INFÂNCIA À VENDA? A PROTEÇÃO JURÍDICA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA PUBLICIDADE BRASILEIRA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202504120737


Giovanna Ferreira dos Santos
Giulia Tortorello Souto


RESUMO  

A crescente inserção de crianças e adolescentes em campanhas publicitárias, especialmente no  ambiente digital, tem despertado intensas discussões na sociedade contemporânea. O apelo comercial  que se utiliza da imagem de indivíduos em fase de desenvolvimento tem levantado questões éticas,  jurídicas e sociais, considerando-se a condição peculiar de pessoas em formação. Em meio a esse  cenário, o ordenamento jurídico brasileiro tem buscado estabelecer limites para a atuação do mercado,  objetivando proteger os direitos fundamentais dos menores, como previsto na Constituição Federal, no  Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código de Defesa do Consumidor (CDC). A  publicidade voltada ao público infanto-juvenil possui características específicas que a tornam  especialmente problemática. O caráter persuasivo das mensagens publicitárias pode comprometer o  discernimento de crianças e adolescentes, influenciando seu comportamento de consumo de forma  inconsciente. Isso ocorre com mais intensidade nas mídias digitais, onde estratégias de marketing são  muitas vezes dissimuladas sob o formato de entretenimento. Diante disso, torna-se imprescindível  refletir sobre a efetividade das normas vigentes e os limites da atuação estatal na contenção de práticas  abusivas. Assim sendo, este estudo tem como objetivo geral investigar como a regulação  governamental brasileira protege os direitos das crianças e dos adolescentes envolvidos em contratos  publicitários, avaliando sua eficácia diante dos desafios impostos pelo mercado midiático. Os objetivos  específicos são: examinar a legislação vigente no Brasil referente à participação de crianças e  adolescentes em peças publicitárias; analisar o papel de órgãos fiscalizadores, como o CONAR e o  Ministério Público; compreender os impactos das práticas publicitárias na formação e desenvolvimento  de crianças e adolescentes. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com abordagem exploratória e  descritiva, que se utilizará de revisão bibliográfica e documental. A análise será pautada em legislações  nacionais, como a Constituição Federal, o ECA e o CDC, bem como em estudos acadêmicos sobre o  tema. Foram utilizados artigos retirados do banco de dados do Google Acadêmico. Conclui-se que a  regulação governamental tem um papel fundamental na proteção de crianças e adolescentes em  relações contratuais no âmbito publicitário, mas precisa ser fortalecida e adaptada aos novos desafios  da era digital. O aprimoramento da legislação, aliado à ação fiscalizadora eficaz e à conscientização  da sociedade, é essencial para garantir os direitos fundamentais desse público. 

Palavras-chave: CONAR. Crianças e adolescentes. ECA. Direitos. Publicidade. 

ABSTRACT  

The growing involvement of children and adolescents in advertising campaigns, especially in the digital  environment, has sparked intense discussions in contemporary society. The commercial appeal that  leverages the image of individuals in their developmental stages raises ethical, legal, and social  concerns, given the particular condition of people who are still in the process of formation. In this context,  the Brazilian legal system has sought to establish limits on market practices, aiming to protect the  fundamental rights of minors, as outlined in the Federal Constitution, the Statute of the Child and  Adolescent (ECA), and the Consumer Defense Code (CDC). Advertising targeted at children and  adolescents possesses specific characteristics that make it particularly problematic. The persuasive  nature of advertising messages can impair the judgment of children and adolescents, unconsciously  influencing their consumer behavior. This effect is amplified in digital media, where marketing strategies  are often disguised as entertainment. Therefore, it is essential to reflect on the effectiveness of current  regulations and the limits of governmental action in curbing abusive practices. Accordingly, this study  aims to investigate how Brazilian government regulation protects the rights of children and adolescents  involved in advertising contracts, assessing its effectiveness in the face of challenges posed by the  media market. The specific objectives are: to examine the current legislation in Brazil regarding the  participation of children and adolescents in advertising content; to analyze the role of regulatory bodies,  such as CONAR and the Public Prosecutor’s Office; and to understand the impact of advertising  practices on the development and formation of children and adolescents. This is a qualitative research  study with an exploratory and descriptive approach, based on a bibliographic and documental review.  The analysis is grounded in national legislation, such as the Federal Constitution, the ECA, and the  CDC, as well as in academic studies on the subject. Articles used were sourced from the Google Scholar  database. It is concluded that government regulation plays a fundamental role in protecting children and  adolescents involved in contractual relations within the advertising sector, but it must be strengthened  and adapted to the new challenges of the digital age. The improvement of legislation, combined with  effective oversight and increased societal awareness, is essential to ensure the fundamental rights of  this vulnerable group. 

Keywords: CONAR. Children and adolescents. ECA. Rights. Advertising.

1. INTRODUÇÃO  

A Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 227, fundamentou a criação  do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), com a finalidade de  garantir a efetivação dos direitos fundamentais atribuídos às crianças e aos  adolescentes. Esses direitos, considerados de absoluta prioridade, incluem a proteção  à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,  à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. A  responsabilidade por assegurar tais garantias é compartilhada entre a família, a  sociedade e o poder público. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, enquanto instrumento central de  proteção aos menores de dezoito anos, estabelece a proibição da oferta e  comercialização de determinados produtos e serviços, com o propósito de assegurar  a proteção integral desse grupo. Em um cenário social marcado pelo apelo ao  consumo, a publicidade exerce um papel estratégico do ponto de vista econômico,  sendo utilizada como ferramenta para incentivar comportamentos de compra. Nesse  contexto, crianças e adolescentes tornam-se alvos especialmente vulneráveis, dada  sua suscetibilidade às técnicas persuasivas empregadas para promover bens e  serviços. 

