REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504091102
Luana de Souza Petrorenzo
Narryma Rodrigues Guerreiro
Julia Paulis Rascazzi
INTRODUÇÃO
O tráfico de pessoas é uma das violações mais graves dos direitos humanos, movimentando anualmente cerca de 32 bilhões de dólares na indústria criminal (The Exodus Road, s.d.). Por meio de recrutamento, transporte, transferência de pessoas mediante o uso da força, coerção, abdução e fraude, os criminosos podem obter benefícios em razão da vulnerabilidade da vítima1.
A exploração através do tráfico humano possui diversas finalidades, seja para fins de trabalho forçado, exploração sexual, onde por sua maioria, possui como alvo crianças e mulheres2. A exploração decorrente do tráfico humano assume diversas formas, como trabalho forçado e exploração sexual, sendo mulheres e crianças os principais alvos. Na era digital, a internet tornou-se uma ferramenta crucial para a expansão desse crime, especialmente por meio de redes sociais (Instagram, Facebook, TikTok, entre outras) e da Dark Web. Essas plataformas, acessíveis a diversas classes sociais e faixas etárias, ampliam os desafios para seu combate.
A Dark Web é uma plataforma desenvolvida no final de 1990, pelo Laboratório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos. Trata-se de uma camada do ciberespaço não indexada por mecanismos de busca convencionais, o que dificulta o acesso e o monitoramento de conteúdos ilícitos. Essa característica a torna um ambiente propício para negociações, pagamentos e troca de informações entre traficantes, consolidando-a como um “mercado” virtual para o crime3.
A globalização e os avanços tecnológicos facilitam a troca de informações e o contato entre as pessoas. Neste sentido, os avanços e a tecnologia disponível para todos, também pode ser transformada em uma oportunidade aos traficantes de “recrutarem” as vítimas.
No aspecto das vítimas que oportunamente sobreviveram ao tráfico humano, estas também conseguem contar as suas histórias e disseminar quais foram os meios de aliciamento utilizados pelos criminosos, e uma vez que a rede de apoio é criada, a facilidade de manipular as pessoas através da internet é capaz de diminuir.
Nos últimos anos, o avanço da tecnologia e a popularização das mídias sociais criaram dinâmicas para esse tipo de crime, ampliando o alcance e a sofisticação das redes criminosas. As plataformas digitais, concebidas para promover a comunicação, o avanço social e a conexão de pessoas ao redor do mundo, têm sido exploradas por traficantes para recrutar vítimas através da manipulação.
As mídias sociais oferecem aos traficantes uma ferramenta poderosa para acessar potenciais vítimas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade social e econômica. Por meio de perfis falsos e abordagens enganosas, criminosos utilizam estratégias de aliciamento que incluem ofertas de emprego, propostas de relacionamento e promessas de melhores condições de vida.
1. DESENVOLVIMENTO
O tráfico internacional de pessoas é uma verdadeira mutilação para as vítimas que passaram pela situação, as quais são afetadas psicologicamente, para sempre. A subnotificação do crime reflete o medo, a vergonha e a desinformação sobre direitos, que silenciam as vítimas. Mesmo após o resgate, a reconstrução da vida é marcada por traumas duradouros4.
A facilidade da interação gerada por plataformas como Facebook, Instagram e TikTok permite que os criminosos obtenham acesso a uma extensa variedade de perfis, facilitando que estabeleçam contato com pessoas que possam ter compatibilidade com o que os criminosos classificariam com uma vítima em potencial. Com a exposição diária e comum da sociedade através de seus perfis nas redes sociais, o perfilamento executado pelos traficantes tornou-se uma ferramenta eficaz. Através da eficiência desta verdadeira engenharia social5, os criminosos costumam ofertar empregos, desenvolver relações amorosas ou vínculos sociais sólidos com as futuras vítimas, que pelas mais diversas razões acabam sendo aliciadas. Hoje, a Internet proporciona acesso fácil a um grupo muito maior de vítimas potenciais porque as limitações físicas e geográficas tradicionais já não existem.
O anonimato proporcionado pela internet também é outro fator significativo que dificulta o combate a esse crime. A possibilidade de criar contas e realizar transações financeiras sem identificação clara torna a detecção e responsabilização dos traficantes um grande desafio, o que permite que as redes criminosas se adaptem rapidamente às investigações, sem pegadas digitais.
