INFLUÊNCIA DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NO RISCO DE BURNOUT EM PROFISSIONAIS COM ENSINO SUPERIOR

INFLUENCE OF EMOTIONAL INTELLIGENCE ON BURNOUT RISK ON PROFESSIONALS WITH HIGHER EDUCATION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202503311022


Lissa Odriozol Chesky1
Isabela Sbravatti Ferrari2


Resumo

Este estudo empírico investigou a relação entre a inteligência emocional e o risco de Burnout em profissionais com ensino superior, utilizando o Maslach Burnout Inventory – MBI e o teste de habilidades de Seymour e Shervington como instrumentos de avaliação. A amostra consistiu em 173 participantes e os resultados indicaram que 13,7% das variações de risco de Burnout são explicadas por variações do score de inteligência emocional. Os achados sugerem que a inteligência emocional desempenha um papel importante na prevenção do Burnout em profissionais com ensino superior, embora outros fatores devam ser considerados. Além disso, foi discutido o impacto do Burnout na saúde e no desempenho profissional dos indivíduos, bem como os sintomas e tratamentos disponíveis.

Palavras-chave: Esgotamento profissional; habilidade; inteligência social; personalidade.

Abstract

This empirical study investigated the relationship between emotional intelligence and burnout risk in professionals with higher education, using the Maslach Burnout Inventory – MBI and Seymour and Shervington’s skills test as assessment tools. The sample consisted of 173 participants and the results indicated that 13.7% of variations in burnout risk were explained by variations in emotional intelligence scores. The findings suggest that emotional intelligence plays an important role in preventing burnout in professionals with higher education, although other factors should be considered. Furthermore, the impact of burnout on individuals’ health and professional performance, as well as the symptoms and available treatments, were discussed.

Keywords: Workplace exhaustion; ability; social intelligence; personality.

Introdução

Desde o início da pandemia do Sars-CoV-2, o risco de Burnout, ou síndrome do esgotamento profissional, tem sido cada vez mais comum entre os profissionais. Conforme relatado no documento “Our duty of care: A global call to action to protect the mental health of health and care workers”, elaborado por Rahim et al. (2022) para a World Innovation Summit for Health, entre 41% e 52% dos profissionais de saúde avaliados apresentaram sintomas de Burnout.

No entanto, não se trata de uma síndrome que afeta somente essa categoria profissional, estima-se que os transtornos de ansiedade aumentaram em 25,6% (cerca de 76,2 milhões de casos a mais) no primeiro ano da pandemia, enquanto os transtornos depressivos maiores aumentaram em 27,6% (cerca de 53,2 milhões de casos a mais) (Lluch et al. 2022; Ottisova et al. 2022).

O debate em torno do Burnout no Brasil teve início na década de 1980, sobretudo entre profissionais da área da saúde. Desde o dia 1º de janeiro de 2022, o Burnout é considerado uma doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), classificada como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. 

Maslach e Jackson (1981) caracterizam o Burnout como síndrome de exaustão e cinismo que ocorre frequentemente em indivíduos que realizam trabalhos diretamente com pessoas. Carvalho e Magalhães (2013) descrevem que o aspecto-chave do Burnout consiste em sentimentos de exaustão emocional. Esses sentimentos podem causar reações negativas em relação às pessoas com as quais trabalham. Outro aspecto é a tendência de se avaliar negativamente. Essas pessoas se sentem infelizes em relação a si mesmas e insatisfeitas sobre as suas realizações no trabalho.

O Burnout é uma resposta prolongada ao estresse emocional e interpessoal crônico relacionado ao trabalho. Ele é dividido em três dimensões: exaustão, cinismo e eficácia profissional reduzida. A exaustão se refere ao sentimento de não poder dar mais de si mesmo em nível emocional. O cinismo é definido como indiferença ou atitude distante em relação ao trabalho em geral. Enquanto isso, a eficácia profissional se refere às expectativas do funcionário em relação à sua capacidade contínua de ser efetivo no trabalho. Os principais sinais e sintomas do Burnout incluem cansaço, dificuldades de concentração, falta de organização, maior número de erros, queda na qualidade do trabalho, falta de energia, ansiedade e frustração (Emmerik et al. 2005).

Dada a natureza emocional do Burnout, sugere-se a possibilidade da existência de correlação entre este e inteligência emocional. O termo já vem sendo um conceito discutido desde o século XX, sob outra nomenclatura: inteligência social, cunhado por Thorndike (1920).

