadas com a realidade, evitando frustrações de licitação por valores fora do mercado. Essa vantagem proporcionada pela agilidade da automatização na busca por preços, reduzindo o tempo dessa etapa crítica, garante estimativas confiáveis com base em dados reais. Promover rastreabilidade e segurança nos processos é outro ponto importante, pois economiza recursos e melhora a eficiência operacional. Resumindo, essas funcionalidades proporcionadas pelas plataformas de IA asseguram maior sucesso nas licitações, otimizando tempo e resultados para os órgãos públicos.
Aliado às plataformas de IA, o PNCP armazena e registra digitalmente todas as fases do processo licitatório, e não apenas facilita o acompanhamento por parte dos órgãos de controle, mas também reduz a possibilidade de erros humanos e fraudes.
A NLGL determina que todas as contratações sejam publicadas no PNCP, permitindo que cidadãos, empresas e órgãos fiscalizadores acompanhem, em tempo real, os processos licitatórios. Isso aumenta a accountability, uma vez que a exposição pública das etapas inibe práticas corruptas e garante que os recursos sejam aplicados de forma eficiente. A celeridade é outro aspecto positivo da automação. Ao digitalizar etapas como o credenciamento, a apresentação de propostas e a habilitação dos participantes, o tempo de execução das licitações é reduzido consideravelmente.
A transparência também se reflete na possibilidade de acompanhamento das licitações por parte da sociedade civil. Com o acesso aberto aos portais eletrônicos, qualquer cidadão pode verificar os gastos públicos e avaliar se as contratações estão alinhadas às necessidades coletivas. Esse tipo de fiscalização popular estimula a eficiência administrativa e reduz o espaço para irregularidades. Em um país com dimensões continentais como o Brasil, a utilização de sistemas eletrônicos possibilita que empresas de regiões mais remotas participem de licitações em diferentes localidades, aumentando a concorrência e promovendo o desenvolvimento econômico local.
Outro aspecto positivo é o fortalecimento do controle externo. Com a digitalização dos processos, órgãos de controle, como os TCs, têm acesso mais rápido e abrangente às informações, facilitando a identificação de irregularidades e agilizando a aplicação de medidas corretivas. Outra vantagem é a simplificação dos procedimentos para os fornecedores. Com a digitalização, empresas podem se cadastrar e participar de licitações de forma mais simples e rápida, reduzindo custos operacionais e aumentando o interesse pelo mercado público.
A automação dos processos de licitação é vista principalmente sob duas etapas: a primeira, a parte do gerenciador de licitação, que é quem vai fazer a busca e captação de editais, e a segunda, que é o monitoramento de chat. Esse processo é muito importante hoje para os licitantes, pois ocorre de perderem licitações em que poderiam às vezes até ficar bem classificados. Não acompanhar o chat pode ser um grande prejuízo, pois o pregoeiro pode chamar e o licitante ser desclassificado de uma disputa em que tinha chances de arrematar com valor excelente.
Sobre o monitoramento de chat e ferramentas que já existem no mercado, elas favorecem e ajudam muito o fornecedor no seu dia a dia. Os fornecedores contratam a ferramenta em busca de eficiência e agilidade, podendo fazer essa busca manualmente, sem perder tempo. A captação de licitações, hoje, com a utilização digital para monitoramento de processos, é um grande auxílio para o fornecedor, pois este consegue prospectar novas licitações, sem muito esforço.
A IA se incorporou de modo definitivo no cotidiano social, seja no plano privado, seja no plano da Administração Pública. Há poucos anos, a IA era uma simples figura improvável de acontecer. Agora é impensável um mundo sem o uso da IA, tamanha a assimilação dessa ferramenta pela sociedade.
Os bancos de dados produzidos pela Administração Pública, em geral, não registram as obras, mas sim os contratos referentes à obra individual. Como pode haver um único contrato para mais de uma obra ou uma obra que abranja mais de um contrato, os dados estão sempre incompletos. Nem sempre são incluídos nos bancos de dados os serviços técnicos e equipamentos necessários para garantir o início do empreendimento. Assim, nem todos os contratos registrados nos bancos de dados se referem a obras nos termos da NLGL.