Os aliciadores não possuem uma tipificação social, frequentemente são pessoas próximas das vítimas, pertencentes ao seu círculo de amizades ou até mesmo membros da família. Quando não possuem proximidade física, os aliciadores podem manter laços afetivos com as vítimas de forma repentina, pois geralmente possuem bom nível de escolaridade e articulam muito bem para manipular, seduzir e persuadir. Em muitos casos, são empresários que atuam ou se apresentam como donos de casas de show, bares, agências de encontros, matrimônios ou de modelos6.
No tráfico que possui como objeto o trabalho escravo, os aliciadores, conhecidos como “gatos”, costumam fazer propostas de trabalho em áreas como a agricultura, pecuária, construção civil ou oficinas de costura. Há registros de casos alarmantes envolvendo imigrantes peruanos, bolivianos e paraguaios, que foram aliciados para trabalhos análogos à escravidão em confecções no estado de São Paulo.
Certamente as configurações atuais do tráfico de pessoas são decorrências de processos contemporâneos como, por exemplo, o fato de esse crime ser potencializado pelas novas tecnologias da comunicação e contar com meios de transporte mais eficiente para deslocar as vítimas7,
o que traz à luz os três eixos de atuação para o enfrentamento ao comércio de pessoas: prevenção, repressão e atendimento às vítimas.
Reconhecendo o papel da tecnologia tanto na facilitação quanto no combate ao tráfico de pessoas, organizações internacionais têm adotado medidas para enfrentar esse desafio. A Organização Internacional para as Migrações (OIM), em parceria com a Microsoft, lançou uma base de dados pública sobre tráfico de pessoas, utilizando tecnologia avançada para coletar e analisar informações, visando aprimorar as estratégias de prevenção e combate a esse crime, Ela oferece, em primeira mão, informações cruciais sobre o perfil sociodemográfico das vítimas, os tipos de exploração e o processo do tráfico, incluindo meios de controle usados com as vítimas – informações vitais que são necessárias para melhor assistir os sobreviventes e indiciar os criminosos.
No Brasil, o tráfico de pessoas é tratado como crime no Código Penal, especificamente no artigo 149-A, que tipifica o crime e o pune. Em legislação específica, existe a Lei nº 13.344/2016, a qual regulamenta as disposições sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas, alinhando-se às diretrizes do Protocolo de Palermo (2000), adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Globalmente, o Protocolo de Palermo é a principal referência ao se falar em perspectiva jurídica, e ele complementa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, definindo padrões para prevenção e punição contra o tráfico de pessoas, especialmente contra mulheres e crianças8.
Ainda no âmbito internacional, nos Estados Unidos, existe o Trafficking Victims Protection Act (TVPA), que é um marco o qual estabeleceu punições rigorosas e criou fundos para proteção e reabilitação das vítimas e da mesma forma ocorreu na União Europeia, a Diretiva 2011/36/EU, a qual fornece um quadro jurídico para prevenir o tráfico, proteger vítimas e processar criminosos.
Ocorre que socialmente, o tráfico internacional de pessoas têm impactos devastadores e traumáticos para todos – principalmente vítimas e familiares, perpetuando a desigualdade de gênero, alimentando o trabalho forçado e a exploração sexual, além de desestabilizar a comunidade.
Embora haja avanços, desafios como a identificação de vítimas e a cooperação internacional permanecem. Barreiras linguísticas-culturais, jurídicas e tecnológicas dificultam o combate ao tráfico, especialmente em fronteiras e zonas de conflito.
Iniciativas como a criação de bases de dados internacionais, capacitação de profissionais e o fortalecimento de acordos bilaterais e multilaterais são soluções práticas. Exemplos incluem o trabalho da Interpol e o fortalecimento de pactos regionais, como o Mercosul, para abordar o tráfico em contextos específicos.
O trabalho forçado é uma outra grande forma de tráfico humano, a qual submete a vítima a condições semelhantes a escravidão. Na mídia, histórias de famílias inteiras vivendo em situação de trabalho análogo a escravidão são constantemente relatadas e denunciadas, pessoas que sobreviveram nestas condições durante muitos anos e como suas histórias se destacam pela invisibilidade enfrentada pelas vítimas.