Décadas depois, Kelly (1955) propôs um modelo no qual a antecipação dos eventos, ou expectativas, têm papel central em determinar comportamentos. O modelo é focado em constructos de personalidade, que leva a pessoa a entender como o mundo funciona. Neste modelo é possível constatar um Quociente de Inteligência baseado em teste, o Role Construct Repertory Test. 

A inteligência emocional pode ser entendida como traço de personalidade ou pode ser considerada como habilidade passível de ser adquirida e desenvolvida, ou ainda, ser considerada uma mescla de ambas as concepções – criando o chamado “modelo misto”. De maneira geral, a inteligência emocional é uma habilidade que permite ao indivíduo reconhecer, compreender e gerenciar as suas próprias emoções, bem como as emoções dos outros. 

Salovey e Mayer (1990), apesar de considerarem a IE como uma capacidade cognitiva, pontuam que alguns termos comumente empregados ao falar sobre inteligência emocional – motivação, emoção, cognição e consciência – são considerados na psicologia como quatro conceitos básicos na fundação quase-biológica da personalidade. Bar-on (1997), em sua análise de modelo misto da IE, interpretou quociente emocional (QE) em cinco grandes categorias: Habilidades intrapessoais (autoconsciência emocional, assertividade, autocuidado, autoatualização e independência), Habilidades interpessoais (relações com os outros, responsabilidade social e empatia), Comportamentos adaptativos (escalas de resolução de problemas, testes de realidade e flexibilidade), Gestão do estresse (tolerância ao estresse e controle de impulsividade), Disposição geral (felicidade e otimismo).

Autores divergem tanto em aspectos como quais devem ser as características abordadas em inteligência emocional. Por isso, Bar-on e Parker (2000) levantam o questionamento sobre o motivo de redesignarmos constantemente traços de personalidade como inteligência emocional visto que esses não se referem exclusivamente à emoção ou à inteligência. Por exemplo, há teorias que consideram autoconfiança e ser voltado a servir outros como inteligência emocional: mas a autoconfiança pode fazer o indivíduo ser mais voltado à autorrealização do que a servir a outros, tornando esses traços antagônicos.

Por outro lado, na perspectiva de inteligência emocional como habilidade ou capacidade, Bar-On e Parker (2000) definem que capacidade emocional implica levar em consideração a eficácia no engajamento emocional. Nesse contexto, não é possível dizer que “A pessoa A tem maior inteligência emocional do que a pessoa B”, e a eficácia de medir inteligência emocional em um questionário torna-se controversa.

É possível observar que há dissonâncias entre a própria definição de inteligência emocional e se é possível medi-la. Alguns autores aplicam testes de autorrelato, outros, testes de desempenho. Outros dizem que não é possível medir o construto. Para Bar-On (1997), escalas de autorrelato têm maior validade do que testes de desempenho. Contudo, segundo Woyciekoski e Hutz (2009), esta validade é, sobretudo, consequência das sobreposições excessivas destas escalas com construtos existentes.

Considerando a definição da IE explanada previamente, torna-se lógico deduzir que quando uma pessoa tem baixa inteligência emocional, ela pode ter dificuldade em lidar com o estresse, a pressão e as demandas emocionais do ambiente de trabalho, o que pode levar ao esgotamento emocional e ao risco de desenvolver Burnout. Por outro lado, uma pessoa com boa inteligência emocional é mais capaz de manter o equilíbrio emocional e enfrentar os desafios do ambiente de trabalho de maneira saudável, reduzindo o risco de Burnout. Esses são apenas alguns exemplos de estudos que apoiam a relação entre inteligência emocional e risco de Burnout.

Portanto, o objetivo deste trabalho foi investigar a relação entre inteligência emocional e Burnout utilizando métodos quantitativos, bem como revisar a literatura existente sobre o assunto, com o intuito de caracterizá-los e relacioná-los de forma qualitativa.

Material e Métodos

Para identificar a existência de relação entre inteligência emocional e risco de Burnout, foram selecionados participantes que concordaram em responder a um conjunto de perguntas relacionadas a inteligência emocional e ao risco de Burnout, por meio de um questionário online (método de autorrelato), enviado pelas redes sociais da autora (amostragem por conveniência) e o método de análise escolhido foi regressão linear. 

A seguir, são descritos detalhadamente o processo de seleção dos participantes, os instrumentos utilizados na coleta dos dados e a análise estatística empregada.

Participantes:

Os indivíduos pesquisados participaram, de forma esclarecida e voluntária, sendo todos maiores de idade, mediante consentimento, sem grupos vulneráveis. Não houve distinção entre grupos, qualquer pessoa acima de 18 anos, alfabetizada e com conexão à internet pôde participar.  Foram abordados com a explicação do presente trabalho, assim como os objetivos e convidados a colaborar, por livre vontade. 