A automação pós-licitação é um processo que visa otimizar e agilizar as etapas subsequentes à fase de licitação, como a gestão de contratos, o acompanhamento de fornecedores e o controle de pagamentos. As informações disponíveis nos bancos de dados dos órgãos federais, estaduais e municipais devem permitir uma visão confiável sobre a dimensão de problemas, como a paralisação de obras, tanto em termos quantitativos (n. de obras existentes, n. de obras paralisadas, valores totais das obras, valores já executados, valores pendentes de execução) quanto qualitativos (tempo de paralisação, distribuição geográfica, distribuição por programa temático, distribuição por tipo de execução orçamentária). Quais são as principais causas de paralisação de obras públicas financiadas com recursos federais e como os agentes públicos têm tratado essas causas do ponto de vista preventivo e corretivo? Quais experiências bem-sucedidas na Administração Pública podem servir como referência para o enfrentamento dos problemas que geram paralisações de obras? Essa prática tem se tornado cada vez mais relevante para a eficiência da gestão, transparência e redução de custos em suas operações. A automação permite que tarefas repetitivas e manuais sejam realizadas de forma mais rápida e precisa, disponibilizando informações precisas para a tomada de decisões estratégicas quanto ao estágio de cada obra.
Ao eliminar a necessidade de digitação manual de dados e a possibilidade de falhas humanas, a automação reduz significativamente a ocorrência de erros e retrabalho, além de demonstrar como está sendo gasto o dinheiro público. A automação proporciona melhor controle sobre os processos pós-licitação, não há dúvida, pois permite que o administrador faça o acompanhamento em tempo real do cumprimento de contratos, prazos e pagamentos. Com acesso a informações precisas e atualizadas, os gestores podem exigir o cumprimento de normas e regulamentos, garantindo a conformidade dos processos pós-licitação e a segurança dos dados.
A alta incidência de paralisações e o elevado montante de recursos envolvidos ressaltam um importante foco de atuação para a redução dos desperdícios de recursos públicos, e a dificuldade crônica da Administração em realizar entregas, concluir projetos e converter os investimentos em benefícios efetivos.
Segundo o TCU, há dificuldade de consolidação das informações e da expressividade dos números obtidos. Daí a pertinência de se manterem esforços para a constituição de um Cadastro Geral de Obras do Governo Federal, tendo em conta os inúmeros prejuízos que se verificam, no atual cenário, para a transparência, o controle (primário, externo, social etc.) e a gestão.
A falta de integração de dados pós-licitação impossibilita a criação de relatórios e indicadores de desempenho que possam auxiliar os gestores na tomada de decisão. Somente com uma análise baseada em dados é possível identificar gargalos e adotar estratégias mais eficazes para otimizar os processos licitatórios.
Cabe a pergunta: a introdução da IA nos processos de licitação, conforme a NLGL, poderá garantir a eficiência e transparência dos procedimentos licitatórios em comparação com as práticas anteriores? A pulverização de informações em diversos sistemas regionais, a falta de uniformização de conceitos, a limitada integração das bases, as inconsistências de informações decorrentes da falta de adesão aos processos de trabalho e com excesso de subjetividade por parte dos atores representam barreiras graves à superação dos problemas. A resposta, portanto, à questão é que as informações e dados podem estar primeiramente disponíveis nos sistemas que permitam a construção de uma visão aproximada do cenário atual de obras públicas e serviços, gerando elementos de confiabilidade no momento em que as informações serão pesquisadas.
Da necessidade atualmente existente de integração de bases para melhor conhecer o problema do andamento das obras e serviços, conclui-se pela necessidade de implantação de um sistema que forneça mais dados confiáveis para os gestores e fiscalizadores dos recursos públicos, buscando a integração da IA para aumentar a eficácia e a transparência das licitações públicas, com automatização da análise de propostas, monitoramento da aderência às normas legais e otimização na tomada de decisões.
5.2.1 Sistema de Registro de Preço. Adoção à Ata de Registro de Preços. E o monitoramento de Atas por Inteligência Artificial
Cabe destacar primeiro os benefícios do sistema de registro de preços. É do conhecimento de todo gestor público que a premissa elementar adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, no que concerne a contratações públicas, é que todas as aquisições de bens ou contratação de serviços com terceiros levadas a efeito pelo ente público serão necessariamente precedidas de licitação, de modo a identificar e escolher a proposta mais vantajosa à Administração Pública.
Dessa feita, a licitação, por força de dispositivos constitucionais (XXI, art. 37) e infraconstitucionais (NLGL), é regra para a Máquina Administrativa, que, ao necessitar firmar relação obrigacional, deve instaurar certame licitatório para eleger seus fornecedores ou prestadores de serviços de forma impessoal, perseguindo a obtenção da proposta mais vantajosa ao atendimento do interesse público, com esteio em critérios de julgamento previamente definidos e divulgados, os quais colocam em condições isonômicas os licitantes interessados.
O SRP consiste em um conjunto de procedimentos para a realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos à prestação de serviços, a obras e à aquisição e locação de bens para contratações futuras; um procedimento auxiliar previsto no inc. XLV do art. 6º da NLGL. Cabe frisar que o SRP não é instituto próprio de contratação, ou uma possível modalidade licitatória, mas tão somente uma técnica empregada no planejamento estratégico da Administração Pública, capaz de proporcionar ao Ordenador de Despesas a segurança de contratar o objeto registrado ou não, pautado na oportunidade e conveniência administrativa, eximindo-o de qualquer compromisso e/ou obrigação para com o(a) beneficiário(a) do Registro.