A presente pesquisa parte da seguinte questão norteadora: de que forma a  regulação governamental tem atuado na proteção dos direitos da criança e do  adolescente em relações contratuais no setor publicitário? A partir disso, estabelece se como hipótese a existência de uma proteção normativa robusta no plano legal,  porém limitada em sua eficácia diante das lacunas operacionais e da rápida evolução  das estratégias de marketing digital, o que compromete a integridade dos direitos  infanto-juvenis em contextos de exposição publicitária. 

Assim sendo, este estudo tem como objetivo geral investigar como a regulação  governamental brasileira protege os direitos das crianças e dos adolescentes  envolvidos em contratos publicitários, avaliando sua eficácia diante dos desafios  impostos pelo mercado midiático. Os objetivos específicos são: examinar a legislação  vigente no Brasil referente à participação de crianças e adolescentes em peças  publicitárias; analisar o papel de órgãos fiscalizadores, como o CONAR e o Ministério Público; compreender os impactos das práticas publicitárias na formação e  desenvolvimento de crianças e adolescentes. 

O presente trabalho justifica-se pela crescente presença de crianças e  adolescentes em conteúdos publicitários, especialmente em mídias digitais, levantando  preocupações quanto à exploração comercial, à violação de direitos fundamentais e  à insuficiência de mecanismos de fiscalização. O estudo justifica-se pela necessidade  de fortalecer o debate sobre políticas públicas e marcos legais que assegurem a  proteção integral desse público vulnerável. 

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com abordagem exploratória e descritiva,  que se utilizará de revisão bibliográfica e documental. A análise será pautada em  legislações nacionais, como a Constituição Federal, o ECA e o CDC, bem como em estudos acadêmicos sobre o tema. Foram utilizados artigos retirados do banco de  dados do Google Acadêmico.  

Espera-se que os dados coletados e analisados contribuam para uma  compreensão mais aprofundada sobre o alcance das ações governamentais em  relação à proteção infanto-juvenil no mercado publicitário. Ao identificar os principais  obstáculos enfrentados pelas instituições responsáveis pelo controle e fiscalização,  pretende-se oferecer subsídios para o aprimoramento das políticas públicas voltadas  à proteção da infância e adolescência. 

Ademais, o estudo busca evidenciar a necessidade de um olhar mais atento à  publicidade digital, considerando seu potencial de influência, especialmente quando  direcionada ou acessível ao público infanto-juvenil. A atuação em ambientes digitais  demanda soluções inovadoras, com articulação entre o setor público, a sociedade civil  e as próprias plataformas de comunicação, para garantir uma proteção eficiente e  atualizada. 

Por fim, este trabalho pretende colaborar com o fortalecimento da regulação  normativa e da atuação estatal, reafirmando o compromisso da sociedade com a  promoção dos direitos das crianças e adolescentes em todas as esferas, inclusive no  mercado de consumo. A construção de um ambiente midiático mais ético e  responsável passa, necessariamente, pelo reconhecimento da infância como  prioridade absoluta na formulação de políticas públicas e estratégias regulatórias.

2. REFERENCIAL TEÓRICO  

2.1 A Proteção Jurídica de Crianças e Adolescentes no Brasil 

Ao abordar a vedação de práticas publicitárias direcionadas ao público infantil,  com fundamento nos princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do  Adolescente (ECA), torna-se essencial esclarecer previamente o conceito de ‘criança’.  Tal definição é imprescindível para que as ações de proteção sejam devidamente  aplicadas e eficazes na prevenção de possíveis abusos oriundos da atividade  publicitária. 

A definição precisa de quem deve ser considerado criança possui grande  relevância, especialmente por se tratar de uma etapa essencial ao desenvolvimento  humano. Conforme destacado por Jason Albergaria (1991), citado por Momberger  (2002, p. 46), é justamente na infância que se consolidam os alicerces da  personalidade e da formação moral do indivíduo, processo que se estende à  adolescência. Diante disso, é inadequado considerar a criança como um adulto em  escala reduzida, já que ela apresenta especificidades físicas, emocionais e cognitivas  inerentes à sua fase de vida. 

No ordenamento jurídico brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente,  em seu artigo 2º, estabelece que são consideradas crianças as pessoas com até doze  anos de idade incompletos, enquanto adolescentes são aqueles com idade entre doze  e dezoito anos. Apesar dessa delimitação legal, há divergências entre estudiosos do  tema. Parte da doutrina argumenta que o marco dos doze anos é insuficiente para  abranger todas as nuances do desenvolvimento infantil, sugerindo que a faixa etária  da infância deveria se estender até os quatorze ou quinze anos, a fim de refletir com  mais precisão as fases do amadurecimento humano. 

