A EFETIVIDADE DA LEI DE ALIENAÇÃO PARENTAL EM CASOS DE CUSTÓDIA: DESAFIOS E IMPACTOS NA PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504111632


Ítala Jordana Parente Costa¹
Odi Alexander Rocha da Silva²


 RESUMO

A alienação parental é um fenômeno complexo que compromete as relações familiares, especialmente em contextos de separação de disputa de custódia, e pode causar sérios danos emocionais e psicológicos às crianças e adolescentes, investigando os desafios na identificação e comprovação da prática e os impactos psicossociais nas vítimas. A pesquisa busca compreender a evolução histórica da alienação parental no direito brasileiro, examinar o perfil do alienador e os fatores emocionais e sociais que contribuem para essa prática, além de avaliar a eficácia das medidas legais e políticas públicas voltadas para o tema. A metodologia adotada inclui revisão bibliográfica, análise documental das leis e jurisprudência e investigação sobre os efeitos psicossociais nos envolvidos. Os resultados apontam que, embora a legislação tenha avançado, persistem lacunas na aplicação da Lei de Alienação Parental, com desafios na sua implementação e na proteção integral das crianças. Conclui-se que são necessárias melhorias nas políticas públicas, com foco na capacitação de profissionais e na criação de estratégias mais eficazes para prevenção e intervenção, a fim de garantir a proteção das crianças e a preservação dos vínculos familiares.

Palavras-chave: Alienação parental. Direito de família. Proteção infantil. Impactos psicológicos. Intervenção jurídica.

ABSTRACT

Parental alienation is a complex phenomenon that compromises family relationships, especially in contexts of separation and custody disputes, and can cause serious emotional and psychological damage to children and adolescents, investigating the challenges in identifying and proving the practice and the psychosocial impacts on the victims. The research seeks to understand the historical evolution of parental alienation in Brazilian law, examine the profile of the alienator, and the emotional and social factors contributing to this practice, as well as assess the effectiveness of legal measures and public policies related to the issue. The methodology adopted includes bibliographic review, documentary analysis of laws and case law, and investigation of the psychosocial effects on those involved. The results indicate that, although the legislation has advanced, gaps persist in the application of the Parental Alienation Law, with challenges in its implementation and in the full protection of children. It is concluded that improvements in public policies are necessary, focusing on the training of professionals and the creation of more effective strategies for prevention and intervention, in order to ensure the protection of children and the preservation of family bonds.

Keywords: Parental alienation. Family law. Child protection. Psychological impacts. Legal intervention.

1 INTRODUÇÃO

A alienação parental é um fenômeno psicossocial complexo que afeta de maneira significativa as relações familiares, particularmente em situações de separação ou disputa pela guarda de filhos. Esse processo envolve práticas de manipulação por parte de um dos genitores, ou outros membros da família, com o objetivo de afastar a criança do outro genitor, prejudicando o vínculo afetivo e comprometendo o desenvolvimento emocional e psicológico da criança. As consequências desse comportamento podem ser devastadoras, gerando impactos negativos a longo prazo na vida da criança e em sua capacidade de formar vínculos saudáveis.

Em muitos casos, a alienação parental não se manifesta de forma explícita, tornando-se difícil de identificar e comprovar, o que representa um desafio tanto para os profissionais envolvidos quanto para o sistema judiciário brasileiro. A criação da Lei de Alienação Parental (AP) – Lei nº 12.318/2010, visou estabelecer mecanismos legais para proteger os direitos das crianças e adolescentes, mas sua aplicação eficaz ainda enfrenta questionamentos, principalmente devido às dificuldades práticas de identificação e comprovação dessa prática.

Diversos estudos indicam que a alienação parental tem se tornado uma prática recorrente em contextos de separações e disputa de custódia no Brasil, mas ainda carece de uma compreensão mais aprofundada, especialmente no que tange às suas implicações psicossociais e aos desafios enfrentados pelos profissionais e pelo sistema judicial. A literatura existente aponta que, embora a Lei de Alienação Parental representa um avanço, suas limitações como a falta de critérios claros para identificação e a dificuldade em reunir evidências concretas dificultam sua aplicação efetiva. Além disso, a natureza dissimulada do fenômeno torna sua detecção e intervenção um desafio contínuo. Os danos psicossociais causados pela alienação parental podem ser de longo prazo, afetando o bem-estar emocional e a capacidade de estabelecer relações saudáveis de crianças e adolescentes.

O problema central desta pesquisa é analisar a efetividade da Lei de Alienação Parental em casos de custódia, investigando os desafios jurídicos, sociais e psicossociais que dificultam sua aplicação. A pesquisa busca entender a evolução histórica da alienação parental no contexto jurídico brasileiro, os fatores que motivam o comportamento do alienador, as dificuldades na comprovação da alienação e a eficácia das políticas públicas voltadas para essa questão. Com isso, pretende-se propor soluções para aprimorar a legislação e garantir a proteção integral das crianças e adolescentes.

A metodologia adotada será qualitativa, utilizando análise documental de processos judiciais relacionados à alienação parental, entrevistas com profissionais do direito, psicólogos e assistentes sociais, além de uma revisão detalhada da legislação brasileira. A análise de casos judiciais permitirá observar como a lei tem sido aplicada e os desafios encontrados. A pesquisa também envolverá uma revisão teórica sobre as implicações psicossociais da alienação parental, identificando lacunas na aplicação da legislação e propondo melhorias baseadas em uma abordagem científica que visa abarcar a realidade.

Este estudo se justifica pela necessidade urgente de revisar e aprimorar a legislação e as práticas jurídicas sobre a alienação parental. Apesar de a Lei de Alienação Parental ter sido um avanço, sua aplicação ainda apresenta falhas que podem resultar em danos irreparáveis para as crianças. A relevância deste estudo não se limita ao campo jurídico, mas também à saúde mental e ao bem-estar das crianças, oferecendo uma análise crítica da aplicação da lei visando contribuir com estratégias jurídicas e sociais para melhorar a detecção precoce da alienação parental e garantir uma resposta mais eficaz do sistema judicial, assegurando a proteção dos direitos das crianças e o fortalecimento de vínculos familiares saudáveis.