Desse modo, considerando-se os princípio constitucionais da economicidade e da eficiência, entende-se que é juridicamente possível e, por vezes, extremamente aconselhável aproveitar uma condição mais vantajosa de preços conquistada por outro ente federativo.
Sobre o tema, encontramos no mercado plataformas que já disponibilizam Atas de Registro de Preços monitoradas por IA. Trata-se de um processo que dá agilidade para a gestão realizar compras, com mais transparência e em tempo real. O sistema por IA dispara logs detalhados de todas as etapas do processo, gerados em tempo real, garantindo total visibilidade. Também faz análise abrangente de propostas, mediante comparação automática delas, incluindo documentos, condições, preços e prazos, permitindo uma avaliação mais completa e precisa. Identifica o fornecedor vencedor automaticamente, de acordo com os critérios previamente definidos, simplificando a escolha final. Esses recursos proporcionam segurança, eficiência e clareza, facilitando a tomada de decisão de forma rápida e fundamentada.
6 ASPECTOS ADMINISTRATIVOS E DE GESTÃO SUBJACENTES AOS LEILÕES
Subjacência em um processo licitatório refere-se aos aspectos fundamentais que sustentam sua existência e justificam sua realização. Nesse contexto, destaca-se a necessidade pública como elemento central. O processo licitatório é iniciado para atender a demandas específicas da coletividade, seja na aquisição de bens, na contratação de serviços ou na realização de obras públicas. Essa necessidade deve ser identificada e justificada previamente, sendo o ponto de partida para qualquer iniciativa nesse sentido.
A normatividade jurídica é a base indispensável para a realização das licitações. No âmbito do Direito Administrativo tradicional, a matéria relativa ao ato administrativo, suas possíveis nulidades e respectivos efeitos sempre ocupou lugar destacado nos manuais da disciplina e na operatividade da Administração Pública. O processo normativo brasileiro estabelece regras claras sobre os procedimentos, critérios e mecanismos para a seleção de propostas. Nossa legislação visa assegurar que a Administração Pública utilize os recursos públicos de forma ética e eficiente, sempre priorizando o interesse público.
Um processo licitatório bem-sucedido é de fundamental importância para o poder público e a sociedade. A NLGL (Lei 14.133/21) segue a trilha do planejamento detalhado. Dispõe seu artigo 147 que, uma vez constatada irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível o saneamento da nulidade (superação dos vícios ou convalidação), a decisão sobre a suspensão ou anulação do contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos: a) impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato; b) riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato; c) motivação social e ambiental do contrato; d) custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas; e) despesa necessária à preservação das instalações e dos serviços já executados; f) despesa inerente à desmobilização e ao posterior retorno às atividades; g) medidas efetivamente adotadas pelo titular do órgão ou entidade para o saneamento dos indícios de irregularidades apontados; h) custo total e estágio de execução física e financeira dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas envolvidas; i) fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos em razão da paralisação; j) custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato; k) custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação.
Assim, ao compreender os elementos subjacentes de um processo licitatório, fica evidente que eles servem como alicerces para sua estrutura e legitimidade. A combinação de princípios, normatividade, planejamento e foco no interesse público não apenas viabiliza o processo, mas também assegura que ele seja conduzido de forma ética e eficaz, promovendo a confiança da sociedade na Administração Pública.
A partir dessas noções preliminares, importa delimitar, no presente artigo, a conceituação de princípios e regras que norteiam a licitação, visto que, no âmbito da Administração Pública, há uma relativa diversidade de conceitos, mas cada qual seguindo as condições gerais da Constituição Federal, da NLGL e normas específicas do órgão ou entidade que os utiliza.
7 CONCLUSÃO
A automatização é a grande revolução dos tempos modernos, e a implementação na gestão administrativa brasileira marca uma revolução positiva ao combinar tecnologia e eficiência. O uso de plataformas como o PCP, o ComprasNet e os sistemas estaduais e municipais especializados assegura uma transformação abrangente que beneficia não apenas a Administração Pública, mas também toda a sociedade. Tais ferramentas elevam o nível de transparência, ampliam a acessibilidade, reduzem custos administrativos e fortalecem o controle externo, consolidando as bases para uma gestão pública mais ética e eficiente.