Essa perspectiva oferece uma abordagem mais coerente com a proteção  integral prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, ao considerar de forma  mais sensível as distintas etapas do desenvolvimento infanto-juvenil. Ao se observar  a classificação etária adotada no Brasil, percebe-se que o marco de doze anos para  o início da adolescência pode ser considerado antecipado. Em contraste, legislações  de países desenvolvidos, como a da Alemanha — que, por meio da “Lei de Proteção  à Adolescência em Lugares Públicos”, estabelece como criança toda pessoa com menos de 14 anos —, adotam critérios mais cautelosos. Nessa legislação, apenas  indivíduos com idade entre 14 e 18 anos são reconhecidos como adolescentes, o que  reforça a ideia de um cuidado prolongado na transição entre infância e adolescência. 

Nesse contexto, é relevante destacar os dados estatísticos divulgados pela  ONU, que evidenciam a diversidade de critérios adotados mundialmente para definir  a idade-limite da infância. Embora essa definição varia conforme a legislação de cada  país, observa-se que a maioria das nações estabelece um limite etário superior ao  adotado no Brasil. De acordo com esses dados, em 74 países a infância é considerada  até os 15 anos de idade; em 10 países, até os 16 anos; em 31 nações, até os 18 anos;  e, em outros 6 países, o limite ultrapassa os 18 anos. Esses números demonstram  uma tendência internacional de prolongar o período de proteção legal à infância. 

No que se refere à delimitação etária adotada no Brasil, Paulo Lúcio Nogueira  (1998), apud Momberger (2002, p. 46), manifesta uma posição crítica ao afirmar que  “considera o início da adolescência aos doze anos vai de encontro, inclusive, às  Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil […]”.  Estabelecer critérios adequados para definir quem é criança não é apenas uma  questão técnica, mas um imperativo legal e ético, diretamente relacionado ao Princípio  da Proteção Integral, que assegura às crianças o direito de serem resguardadas em  todas as dimensões de sua existência. 

Quando se discute a proteção contra práticas publicitárias abusivas voltadas  ao público infantil, é essencial reconhecer que essa responsabilidade recai não  apenas sobre o Estado, mas também sobre a sociedade como um todo e aqueles  diretamente encarregados do cuidado com as crianças. Diante disso, é fundamental  avaliar se a proteção conferida tem sido, de fato, integral e se os diferentes estágios  do desenvolvimento infanto-juvenil, bem como sua condição peculiar de pessoa em  formação, estão sendo devidamente considerados e respeitados nas ações  publicitárias. Afinal, trata-se de um grupo especialmente vulnerável, que exige  atenção redobrada frente às estratégias de consumo que o cercam. 

2.2 O Enquadramento Jurídico da Publicidade no Brasil 

A dinâmica das relações de consumo é composta por três etapas  fundamentais: pré-contratual, contratual e pós-contratual, todas guiadas pelo princípio  da boa-fé objetiva, conforme apontado por Souza, Werner e Neves (2018, p. 47). Em cada uma dessas fases, torna-se essencial assegurar mecanismos específicos de  proteção ao consumidor. Durante o período pré-contratual, ocorre a aproximação  entre as partes, com troca de propostas, contrapropostas e negociações iniciais,  processo que envolve reflexão e avaliação das condições envolvidas — conforme  descreve Cavalieri Filho (2022, p. 173). A proteção correspondente a essa fase está  prevista no Capítulo V do Código de Defesa do Consumidor, que trata das práticas  comerciais (Brasil, 1990b), reforçando a necessidade de transparência e respeito ao  princípio da lealdade nas tratativas preliminares. 

A fase contratual, também conhecida como fase de execução, corresponde ao  momento em que as obrigações estipuladas no contrato são efetivamente cumpridas  pelas partes. É nesse estágio que se torna possível a intervenção judicial para revisar  cláusulas consideradas abusivas, conforme previsto no Código de Defesa do  Consumidor (Cavalieri Filho, 2022, p. 220). No entanto, como as relações de consumo  são, em grande parte, regidas por contratos padronizados — os chamados contratos  de adesão —, observa-se uma limitação significativa da autonomia do consumidor.  Isso ocorre porque o consumidor, diante de cláusulas pré-estabelecidas e não  negociáveis, não possui real liberdade para influenciar os termos contratuais, o que o  coloca em posição de desvantagem frente aos fornecedores de bens e serviços. 

Por fim, a etapa pós-contratual corresponde ao período que sucede a  conclusão do contrato, mas em que ainda subsistem efeitos decorrentes da relação  de consumo, especialmente nos casos de defeitos ou falhas em produtos e serviços.  Nessa fase, a proteção ao consumidor permanece ativa, abrangendo situações como  vícios ocultos e danos decorrentes do uso do produto. Um exemplo típico dessa  proteção é o recall, procedimento pelo qual o fornecedor comunica os consumidores  sobre possíveis falhas que representem riscos à saúde ou à segurança, conforme  disposto no artigo 10, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (Brasil,  1990b). Essa etapa reforça o compromisso contínuo do fornecedor com a segurança  e a qualidade dos bens e serviços ofertados, mesmo após a finalização do vínculo  contratual. 

Dessa forma, é pertinente enfatizar a importância da fase pré-contratual,  especialmente por ser nesse momento que a publicidade exerce a função de elo entre  o consumidor e o fornecedor, o que lhe confere relevância jurídica considerável  (Souza; Werner; Neves, 2018, p. 129). Essa etapa se inicia com a apresentação da  oferta, a qual, conforme dispõe o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor, corresponde a qualquer informação ou publicidade suficientemente clara e específica,  divulgada por meio de qualquer canal de comunicação, acerca dos produtos ou  serviços oferecidos. Tal oferta vincula o fornecedor, sendo incorporada  automaticamente ao contrato, caso este venha a ser formalizado (Brasil, 1990b). 

