FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA ATUAR COM EDUCAÇÃO DE SURDOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202504071341


Ariany Palhares de Oliveira Borges Vicente
Mayara Laura Rocha Rossi Martins


RESUMO:  

A inclusão escolar é um tema de grande relevância no cenário educacional contemporâneo, especialmente no que se refere à educação de surdos. A formação de professores para atuar nesse contexto é essencial para garantir a efetivação de práticas pedagógicas inclusivas, possibilitando a aprendizagem dos alunos surdos de forma equitativa. Diante disso, este estudo tem como objetivo geral compreender a importância do conhecimento em Libras para professores que atuam ou pretendem atuar com alunos surdos na Educação Básica. Para isso, a pesquisa adota uma abordagem qualitativa e bibliográfica, fundamentada em livros, artigos científicos e documentos institucionais que discutem a formação docente e a educação bilíngue para surdos. Os resultados evidenciam que, apesar dos avanços legais, como a Lei nº 10.436/2002 e o Decreto nº 5.626/2005, ainda existem desafios na formação de professores, principalmente no que se refere à carga horária da disciplina de Libras e à necessidade de formação continuada. Além disso, destaca-se a importância de um currículo estruturado que contempla a Libras não apenas como disciplina teórica, mas também como prática essencial no cotidiano docente. Conclui-se que a educação bilíngue para surdos depende diretamente de professores fortalecidos, sendo imprescindível investir na capacitação inicial e continuada dos docentes para garantir um ensino inclusivo e de qualidade. Espera-se que esta pesquisa contribua para o debate sobre a formação docente na perspectiva da inclusão, estimulando a adoção de estratégias pedagógicas mais eficazes na educação de surdos.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Formação de professores. Educação de surdos.

ABSTRACT:

School inclusion is a topic of great relevance in the contemporary educational scenario, especially with regard to deaf education. Training teachers to work in this context is essential to ensure that inclusive pedagogical practices are put into effect, enabling deaf students to learn in an equitable manner. In view of this, the general objective of this study is to understand the importance of knowledge in Libras for teachers who work or intend to work with deaf students in Basic Education. To this end, the research adopts a qualitative and bibliographical approach, based on books, scientific articles and institutional documents that discuss teacher training and bilingual education for the deaf. The results show that, despite legal advances, such as Law No. 10.436/2002 and Decree No. 5.626/2005, there are still challenges in teacher training, especially with regard to the workload of the Libras subject and the need for continuing training. In addition, the importance of a structured curriculum that includes Libras not only as a theoretical subject, but also as an essential practice in everyday teaching is highlighted. The conclusion is that bilingual education for the deaf depends directly on strengthened teachers, and it is essential to invest in initial and ongoing teacher training to ensure inclusive, quality teaching. It is hoped that this research will contribute to the debate on teacher training from the perspective of inclusion, stimulating the adoption of more effective pedagogical strategies in deaf education.

KEYWORDS: Education. Teacher training. Deaf education.

1 INTRODUÇÃO

De acordo com Lima (2019), a formação de professores para a educação de surdos tem ganhado cada vez mais relevância nos últimos anos, principalmente devido à necessidade de incluir a disciplina de Libras nos cursos de licenciatura. Esse debate influencia diretamente o processo de ensino-aprendizagem e destaca a importância da qualificação docente para atender às demandas da comunidade surda, que compõe uma minoria linguística dentro de uma sociedade predominantemente ouvinte. Para avançar nessa questão, é essencial desconstruir concepções históricas equivocadas, considerando que, no passado, os surdos foram submetidos ao método oralista. Dessa forma, reconhecer as diferenças linguísticas e culturais é indispensável para evitar a patologização da surdez.

Embora a inclusão escolar seja um processo contínuo, é fundamental garantir aos estudantes surdos o acesso à cultura surda, à Libras e aos elementos que fortalecem sua identidade bilíngue, conforme estabelecido pelo Plano Nacional de Educação (Brasil, 2019). Nesse contexto, a formação docente deve oferecer uma base sólida, permitindo que os professores compreendam a realidade na qual irão atuar e desenvolvam uma preparação teórico-científica consistente. Esse preparo possibilita a constante adaptação de práticas pedagógicas, a revisão de conteúdos e a reformulação de metodologias de ensino, sempre priorizando as necessidades dos alunos.