2 A LEI DE ALIENAÇÃO PARENTAL: CONCEITO E FUNDAMENTOS JURÍDICOS

A alienação parental é uma realidade difícil de ser reconhecida, tanto para os envolvidos quanto para a sociedade. Todos nutrimos a esperança de que os vínculos afetivos, especialmente os familiares, perdurem ao longo do tempo, com o amor sendo visto como algo eterno e inabalável. No entanto, quando esse vínculo é rompido, o impacto emocional é devastador. Para aquele que é surpreendido pela rejeição, o sentimento de abandono é profundo, gerando também uma sensação de traição. Quando o luto conjugal não é devidamente elaborado, esses sentimentos podem se transformar em rancor e, em alguns casos, no desejo de vingança.

Essa dor emocional muitas vezes está ligada a uma estrutura histórica e social que atribuiu responsabilidades desiguais aos pais e mães. Ao longo da história, o machismo esteve constantemente presente na sociedade brasileira, o que resultou na atribuição dos serviços domésticos, na maior parte das vezes, às mulheres. Esse contexto também se refletiu na responsabilidade sobre os cuidados dos filhos, que seguiu essa mesma dinâmica.

Historicamente, os filhos sempre estiveram sob os cuidados da mãe, pelo absoluto despreparo dos homens. Afinal, eles nunca puderam brincar com bonecas. Foram educados para serem os provedores da família. Já as mulheres eram adestradas para as atividades domésticas e sentem-se proprietárias exclusivas dos filhos. (DIAS, 2016, p.849).

No entanto, apesar dessa divisão histórica de responsabilidades, a legislação brasileira sempre conferiu privilégios aos pais. A Constituição de 1988, ao adotar o princípio da igualdade, garantiu que tanto homens quanto mulheres tivessem os mesmos direitos e deveres no âmbito da sociedade conjugal, alterando significativamente o panorama das responsabilidades familiares e o papel de cada genitor na criação dos filhos.

Segundo Figueiredo e Alexandridis (2013), mesmo diante da separação, o vínculo afetivo entre pais e filhos deve ser preservado, como os autores enfatizam:

O relacionamento da relação afetiva entre pais e filhos deve ser preservada, mesmo que a união entre os pais não se concretize como uma família tradicional, ou mesmo nunca tenha sido estabelecida.  Essa manutenção deve ser fundamentada em amor, respeito e apreço mútuo. Contudo, a ruptura familiar pode resultar em hostilidade ou mágoa entre os genitores, o que, consequentemente, prejudica o vínculo com os filhos. (FIGUEIREDO; ALEXANDRIDIS, 2013, p.17).

Esse processo de sofrimento não resolvido frequentemente leva a tentativas de desmoralizar o outro genitor, por meio de críticas ou atitudes que visam prejudicar a convivência da criança com ele. Essas atitudes alimentam um ciclo de manipulação psicológica, característico da alienação parental. Esse fenômeno vai além da separação dos adultos, afetando diretamente o contentamento e o desenvolvimento emocional dos filhos, que se veem forçados a tomar partidos, muitas vezes contra sua vontade, e envolvidos em um conflito que não é seu.

A respeito da alienação parental , Maria Berenice Dias (2016) descreve como, em muitos casos, quando um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, surge um desejo de vingança que desencadeia um processo destrutivo e desmoralizante. Ela afirma que:

Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, quando um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, surge um desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Nada mais do que uma “lavagem cerebral” feita pelo guardião, de modo a comprometer a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou que não aconteceram conforme a descrição dada pelo alienador. Assim, o infante passa aos poucos a se convencer da versão que lhe foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre o genitor e o filho. Restando órfão do genitor alienado, acaba se identificando com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado. (DIAS,2016, p. 455-456).

Em determinadas situações, um dos progenitores pode influenciar a maneira como a criança vê o outro, construindo lembranças distorcidas ou provocando afastamento social como uma forma de retaliação ou castigo. Esse tipo de comportamento frequentemente é mascarado sob a justificativa de proteção à criança, como se as dificuldades emocionais vividas dos pais pudessem ser transferidas para a vida do filho, o que é, na verdade, uma distorção da realidade.

Coadunando Figueiredo e Alexandridis (2013), enfatizam que a alienação parental não está limitada apenas à dinâmica entre pais e filhos. Essa situação pode se estender a outros laços familiares, como as interações entre um dos pais e os avós, ou até mesmo entre os irmãos, especialmente quando há desentendimentos envolvendo o genitor em comum.

A compreensão da distinção entre os conceitos de genitor e pai é crucial, uma vez que essa diferenciação possui implicações significativas em casos de alienação parental. Isso envolve uma manipulação das relações familiares, o que exige uma análise aprofundada das dinâmicas afetivas e biológicas que fundamentam os vínculos familiares. A confusão sobre os papéis desempenhados por cada membro da família, especialmente no que tange à relação entre pais e filhos, pode acarretar maior complexidade na dinâmica familiar. Além disso, a alienação parental não se restringe à interação entre pais e filhos, estendendo-se a outros indivíduos envolvidos, o que torna necessária a clareza na definição dos papéis de cada pessoa.

Paulo Lôbo (2020) enfatiza que a alienação parental é considerada uma forma de abuso emocional e agressão psicológica contra crianças e adolescentes, conforme previsto nos artigos 3º da Lei 12.318/10 e 4º da Lei 13.431/17. Essa prática prejudica a capacidade dos jovens de desenvolverem e expressarem suas próprias ideias e sentimentos, habilidades essenciais para o seu crescimento pessoal e psicológico.

Historicamente, a alienação parental sempre foi uma realidade em nossa sociedade, mesmo sem uma garantia específica. Contudo, o direito civil já possibilitava ações em situações de abuso da autoridade parental, como evidenciado pelos artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil de 2002, que estabelecem que:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: III – Praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – Incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. (BRASIL, 2002, on line).