De acordo com o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, a divulgação  e a apresentação de produtos e serviços devem garantir ao público consumidor o  acesso a informações claras e detalhadas. Essas informações devem abranger  aspectos como características, qualidades, quantidade, composição, preço,  condições de garantia, prazo de validade, procedência e eventuais riscos à saúde e à  segurança dos usuários, entre outros elementos relevantes (Brasil, 1990b). 

Dessa forma, com base na definição estabelecida pelo Código de Defesa do  Consumidor, é possível concluir que, quando a publicidade veicula informações  corretas, claras, precisas, visíveis e em língua portuguesa, abrangendo os aspectos  mencionados no artigo 31, caput, in fine, ela passa a ser reconhecida juridicamente  como uma forma de oferta. No entanto, diante da predominância dos contratos de  adesão em uma sociedade de consumo em larga escala, Cavalieri Filho (2022, p. 191)  observa que, “nesse tipo de contrato, a proposta perde seu caráter personalizado e  transparente, sendo frequentemente disseminada por meios generalizados, como é o  caso da publicidade de massa”. 

Nesse contexto, a publicidade assume o papel de veículo de oferta em larga  escala, com natureza generalizada e impessoal (Baudrillard, 1995, p. 131;  Pasqualotto; Brito, 2020, p. 46). Por essa razão, é pouco provável que contenha, de  forma integral, todos os requisitos informacionais exigidos pelo artigo 31 do Código de  Defesa do Consumidor, tais como dados detalhados sobre composição, garantia,  procedência e riscos à saúde e segurança. 

Vê-se que a oferta na sociedade de massa abrange não apenas as técnicas de indução pessoal, como ainda outras mais coletivas e difusas, entre as quais são as promoções de vendas e a própria publicidade. Antonio Herman Benjamin observa: “oferta, em tal concepção, é sinônimo de marketing, significando todos os métodos, técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados à sua disposição no mercado pelos fornecedores. Qualquer uma dessas técnicas, desde que suficientemente precisa, pode transformar-se em veículo suficiente de oferta  vinculante. Aí reside uma das maiores contribuições do Direito do  Consumidor à reforma da teoria clássica da formação dos contratos” (ob. cit., p. 256) (Cavalieri Filho, 2022, p. 191).

Segundo o autor, ainda que a informação ou a publicidade apresentem certa  imprecisão, isso não invalida automaticamente a oferta. Isso porque o artigo 31 do  Código de Defesa do Consumidor impõe ao fornecedor o dever de fornecer  informações claras e completas sobre os produtos ou serviços anunciados. Assim, a  eventual ausência de alguns elementos exigidos pela norma não descaracteriza a  proposta como oferta, tampouco a reduz à condição de mero convite à negociação  (Cavalieri Filho, 2022, p. 192). 

Portanto, ainda que o fornecedor não cumpra integralmente as exigências  estabelecidas no artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor  permanece amparado pelo ordenamento jurídico, podendo exigir o cumprimento da  oferta veiculada. Isso porque, mesmo na fase pré-contratual — em que o contrato  ainda não foi formalizado — já incidem garantias jurídicas, não contratuais, mas de  natureza principiológica. Tais garantias são fundamentadas tanto nas normas do  direito do consumidor quanto em princípios gerais que regem as relações  obrigacionais, como o da boa-fé objetiva, que assegura deveres de lealdade,  transparência e honestidade nas interações entre as partes. 

Assim, mesmo antes da formalização do contrato, o consumidor já está  resguardado contra práticas contraditórias, atitudes que frustram expectativas  legitimamente geradas pela oferta, bem como comportamentos marcados pela  deslealdade ou má-fé. Caso tais condutas venham a ocorrer, poderão gerar o dever  de indenizar, uma vez que representam violação aos deveres anexos ao princípio da  boa-fé objetiva, que rege toda a relação de consumo desde suas fases iniciais  (Cavalieri Filho, 2022, p. 149). 

2.3 CONAR 

Criado em 5 de maio de 1980, na cidade de São Paulo, o Conselho Nacional  de Auto-regulamentação Publicitária (CONAR) é uma entidade civil de caráter privado  e sem fins lucrativos. Sua manutenção é financiada por contribuições de importantes  organizações do setor publicitário brasileiro, incluindo anunciantes, agências de  propaganda e veículos de comunicação, que compõem sua base associativa. 

A origem do CONAR está ligada à elaboração do Código Brasileiro de Auto regulamentação Publicitária, desenvolvido no final dos anos 1970, em resposta à  possibilidade de o governo federal impor uma legislação que estabeleceria uma espécie de controle prévio sobre as mensagens publicitárias. Para os idealizadores  do código, tal medida representaria um retrocesso à liberdade de expressão e  acarretaria um aumento significativo na burocracia do setor. 