Em relação a outro grupo de vítimas, o tráfico de crianças para a adoção ilegal e exploração sexual é a grande motivação para a consumação do crime. Segundo o Diretor Executivo do Unicef:
Estima-se que 1,2 milhão de crianças em situação escassa sejam traficadas por ano dentro e fora de seu país de origem, dentre elas estão crianças em situação de rua, com dificuldades financeiras, que sofreram violência doméstica e/ou são migrantes ilegais9.
Importante destacar que, os traficantes apresentam-se como maioria dos traficados crianças e adolescentes do sexo feminino, dado que, geram lucros significativos aos operadores, sendo o gênero mais procurado no mercado sexual (DIAS, 2014).
Apesar dos esforços de várias organizações internacionais para quantificar o tráfico de crianças, este continua a ser visto como um fenômeno oculto e difícil de mensurar (Couto, 2012, Miller-Perrin e Wurtele, 2016, Murphy et al., 2015), muito por falta de dados robustos, precisos e padronizados (Brunner, 2015). Assim, muitas crianças têm dificuldade em denunciar a vitimização (Greenbaum & Crawford-Jakubiak, 2015), que podem ter diferentes motivos, tais como: suspeita da eficácia dos serviços de apoio e proteção; medo de retaliação por parte dos traficantes (Hughes & Denisova, 2001); medo de serem identificados como criminosos ou imigrantes ilegais e não como vítimas de um crime (Rafferty, 2008); vergonha e preocupação com a reação das suas famílias (Crawford & Kaufman, 2008) e da sua comunidade; e nenhuma identificação de si próprios como vítimas (Hodge & Lietz, 2007) ou da situação como exploração (Europol, 2018) (Gabriela Martinho, Mariana Gonçalves, Marlene Matos;2020)10,11.
O tráfico de órgãos e a venda ilegal também é presente e trata-se de um dos objetivos dos criminosos em diversos casos de tráfico humano, além disso, a ONU relatou que esse tipo de tráfico é lucrativo e de difícil monitoramento, e que ocorrem em casos em que as vítimas são coagidas e enganadas, e seus órgãos vendidos no mercado ilegal12.
Por último, a exploração doméstica, que na sua maioria das vezes são mulheres traficadas e obrigadas a trabalhar como empregadas domésticas, se enquadrando à situações de escravidão e trabalho forçado.
1.1 O Papel da Internet no Fomento ao Tráfico Humano: Conexões Digitais e Redes de Exploração
O Tráfico internacional de pessoas é o terceiro maior tráfico do mundo, ficando atrás do tráfico internacional de drogas e armas, e com ele, cresce a cada dia os meios de comunicação, a internet e a sua importância nos tempos atuais de todas as pessoas.
Ocorre que, com o crescimento da internet, as oportunidades de comunicação, entretenimento e até mesmo de trabalho cresceram também, todavia, a tecnologia que ora fora criada para ser um meio de auxílio bom para as pessoas, tornou-se uma facilitadora para conectividade global de forma negativa, auxiliando os criminosos na exploração da vida das pessoas, incluindo a comunicação direta com a vítima, principalmente nos casos de tráfico humano.
O tráfico de pessoas, encontrou dentro das redes sociais um aliado poderoso para recrutar e controlar vítimas vulneráveis. As redes se tornaram facilitadoras por conter as mais diversas plataformas digitais, com as mais diversas finalidades: sites de relacionamento, aplicativos de mensagens e sites de busca de emprego. Além de que, através do lado “obscuro” da internet e sites ilegais, é possível descobrir todas as informações sobre uma pessoa, fazer conexões e criar perfis falsos que passam a impressão de serem verossímeis Todos esses mecanismos unidos facilitam o processo de recrutamento ao tráfico e proporcionam aos criminosos uma forma eficiente de operar a exploração no mundo inteiro.
Com o primeiro contato e a conquista, a relação entre o traficante criminoso e a vítima, começa a ser amigável, em outros casos há a promessa de uma vida melhor com possibilidade de trabalho bem remunerado em outro país, ou até mesmo promessas de relacionamentos amorosos, ou de oportunidades de estudo. Trabalhos como modelos e a grande oportunidade de “mudança de vida” também são máscaras sociais utilizadas pelos traficantes.