Para isso, foi realizado estudo quantitativo por meio de questionário via Google Forms, utilizando os recursos do Google para proteger a segurança confidencialidade, de forma totalmente on-line, abordando uma autoavaliação, em três partes: 

a) Caracterização social/profissional: Faixa etária, cargo exercido, tempo de serviço, escolaridade e se a pessoa trabalha diretamente com o usuário final (cliente, paciente, alunos etc.). Esta caracterização foi utilizada para verificar se há grupos com maior risco de Burnout ou IE. 

b) Risco de Burnout: Foi utilizada a versão elaborada e adaptada Jbeili (2008), em português brasileiro, inspirada no Maslach Burnout Inventory – MBI. Avalia características psicofísicas em relação ao trabalho. Questionário de 20 questões, com escalas que variam de 1 a 5. Inclui perguntas sobre realização profissional, sensação de esgotamento, reconhecimento de seu trabalho por parte de outros e estresse. Os resultados variam de 20 a 100 pontos, sendo 20 nenhum risco de Burnout e a partir de 81, fase considerável de Burnout. Esta fase é para caracterizar o risco de Burnout e ser comparada posteriormente com a inteligência emocional.

c) Autoavaliação de inteligência emocional:  Foi utilizada a versão de Seymour e Shervington (2001), traduzida para português brasileiro, caracterizada por 12 perguntas, com escala de 1 a 4. Imprime perguntas sobre consciência dos próprios sentimentos, estados emocionais, resolução de conflitos e empatia. Aqueles que pontuam entre 12 e 24 têm potencial significativo para melhorar seu desempenho por meio de suas habilidades de Inteligência Emocional; Entre 25 e 36 pontos, claramente têm pontos fortes e se beneficiariam muito em focar no desenvolvimento dos pontos fracos; enfim, entre 37 e 48 pontos, possui forte inteligência emocional, mas para ser um bom operador deve continuar a desenvolver as habilidades para o cargo ao qual segue. Esta fase foi utilizada para caracterizar o nível de inteligência emocional e ser comparada posteriormente com o risco de Burnout.

O envio do questionário totalmente de acordo com as normas do Comitê de Ética foi realizado via redes sociais no dia 05 de fevereiro de 2023 e aceitou respostas até o dia 11 de fevereiro de 2023, totalizando 197 respostas. Destes, 195 concordaram com a política de privacidade e deram continuidade. Como acordado com o Comitê de Ética da PECEGE (Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas), as perguntas não eram obrigatórias, porém para a correta análise da amostra, era necessário que todas as perguntas fossem respondidas, com pessoas ativas no mercado de trabalho. Nove se autodeclararam desempregados ou aposentados; três estudantes e dois não preencheram esse campo. Oito participantes não responderam ao questionário completo. Totalizando 173 indivíduos aptos a serem analisados na presente pesquisa. Todos os participantes que preencheram o Campo “Outros” se identificaram como profissionais liberais e empreendedores. 

Análise estatística

Para avaliar a correlação entre inteligência emocional e risco de Burnout foram testados dois modelos de regressão linear, um com uma única variável independente (equação 1), e outro com duas variáveis independentes (equação 2), sendo uma variável dummy:

Onde:

O parâmetro ᵝ1 é quem define a relação entre a variável dependente “Risco de Burnout” e a variável independente “Inteligência Emocional”. Uma hipótese levantada no presente trabalho é de que pessoas que atendem diretamente o usuário final apresentam maior risco de Burnout e, portanto, o segundo modelo foi definido com a variável dummy que caracteriza o atendimento ou não ao cliente.

Na literatura observa-se com recorrência casos de estudos envolvendo profissionais da saúde e de atendimento. No presente trabalho obteve-se uma amostra com aproximadamente 50% de profissionais que trabalham diretamente com o usuário final. A Figura 1 demonstra o percentual de pessoas que lidam com público (especificamente clientes, pacientes ou alunos) – sim – e que não lidam – não.

Seguindo para os resultados dos testes, a escala de zero a cem do questionário Jbeili (2008), inspirado no Maslach Burnout Inventory – MBI para identificação de burnout propõe as seguintes faixas de resultados:

De 0 a 20 pontos: Nenhum indício de Burnout.

De 21 a 40 pontos: Possibilidade de desenvolver Burnout, procure trabalhar as recomendações de prevenção da Síndrome.