A formação de professores deve ser contínua e progressiva, evoluindo com a inovação e superação dos desafios educacionais. A educação deve ser compreendida não apenas como um processo de integração, mas como um modelo de inclusão fundamentado nos direitos humanos, assegurando a permanência e o sucesso escolar de todos os estudantes. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), em seu artigo 59, determina que os sistemas de ensino devem oferecer currículos, metodologias, recursos e formas organizacionais específicas para atender às necessidades dos alunos, levando em consideração suas particularidades, aspirações e contexto de vida e trabalho, além de estabelecer processos avaliativos próprios.

Historicamente, surgiram escolas, classes e instituições especializadas para atender pessoas com necessidades educacionais específicas. No entanto, há um reconhecimento crescente da importância de promover espaços educacionais inclusivos, onde todos possam interagir. Stumpf (2004, p. 144) enfatiza que “a escola é um espaço privilegiado que deve proporcionar a seus alunos […] as situações necessárias e essas interações significativas […] que darão início e continuidade a seus processos de aprendizagem”.

Nesse sentido, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Especial, elaborou a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), com o objetivo de implementar políticas públicas que garantam um ensino de qualidade acessível a todos. Para alcançar essa meta, é essencial que as instituições de ensino estejam estruturadas para receber todos os estudantes, oferecendo um ensino qualificado e contando com profissionais capacitados para atender às necessidades educacionais específicas de cada aluno.

A justificativa para esta pesquisa baseia-se na experiência prévia do pesquisador com a educação básica e na necessidade de compreender a formação de professores voltada para a educação de surdos, que deve estar bem fundamentada e estruturada. Diante desse cenário, surge a seguinte questão norteadora: como ocorre a formação de professores para atuar na educação de surdos?

Para responder a essa indagação, o estudo estabelece como objetivo geral compreender a relevância do conhecimento em Libras para professores que atuam ou desejam atuar com alunos surdos na educação básica. Os objetivos específicos incluem: a) analisar a inclusão da disciplina de Libras nos cursos de graduação e b) destacar a importância da formação continuada

Metodologicamente, a pesquisa adota um caráter bibliográfico, baseando-se em materiais já publicados, como livros, artigos científicos, documentos de eventos acadêmicos e dissertações (Gil, 2002). Além disso, emprega uma abordagem qualitativa, que busca responder a questões específicas e, dentro das ciências sociais, examina aspectos da realidade que não podem ser mensurados quantitativamente, abordando a subjetividade do objeto de estudo (Minayo, 2012).

Espera-se que esta pesquisa contribua para a reflexão sobre a importância de uma formação docente sólida, tanto na fase inicial quanto na formação continuada. O objetivo é que os professores adquiram conhecimentos que os preparem para atuar em diferentes espaços educacionais, incluindo a educação básica e o ensino superior. Dessa forma, o estudo busca fomentar um olhar mais atento sobre a qualificação docente na educação de surdos, promovendo práticas pedagógicas mais inclusivas

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 BREVE CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL

Para compreender a evolução da educação de surdos no Brasil, é fundamental resgatar a forma como a surdez era percebida historicamente pela sociedade. A visão sobre os surdos foi marcada por um longo período de preconceito e incompreensão. No século IV aC, o filósofo Aristóteles chegou a afirmar que os surdos não poderiam ser considerados humanos devido à ausência da linguagem oral (Souza, 2018). Essa ideia perdurou por muitos séculos, refletindo a marginalização desses indivíduos.

A educação de surdos começou a ser pensada a partir de provas iniciais de comunicação e ensino, com destaque para os pioneiros como Pedro Ponce de Léon, John Bulwer e Juan Pablo Bonet. A contribuição de Michel de L’epé, francês que desenvolveu um método gestual para facilitar a comunicação, também foi crucial para a educação dos surdos, sendo um marco importante para a evolução do ensino.

No Brasil, o marco inicial da educação de surdos ocorreu em 1857, com a criação do Instituto Imperial de Surdos-Mudos, durante o reinado de Dom Pedro II. Este instituto foi um importante centro educacional, referência para a América Latina, recebendo alunos surdos de diversas partes do continente, especialmente de famílias de classe alta (Souza, 2018). O Instituto funcionava com a proposta de ensinar o surdo através da oralidade, prática que dominava a educação de surdos por muitos anos, e que seria contestada posteriormente.