Dessa forma, o Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária foi  instituído com o propósito de preservar a liberdade de expressão e proteger os  interesses dos diversos agentes que compõem o setor publicitário. Com sua criação,  o projeto governamental que previa a censura prévia das mensagens comerciais foi  arquivado, e a responsabilidade pela aplicação das diretrizes estabelecidas no código  passou a ser atribuída ao CONAR.1 

O Conselho de Ética do CONAR é estruturado em oito Câmaras distribuídas  estrategicamente pelo país — sete delas localizadas nas capitais de São Paulo, Rio  de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco, além de uma instalada em Brasília. O  colegiado é formado por aproximadamente 180 conselheiros, entre titulares e  suplentes, escolhidos entre profissionais do setor publicitário e membros da sociedade  civil, todos atuando de forma voluntária. É expressamente proibida a participação de  pessoas que exerçam cargos públicos, seja por nomeação ou por eleição, bem como  de indivíduos que estejam concorrendo a mandatos eletivos em qualquer esfera de  governo.2 

De acordo com o próprio Conselho, a principal missão do CONAR é zelar pelo  cumprimento dos padrões éticos estabelecidos no Código Brasileiro de Auto regulamentação Publicitária. Sua atuação busca coibir práticas publicitárias  enganosas ou abusivas que possam causar prejuízos ou constrangimentos tanto aos  consumidores quanto às empresas. Além disso, o órgão tem como finalidade proteger  a liberdade de expressão comercial, assegurando sua compatibilidade com os  princípios constitucionais. 

É importante destacar que a principal função do CONAR no que se refere à  fiscalização da ética na publicidade possui natureza predominantemente  deontológica, ou seja, voltada à conduta ética dos profissionais do setor. Embora suas  decisões frequentemente resultem na proteção dos direitos do consumidor, essa atuação não se confunde com o controle jurídico exercido pelas normas cogentes  previstas no Código de Defesa do Consumidor (Miragem, 2014). Nesse contexto, o artigo 5º do Estatuto Social do CONAR (1980) estabelece  como objetivos da entidade: 

Artigo 5º  
São finalidades do CONAR:  
I. Zelar pela comunicação comercial, sob todas as formas de propaganda, fazendo observar as normas do Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, que prevalecerão sobre quaisquer outras.  
II. Funcionar como órgão judicante nos litígios éticos que tenham por objeto a indústria da propaganda ou questões a ela relativas.  
III. Oferecer assessoria técnica sobre ética publicitária aos seus associados, aos consumidores em geral e às autoridades públicas, sempre que solicitada.  
IV. Divulgar os princípios e normas do Código Brasileiro de Autoregulamentação Publicitária, visando a esclarecer a opinião pública sobre a sua atuação regulamentadora de normas éticas aplicáveis à publicidade comercial, assim entendida como toda a atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos e ideias.  
V. Atuar como instrumento de concórdia entre veículos de comunicação e anunciantes, e salvaguarda de seus interesses legítimos e dos consumidores.  
VI. Promover a liberdade de expressão publicitária e a defesa das prerrogativas constitucionais da propaganda comercial. 

A atuação do CONAR consiste em apurar e julgar denúncias relacionadas à  publicidade, as quais podem ser apresentadas por qualquer cidadão, por órgãos de  defesa do consumidor, por autoridades públicas e, eventualmente, até por integrantes  do próprio Conselho. Após o recebimento, as reclamações são submetidas à análise  do Conselho de Ética, garantindo-se às partes envolvidas o pleno direito ao  contraditório e à ampla defesa. 

As sanções aplicadas pelo CONAR variam conforme a gravidade da infração,  podendo incluir advertência ao anunciante, sugestão de modificação ou correção do  conteúdo publicitário, recomendação para interromper sua veiculação e, nos casos  em que suas deliberações não são atendidas, a divulgação pública da posição  adotada pelo Conselho. É importante salientar que o CONAR não realiza qualquer  tipo de censura prévia às peças publicitárias. Contudo, se for constatada uma infração  evidente ao Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, pode ser emitida  uma recomendação de suspensão emergencial da campanha aos veículos de mídia,  o que ocorre de forma célere após a denúncia ser recebida. Por outro lado, caso se  conclua que não houve violação ao referido código, o processo pode ser arquivado.

É importante destacar que as deliberações do Conselho de Ética do CONAR  não possuem caráter vinculante, tratando-se, na prática, de orientações cuja  observância é facultativa (Pasqualotto, 1997). No entanto, considerando que os  integrantes da entidade aderem voluntariamente ao seu estatuto e às disposições  contratuais nele previstas, essas recomendações podem vir a ser objeto de  questionamento ou análise judicial pelas partes envolvidas. 

Sobre esse aspecto, Miragem (2014) esclarece: 

(…) tanto a submissão dos anúncios publicitários ao CONAR, quanto a eficácia de suas decisões tem por fundamento vínculo associativo das partes envolvidas e o conselho. Decorre de vínculo obrigacional. Nesse sentido, sua exigibilidade e eventual descumprimento de decisões do conselho resolvem se como inadimplemento, ao contrário da cogência e autoridade da decisão estatal, especialmente por parte do Poder Judiciário, relativamente à proibição da publicidade ilícita, e a adoção das providências necessárias para assegurar a efetividade da medida. 