É importante ressaltar que a legislação mencionada se baseia na teoria da Síndrome da Alienação Parental (SAP), conceito introduzido pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, na década de 1980. Para Gardner (2001), ela é um distúrbio que afeta, principalmente, crianças envolvidas em disputas de guarda entre os pais. Na perspectiva do autor, a síndrome se desenvolve a partir de programação ou lavagem cerebral realizada por um dos genitores para que o filho rejeite o outro responsável, influenciando em sua relação com o outro.

No Brasil, essa síndrome ganhou ampla divulgação no Brasil a partir de 2006, especialmente por meio de associações de pais separados, compostas majoritariamente por genitores não residentes, que se viam progressivamente afastados da convivência com os filhos, muitas vezes devido à interferência da ex-companheira. Embora, até aquele momento, a síndrome não fosse um tema explorado pela psiquiatria, psicologia ou outras áreas do conhecimento no país, essas associações dedicaram-se a promover o debate, chamando a atenção de profissionais do direito, especialmente os que atuavam na área de família, e do público em geral para o sofrimento de filhos e pais que se viam vitimados por atitudes de um genitor alienador (SOUSA; BRITO, 2011).

A Síndrome da Alienação Parental, conforme destacado por Trindade, configura-se como:

(..) um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos  quais  um  genitor,  denominado cônjuge   alienador,   transforma   a consciência  de  seus  filhos,  mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição. Em outras palavras, consiste num processo de programar uma criança para que odeie um de seus genitores sem justificativa, de modo que a própria criança  ingressa  na  trajetória  de desmoralização  desse  mesmo  genitor. (TRINDADE, 2017, p. 56).

Apesar dos pontos destacados anteriormente, em 26 de agosto de 2010, foi sancionada a Lei nº 12.318, a qual caracteriza a alienação parental como a manipulação psicológica de crianças e adolescentes, realizada pelo genitor responsável pela guarda ou por um terceiro, com o intuito de fazer com que a criança rejeite o outro genitor, o que compromete a preservação dos vínculos familiares.

A referida lei, no seu artigo 2º, apresenta uma série de comportamentos que exemplificam a alienação parental, atribuídos ao chamado alienante, como por exemplo:

I – Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II – Dificultar o exercício da autoridade parental; III – Dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV – Dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V – Omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI – Apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII – Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL, 2010, on line).

Portanto, é fundamental a existência de uma legislação específica que aborde as diversas manifestações da alienação parental, levando em conta a complexidade de sua definição em contextos reais. A referida lei apresenta a definição de alienação parental, estabelecendo que:

Art. 20 A interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este. (BRASIL, 2010, on line).

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, atribui à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade de garantir, como prioridade absoluta, os direitos fundamentais de crianças, adolescentes e jovens. Esses direitos incluem acesso à saúde, alimentação, educação, lazer, formação profissional, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária. Além disso, a Carta Magna enfatiza a necessidade de proteção contra negligência , discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

A Lei de Alienação Parental foi instituída com o objetivo de promover a melhor convivência entre pais e filhos , protegendo-os contra os danos físicos e emocionais decorrentes de abusos, negligência, maus- tratos ou conflitos familiares. Tais situações podem resultar em prejuízos irreparáveis para os envolvidos. (BRASIL, 2010).

Nesse cenário, as crianças são especialmente vulneráveis, o que torna necessária uma intervenção rápida e eficaz para preservar seus direitos e sua saúde emocional. Atualmente, as famílias são estruturadas a partir do afeto, que se desenvolve por meio do convívio entre as pessoas e pela correspondência de sentimentos. 

Nesse sentido, Oliveira dispõe que:

A efetividade, é traduzida no respeito de cada um por si e por todos os membros a fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e honorabilidade perante o corpo social é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores características da família atual.(OLIVEIRA, 2012, p.233).

Dessa forma, a partir da extinção da sociedade conjugal, o afeto dos pais em relação aos filhos deveria nortear a dissolução do vínculo. Porém, na prática, o que se observa com frequência é que os ressentimentos entre os ex- cônjuges acabam por prevalecer, resultando em sérios prejuízos para os infantes.

3 DOS PROCEDIMENTOS, DESAFIOS E ASPECTOS NA COMPROVAÇÃO DA ALIENAÇÃO PARENTAL

Nesse contexto, é importante destacar que uma das principais dificuldades para evidenciar a alienação parental (AP) é a natureza subjetiva das dinâmicas familiares, já que os comportamentos alienantes podem ser discretos, mascarados, dificultando sua identificação. Além disso, a alienação ocorre no contexto familiar, uma esfera privada e de difícil acesso para o Judiciário, o que limita a coleta de informações precisas. A obtenção de provas claras também é desafiadora, uma vez que a manipulação emocional não deixa evidências tão evidentes quanto outros tipos de abuso.

A perícia psicossocial, embora fundamental, enfrenta limitações quanto à sua duração e à subjetividade das avaliações, além da resistência dos envolvidos, o que pode comprometer os resultados. A falta de conscientização do alienante sobre os danos causados e a demora no processo judicial também agravam a situação, mantendo-a em um ambiente emocionalmente instável. Diante disso, é imperioso que os juízes se atentem aos elementos identificadores da alienação parental, determinando, nestes casos, rigorosa perícia psicossocial para, a partir dessa análise, ordenar as medidas necessárias para a proteção da criança ou adolescente.

Observa-se que, nesse sentido o magistrado não é formado em Psicologia, sendo assim não é o seu papel confirmar a incidência da alienação parental sem o devido lastro probatório. Posto isso, por se tratar de uma matéria essencialmente multidisciplinar, o juiz deve contar com a colaboração de profissionais de diferentes áreas que possam fornecer laudos e testes necessários para uma avaliação cuidadosa do caso. Contudo, mesmo sendo a perícia psicossocial a principal ferramenta para comprovar a ocorrência da alienação parental, é importante compreender suas limitações. A perícia, por si só, não pode ser considerada a única prova determinante, mas deve integrar um processo mais meticuloso de investigação.

As provas que podem ser utilizadas para identificar a alienação parental podem variar, desde comportamentos subjetivos observados por aqueles que convivem com a criança, até relatos de especialistas, como psicólogos e assistentes sociais. No entanto, a construção de um caso jurídico consistente é desafiadora, pois a identificação da alienação parental exige uma análise profunda e especializada. Mesmo com a experiência do juiz, identificar a AP de maneira clara é complexo, uma vez que a situação é frequentemente camuflada.