Durante o século XX, o movimento surdo ganhou força, buscando reconhecimento e garantia de seus direitos. A década de 1990 foi crucial nesse processo, com a luta pelo reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como uma língua legítima e, portanto, um direito dos surdos ao acesso à educação. Os surdos passaram a reivindicar o uso da Libras nas escolas, como ferramenta essencial para o aprendizado e a comunicação, em detrimento dos métodos oralistas que predominavam até então.

A educação dos surdos no Brasil foi descrita por três fases principais. A primeira fase, denominada oralista , foi marcada pela imposição da fala como principal forma de comunicação e ensino. Durante essa fase, o uso da língua de sinais era proibido, e o foco estava na tentativa de “normalizar” os surdos, resgatando sua capacidade de falar. No entanto, o oralismo trouxe graves consequências para o aprendizado dos surdos, como revela Sacks (2002), que aponta o iletramento funcional de muitos surdos, devido à supressão da língua de sinais e à imposição da oralidade.

A segunda fase foi marcada pelo português sinalizado , um método que procurava conciliar o uso da língua de sinais com o ensino da língua oral, com o objetivo de permitir que o surdo se comunicasse de maneira mais eficiente. Porém, a proposta ainda estava longe de ser ideal, pois não considerava a riqueza e a estrutura própria da língua de sinais.

Uma terceira fase, que ainda está em processo, envolve uma transição para uma educação bilíngue, onde a Língua de Sinais é reconhecida como língua oficial e é utilizada como meio de ensino. A partir da década de 1980, o movimento surdo começou a conquistar avanços importantes, e a partir de 2002, a Libras foi oficialmente reconhecida como a língua dos surdos brasileiros. O uso do sinal, como apontam Mori e Sander (2015), é visto como uma forma mais natural e eficaz de comunicação e ensino para os surdos.

Quadros e Karnopp (2004) destacam que, de acordo com a linguística, as línguas de sinais, como a Libras, são línguas naturais que possuem todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, com léxico, sintaxe e a capacidade de gerar uma especificidade de sentenças. Portanto, a surdez deve ser compreendida não como uma deficiência, mas como uma condição que faz parte de uma cultura linguística e social específica. Nesse sentido, a surdez não deve ser vista como um impedimento para o aprendizado e o desenvolvimento intelectual.

É importante, então, destacar a luta do movimento surdo para o reconhecimento de sua língua como uma língua minoritária, mas legítima, que deve ser respeitada e valorizada. Essa perspectiva traz uma ruptura com a visão tradicional que associava a surdez à deficiência intelectual. Como apontam Duffy (1987) e Sousa e Barreiros (2020), o modelo bilíngue, que integra a Libras e o português, é uma forma mais eficaz e inclusiva de ensinar os surdos, proporcionando-lhes as ferramentas facilitadas para sua inserção plena na sociedade.

Por fim, a educação de surdos no Brasil tem sido marcada por avanços inovadores, mas também por desafios contínuos. A transição do oralismo para a facilidade da língua de sinais e a implementação de uma educação bilíngue representam conquistas importantes para a comunidade surda, que continua a lutar por seus direitos e pela plena inclusão social e educacional.

2.2 A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA

A formação continuada no ensino de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) é de extrema importância para garantir uma educação inclusiva e de qualidade para alunos surdos, sendo um fator fundamental para o desenvolvimento de práticas pedagógicas eficazes e para a promoção de um ambiente educacional acessível. A educação de surdos no Brasil, registrando LIBRAS como língua oficial para a comunicação e ensino de surdos, exige que os educadores possuam não apenas uma competência linguística, mas também uma abordagem pedagógica e cultural apropriada. O conceito de formação continuada, conforme Dorziat (2011), pode ser entendido como um processo contínuo e intencional de atualização e aprimoramento das competências dos educadores, permitindo a adaptação às novas demandas educacionais, sociais e culturais. No caso do ensino de LIBRAS, essa formação deve ser contínua, proporcionando aos professores as ferramentas necessárias para atender de maneira eficaz e inclusiva às necessidades dos alunos surdos.