Embora as recomendações do CONAR não tenham caráter obrigatório,  observa-se, conforme dados disponíveis no site oficial do Conselho, que elas são  amplamente acatadas pelas partes envolvidas. Desde sua fundação até dezembro do  ano anterior, foram registrados 9.219 processos. Somente em 2016, o órgão instaurou  308 procedimentos, sendo 196 decorrentes de denúncias feitas por consumidores, 65  provenientes de representações de associados, 13 iniciados pelo Conselho Superior  e 34 instaurados de ofício pelo próprio CONAR. É digno de nota que as denúncias  apresentadas por consumidores representaram cerca de 63,6% do total naquele ano,  evidenciando o papel ativo do público no exercício da fiscalização ética da publicidade. 

Além disso, os segmentos que mais concentram representações no CONAR  são aqueles relacionados a medicamentos, cosméticos e demais produtos ou serviços  voltados à saúde, que somam 19,5% das ocorrências. Em seguida, destacam-se os  setores de alimentos, sucos e refrigerantes, com 14,6%, e o de bebidas alcoólicas,  com 11%. As principais motivações das denúncias envolvem a veracidade das  informações divulgadas nos anúncios, correspondendo a 39,9% dos casos, e  aspectos ligados à respeitabilidade das campanhas, que representam 22,4%. Em  contrapartida, apenas 1,9% das representações estão relacionadas à conformidade  das peças com a legislação vigente.3 

Entre os processos examinados no decorrer do ano em questão, destaca-se o  de número 223/16,4 apreciado no mês de março. A partir de uma reclamação  apresentada por um consumidor, o CONAR deu início à apuração para verificar  possível infração às normas previstas no Código Brasileiro de Auto-regulamentação  Publicitária. 

Naquele caso específico, tratava-se de uma peça publicitária divulgada em  formato de vídeo de unboxing em uma plataforma de rede social, na qual era  apresentado um produto da marca Kinder Ovo, acompanhado de brindes temáticos  da série Peppa Pig. O CONAR avaliou que a campanha promovia o estímulo à compra  por meio da oferta de itens colecionáveis, prática considerada incompatível com os  preceitos estabelecidos pelo Código de Auto-regulamentação Publicitária. 

Em sua manifestação defensiva, as empresas envolvidas afirmaram não  manter qualquer vínculo com o canal responsável pela publicação do vídeo de  unboxing, atribuindo exclusivamente ao criador do conteúdo a responsabilidade pela  divulgação. O próprio autor do vídeo confirmou não ter recebido qualquer incentivo ou  pagamento para promover o produto. Apesar disso, a relatora do processo sugeriu a  aplicação de advertência a todas as partes citadas, além de, em voto complementar,  recomendar a interrupção da divulgação do conteúdo. Em recurso, as empresas dos  setores alimentício e de brinquedos argumentaram que a sanção aplicada foi  desproporcional, reforçando a tese de que o material publicado não se configurava  como peça publicitária. 

O relator do recurso reconheceu de forma inequívoca a natureza publicitária do  conteúdo analisado. No entanto, acatou o argumento de que não houve  contraprestação financeira entre as empresas e o canal responsável pela divulgação,  o que levou à revogação da advertência aplicada às companhias envolvidas. Assim,  apenas o criador do canal foi advertido formalmente, permanecendo válida a  recomendação de interrupção da campanha publicitária. 

2.4 Ministério Público  

O Ministério Público configura-se como uma entidade essencial à preservação  da ordem jurídica, do Estado Democrático de Direito e da proteção dos direitos sociais  e individuais de natureza indisponível, conforme estabelece o artigo 127 da  Constituição Federal. Sua atuação destaca-se especialmente na defesa de interesses  difusos e coletivos, exercendo, entre outras atribuições, a instauração de inquéritos  civis e o ajuizamento de ações civis públicas com o objetivo de assegurar esses  direitos. 

Em relação à proteção do consumidor, o artigo 1º do Código de Defesa do  Consumidor determina que suas normas possuem natureza de ordem pública e  relevância social. Isso implica que a atuação do Ministério Público é imprescindível  nas demandas fundamentadas nesse microssistema jurídico, uma vez que sua  presença assegura a tutela dos interesses sociais, conforme previsto na Constituição  Federal. 

O artigo 5º do Código de Defesa do Consumidor prevê a criação de Promotorias  especializadas na proteção do consumidor dentro da estrutura do Ministério Público,  com o propósito de garantir a efetividade da Política Nacional das Relações de  Consumo. Além disso, o artigo 82, inciso I, do mesmo diploma legal, assegura a  legitimidade do Ministério Público para propor ações civis públicas e ações coletivas  voltadas à defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, conforme  estabelecido no artigo 81 do referido Código. 

Direitos difusos são compreendidos como aqueles que pertencem a uma  coletividade indefinida de indivíduos, unidos por circunstâncias comuns de fato, sem  que exista entre eles uma relação jurídica específica. Trata-se de interesses cuja  titularidade não pode ser individualmente determinada, nem tampouco quantificada  em favor de cada integrante do grupo. Esses direitos decorrem de situações amplas  e indeterminadas, sendo o elo entre os afetados meramente circunstancial ou  genérico (Nery Júnior, 1992). 

Por sua vez, os direitos coletivos, embora também tenham caráter indivisível,  referem-se a um grupo, categoria ou classe de pessoas que podem ser determinadas,  unidas por uma relação jurídica comum. A identificação de um titular individual não é  imprescindível, bastando que os integrantes compartilhem uma mesma base legal que  os vincule. Dessa forma, é possível ajuizar uma demanda coletiva em nome de todos  os beneficiários potenciais desses direitos, sem a necessidade de individualização  (Nery Júnior, 1992). 