Nesse sentido, Wandalsen esclarece que:

Existe, via de regra, uma certa tolerância em relação às atitudes do genitor alienante, como se isoladamente tais atitudes fossem “normais”, próprias da transição ensejada pela separação conjugal, comuns no folclore das brigas de ex- casais. Ademais, a identificação de várias atitudes é difícil, dada a impossibilidade de se adentrar na intimidade do dia a dia de pais e mães com seus filhos. Contudo, se detectados indícios da alienação parental durante os processos judiciais, o juiz deve determinar a realização de perícia psicossocial, para que os interesses dos menores sejam efetivamente preservados. (WANDALSEN, 2009. apud. FIGUEIREDO, 2013).

Assim, havendo indícios de alienação parental, os servidores do judiciário deverão investigar, com base em conhecimentos técnicos e emissão de laudos, atos pertinentes, assim como a condição psicossocial dos envolvidos. Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça de Rondônia também confirma jurisprudencialmente, que:

AGRAVO   DE   INSTRUMENTO.AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE ALIENAÇÃO PARENTAL E ALTERAÇÃO    DE    GUARDA. VISITAS    PRESENCIAIS.    DA GENITORA. MEDIANTE ACOMPANHAMENTO. POSSIBILIDADE.  PRINCÍPIO  DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. RECURSO PARCIALMENTE  PROVIDO.  No âmbito do direito de família, o que se visa é à proteção da criança, assim toda e qualquer medida, seja ela judicial ou extrajudicial, deve visar, sempre, ao melhor interesse do menor, pois este se sobrepõe a quaisquer outros. (TJ-RO – AI: 08047254920198220000 RO 0804725-49.2019.822.0000, Data de Julgamento: 03/09/2020, grifos nossos).

Dessa forma, a prova pericial, quando determinada, deve ir além de uma análise pontual, conforme estabelece a Lei nº 12.318/2010. É necessária uma avaliação psicológica ou biopsicossocial abrangente, incluindo entrevistas com as partes, exame de documentos, histórico do relacionamento e da separação, avaliação da personalidade dos envolvidos e análise de como o infante se posiciona em relação à acusação contra o alienante, a fim de confirmar se resta configurada ou não a alienação parental. Tal rigor nas avaliações periciais é refletido também em decisões judiciais que ressaltam a importância de uma análise minuciosa das provas produzidas no processo.

Em consonância com esse entendimento, o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em decisão proferida em 2022, manteve a necessidade de instrução probatória aprofundada para avaliar adequadamente o caso em questão, conforme se verifica no seguinte trecho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE REVERSÃO DE LAR DE REFERÊNCIA CUMULADA COM REVISÃO DE REGIME DE CONVIVÊNCIA. ALIENAÇÃO PARENTAL . ESTUDO PSICOSSOCIAL. INSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA DA SITUAÇÃO DE RISCO EM QUE SE ENCONTRAM OS MENORES. REQUISITOS AUTORIZADORES DA TUTELA DE URGÊNCIA . NÃO PREENCHIMENTO. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. MANUTENÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. MELHOR INTERESSE DOS MENORES . DECISÃO MANTIDA. 1. Para concessão da tutela de urgência, mostra-se necessário o preenchimento dos requisitos autorizadores previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil, a saber, a presença de elementos 2. O direito de guarda é conferido de acordo com o melhor interesse da criança, de modo que, para que se modifique a situação fática em que se encontram os menores, é necessária a existência de motivos graves e comprovados de plano, capazes de justificar o pedido liminar . 3. Considerando a complexidade do caso, tem-se que a existência de estudo psicossocial sugerindo o lar paterno como referência, por si só, não é suficiente para afastar as crianças do lar materno, mormente quando o feito já se encontra apto para julgamento, momento em que será exercida a cognição aprofundada de todo o conjunto probatório produzido. 4. Não se evidenciando os requisitos necessários para a concessão da medida, não se revela razoável, nesta fase de cognição sumária, o deferimento do pleito atinente à alteração do lar de referência dos menores para o paterno, fazendo-se necessário o aprofundamento da instrução probatória para a correta elucidação dos fatos, o que torna inviável na via estreita do agravo de instrumento . 5. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TJ-DF 07069617520228070000 1420684, Relator.: SIMONE LUCINDO, Data de Julgamento: 04/05/2022, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 27/05/2022).

O cuidado nas avaliações periciais é essencial em casos de alienação parental, pois exige profissionais com qualificação técnica adequada e experiência específica, garantindo laudos idôneos e uma análise precisa. A decisão mencionada reforça a importância de uma avaliação detalhada e abrangente, a fim de proteger os interesses dos infantes, destacando a necessidade de uma análise cuidadosa em situações tão sensíveis.

Outro desafio significativo enfrentado é a relutância de alguns genitores em considerar a alienação parental como uma questão grave. O desconhecimento ou a minimização do problema por parte de um dos genitores dificulta a implementação de medidas práticas para restabelecer a convivência saudável entre a criança e o genitor afastado. Esse comportamento pode retardar a adoção de medidas corretivas e protetivas, agravando ainda mais a situação da criança, que frequentemente se encontra em um ambiente emocionalmente instável e difícil de resolução.

Sob essa ótica, a identificação da alienação parental exige uma abordagem cuidadosa e multidisciplinar, sendo fundamental que o Poder Judiciário, com auxílio de profissionais especializados, adote medidas necessárias para proteger os interesses da criança ou adolescente envolvido. Em razão disso, o Ministério Público (MP) desempenha um papel crucial na fiscalização e proteção dos direitos dos infantes, sendo um agente importante na identificação e combate à alienação parental. Sua atuação vai além da instauração de procedimentos investigatórios, requerendo também ação direta na solicitação de perícias psicossociais, além de sugerir a aplicação de medidas urgentes que evidenciem o risco iminente à criança, como a suspensão da convivência entre os genitores, buscando evitar que o conflito se perpetue. Ela visa garantir que o processo judicial se desenvolva com foco no melhor interesse da criança, assegurando que as medidas legais sejam adequadas e evitando danos irreparáveis.