No Brasil, a educação de surdos e o uso da LIBRAS como língua oficial no ambiente escolar são regulamentados por leis, como a Lei nº 10.436/2002, que formaliza o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais como meio de ensino e comunicação para os surdos. Essa legislação destaca a relevância de um modelo educacional bilíngue para a população surda, no qual a LIBRAS é considerada sua língua nativa, enquanto a Língua Portuguesa é aprendida como segunda língua.

Para que esse modelo educacional seja bem-sucedido, os professores precisam estar preparados tanto em termos de domínio linguístico de LIBRAS quanto nas metodologias pedagógicas adequadas, tendo uma visão inclusiva que valorize as especificidades culturais da comunidade surda. Segundo Mourão e Branco (2022), a Libras deve ser vista não apenas como uma língua de comunicação, mas como um veículo cultural, que carrega consigo as histórias, valores e identidades dos surdos. A formação continuada, portanto, precisa integrar esses aspectos, buscando uma ampla compreensão sobre a experiência e as demandas educacionais específicas.

A formação de professores de LIBRAS no Brasil ainda enfrenta diversos desafios. Navegantes; Kelman e Iveniki (2016), muitos educadores de surdos no país possuem formação insuficiente na língua de sinais, o que compromete a qualidade do ensino. Embora existam programas de formação em LIBRAS, muitos deles são de curta duração e não abrangem todos os aspectos necessários para uma atuação plena no ensino de surdos. Isso gera uma lacuna significativa nas práticas pedagógicas, pois os educadores não precisam apenas dominar a língua de sinais, mas também exceções de uma formação sólida em estratégias pedagógicas adaptadas à realidade dos alunos surdos. Como apontam Paiva, Faria e Chaveiro (2018), a formação precisa incluir também a abordagem da cultura surda, que vai além do aprendizado de uma língua, integrando uma visão de mundo própria dos surdos. A educação deve promover a inclusão dessa cultura no currículo escolar, confirmando e respeitando a identidade dos alunos surdos, evitando práticas de medicalização da surdez e, em vez disso, adotando uma perspectiva cultural.

Além das habilidades linguísticas, a capacitação contínua deve preparar os educadores para a implementação de práticas pedagógicas que envolvem o uso da LIBRAS de maneira fluida e eficaz, respeitando as particularidades dos alunos surdos. A educação de surdos deve ser pautada pelo reconhecimento de que os alunos possuem uma língua própria e, portanto, devem ter o direito de aprender de acordo com ela. A prática pedagógica deve ser projetada para que a LIBRAS seja usada não apenas como meio de comunicação, mas como o ponto de partida para todo o aprendizado, inclusive o da Língua Portuguesa como segunda língua. O trabalho pedagógico, segundo Almeida (2012), deve buscar o desenvolvimento de competências nos alunos surdos, não só linguísticas, mas também cognitivas e sociais, para que se sintam parte integrante do processo educativo.

A cultura surda também deve ser parte integrante do currículo, pois, como destacam Paiva, Faria e Chaveiro (2018), a identidade surda é um aspecto que precisa ser respeitado no contexto educacional. Ao valorizar a cultura surda, os educadores elevados para a construção de uma identidade positiva nos alunos e favorecem o fortalecimento da autoestima. A surdez, quando entendida como uma característica cultural e não como uma deficiência a ser corrigida, contribui para a construção de uma sociedade mais justa, onde as diferenças são reconhecidas e respeitadas. Assim, a formação continuada deve abordar, de forma aprofundada, a importância de integrar os aspectos culturais da comunidade surda no ambiente escolar, promovendo a inclusão não apenas da língua, mas também das práticas sociais e educacionais da comunidade.

Outro ponto essencial para o sucesso da formação continuada no ensino de LIBRAS é a utilização de estratégias pedagógicas que integram o uso de tecnologias assistivas, materiais didáticos adaptados e práticas inovadoras que favorecem o aprendizado dos alunos surdos. A formação dos professores deve incluir, portanto, a capacitação para o uso de tecnologias educacionais que tornem o ensino mais acessível, como softwares de tradução e recursos multimídia, além de garantir a presença de intérpretes de LIBRAS, caso necessário. O uso dessas ferramentas auxilia na promoção de um ensino mais dinâmico e eficiente, que respeite as diferentes formas de aprendizagem dos alunos surdos.