De 41 a 60 pontos: Fase inicial do Burnout, procure ajuda profissional para debelar os sintomas e garantir, assim, a qualidade no seu desempenho profissional e a sua qualidade de vida.

De 61 a 80 pontos: O Burnout começa a se instalar. Procure ajuda profissional para prevenir o agravamento dos sintomas.

De 81 a 100 pontos: Você pode estar em uma fase considerável do Burnout, mas esse quadro é perfeitamente reversível. Procure o profissional competente de sua confiança e inicie o quanto antes o tratamento.

Na figura 2 observa-se que, considerando que até 20 pontos não há nenhum risco de Burnout e o menor score observado foi 25, toda a amostra apresenta algum risco. Porém, o teste infere que a partir de 41 inicia-se a fase inicial do Burnout, portanto, 79,2% da amostra está ao menos em fase inicial de Burnout.

Para caracterizar a Inteligência Emocional, segundo o teste desenvolvido por  Seymour e Shervington (2001), as faixas de resultado do teste aplicado são distribuídas em três:

De 12 a 24 pontos: Você tem potencial considerável para melhorar seu desempenho.

De 25 a 36 pontos: Você claramente tem pontos fortes e irá se beneficiar consideravelmente do foco no desenvolvimento das áreas fracas.

De 37 a 48 pontos: Você tem forte capacidade de inteligência emocional, mas precisa continuar desenvolvendo suas habilidades.

Na figura 3, observa-se que 96% da amostra se autoavalia na segunda e terceira faixas de inteligência emocional.

Significância da amostra

Na Figura 4 é possível observar que 82% da amostra está na faixa de 18 a 44 anos. Tal faixa etária é definida como a População Economicamente Ativa (PEA) do Censo 2010 (IBGE, 2010), que consta 73,2% para a população entre 16 e 49 anos. Importante citar que a PEA considera pessoas desocupadas que procuraram emprego nos últimos 30 dias, que foram removidas da presente amostra.

Na Figura 5, observamos que 76,9% da amostra está entre os níveis de analista e gerente, o que também está de acordo com a idade mais presente na amostra.

Na figura 6, observamos que 65,9% da amostra está entre 5 e 20 anos no mercado de trabalho.

Na Figura 7 observamos que toda a amostra frequentou ao menos ensino superior, viés a ser observado ao longo do trabalho. Assim, o caráter da pesquisa passa a ser inteligência emocional e Burnout em pessoas com pessoas que frequentaram o nível superior.

Antes de iniciar a regressão, o primeiro ponto a ser observado é a distribuição dos dados da amostra, bem como a dispersão dos dados para as variáveis de interesse, a fim de observar a existência de algum tipo de relação entre estas, bem como suas distribuições. 

Na Figura 8 observa-se o histograma da distribuição do risco de Burnout (Figura 8 A) e dos scores de Inteligência Emocional (Figura 8 B). Para o risco de Burnout, os índices variaram entre 20 e 100, com a maioria dos valores entre 30 e 80. Já para os scores de Inteligência Emocional, observa-se que estes variaram entre 10 e 50 e que a maioria dos dados se encontra entre 30 e 40.

A Figura 9 apresenta a dispersão dos dados de Risco de Burnout em relação aos respectivos scores de Inteligência Emocional. Observa-se que os valores para risco de Burnout estão principalmente distribuídos entre 30 e 80, os de inteligência emocional entre 28 e 44 e que há uma relação negativa entre as variáveis.

Para a equação 1, a variável Inteligência Emocional se mostrou estatisticamente significativa para explicar o Risco de Burnout, sendo significativa 95% de confiança com o modelo resultante apresentando um valor de R2 ajustado de 0,1367, o que significa que um aumento de 10% no score de Inteligência Emocional pode representar uma queda de 1,3% no risco de Burnout.

Já para a equação 2, com a variável dummy “lida diretamente com o usuário final”, observou-se que essa variável não possui significância estatística para estimar o risco de Burnout, visto que o p-valor para esta foi de 0,4114. Além disso, o R2 ajustado para o modelo de regressão múltipla com a variável dummy foi de 0,1221, mostrando que a equação 2 é menos explicativa do que a equação 1. Portanto, não é seguro concluir que o atendimento ao usuário final tenha impacto sobre o risco de Burnout para um nível de significância de 5%.

Sendo assim, a equação 1 foi escolhida como o melhor modelo para explicar o risco de Burnout

Dando prosseguimento à análise do modelo 1, obteve-se os seguintes resultados:

O valor de R2 ajustado varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, melhor é o ajuste do modelo e maior é a proporção da variação da variável dependente explicada pelas variáveis independentes. Nossa medida de interesse é o R² múltiplo ajustado de 0,1367, indicativo de que as variáveis independentes incluídas no modelo explicam 13,67% da variação total da variável dependente. 