Os traficantes conseguem se infiltrar nas redes sociais com uma grande facilidade, o que causa um sinal de alarme para todas as pessoas e principalmente para as autoridades, devido conseguirem acessar as plataformas e criar contato com qualquer pessoa e a qualquer momento, das mais jovens as mais idosas. Em sua maioria das vezes, procuram pessoas em estado de vulnerabilidade e em maior situação de pobreza.
Um caso muito conhecido ocorreu no ano de 2015, em que as autoridades britânicas descobriram uma rede de tráfico de humano de mulheres, os quais utilizava de sites de relacionamento para encontrar as suas vítimas. Os criminosos criavam perfis falsos em redes sociais famosas como o Tinder e o Facebook, inserindo fotos atraentes e histórias emocionantes de amor e casamento.
As vítimas do caso eram tipicamente vulneráveis e acreditavam em todas as histórias inventadas pelos traficantes, sendo convencidas a se encontrarem com eles. Quando o encontro era consumado, as vítimas eram forçadas a se prostituir em condições degradantes. A polícia descobriu o crime e prendeu os envolvidos, mas o impacto sobre as vítimas foi profundo, um trauma eterno. As histórias de mulheres da Romênia e Bulgária, enganadas por promessas de um futuro melhor, ficaram amplamente divulgadas na mídia.
Outro caso relevante ocorreu nos Estados Unidos no ano de 2017, quando a polícia descobriu uma grande rede de tráfico de mulheres latino-americanas, em que os traficantes usavam anúncios de trabalho em sites de emprego, a fim de recrutar mulheres de países como México, Honduras e El Salvador.
As mulheres vítimas eram atraídas com promessas de empregos em hotéis ou como assistentes pessoais em grandes cidades, todavia, quando chegavam ao destino, eram forçadas a trabalhar em casas de massagem e estabelecimentos de exploração sexual, tornando-se prostitutas. A investigação revelou que as vítimas estavam sempre sendo vigiadas e ameaçadas com violência. O caso chamou a atenção para o uso de plataformas de emprego, sendo uma ferramenta essencial para a exploração.
1.2 O Impacto da Internet no Tráfico de Crianças e Adolescentes
O tráfico de crianças e adolescentes cresce a cada dia, principalmente com o aumento do uso das redes sociais pelos menores de idade, permitindo aos criminosos uma aproximação direta com as vítimas, os quais criam relações de confiança, podendo ser através de jogos ou aplicativos.
De acordo com o National Center for Missing & Exploited Children (NCMEC), cerca de 1 em cada 7 crianças nos Estados Unidos já foi abordada por traficantes de forma online com intenções de tráfico sexual (NCMEC, 2019).
Repercutiu o caso de uma jovem de 15 anos, que foi sequestrada após ser aliciada por um homem em um jogo online, infelizmente uma situação como essa ocorreu para trazer à tona a vulnerabilidade dos adolescentes em plataformas digitais. A menina foi atraída por diversas promessas, e felizmente foi resgatada. O caso deixou claro a necessidade de medidas mais eficazes para proteção das crianças e jovens dentro da internet, sendo os principais responsáveis os pais13.
1.3 O papel da Dark Web na atividade criminosa
A internet cresceu exponencialmente nas últimas décadas, e revolucionou a comunicação e o acesso à informação. Conforme destacado anteriormente no texto, a criação da Dark Web em 1990, que é um conjunto de sites ocultos na internet e que só podem ser acessados por navegadores especializados, tornou o tráfico de pessoas algo mais simples, sendo ela uma plataforma significativa para a perpetração do tráfico de pessoas, oferecendo anonimato e alcance global aos traficantes.
A Dark Web, uma parte oculta da internet acessível apenas por meio de softwares específicos, é notória por abrigar atividades ilícitas, através dela, os criminosos conseguem traficar em mercados clandestinos, e por estarem ocultos, tem uma maior facilidade de compra e venda de pessoas para os fins de exploração sexual, trabalho forçado e todas as outras formas de abuso descritas no artigo.