Dessa forma, o  MP é um dos agentes do Judiciário que atua não apenas combatendo a alienação, mas também os efeitos causados nas famílias, sendo então importante sua atuação  no enfrentamento da alienação parental, pois tem a responsabilidade de conduzir as investigações e possui legitimidade para interpor a ação judicial correspondente, sendo dotado de amplos poderes conforme o artigo 178 do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, Godinho destaca que:

O Ministério Público possui na figura da substituição processual um relevante instrumento para incrementar sua vocação constitucional de órgão facilitador do acesso a uma adequada tutela de direitos, e a resistência a essa sua atividade significa, além de uma postura inconstitucional, um descompasso com a realidade social e uma falta de compromisso com o acesso à Justiça. O Ministério Pùblico possui na figura da substituição processual um relevante instrumento para incrementar sua vocação constitucional de órgão facilitador do acesso a uma adequada tutela de direitos, e a resistência a essa sua atividade significa, além de uma postura inconstitucional, um descompasso com a realidade social e uma falta de compromisso com o acesso à Justiça.(GODINHO, 2007, p.16).

Essa atribuição do Ministério Público, está respaldada no artigo 18 do Código de Processo Civil em conjunto com o art. 177 do mesmo diploma normativo, que confere legitimidade ativa ao MP, como substituto processual. Além dele, os tribunais e magistrados fazem parte do Poder Judiciário, sendo igualmente importantes para garantir a identificação, punição e responsabilização em casos de alienação parental. O cumprimento integral da norma e das sentenças proferidas, seja pelo juiz ou nos casos de mediação e conciliação, também é fundamental para assegurar que a lei seja respeitada e que a criança ou adolescente não seja ainda mais prejudicada.

4 IMPACTOS PSICOSSOCIAIS DA ALIENAÇÃO PARENTAL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A alienação parental é um fenômeno complexo, que reflete a diversidade das relações familiares e dos vínculos de parentesco, sendo frequentemente observada em contextos pós separação conjugal. Esse processo é marcado por comportamentos de manipulação emocional, sendo motivado, na maioria das vezes, por sentimento de vingança e ressentimento. Tais sentimentos surgem de diversos conflitos e frustrações, como o abandono, a traição ou a decepção com a dissolução do relacionamento conjugal.

Logo pode-se observar que “ a alienação parental é um dos temas mais delicados tratados pelo direito de família, considerando os efeitos psicológicos e emocionais negativos que pode provocar nas relações entre pais e filhos”. (MPPR, 2023).

Diante disso, o documentário “Morte Inventada” (2009) ilustra de maneira contundente as dificuldades envolvidas na comprovação da ocorrência do fenômeno abordado, além de enfatizar como a alienação parental pode se tornar um profundo trauma na vida da vítima alienada. Embora o longa-metragem tenha sido produzido antes da criação da Lei da Alienação Parental, isso não diminui sua relevância na análise do tema de forma abrangente.

O cineasta se preocupou em articular a teoria à prática, trazendo para o filme profissionais especializados na área, como psicólogos e juízes de varas de família.As questões relativas às relações conjugais, muitas vezes, ultrapassam os limites e chegam ao Judiciário, em razão da incompatibilidade e incapacidade das partes envolvidas resolverem os conflitos ou da impossibilidade de um acordo. Nesse cenário, o diretor Alan Minas decidiu criar um documentário com o intuito de disseminar a compreensão da alienação parental de forma ampla, alcançando profissionais de diversas áreas, como operadores de direito e equipes psicossociais.

A articulação entre a teoria sobre a síndrome, explicada por profissionais, e a prática vivenciada pelas famílias depoentes é feita de forma bem estruturada. Para auxiliar essa conexão, o diretor faz uso  de imagens de ambientes vazios, ainda que em funcionamento, como o parque, praia, jardim, transmitindo o sentimento de solidão vivida pelas vítimas desta síndrome. Ao longo do documentário, sete casos são apresentados, com pais e filhos compartilhando suas experiências.

Uma  das histórias que mais se destaca é a de uma jovem que passou onze anos sem contato com seu pai, sendo criada sob a pressão de sentir que qualquer sentimento positivo em relação ao genitor alienado seria como se estivesse traindo a mãe. Recentemente, ela retomou o contato com o pai e, ao final do filme, deixa claro o impacto psicológico profundo que essa separação causou em sua vida. Esse relato de lealdade à figura materna e as dificuldades de supervisão de vínculos foram pensados por Silva (2010), que destaca que as crianças estabelecem frequentemente pactos de lealdade com o genitor guardião, em razão da dependência emocional e material.

Outro ponto importante abordado no documentário são os casos de falsas denúncias de abuso sexual, que representam um sintoma crítico da alienação parental. Tais denúncias, cada vez mais comuns, resultam em afastamentos imediatos do acusado até a conclusão das investigações, o que, muitas vezes, prejudica o vínculo, pois, como a investigação costuma ser lenta, o vínculo entre o acusado e o filho se perde.  Dessa forma, o documentário é um reflexo realista das dolorosas consequências da alienação parental e fornece um olhar mais atento para os efeitos negativos que essa interferência pode causar no desenvolvimento emocional e psicológico das crianças afetadas.

5 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA ALIENAÇÃO PARENTAL SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA

Como visto, o artigo 2º da Lei nº 12.318, de 2010, que trata da  Alienação Parental, apresenta um rol exemplificativo de atos capazes de caracterizar a alienação parental (BRASIL, 2010).

Em cenários de disputa, normalmente a alienação ocorre de maneira inconsciente, mas carrega consigo sentimentos claros de vingança contra o outro genitor. A ideia não é prejudicar os descendentes, mas dificultar a vida do outro genitor, ainda que para isso deva, também inconscientemente, causar severos danos ao próprio filho. O fenômeno em questão versa sobre a tirania dos pais, “entre si, mas, sobretudo, tiranos em relação aos filhos, porque utilizam a criança como instrumento de ataque ao outro”. (Molinari; Trindade, 2014, p. 24).