A seguir apresenta-se os resultados da análise de variância do modelo gerado pela equação 1. O teste F é uma medida da probabilidade de que o ajuste do modelo ocorra aleatoriamente. Quanto menor o valor de significância para o teste F (p-valor), menor a probabilidade de que o ajuste do modelo ocorra aleatoriamente e maior a evidência de que as variáveis independentes incluídas no modelo têm um efeito significativo na variável dependente. Um p-valor para o teste F inferior a 0,05 é usado como um critério para rejeitar a hipótese nula e concluir que pelo menos uma das variáveis independentes incluídas no modelo tem um efeito significativo na variável dependente.

No presente estudo, o p-valor para a estatística F foi de 3,318 x 10-7, isso significa que há uma probabilidade muito baixa de que o ajuste do modelo ocorra aleatoriamente e que a variável independente incluída no modelo, inteligência emocional, tem um efeito significativo na variável dependente risco de burnout. Em outras palavras, o modelo de regressão linear é significativo e a variável independente incluída no modelo está de fato relacionada à variável dependente.

Com os coeficientes acima, podemos caracterizar o modelo ajustado como se apresenta a seguir, na equação 1.

Desconsiderando-se o erro padrão, um indivíduo com o coeficiente de inteligência emocional de 12, que é o valor mínimo, partiria de um risco de Burnout de 75,92484. Por outro lado, um indivíduo que atinja o valor máximo de inteligência emocional, 48, tenderia a ter um risco de Burnout de 42,65039. Ou seja, mesmo com altíssimo coeficiente de inteligência emocional, o indivíduo ainda tem chance de Burnout devido a outros fatores extrínsecos fora de seu controle.

O p-valor é a probabilidade de se observar um valor de T tão extremo ou mais extremo do que o observado, assumindo-se que a hipótese nula é verdadeira. A hipótese nula é a de que o coeficiente é igual a zero. Ou seja, caso o p-valor fosse superior a 0,05 para Inteligência Emocional não haveria efeito desta sobre a variável dependente Risco de Burnout. Como o p-valor é menor 0,05 então rejeita-se a hipótese nula, ou seja, há evidência suficiente para afirmar que o coeficiente é diferente de zero e, portanto, estatisticamente significativo. Assim como o coeficiente da variável Inteligência Emocional, o coeficiente de intersecção (ᵦ0) também se apresentou significativo, ou seja, diferente de zero, portanto a reta da regressão não passa pela origem e, caso o score para Inteligência emocional fosse igual a zero, o risco de Burnout nesse caso seria de aproximadamente 87,02.

Para o coeficiente de Inteligência Emocional, observa-se também que é estatisticamente significativa. Como a estatística t calculada (-5,313472782) é menor em valor absoluto que o valor crítico de t (-1,972), podemos concluir que o coeficiente é estatisticamente significativo ao nível de significância de 5%. Isso significa que a probabilidade de obter um valor t tão extremo ou mais extremo que o valor observado sob a hipótese nula (que o coeficiente é igual a zero) é muito baixa para o p-valor observado, o que nos leva a rejeitar a hipótese nula e afirmar que há evidências de que a variável independente tem um efeito significativo na variável dependente.

Os resíduos apresentaram média igual a zero, o que demonstra que não há heteroscedasticidade. Não há uma tendência consistente em uma direção específica nos dados, o que poderia levar a estimativas incorretas ou distorcidas das relações entre as variáveis. Por fim, o resultado da regressão demonstra que há uma relação inversa entre Risco de Burnout e Inteligência Emocional.

Discussão

Os resultados indicam que há uma relação significativa entre os dois construtos e que a inteligência emocional pode ser considerada como um fator de proteção contra o estresse ocupacional crônico. Além disso, os dados mostraram que o score de inteligência emocional explica 13,7% da variação do risco de Burnout, sugerindo que a inteligência emocional é um fator importante na prevenção do Burnout.

A partir dos resultados deste estudo, é possível inferir que as pessoas com maior pontuação em inteligência emocional podem ter uma maior capacidade de lidar com situações de estresse, reduzindo assim o risco de desenvolver Burnout. Platsidou (2010) aponta que a redução do risco de Burnout está ligada a dois espectros da inteligência emocional: otimismo/regulação do humor e habilidades sociais. Porém, é importante lembrar que esses resultados são específicos para determinados grupos profissionais, já que diferentes tipos de trabalhos podem exigir diferentes aspectos da inteligência emocional.