Por ser uma plataforma com natureza anônima, a Dark Web dificulta a identificação e o rastreamento dos criminosos, tornando-a um refúgio para esse crime, além de que estudos indicam que essa plataforma auxilia a prática do tráfico de pessoas na internet, ampliando o alcance e a sofisticação das redes criminosas, onde os criminosos conseguem conter informações sobre as pessoas de forma ilegal, facilitando a identificação das vítimas e as suas vulnerabilidades.
Existem diversos casos de leilões de mulheres dentro da Dark Web, mulheres que foram sequestradas e leiloadas dentro do site, que é uma suposta organização chamada de “Black Death”, no qual existe um grupo de criminosos que sequestram e vendem pessoas dentro de leilões que ocorrem dentro do site.
Um caso que repercutiu foi o da jovem Nicole, que teve imagens expostas dentro do site, nas quais aparecia amarrada e sem roupa, sendo leiloada pelo valor de 150 mil dólares, mas não se sabe ao certo o que aconteceu com ela. Além desse caso, existe o caso da modelo Chloe Ayling, uma modelo que foi sequestrada, drogada e colocada em uma mala para ser vendida dentro do leilão14.
1.4 As Redes Sociais e a Tecnologia no combate ao Tráfico Internacional de Pessoas
Apesar de serem sempre associadas a uma forma de auxílio ao crime de tráfico humano, as redes sociais também podem ser ferramentas poderosas para conscientização, prevenção e proteção de diversas pessoas, podendo auxiliar na educação das vítimas e com o fornecimento de mecanismos para identificação de situações de riscos.
Com as informações que possuem nos tempos atuais, muitas organizações governamentais e não governamentais utilizam das redes sociais para divulgar informações sobre o tráfico de pessoas, compartilhando sinais de alerta e orientações sobre como evitar situações perigosas. Campanhas digitais, como a #EndHumanTrafficking e #RedFlagCampaign, as quais ajudam a conscientizar o público na identificação de abordagens suspeitas e denúncias de comportamentos de possíveis aliciadores criminosos.
É evidente que a internet tem sido utilizada como um instrumento para a conexão entre traficantes e vítimas. A prática de criar perfis falsos por parte dos aliciadores destaca a necessidade de maior cautela ao interagir com pessoas desconhecidas nas redes sociais. Recomenda-se verificar a veracidade dos perfis, analisando informações como a consistência dos dados apresentados, a lista de seguidores, as datas de publicações, bem como sinais de abordagem suspeita, como perguntas excessivamente pessoais ou promessas irreais de oportunidades de trabalho ou relacionamentos.
Quando alertados, os usuários podem denunciar esses perfis às plataformas e autoridades, ajudando a descobrir as grandes redes criminosas que existem e cooperar para um fim próximo nestas organizações.
As plataformas de redes sociais possuem ferramentas para bloquear e denunciar usuários suspeitos, e com a identificação, os algoritmos avançados são utilizados para identificar conteúdos relacionados a tráfico humano e removê-los rapidamente. O uso de inteligência artificial ajuda a detectar padrões de aliciamento e prevenir que criminosos acessem suas potenciais vítimas.
Em 2021 ocorreu o caso de uma jovem estadunidense, resgatada após usar um sinal ensinado em campanhas digitais para solicitar ajuda. A jovem reproduziu o gesto que foi amplamente divulgado dentro da plataforma do TikTok, que indicava que estava em perigo, o que levou um motorista atento a chamar a polícia. A jovem havia sido aliciada online por um homem que prometeu um emprego inexistente.
Um outro caso muito importante foi o uso do Twitter e do Facebook por ONGs para realizar o rastreamento de perfis de traficantes oferecendo empregos falsos para migrantes.
As redes sociais, quando usadas de forma consciente, tornam-se aliadas poderosas na luta contra o tráfico humano internacional, promovendo educação digital, denuncia de perfis suspeitos e apoio a campanhas de conscientização, que são passos essenciais para proteção de indivíduos vulneráveis e ao impedimento de que criminosos usem essas plataformas para seus fins, mas que tenham medo delas.
As redes não são apenas um campo de vulnerabilidade, mas também uma arma importante de proteção para empoderar e proteger potenciais vítimas, principalmente as mais vulneráveis, bem como educar usuários, aprimorar tecnologias e promover ações colaborativas, e assim promover transformações nesses espaços digitais, e transformas as plataformas de redes sociais em aliados contra o tráfico de pessoas internacional.