A formação continuada, para ser eficaz, deve ser vista como um processo colaborativo, no qual os educadores analisam experiências e práticas, aprendendo uns com os outros. A troca de saberes entre profissionais da área é essencial para o aprimoramento da prática pedagógica e a criação de uma rede de apoio entre os educadores. Como destaca Dorziat (2011), essa formação deve ser refletida e permanente, oferecendo aos professores o espaço para discutir suas dificuldades e avanços, e também para ajustar suas estratégias pedagógicas. Nesse processo, a avaliação contínua das práticas é fundamental para que os educadores possam identificar o que está funcionando e o que precisa ser aprimorado, buscando sempre melhorar a qualidade do ensino.

Assim, a capacitação permanente no ensino de LIBRAS é essencial para a criação de uma educação de qualidade para os estudantes surdos. Para que esse processo seja eficaz, é necessário que ele seja permanente, interdisciplinar e integrado, abrangendo não só o domínio da língua de sinais, mas também uma profunda compreensão sobre a cultura surda e as práticas pedagógicas inclusivas. A superação dos desafios relacionados à formação de educadores exige investimentos em políticas públicas que garantam a atualização constante dos professores e a criação de programas de formação mais robustos. Além disso, é essencial que as práticas pedagógicas impostas nas escolas de surdos sejam aprovadas com os princípios da educação inclusiva, promovendo uma educação bilíngue de qualidade, que respeite e valorize a cultura e a identidade surda.

2.3 O ENSINO DE LIBRAS

O ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é uma área fundamental dentro da educação inclusiva, sendo uma das principais ferramentas para garantir a acessibilidade e a participação plena dos alunos surdos no processo educacional. Desde a aprovação da Lei 10.436/2002, que libera a Libras como a língua oficial da comunidade surda no Brasil, o ensino dessa língua tem se tornado cada vez mais necessário em diversos níveis de ensino, não apenas como meio de comunicação, mas também como um componente essencial para a formação cultural e identidade dos surdos.

A inclusão da LIBRAS nas escolas e nos cursos de formação de professores é uma das principais medidas para garantir uma educação realmente acessível para os alunos surdos. Segundo Reis (2014), a formação de professores para o ensino de LIBRAS deve ser ampliada, considerando a especificidade dessa língua e a necessidade de abordagens pedagógicas adequadas para garantir a eficácia do aprendizado. A autora argumenta que, muitas vezes, a formação inicial dos professores não é suficiente, pois não permite a aquisição plena de uma língua que possui uma estrutura e gramática própria, distinta do português.

De acordo com Godoi, Eliamar, Lima e Andrade (2020), a formação de professores para o ensino de LIBRAS deve ser entendida como um processo contínuo. Esses autores destacam que a capacitação não pode se limitar à inserção de conteúdo nos cursos de licenciatura, sendo necessário um investimento constante em cursos de formação continuada. A formação continuada permite que os professores aprofundem seus conhecimentos sobre a língua, suas nuances culturais e sociais, além de aprimorar suas práticas pedagógicas. A capacitação permanente é essencial para garantir que os docentes estejam atualizados com as novas metodologias de ensino e as necessidades da comunidade surda.

Além disso, a formação de professores para o ensino de Libras deve ser vista de maneira integrada, levando em consideração tanto o domínio da língua quanto as abordagens metodológicas adequadas ao contexto educacional. Oliveira (2019), ressalta que a formação de surdos como instrutores e professores de Libras também é um elemento essencial para a eficácia do ensino dessa língua. Esses professores surdos, muitas vezes, têm uma compreensão mais profunda e intuitiva da língua de sinais, o que pode ser um diferencial na hora de ensinar alunos ouvintes e surdos, principalmente nas escolas bilíngues.

Guimarães et al. (2019), enfatizam a importância dos intérpretes de LIBRAS/português no processo de ensino-aprendizagem. Eles argumentam que o papel desses profissionais vai além da tradução simples, sendo uma ferramenta fundamental para a mediação linguística no ambiente escolar. No entanto, a dependência excessiva de intérpretes pode ser prejudicial para a autonomia dos alunos surdos. Por isso, os professores precisam ser capacitados para interagir diretamente com os alunos surdos, desenvolvendo estratégias de comunicação práticas que não se limitam ao trabalho do intérprete.