Além disso, a inteligência emocional do gestor também pode afetar a satisfação dos funcionários no trabalho, como apontado por Sy et al. (2006). Segundo os autores, funcionários com maior nível de inteligência emocional têm maior nível de satisfação no trabalho, mesmo com gestores com baixa inteligência emocional. Portanto, tanto a inteligência emocional do indivíduo quanto a do gestor direto são importantes fatores a serem considerados na promoção da saúde mental dos trabalhadores.

É importante destacar que a inteligência emocional não é o único fator envolvido na ocorrência do Burnout, visto que este é a resposta ao estresse crônico no trabalho. Gardner (2005) explica a categorização criada por Cooper e Marshall, que definiram 40 fatores como estressores no trabalho e dividiram em 6 categorias: Fatores intrínsecos ao trabalho; Papel na organização; Relacionamentos no trabalho; Desenvolvimento de carreira Estrutura e clima organizacional; Interface organizacional com o exterior. Segundo os autores, os 6 grupos de fatores também podem contribuir para o surgimento do Burnout. No entanto, a inteligência emocional pode ser considerada uma importante ferramenta na prevenção e no tratamento do Burnout.

França e Rodrigues (2005) apresentam uma lista de estressores do trabalho que podem contribuir para o surgimento do Burnout. Esses estressores incluem, entre outros fatores, horas extras, trabalho em turnos, trabalho em ritmo acelerado, pagamento por produção, falta de controle sobre as tarefas executadas, subutilização de capacidades do trabalhador, condições físicas desagradáveis, ameaça de riscos físicos ou tóxicos, riscos ergonômicos, ambiguidade e conflito de papéis, competição e rivalidade. Além disso, fatores externos à organização, como preocupações relacionadas à comunidade ou à família, insegurança no emprego e preocupações com a carreira, também podem contribuir para o desenvolvimento do Burnout.

O presente estudo também buscou avaliar a relação entre o estresse crônico e profissões de serviços humanos. Isso se deve ao fato de que há uma vasta literatura que conecta o Burnout a esses profissionais, como docentes e profissionais da saúde (Torres & Cobo 2016; Valente e Lourenço 2020; Rahim et al. 2022). No entanto, os resultados observados neste estudo foram menos significativos do que o modelo simplificado, indicando que atuação assistencial não tem contribuição relevante para o Burnout.

Ao analisar-se os resultados da amostra deste estudo, constata-se que todos os participantes, inclusive aqueles com alto índice de inteligência emocional, apresentaram algum nível de risco de Burnout. Nenhum dos participantes da pesquisa apresentou risco de Burnout igual a zero, o que reflete a realidade atual das empresas e da vida contemporânea. Esses resultados sugerem que, apesar da importância da inteligência emocional no combate ao Burnout, outros fatores também devem ser considerados na prevenção e tratamento desta condição. Isso significa que, embora haja relação entre Inteligência Emocional e Risco de Burnout, ainda há uma grande quantidade de variação não explicada pelo modelo.

Com relação ao estado da arte quanto aos conceitos de Inteligência Emocional e Burnout, observa-se quantidade crescente de literatura sendo produzida acerca de reduzir os impactos do Burnout, sendo assim, busca-se responder: Quais são as consequências desse fenômeno e como pode ser tratado? 

França e Rodrigues (2005) apontam para evidências de que o estresse ocupacional está associado a diversas doenças físicas e psicológicas. No Brasil, por exemplo, essas doenças representam uma das principais causas de pedidos de afastamento do trabalho ao sistema previdenciário. As consequências fisiológicas do estresse de curto prazo incluem a liberação de catecolaminas, cortisol e aumento da pressão arterial, enquanto as consequências de longo prazo incluem hipertensão, doenças cardíacas, úlceras e asma. As consequências psicológicas do estresse de curto prazo incluem ansiedade, insatisfação e doenças psicogênicas de massa, enquanto as consequências de longo prazo incluem depressão, Burnout e distúrbios mentais. É importante considerar que as implicações do estresse ocupacional são graves e afetam tanto a saúde física quanto a mental dos indivíduos.