Ademais, a Coordenação-Geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública (CGETP/MJSP) lançou no final do ano de 2022, o Sistema de Informações sobre Tráfico de Pessoas (SiSETP) e o Manual de Prevenção ao Contrabando de Migrantes, em parceria com a Organização Internacional para Migrações (OIM) e o Programa Eurofront, financiado pela União Europeia.
O Sistema de Informações sobre Tráfico de Pessoas foi desenvolvido com o objetivo de suprir a necessidade de informações e estatísticas sobre o tráfico de pessoas, bem como, fortalecer o enfrentamento desse crime, com ações de prevenção, repressão e proteção às vítimas.
1.5 A Prevenção e o Combate Ao Tráfico Internacional De Pessoas
O primeiro passo para combater o crime de tráfico internacional de pessoas é entender e reconhecer a gravidade e a complexidade de executar a união da sociedade e os governos internacionais, para conseguir identificar formas eficazes de conscientização, investigação dos criminosos e coibir a proliferação de grupos que possuem o objetivo de executar o crime. Diante disso, a sociedade poderá avançar rumo a preservação da dignidade humana, independente das vulnerabilidades presentes na sociedade.
É essencial que os governos, as organizações internacionais, as empresas de tecnologia e a sociedade civil se aliem no objetivo de desmantelar redes criminosas e garantir a proteção das vítimas, restando claro que a cooperação internacional é o foco principal para o enfrentamento de um crime tão grande como esse, que atinge diretamente o ser humano e todos os seus direitos.
A troca de informações entre os governos e os países é um elemento importante para o combate eficientemente do tráfico humano, além dos investimentos em tecnologia e inteligência artificial que podem ser utilizados para o rastreamento e desmantelamento das redes criminosas que operam no ambiente digital. No Brasil, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas15 (Decreto nº 5.948/2006) é um exemplo de como o Estado pode agir de forma estruturada e coordenada.
O combate ao tráfico humano na era digital exige uma abordagem multifacetada e multidimensional, que inclua prevenção, repressão e assistência às vítimas. Diversas medidas preventivas devem focar na educação e conscientização das comunidades vulneráveis que são os focos dos criminosos, além de promover a regulação e o monitoramento das plataformas digitais, principalmente das crianças e adolescentes.
As autoridades precisam intensificar a fiscalização das plataformas digitais, monitorando e identificando comportamentos suspeitos, ainda, a conscientização e educação sobre os perigos da internet são importantes, principalmente para as crianças e adolescentes, bem como os migrantes e pessoas em situação de pobreza.
O combate ao tráfico humano na era digital é desafiador, diante da natureza descentralizada, principalmente de sites como a Dark Web que se torna uma aliada dos criminosos que se utilizam de outras redes sociais, dificultando a identificação e a interrupção das atividades dos traficantes. Todavia, as autoridades vêm se esforçando para enfrentar essa grande ameaça.
Organizações internacionais, como o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), destacam a necessidade de uma abordagem coordenada que inclua a colaboração entre governos, setor privado e sociedade civil. Isso envolve o monitoramento de plataformas online, campanhas de conscientização e o fortalecimento de legislações para responsabilizar os perpetradores.
No mais, há diversas estratégias que podem ser tomadas pelos governos, a fim de prevenir e combater o tráfico humano, como as companhas educativas nas escolas, principalmente para as que possuem crianças mais vulneráveis, o fortalecimento de políticas, com o aprimoramento de leis que criminalizem e coibam amplamente o tráfico humano, além de fiscalização rigorosa em fronteiras, portos, aeroportos e redes sociais.
Ocorre que, além das novas estratégias, resta sabido que o tráfico humano ocorre, e devem ser criadas formas de proteção e apoio as vítimas que foram resgatadas e estão fragilizadas como por exemplo centro de acolhimentos, que contenham suporte psicológico, médico e jurídico, especialmente todo o suporte gratuito.
Grandes organizações internacionais como a OIT e a Interpol focam em criar campanhas de prevenção e parcerias com empresas de tecnologia para identificar e bloquear sites e perfis usados por traficantes.