Por se tratar de um rol exemplificativo, estamos diante de um conceito jurídico indeterminado que exige uma interpretação mais aprofundada por parte do aplicador do direito. Para abordar as características e consequências da alienação segundo a jurisprudência, será realizada uma análise de decisões proferidas por diversos Tribunais de Justiça.

Trata-se, inicialmente, de um recurso de apelação interposto no TJ/RS, por uma mãe,  que contesta a sentença que declarou a prática de alienação parental em relação à sua filha. A Apelante argumenta que não teria cometido atos de alienação atribuindo o trauma da filha às agressões presenciais entre os genitores, além de afirmar que sempre incentivou o convívio da criança com o pai. Por outro lado, o Ministério Público defende a manutenção da decisão, sustentando que a alienação parental foi comprovada por meio de laudos psicológicos e sociais, os quais demonstram a influência da mãe na alteração da percepção da filha em relação ao pai.

O tribunal manteve a sentença, conforme o seguinte precedente:

APELAÇÃO CÍVEL. MEDIDA PROTETIVA. PEDIDO INCIDENTE DE ALIENAÇÃO PARENTAL CONFIGURADA. A prova colhida evidencia a existência de alienação parental praticada pela mãe . Sentença mantida. APELO DESPROVIDO. (TJ-RS – AC: 70080130016 RS, Relator: LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Data de Julgamento: 27/02/2019, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/03/2019, grifos nossos).

Observa-se que, embora existam evidências claras de alienação parental, conforme demonstrado acima, a mãe inicialmente tentou estabelecer suas ações como reações às agressões praticadas por ambos os genitores. Contudo, o tribunal entendeu que suas atitudes ultrapassam os limites da proteção adequada, configurando uma interferência prejudicial na relação pai e filha.

Nota-se que, o papel do Ministério Público, com pareceres que influenciaram a decisão do tribunal em reconhecer a alienação parental e aplicar as sanções cabíveis. Isso evidencia a relevância da atuação do MP em casos de alienação parental, assegurando que os interesses dos infantes sejam protegidos em um contexto de conflito familiar.

Outro julgado relevante sobre o tema é a Apelação Cível nº 0000615-83.2021.8.27.2731/TO, tendo como relator o Desembargador Marco Anthony Steveson Villas Boas, julgado em 2024. Neste caso, o tribunal abordou a suspensão do direito de visitas da avó materna, com base em considerações de negligência e envolvimento com substâncias ilícitas. A decisão foi fundamentada em laudos psicossociais que indicavam comportamentos incompatíveis com o exercício do direito de visitas, reforçando a importância da avaliação técnica na proteção dos direitos da criança e do adolescente.

DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO. AÇÃO DE GUARDA CUMULADA COM ALIMENTOS. SUSPENSÃO DO DIREITO DE VISITAS. AVALIAÇÃO PSICOSSOCIAL DESFAVORÁVEL À AVÓ MATERNA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. NEGADO PROVIMENTO. Trata-se de Apelação interposta contra sentença que suspendeu o direito de visitas da avó materna à menor, em razão de alegações de negligência, envolvimento com substâncias ilícitas e incapacidade psicológica da apelante. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público com o objetivo de proteger a criança após um incidente de abuso envolvendo um terceiro, o que resultou na retirada da guarda da apelante e na colocação da menor sob a responsabilidade do pai biológico.  Há duas questões em discussão: (I) definir se as condições atuais da avó materna são suficientes para permitir o restabelecimento das visitas à menor; e (II) estabelecer se a reabilitação alegada pela apelante, inclusive com laudos médicos e participação em programas de recuperação, justifica a concessão de visitas assistidas e contato telefônico regular com a criança. A suspensão do direito de visitas foi baseada em relatórios do Conselho Tutelar e da equipe multidisciplinar do abrigo, os quais indicaram que a avó materna apresentava comportamentos incompatíveis com o exercício de visitas, incluindo negligência e envolvimento com substâncias ilícitas, além de problemas com álcool. (…) Embora a apelante sustente ter se reabilitado e apresente laudos médicos que indicam melhora em seu quadro, a ausência de uma avaliação mais recente e conclusiva por parte da equipe técnica envolvida no caso impede que se modifique a decisão original.  Relatos de resistência da avó materna em colaborar com o genitor da criança, incluindo declarações de que “tomaria a guarda” da menor, indicam comportamentos que não favorecem o convívio saudável e harmonioso, sendo incompatíveis com o princípio da cooperação entre os responsáveis, conforme preceitua o artigo 1.634 do Código Civil. Recurso desprovido. Mantida a suspensão das visitas da avó materna, até que haja comprovação inequívoca de sua reabilitação e de que as visitas não representam risco ao bem-estar da menor. A suspensão do direito de visitas de responsável que apresenta histórico de negligência e incapacidade psicológica pode ser mantida até que haja comprovação efetiva de reabilitação, em atenção ao princípio do melhor interesse da criança. A recomendação técnica de profissionais que acompanham a criança vulnerável, em contexto de abrigamento, tem grande peso para a manutenção ou modificação do regime de visitas. Atitudes que indicam resistência em colaborar com o genitor da criança e rompimento do vínculo familiar são incompatíveis com o exercício saudável do poder familiar, devendo ser consideradas na análise do direito de visitas. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 227; ECA, arts. 3º e 101; CC, art. 1.634.Jurisprudência relevante citada no voto: STJ, REsp 1.740.514/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 27.11.2018. (TJTO, Apelação Cível, 0000615-83.2021.8.27.2731, Rel. MARCO ANTHONY STEVESON VILLAS BOAS , julgado em 06/11/2024, juntado aos autos em 14/11/2024, grifos nossos).

Importante destacar que o julgado acima buscou analisar a situação dos avós maternos à luz do princípio do melhor interesse da criança, evidenciando a necessidade de proteger a criança de possíveis danos psicológicos, garantindo-lhe um ambiente que proporcione estabilidade emocional e segurança para seu pleno desenvolvimento. Esse princípio está intrinsecamente relacionado à proteção da criança e adolescente, a qual deve assegurar o bem-estar dos infantes. Neste caso, a decisão envolveu a guarda definitiva de um adolescente, em razão da condição psiquiátrica do genitor, demonstrada com esquizofrenia, que comprometeria sua capacidade parental.