Os direitos individuais homogêneos correspondem àqueles que, embora  pertençam a pessoas identificáveis e sejam passíveis de divisão, compartilham uma origem comum. São direitos cujo titular é determinado e cuja extensão pode ser  quantificada individualmente. Conforme esclarece Bruno Miragem, a justificativa para  sua tutela coletiva está fundamentada, principalmente, em dois aspectos: (i) o fato de  derivarem de uma mesma causa e apresentarem características semelhantes; e (ii) a  conveniência e efetividade do tratamento conjunto dessas demandas, evitando a  proliferação de ações individuais e o risco de decisões conflitantes (Miragem, 2014). 

Nesse mesmo sentido, lecionam Nery Júnior e Rosa Nery (2003): 

(…) direitos individuais cujo titular é perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível e cindível. O que caracteriza um direito individual comum como homogêneo é a sua origem comum. A grande novidade trazida pelo CDC no particular foi permitir que esses direitos individuais pudessem ser defendidos coletivamente em juízo. Não se trata de pluralidade subjetiva de demanda (litisconsórcio), mas de uma única demanda, coletiva, objetivando a tutela dos titulares dos direitos individuais homogêneos. 

Quando se trata de publicidade, torna-se ainda mais clara a legitimidade do  Ministério Público para atuar judicialmente. Isso se deve à própria natureza da  propaganda, que é direcionada a um público amplo e indefinido. Sendo assim, práticas  abusivas nesse campo tendem a impactar uma quantidade incalculável de pessoas  simultaneamente. Diante dessa realidade, justifica-se a intervenção do Ministério  Público como forma de assegurar uma proteção coletiva e abrangente aos  consumidores. Nesse sentido, Benjamin e Filomeno (1985) são precisos ao afirmar: 

A intervenção do Ministério Público na proteção ao consumidor não tem seu fundamento na hipossuficiência econômica do consumidor. Alicerça-se, de fato, no caráter de indisponibilidade dos interesses protegidos, exatamente na medida em que, pela sua extensão coletiva e qualidade difusa, extrapolando a órbita individual, exigem tutela do Estado. Protege-se o consumidor individualmente pelo fato de enxergá-lo integrante de um sistema mais amplo de interesses e direitos, denominados “direitos ao consumo”. 

Importa destacar que o Ministério Público detém legitimidade para ajuizar  qualquer medida judicial que se mostre necessária à efetivação dos direitos garantidos  pelo Código de Defesa do Consumidor. No contexto específico abordado neste  trabalho, é possível ao Parquet, por exemplo, propor ação cautelar visando a  suspensão imediata de campanhas publicitárias que contrariem os preceitos do CDC,  sobretudo quando configuradas práticas abusivas no conteúdo da comunicação  mercadológica. 

Todavia, a intervenção do Ministério Público vai além da esfera judicial. Sua  atuação se estende também ao campo extrajudicial, sendo amplamente reconhecida por sua efetividade em instrumentos que não envolvem necessariamente o  ajuizamento de ações. Bruno Miragem classifica essa atuação em duas frentes  distintas: a processual, voltada à propositura de demandas, e a extraprocessual, que  compreende a expedição de recomendações e requisições, a instauração de  inquéritos civis, a condução de audiências públicas e a celebração de termos de  ajustamento de conduta. Sobre essa vertente, o referido autor complementa: 

Em muitas situações há de se reconhecer a complementaridade dos procedimentos extraprocessuais e processuais, o que é evidenciado no caso do inquérito civil, o qual poderá servir para prévia investigação e produção de provas que sustentem a pretensão de futura ação civil pública. Por outro lado, a expedição de requerimentos e a audiência pública podem servir tanto para informar o convencimento do próprio agente do Ministério Público competente, como também para permitir a oitiva das partes envolvidas e a possibilidade de participação de todos os interessados. 

De forma bastante sucinta, essas representam algumas das principais  competências atribuídas ao Ministério Público enquanto integrante do aparato estatal  responsável pela fiscalização da publicidade. A título ilustrativo, cabe destacar  decisão emblemática proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (Brasil, 2016), em  que, ao julgar uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de  São Paulo, reconheceu-se como abusiva a veiculação de publicidade de alimentos  direcionada ao público infantil, por violar os artigos 37, §2º, e 39, inciso I, do Código  de Defesa do Consumidor. 

No referido julgamento, uma companhia do setor alimentício foi alvo de  questionamentos por empregar linguagem atrativa ao público infantil na promoção de  um de seus produtos. A prática tornava-se ainda mais grave diante da existência de  uma venda casada, já que o anúncio vinculava a aquisição de um brinde à compra de  cinco unidades de um biscoito específico. Diante disso, os ministros do STJ rejeitaram  a conduta adotada pela empresa, negando provimento ao seu recurso. Manteve-se,  assim, a decisão anterior que determinava o pagamento de R$ 300.000,00 a título de  indenização, valor destinado ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de  Interesses Difusos Lesados. 

2.5 Impactos publicitários em crianças e adolescentes: Uma Análise da  Hipervulnerabilidade 

A atuação da legislação brasileira frente à publicidade direcionada ao público  infantil é, em grande parte, restritiva, impondo certos limites à sua veiculação. 