Conforme os mesmos autores, existem duas formas de enfrentamento em relação ao trabalho: ativo e passivo. No enfrentamento ativo, o indivíduo expressa seu desejo de mudança na estrutura a que está submetido. Ele pode se afastar voluntariamente ou solicitar a transferência do serviço. Além disso, ele pode participar de movimentos trabalhistas em busca de melhorias. Já o enfrentamento passivo é o mais comum e leva à alienação, no sentido sociológico do termo. Nessa abordagem, o indivíduo passa a depreciar seu trabalho e a senti-lo como um peso, e não como fonte de satisfação. O objetivo torna-se apenas a remuneração e a manutenção de suas condições básicas. O trabalho é sentido como desinteressante e não envolvente, de forma que as satisfações só são encontradas fora do local de trabalho. Esse comportamento pode levar a problemas como absenteísmo e uso abusivo de substâncias.

Além de impactar na saúde mental e física do indivíduo, a falta de coerência social do sistema em que ele está inserido é um importante agente estressor psicossocial. De acordo com França e Rodrigues (2005), a ocorrência de manifestações de doenças em um meio de trabalho é um indicador importante para se verificar o nível de saúde desse meio também em termos de saúde social, que pode comprometer o indivíduo inclusive biologicamente. 

Existem algumas formas de prevenção do Burnout por parte das empresas, como aumentar a variedade de rotinas para evitar a monotonia, prevenir o excesso de horas extras, dar melhor suporte social às pessoas, melhorar as condições sociais e físicas de trabalho e investir no aperfeiçoamento profissional e pessoal dos trabalhadores. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em suas diretrizes para prevenção de transtornos mentais, neurológicos e psicossociais de 1994, propõe um método para prevenir a síndrome de Burnout que consiste em identificar os sintomas, discutir os fatores que estão contribuindo para o Burnout, sumarizar os aspectos positivos e negativos do trabalho, delinear fatores que estão dentro e fora do alcance do indivíduo e implementar ações para lidar com a situação (OMS, 1994).

Conclusão

O estudo realizado demonstrou que há uma relação significativa entre inteligência emocional e Burnout em profissionais com ensino superior, sugerindo que a inteligência emocional pode ser um fator de proteção contra o estresse ocupacional crônico. No entanto, é importante destacar que outros fatores além da inteligência emocional também podem contribuir para a ocorrência do Burnout. Causadores do Burnout são fatores que estão fora do controle do trabalhador, como: Horas extras, trabalho em turnos, trabalho em ritmo acelerado, pagamento por produção e subutilização de capacidades do trabalhador. Ambiguidade e conflito de papéis, competição e rivalidade. Ameaça de riscos físicos ou tóxicos, riscos ergonômicos e falta de controle sobre as tarefas executadas. Insegurança no emprego e preocupações com a carreira. Além desses, condições físicas desagradáveis e preocupações relacionadas à comunidade ou à família. Assim, futuras pesquisas devem explorar mais a fundo esses fatores e sua relação com o Burnout, a fim de desenvolver estratégias mais eficazes de prevenção e tratamento.

Diante do aumento da pressão sobre a saúde mental dos profissionais, é importante promover abordagens preventivas que envolvam tanto modificações no ambiente de trabalho quanto melhorias na capacidade do indivíduo de lidar com o estresse. Dentre as medidas, destacam-se a gestão do tempo, a delegação de responsabilidades, a aprendizagem de técnicas de relaxamento e a manutenção de relacionamentos sociais estáveis. Além disso, medidas relacionadas ao ambiente de trabalho, como o reconhecimento do desempenho, o treinamento de gestores e a criação de um ambiente de trabalho saudável, também podem ser eficazes na prevenção de doenças ocupacionais. Por fim, é importante considerar a possibilidade de aumentar o quociente de inteligência emocional como uma medida preventiva para o Burnout. No entanto, mais pesquisas são necessárias para avaliar a eficácia dessa abordagem e entender melhor como a inteligência emocional pode ser desenvolvida e aplicada na prevenção e tratamento do Burnout. Em conjunto, essas medidas podem contribuir para a promoção da saúde mental dos profissionais e prevenir a ocorrência do Burnout.

Referências

Bar-On, R. 1997. The emotional quotient inventory (EQ-i): A test of emotional intelligence. Toronto, Canadá: Multi-Health Systems.

Bar-On, R.; Parker, J.D.A. 2000. The Handbook of Emotional Intelligence: Theory, Development, Assessment, and Application at Home, School, and in the Workplace. San Francisco, CA: Jossey-Bass, A Wiley Company.

Carvalho, C.G.; Magalhães, S.R. 2013. Inteligência emocional como estratégia de prevenção contra a síndrome de burnout. Revista da Universidade Vale do Rio Verde. v.11, n. 2, p. 540–550. – doi: 10.5892/ruvrd.v11i2.540550

van Emmerik, I.H.; Jawahar, I.M.; Stone, T.H. 2005. Associations among altruism, burnout dimensions, and organizational citizenship behaviour. Work & Stress. v. 19, n. 1, p. 93–100. – doi: 10.1080/02678370500046283

França, A.C.L.; Rodrigues, A.L. 2005. Stress e trabalho: uma abordagem psicossomática. Editora Atlas, 4ª edição, pp. 192.