1.6 A vulnerabilidade social, econômica e de gênero no tráfico de pessoas
A Pesquisa de Avaliação de Necessidades sobre o Tráfico Internacional de Pessoas e Crimes Correlatos apontou que os maiores alvos dos criminosos são as mulheres, com a finalidade de exploração sexual. (“Mulheres correspondem a 96,36% das vítimas de tráfico internacional de pessoas”, 2022)
Através de análise quantitativa e qualitativa de processos judiciais que não estão sob segredo de justiça, é possível extrair a ideia de que mulheres são o alvo mais procurado pelos traficantes, e a grande maioria dos processos que foram examinados constatam, em 97,22%, exclusivamente acusações da prática de tráfico para fins de exploração sexual, sendo a Espanha o destino principal das vítimas. Por outro lado, as mulheres também se destacam na figura do réu, superando os homens em cerca de 10%, de acordo com a pesquisa.
A impunidade também é um fator que se destaca. Ainda de acordo com a pesquisa, dos casos analisados, 26% deles os réus foram absolvidos por insuficiência de provas, o que levanta a problemática de que, talvez, a legislação brasileira não esteja ainda preparada para a complexidade sociológica do tráfico humano, visto que, no tocante ao consentimento – muitas vezes o “abolitio criminis16” dos processos criminais sobre o tema – a lei muitas vezes pode ser omissa e retrógrada, visto que não fala de sua irrelevância, enquanto a legislação internacional o faz desde 1910, com a Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de Escravas Brancas (Almeida e Teresi, 2018, p.274). A celeridade dos processos também não se demonstrou coerente com a dimensão da gravidade do crime, uma vez que a média de duração dos processos foi de 10 (dez) anos até a ação transitar em julgado. As motivações para a demora envolvem a dificuldade de citar os réus, que muitas vezes estão fora do país.
O consentimento dado pelas vítimas muitas vezes é entendido como existente diante da falta de grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso de alguns casos, pois, a nova lei 13.344/16 não considera mais crime a conduta que não contenha esses fatores. Contudo, observa-se que não se trata de uma legislação realista diante do crime. Os cenários para a consumação do delito são inúmeros, e descartar a vulnerabilidade das vítimas – geralmente mulheres em situação de pobreza, vislumbradas com a promessa da oportunidade de um futuro promissor – acaba subestimando as interações sociais humanas e seus resultados. O tráfico humano se consuma muito além da conduta violenta, por estar muitas vezes ligado a falta de consciência de uma parcela relevante da sociedade – somente no Brasil, há cerca de 70 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade social17 – em diferenciar a verdade do engano, muitas vezes não há necessidade de qualquer conduta violenta para traficar uma pessoa.
Restou evidente que no combate ao tráfico humano dentro das redes sociais, é essencial adotar estratégias integradas que envolvam a tecnologia, educação e cooperação institucional por parte das próprias “big techs”. Primeiramente, as plataformas deveriam aprimorar sistemas de inteligência artificial e análise de dados para identificar padrões suspeitos, bloqueando automaticamente e reportando às autoridades – que por sua vez, devem estar preparadas para administrar casos assim.
Paralelamente, campanhas de conscientização podem educar usuários sobre os sinais, “bandeiras vermelhas” e incentivar a denúncia por meio de canais confiáveis. Parcerias entre governo, ONGs e empresas de tecnologia são fundamentais para coordenar ações rápidas. Por fim, o apoio jurídico e psicossocial às vítimas, aliado à penalização efetiva dos responsáveis, reforça a discussão para garantir que as redes sociais sejam ambientes mais seguros e vigilantes.
CONCLUSÃO
Em resumo, embora as mídias sociais e outras tecnologias digitais tenham sido instrumentalizadas por traficantes para expandir e sofisticar suas operações, elas também oferecem ferramentas potenciais para combater o tráfico de pessoas. É essencial que governos, organizações internacionais e empresas de tecnologia colaborem para desenvolver e implementar soluções que protejam os indivíduos vulneráveis e desarticulem as redes criminosas que se beneficiam dessas plataformas.
1BRAZIL, U. S. M. Relatório sobre o Tráfico de Pessoas 2022 – Brasil. Disponível em: <https://br.usembassy.gov/pt/relatorio-sobre-o-trafico-de-pessoas-2022-brasil/>.