Assim, a corte reconheceu que a condição psiquiátrica do genitor, embora tratada, representava um fator de vulnerabilidade importante, justificando a manutenção da guarda com os avós maternos, uma vez que isso atendia ao princípio do melhor interesse do menor.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APELAÇÃO CÍVEL. MEDIDA DE PROTEÇÃO. GUARDA DEFINITIVA. MELHOR INTERESSE DO MENOR. CONDIÇÃO DE SAÚDE MENTAL DO GENITOR. ESCUTA JUDICIAL DO ADOLESCENTE. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL. SENTENÇA MANTIDA. (…) Trata-se de apelação interposta contra sentença que deferiu a guarda definitiva de menor aos avós maternos, em ação de medida de proteção ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Tocantins. A medida foi fundamentada na alegação de que o infante estaria em situação de risco sob os cuidados do genitor, ora apelante, que fora diagnosticado com esquizofrenia. O recorrente sustenta que mantém tratamento médico contínuo e que sua condição de saúde não compromete sua capacidade parental, pleiteando a nulidade da sentença por ausência de escuta judicial do menor ou, alternativamente, a reforma da decisão para manter a guarda sob sua responsabilidade. (…) Há duas questões em discussão: (I) definir se a ausência de escuta judicial do adolescente comprometeu o contraditório e o devido processo legal; (II) estabelecer se a decisão que deferiu a guarda definitiva aos avós maternos atendeu ao princípio do melhor interesse do menor. (…) O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que a opinião do adolescente deve ser considerada nos processos que envolvam sua guarda, desde que respeitados seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão (art. 28, §1º). No caso concreto, ainda que não tenha havido escuta direta pelo magistrado, a vontade do menor foi amplamente registrada e analisada por profissionais técnicos, como psicólogos, assistentes sociais e conselheiros tutelares, os quais atestaram sua preferência em permanecer sob os cuidados dos avós maternos. (…) O princípio da proteção integral, previsto no art. 227 da Constituição Federal e no art. 4º do ECA, orienta que a vontade do menor deve ser levada em consideração, sobretudo quando corroborada por elementos técnicos que indiquem a adequação da medida. Assim, não há nulidade processual, pois a ausência de escuta judicial não comprometeu o devido processo legal nem impediu a aferição da real situação do infante. (…) Quanto ao mérito, os laudos técnicos demonstram que o adolescente está bem adaptado ao ambiente familiar dos avós maternos, que sempre desempenharam papel central em sua criação. Os relatórios psicossociais evidenciam que a possibilidade de afastamento dos avós gera sofrimento e angústia ao menor, sendo recomendada sua manutenção nesse núcleo familiar. (…) O diagnóstico de esquizofrenia do genitor, embora tratado, representa fator de vulnerabilidade que deve ser ponderado à luz do princípio do melhor interesse do menor. Não há nos autos prova cabal de que sua condição clínica lhe permita exercer plenamente as responsabilidades parentais sem risco ao bem-estar do adolescente. (…) Dessa forma, a manutenção da guarda definitiva com os avós maternos atende ao princípio do melhor interesse do menor, garantindo-lhe um ambiente seguro e estável para seu desenvolvimento. (…) Recurso conhecido e não provido.Sentença mantida. (…) A ausência de escuta judicial do adolescente não configura nulidade processual quando sua manifestação for adequadamente colhida e analisada por profissionais técnicos, desde que respeitado o princípio do contraditório e da proteção integral. (…) O princípio do melhor interesse do menor deve prevalecer na definição da guarda, sendo determinante a avaliação do ambiente mais seguro e adequado ao seu desenvolvimento, ainda que implique a manutenção da guarda com terceiros em detrimento do genitor biológico.(…)  A condição psiquiátrica do genitor, embora sob tratamento, pode ser fator de vulnerabilidade relevante na análise da capacidade parental, especialmente quando há registros técnicos que apontam riscos ao bem-estar do menor. Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, art. 227; Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 4º, 15, 16, 17, 28, §1º, e 101. Jurisprudência relevante citada no voto: Não há menção a precedentes no caso concreto.(TJTO , Apelação Cível, 0004948-85.2020.8.27.2740, Rel. MARCO ANTHONY STEVESON VILLAS BOAS , julgado em 05/03/2025, juntado aos autos em 18/03/2025, grifos nossos).

Esse caso reforça a importância da avaliação técnica e da escuta das crianças e adolescentes, conforme preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Embora a escuta judicial direta do adolescente tenha sido questionada, o tribunal entendeu que a análise dos profissionais técnicos foi suficiente para garantir que a decisão estivesse em conformidade com o princípio mencionado.

Portanto, esse caso reforça que, em situações de guarda, assim como em casos de alienação parental, o princípio do melhor interesse da criança exige uma análise cuidadosa das condições de convivência familiar e da necessidade de proteção emocional. Assim, a decisão do TJTO ilustra como esse princípio deve prevalecer, mesmo quando isso implica em manter a guarda com terceiros, caso seja o melhor para garantir a segurança e estabilidade dos infantes.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os desafios identificados na presente pesquisa sobre alienação parental e a efetividade da Lei nº 12.318/2010, podemos concluir que, apesar dos avanços significativos trazidos pela legislação, sua aplicação ainda enfrenta obstáculos consideráveis que comprometem sua eficácia. A alienação parental, por sua natureza insidiosa e frequentemente dissimulada, dificulta sua detecção e comprovação, colocando em risco o bem- estar psicológico e emocional dos infantes envolvidos. Esses desafios destacam a necessidade de uma abordagem mais robusta, tanto na aplicação da lei quanto na formação de profissionais capacitados para lidar com esse fenômeno.