Gardner, L. 2005. Emotional Intelligence and Occupational Stress. Tese (Doutorado em Filosofia) Swinburne University of Technology, 265p.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] 2010. Sinopse do censo demográfico 2010. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv49230.pdf> Acesso em: 12 fev. 2023.

Jbeili, C (2008). Síndrome de Burnout: Identificação, tratamento e prevenção. Cartilha informativa. Brasília DF. 

Kelly, G.A. 1955. The psychology of personal constructs: a theory of personality. W. W. Norton, Oxford, England, v. 1. p. 135-190. https://archive.org/details/theoryofpersonal00kell/page/183/mode/1up?view=theater

Lluch, C.; Galiana, L.; Doménech, P.; Sansó, N. 2022. The Impact of the COVID-19 Pandemic on Burnout, Compassion Fatigue, and Compassion Satisfaction in Healthcare Personnel: A Systematic Review of the Literature Published during the First Year of the Pandemic. Healthcare. v.10 n. 2 pp. 364. – doi: 10.3390/healthcare10020364

Maslach, C.; Jackson, S.E. 1981. The measurement of experienced burnout. Journal of Organizational Behavior. v. 2, n. 2, p. 99–113. – doi: 10.1002/job.4030020205

Organização Mundial da Saúde [OMS]. 1994. Guidelines for the primary prevention of mental, neurological and psychosocial disorders. 5. Staff Burnout. Disponível em: <https://www.who.int/publications/i/item/WHO_MNH_MND_94.21> Acesso em: 10 mar. 2023

Ottisova, L.; Gillard, J.A.; Wood, M.; Langford, S.; John‐Baptiste Bastien, R.; Madinah Haris, A.; Wild, J.; Bloomfield, M.A.P.; Robertson, M. 2022. Effectiveness of psychosocial interventions in mitigating adverse mental health outcomes among disaster‐exposed health care workers: A systematic review. Journal of Traumatic Stress. v. 35, n. 2, p. 746–758. – doi: 10.1002/jts.22780

Platsidou, M. 2010. Trait Emotional Intelligence of Greek Special Education Teachers in Relation to Burnout and Job Satisfaction. School Psychology International. v. 31, n.1, p. 60–76. – doi: 10.1177/0143034309360436

Rahim, H.F.A.; Fendt-Newlin, M.; Al-Harahsheh, S.T.; Campbell, J. 2022. Our duty of care: A global call to action to protect the mental health of health and care workers. World Innovation Summit for Health, 2022, pp. 35. 

Salovey, P.; Mayer, J.D. 1990. Emotional Intelligence. Imagination, Cognition and Personality. v. 9, n. 3, p. 185–211. – doi: 10.2190/DUGG-P24E-52WK-6CDG

Seymour, J.; Shervington, M. 2001. Como usar a inteligência emocional. São Paulo: Publifolha, 1ª edição, 72p.

Sy, T.; Tram, S.; O’Hara, L.A. 2006. Relation of employee and manager emotional intelligence to job satisfaction and performance. Journal of Vocational Behavior. v. 68, n. 3, p. 461–473. – doi: 10.1016/j.jvb.2005.10.003

Thorndike, E.L. 1920. Intelligence Examinations for College Entrance. The Journal of Educational Research. v. 1, n. 5, p. 329–337. – doi: 10.1080/00220671.1920.10879060

Torres, P.; Cobo, J. 2016. Estrategias de gestión de la inteligencia emocional para la prevención del Síndrome de Burnout en docentes de aula. Educ@ción En Contexto. v. 2, p. 281–295.

Valente, S.; Lourenço, A.A. 2020. Questionário de inteligência emocional do professor: adaptação e validação do “Emotional Skills and Competence Questionnaire”. Revista de Estudios e Investigación En Psicología y Educación. v. 7, n. 1, p. 12–24. – doi: 10.17979/reipe.2020.7.1.5480

Woyciekoski, C.; Hutz, C.S. 2009. Inteligência emocional: teoria, pesquisa, medida, aplicações e controvérsias. Psicologia: Reflexão e Crítica. v. 22, n. 1, p. 1–11. – doi: 10.1590/S0102-79722009000100002


1Bacharel em Ciências Econômicas e MBA em Gestão de Pessoas.
2Mestre em Psicologia.