As plataformas que usam IA oferecem uma avançada funcionalidade de regionalidade e podem ser projetadas para atender às exigências de editais que priorizam fornecedores locais. Quando um edital especifica critérios regionais, o sistema identifica automaticamente a localização do órgão e filtra os fornecedores cadastrados que atendem a essa exigência. Dessa forma, os processos de licitação são disponibilizados exclusivamente para fornecedores que pertencem à região definida, garantindo conformidade com a legislação vigente e promovendo a participação de empresas locais. Essa funcionalidade não apenas assegura a transparência e a eficiência no processo, como também fortalece o desenvolvimento econômico regional ao direcionar as oportunidades de negócio para fornecedores qualificados da área de abrangência do edital.
A realização de sessões de disputas e lances está garantida por experiência virtual e mantém a legalidade, transparência e competitividade de uma licitação presencial. Os fornecedores que participarem dessas etapas em uma sala virtual segura poderão oferecer seus lances de maneira simultânea em tempo real, com total igualdade de oportunidades. A sala virtual deverá estar projetada para assegurar confidencialidade das propostas até o momento adequado, seguindo rigorosamente os princípios legais aos processos de licitação. Essa funcionalidade permite maior praticidade e eficiência, eliminando a necessidade de deslocamentos físicos, graças a um ambiente acessível e seguro para todos os participantes, sem comprometer a imparcialidade ou a competitividade do processo.
Além disso, o impacto dessas plataformas é perceptível na celeridade dos processos, na padronização das etapas licitatórias e na ampliação da competitividade, ao incluir empresas de diferentes portes e regiões. No entanto, desafios como a capacitação de servidores públicos, a proteção contra ataques cibernéticos e a inclusão de micro e pequenas empresas revelam que a plena realização do potencial dessas ferramentas depende de esforços contínuos em investimentos, treinamento e adoção de políticas inclusivas.
Em um país de dimensões continentais como o Brasil, a integração tecnológica das licitações não apenas moderniza a Administração Pública, mas também contribui para reduzir desigualdades regionais e fomentar o desenvolvimento local. A automatização fortalece o controle social, ao permitir que cidadãos acompanhem e fiscalizem o uso dos recursos públicos, e reduz subjetividades, garantindo maior justiça e equidade nos julgamentos das propostas.
Portanto, a adoção de tecnologias digitais na execução de licitações não deve ser vista apenas como uma obrigação legal, mas como um pilar estratégico para a governança pública. Ao maximizar os benefícios da automatização, o Brasil avança rumo a um modelo administrativo mais transparente, responsável e alinhado às necessidades contemporâneas de eficiência e inovação. A consolidação desse processo depende de ações integradas que garantam a sustentabilidade dessa transformação no longo prazo. A segurança deve abranger tanto o ambiente físico quanto o digital, garantindo a integridade e privacidade dos dados armazenados, com a realização de backups e utilização de servidores seguros, tudo para armazenar cópias de segurança dos arquivos, que serão devidamente criptografados.
³Ver: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242733.
4Art. 37, inc. XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
5Blockchain pode ser traduzida como corrente de blocos. De uma forma simples, trata-se de uma tecnologia que agrupa um conjunto de informações que se conectam por meio de criptografia. Assim, transações financeiras e outras operações podem ser feitas de forma segura.
REFERÊNCIAS
AGU; BARTH, Maria Létícia B.G.; BLIANCHERIS, Marcos W. Orientações e segurança jurídica aos gestores públicos na implementação das contratações públicas sustentáveis. Guia Nacional de Contratações Sustentáveis, 7. ed., Brasília: 2024.
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¹Natural de Belo Horizonte-MG, é graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Aprovado nos concursos para Juiz do Trabalho Substituto dos Tribunais Regionais do Trabalho da 8ª Região, em 1999, e da 10ª Região, em 2001, tendo atuado neste último regional até 2005, quando foi permutado para a 18ª Região. Exerce, atualmente, o cargo de Juiz Titular da Vara do Trabalho de São Luís de Montes Belos-GO (TRT18). É Professor Permanente do Mestrado em Direito e Políticas Públicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Professor Adjunto de Direito Processual do Trabalho da UFG, onde desenvolve pesquisas sobre os impactos da Reforma Trabalhista e ainda sobre Controle de Convencionalidade em matéria trabalhista. Foi Coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito da UFG e membro do Comitê de Ética em Pesquisa da UFG. É Doutor em Direito pela UFMG, Mestre em Direitos Humanos pela UFG e Especialista em Direito Constitucional pela UnB. É, também, Pós-graduado em Diritto del Lavoro, Sindacale e della Sicurezza Sociale pela Università Europea di Roma. É Membro Efetivo do Instituto Ítalo-Brasileiro de Direito do Trabalho e Titular da Cadeira n. 3 da Academia Goiana de Direito.
²Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Advogado. Pós-graduação em Docência Universitária pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Goiás. Ex-Procurador-Geral do Município de Goiânia. Mestrando em Direito e Políticas Públicas pela UFG. Diretor Jurídico do Atlético Clube Goianiense.