Contudo, observa-se que tais normas enfrentam dificuldades para acompanhar o ritmo  acelerado das transformações no ambiente digital, especialmente diante das novas e  sutis estratégias de marketing utilizadas para atrair crianças. Esse cenário tem se  tornado cada vez mais comum e alarmante, evidenciando a urgência de se repensar  e fortalecer o arcabouço jurídico existente, de modo a assegurar uma proteção mais  eficaz frente às práticas publicitárias abusivas nesse contexto. 

Conforme observa Fantin (2019, p. 111), compreender a infância e as  manifestações lúdicas atuais exige uma análise integrada ao universo midiático e  digital. Esses elementos, ao fazerem parte do cotidiano infantil, não apenas  influenciam, mas também moldam as interações e vínculos sociais entre as crianças,  por meio de seus conteúdos e objetos simbólicos. Nesse cenário, o avanço da  publicidade abusiva voltada ao público infantil nos meios digitais — especialmente nos  espaços virtuais por elas frequentados — torna-se uma questão de grande relevância  e preocupação. 

Com a inserção crescente de práticas publicitárias no ambiente recreativo  infantil, presencia-se não só a exploração indevida da condição de vulnerabilidade  desse público, como também a evidência de lacunas no aparato regulatório vigente.  Embora o ordenamento jurídico reconheça a necessidade de resguardar o  desenvolvimento da criança, a velocidade com que surgem novas tecnologias e  estratégias digitais ultrapassa a resposta normativa, revelando a urgência de uma  atualização mais eficaz e compatível com a realidade contemporânea. 

O Código de Defesa do Consumidor instituiu diversos instrumentos voltados à  promoção do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, tendo como  base o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor, conforme disposto no  artigo 4º, inciso I (Brasil, 1990, n.p). Entretanto, quando o foco recai sobre o público  infantil, essa fragilidade se intensifica de maneira significativa, considerando-se tratar de sujeitos em fase de crescimento, cujas capacidades cognitivas e críticas ainda  estão em formação, o que os torna especialmente suscetíveis às práticas de consumo. Devido ao estágio contínuo de crescimento e amadurecimento, a criança ocupa  uma posição de hipervulnerabilidade nas dinâmicas de consumo, exigindo do sistema  jurídico um tratamento diferenciado e atento. A salvaguarda de seus direitos,  particularmente no campo das relações consumeristas, deve basear-se em  parâmetros que contemplem não só sua condição de maior suscetibilidade, mas também a importância de garantir sua integridade física, emocional e social de forma  ampla e integrada. 

3. CONCLUSÃO  

Diante do exposto, é possível afirmar que a proteção integral de crianças e  adolescentes representa não apenas um dever legal, mas também um compromisso  ético e social de toda a coletividade. Reconhecê-los como sujeitos de direitos implica  assegurar-lhes condições dignas de desenvolvimento físico, emocional, social e  intelectual, respeitando suas particularidades e necessidades específicas. 

O ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Constituição Federal e do  Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece um arcabouço normativo robusto,  voltado à garantia desses direitos. No entanto, a distância entre o que está previsto  na legislação e a realidade vivida por muitas crianças e adolescentes ainda é grande.  A persistência de situações de vulnerabilidade, exploração e violência reforça a  urgência de políticas públicas mais eficazes e da atuação integrada dos diversos  setores da sociedade. 

Além disso, os desafios contemporâneos, como a influência das mídias digitais,  a publicidade direcionada ao público infantil e o acesso precoce a conteúdos  inadequados, exigem a atualização das normas e o fortalecimento dos mecanismos  de fiscalização. É fundamental que o Estado e os órgãos de proteção estejam atentos  às novas formas de violação de direitos que emergem no contexto da tecnologia e da  internet. 

A participação da família e da escola como núcleos formadores é igualmente  essencial na promoção da cidadania e da proteção da infância e adolescência. A  conscientização e o envolvimento ativo desses agentes podem prevenir situações de  risco e fortalecer os vínculos afetivos e sociais necessários para o crescimento  saudável dos jovens. 

Por fim, garantir os direitos das crianças e adolescentes é um investimento no  futuro do país. Ao protegê-los hoje, construímos uma sociedade mais justa, solidária  e comprometida com a dignidade humana. A efetivação dessa proteção requer  vigilância constante, articulação entre os diversos atores sociais e, acima de tudo, o reconhecimento de que cada criança e adolescente tem o direito de ser ouvido,  respeitado e valorizado em sua singularidade. 


1Informações extraídas do documento “História”, elaborado pelo Conselho de Auto-regulamentação  Publicitária. Disponível em: < http://www.conar.org.br/>. 
2Informações extraídas do documento “Quem Somos”, elaborado pelo Conselho de Auto regulamentação Publicitária. Disponível em: < http://www.conar.org.br/>. 
3Informações extraídas do documento “Estatísticas”, elaborado pelo Conselho de Auto regulamentação Publicitária. Disponível em: < http://www.conar.org.br/>. 
4CONAR. Quinta, Sexta, Sétima e Oitava Câmaras e Câmara Especial de Recursos. Representação  nº223/16. Relatores: Letícia Lindenberg de Azevedo, José Maurício Pires Alves e Ricardo Gonçalves  de Melo. Março de 2017. Disponível em: http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=4572

REFERÊNCIAS 

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