Diante disso, é imperativo intensificar a conscientização sobre os prejuízos profundos causados pela alienação parental, abordando seus impactos psicossociais e emocionais a longo prazo. Reforçar as medidas de intervenção se torna essencial para garantir que as crianças e adolescentes possam crescer em ambientes familiares saudáveis, livres de manipulações emocionais que possam prejudicar seus vínculos afetivos e seu desenvolvimento. Além disso, é fundamental estabelecer uma vigilância constante e ações efetivas, para que a sociedade, o sistema judicial e os profissionais da saúde possam identificar precocemente e intervir de maneira eficaz, protegendo os direitos das crianças e adolescentes em situações de separação e disputa de custódia.

A revisão da legislação existente e o aprimoramento das práticas jurídicas e sociais são ações fundamentais para reforçar a aplicação da Lei de Alienação Parental. Estabelecer definições mais precisas para sua identificação, adotar métodos investigativos mais eficazes e promover uma abordagem integrada, que inclua a colaboração de psicólogos, assistentes sociais e advogados, pode aprimorar a eficácia da lei. Nesse cenário, é crucial que a defesa dos direitos das crianças seja uma prioridade, com decisões judiciais fundamentadas em evidências concretas e sempre com foco no melhor interesse dos infantes.

Dessa forma, é fundamental que as entidades encarregadas da implementação da Lei de Alienação Parental, assim como os profissionais que atuam nessa área, colaborem em um esforço conjunto para assegurar que a legislação seja aplicada de maneira completa e eficiente. Ademais, é imprescindível que as estratégias de prevenção e conscientização sejam continuamente desenvolvidas, com o objetivo de assegurar a proteção dos direitos de crianças e adolescentes, garantindo um futuro no qual elas possam formar relacionamentos familiares saudáveis e crescer em contextos que favoreçam seu desenvolvimento pleno emocional e psicológico.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 10 nov. 2024;

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 nov. 2024;

BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental. Diário Oficial da União, Brasília, 27 ago. 2010. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm. Acesso em:  10 nov. 2024;

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Agravo de Instrumento nº 07069617520228070000 1420684 . Relatora: Simone Lucindo. Julgamento em 04 de maio de 2022. 1ª Turma Cível. Publicação em 27 de maio de 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-df/1685680294 . Acesso em: 24 mar 2025;

BRASIL. Tribunal de Justiça de Tocantins. Apelação Cível nº 0000615-83.2021.8.27.2731, Relator: Marco Anthony Steveson Villas Boas. Julgado em 14 nov. 2024. Disponível em: https://jurisprudencia.tjto.jus.br/consulta?&q=coopera%C3%A7%C3%A3o%20Sociais&fq_classe=Apela%C3%A7%C3%A3o%20C%C3%ADvel&fq_antecipacao_tutela=N%C3%A3o%20Requerida&fq_competencia=TURMAS%20DAS%20CAMARAS%20CIVEIS&start=0&rows=20&fq_data_autuacao:d(2020/06)#result .Acesso em: 24 mar. 2025;

BRASIL. Tribunal de Justiça de Tocantins. Apelação Cível nº 0004948-85.2020.8.27.2740, Relator: Marco Anthony Steveson Villas Boas. Julgado em 05 mar. 2025. Disponível em: https://jurisprudencia.tjto.jus.br/consulta.php?q=aliena%C3%A7%C3%A3o+parental.Acesso em: 18 mar. 2025;

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70080130016. Relatora: Liselena Schifino Robles Ribeiro. Julgado em 27 fev. 2019. Sétima Câmara Cível. Diário da Justiça, 6 mar.2019.  Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rs/683516166 . Acesso em: 24 mar 2025;

BRASIL. Tribunal de Justiça de Rondônia. Agravo de Instrumento: AI 0804725.49.2019.822.0000 RO – RO 0804725-49.2019.822.0000. Jusbrasil, 2020. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-ro/922430260/inteiro-teor-922430266?origin=serp. Acesso em: 23 mar. 2025;

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. e-book. Baseada na 11. ed. impressa. ed. impressa.  ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. 1250 p. ISBN 978-85-203-6711-7. E-book (1250 p.);

FIGUEIREDO, Fábio V.; ALEXANDRIDIS, Georgios. Alienação parental. 2 ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2013. E-book. p.17. ISBN 9788502220126. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788502220126/ . Acesso em: 06 nov. 2024;

GARDNER, R. (2001). Basic facts about the parental alienation syndrome, 1-13. Disponível em: http://www.rgardner.com/refs/pas_intro.html. Acesso em: 10 nov. 2024;

GODINHO, Robson Renault. O Ministério Público como substituto processual no processo civil. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2007;

LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. São Paulo: Saraiva, 2020;

MINAS, A. (Diretor) (2009). A morte inventada: alienação parental [Filme-vídeo]. Niterói, Caraminholas Produções. Tribunal de Justiça de Pernambuco, Centro de Apoio Psicossocial. R. João Fernandes Vieira, 405, Boa Vista, 50710-400, Recife, PE, Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fuVXVq1Um50&t=207s. Acesso em: 23 mar. 2025;

MOLINARI, Fernanda; TRINDADE, Jorge. Reflexões sobre alienação parental e a escala de indicadores legais de alienação parental. O Direito no lado esquerdo do peito: Ensaios sobre direito de família e sucessões, p. 23-33, 2014;

OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012;

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ- MPPR. Direito de família – Alienação parental. MPPR, 2023. Disponível em: https://mppr.mp.br/Pagina/Direito-de-Familia-Alienacao-parental. Acesso em: 22 mar. 2025;

SILVA, D. M. P. (2010). Guarda compartilhada e síndrome da alienação parental: o que é isso? Campinas: Autores Associados;

SOUSA, A. M.; BRITO, L. M. T.  Síndrome de Alienação Parental: da teoria norte-americana à nova lei brasileira. Psicologia, Ciência e Profissão. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, v. 31, n. 2, p. 268-283, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pcp/a/H7w9kPHrY86XM9DXZLKvJtF/?lang=pt Acesso em: 10 nov. 2024;

TRINDADE, Jorge. Síndrome de Alienação Parental (SAP). In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Incesto e Alienação Parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.


¹Acadêmica de Direito da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS. E-mail: italajordana@unitins.br
²Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Docente no curso de Direito na Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). E-mail:odiasilva48@gmail.com