2OIT: 50 milhões de pessoas no mundo são vítimas da escravidão moderna. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/198847-oit-50-milh%C3%B5es-de-pessoas-no-mundo-s%C3%A3o
v%C3%ADtimas-da-escravid%C3%A3o-moderna?utm_source= >. Acesso em: 29 jan. 2025.
3VIGNOLI, R. G.; MONTEIRO, S. D. Deep Web e Dark Web: similaridades e dissiparidades no contexto da Ciência da Informação. Transinformação, v. 32, 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/tinf/a/8QrnXfB7VXrG4G6ywmhZngK/?format=pdf
4DE, T. Disponível em:<https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2021/07/30/trafico-de-pessoas-saiba-comoreconhecer-esse-crime-e-onde-denunciar-os-casos-no-amapa.ghtml>. Acesso em: 27 jan. 2025.
5A engenharia social é um método usado para enganar, manipular ou explorar a confiança das pessoas. É uma forma de ataque sem violência física que busca fazer com que a vítima realize voluntariamente ações prejudiciais a si mesma.
6Tráfico de Pessoas. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/trabalho-escravo-e-traficode-pessoas/trafico-de-pessoas/>
7BRASIL. SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA; INSTITUTO DE ESTUDOS DIREITO E CIDADANIA (BRASIL. Tráfico de pessoas : uma abordagem para os direitos humanos. Brasília: Snj, Secretaria Nacional De Justiça, Ministério Da Justiça, 2013
8Protocolos de Palermo na prática: a experiência da Rede Ibero-Americana de Procuradores contra o Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes (REDTRAM). Disponível em: <https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2020/10/protocolos-de-palermo-na-pratica-a-experiencia-darede-ibero-americana-de-procuradores-contra-o-trafico-de-pessoas-e-contrabando-de-migrantes-redtram.html>
9SOARES, Y.; CAMILLA MARTINS CAVALCANTI; VANESSA. Comercialização Obscura na Era Digital: o tráfico internacional de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual no brasil à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Zenodo (CERN European Organization for Nuclear Research), 26 jul. 2023
10 MARTINHO, G.; GONÇALVES, M.; MATOS, M. Child trafficking, comprehensive needs and professional practices: A systematic review. Children and Youth Services Review, v. 119, p. 105674, dez. 2020. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0190740920320971>
11SOARES, Y.; CAMILLA MARTINS CAVALCANTI; VANESSA. Comercialização Obscura na Era Digital: o tráfico internacional de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual no brasil à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Zenodo (CERN European Organization for Nuclear Research), 26 jul. 2023.
12Falta informação sobre tráfico de seres humanos para remoção de órgãos, diz relatora da ONU. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/66367-falta-informa%C3%A7%C3%A3o-sobre-tr%C3%A1fico-deseres-humanos-para-remo%C3%A7%C3%A3o-de-%C3%B3rg%C3%A3os-diz-relatora-da-onu?utm_source >. Acesso em: 29 jan. 2025.
13CLAUDINEY COSTA (RATO. Menina de 14 anos sequestrada em Toledo após jogo online é resgatada de cativeiro em SC. Disponível em: . Acesso em: 29 jan. 2025.
14LEE. Chloe Ayling: Drugged and kidnapped model says people still call her a liar years on. 11 ago. 2024.
15Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. , 26 out. 2006. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5948.htm>. Acesso em: 21 out. 2025
16Ocorre a chamada abolitio criminis quando o Estado, por razões de política criminal, entende por bem em não mais considerar determinado fato como criminoso.
17TODA, D. Brasil tem melhor Índice de Vulnerabilidade Social desde 2018, mas 70 milhões ainda vivem na pobreza. Disponível em: <https://sbtnews.sbt.com.br/noticia/brasil/brasil-tem-melhor-indice-devulnerabilidade-social-desde-2018-mas-70-milhoes-ainda-vivem-na-pobreza>. Acesso em: 29 jan. 2025.
REFERÊNCIAS
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VIGNOLI, R. G.; MONTEIRO, S. D. Deep Web e Dark Web: similaridades e dissiparidades no contexto da Ciência da Informação. Transinformação, v. 32, 2020.