A implementação do ensino de Libras também envolve um olhar atento para a criação de um ambiente escolar bilíngue. A literatura surda, por exemplo, é uma importante ferramenta no processo de aprendizagem, proporcionando uma visão rica da cultura surda e reforçando a identidade dos alunos. A inclusão de obras literárias na língua de sinais, bem como a promoção de eventos culturais voltados para a comunidade surda, contribui para a formação de um espaço educacional realmente bilíngue, onde tanto o português quanto a Libras são valorizados.

A utilização de metodologias específicas para o ensino de LIBRAS também é fundamental. Tais metodologias devem ser capazes de adaptar o conteúdo curricular às particularidades linguísticas e cognitivas dos alunos surdos. Nesse sentido, a aprendizagem da Libras não deve ser vista apenas como uma ferramenta de comunicação, mas como uma via de acesso à educação de qualidade, que inclui todas as áreas do conhecimento. Como afirmam Baiense, Machado e Silva (2023), é essencial que o ensino de Libras seja incorporado ao currículo de forma transversal, possibilitando a interação dos alunos surdos com os demais colegas e com os conteúdos programáticos.

Além disso, é necessário que o ensino de Libras seja promovido com a carga horária e com professores capacitados, a fim de garantir que a educação seja eficaz e inclusiva. A formação de professores, tanto ouvintes quanto surdos, precisa ser estruturada para que, ao final do processo educacional, os docentes sejam capazes de aplicar de maneira eficiente as estratégias de ensino de Libras. A implementação de metodologias de ensino bilíngues e a adoção de recursos tecnológicos para o ensino de LIBRAS também são práticas que merecem destaque. Ferramentas como vídeos e softwares educativos podem contribuir significativamente para a aprendizagem da língua de sinais, especialmente em escolas que não possuem intérpretes permanentes.

Por fim, o ensino de Libras é um componente fundamental para a inclusão educacional dos surdos e exige uma abordagem que vá além da simples transmissão de conteúdo. A formação inicial e continuada dos professores, a integração de metodologias pedagógicas adequadas e o incentivo ao desenvolvimento de um ambiente bilíngue são elementos essenciais para que uma educação surda seja eficaz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das reflexões desenvolvidas ao longo desta pesquisa, torna-se evidente a urgência de uma formação docente sólida, contínua e eficaz para atuar na educação de surdos. A inclusão educacional vai além da simples presença de alunos surdos nas salas de aula regulares; ela exige uma estrutura pedagógica e metodológica que atenda às suas necessidades linguísticas e culturais, garantindo um ensino verdadeiramente bilíngue. No entanto, para que isso ocorra, é necessário que os professores estejam preparados para interagir de maneira autônoma com a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), permitindo um processo de ensino-aprendizagem mais dinâmico e significativo.

O ensino de surdos no Brasil, em sua essência, busca integrar a comunidade surda ao mundo ouvinte, respeitando a língua e a cultura própria dessa população. A obrigatoriedade da disciplina de LIBRAS nos cursos de licenciatura representou um avanço inegável nesse processo, uma vez que possibilitou o primeiro contato dos futuros docentes com essa língua. No entanto, a carga horária reduzida e o caráter teórico da disciplina ainda são significativos para que os professores adquiram fluência na LIBRAS e desenvolvam estratégias eficazes para o ensino de alunos surdos. Embora os cursos de formação inicial forneçam uma base importante, a prática da língua e a aplicação de seus conceitos no contexto escolar bloqueiam um aprendizado contínuo, algo que a formação inicial, muitas vezes, não é capaz de proporcionar.

A formação docente não pode ser limitada a um aprendizado superficial da língua de sinais, mas deve proporcionar experiências imersivas e contínuas que tornem o professor protagonista nesse processo, em vez de um agente passivo que depende exclusivamente da mediação dos intérpretes. Em outras palavras, é fundamental que os professores de alunos surdos desenvolvam habilidades práticas de interação em LIBRAS para que possam facilitar a comunicação no ambiente escolar e, assim, se tornarem eficazes mediadores do conhecimento. Para isso, é necessário criar espaços de prática contínua, onde a utilização da língua de sinais se dê de maneira integrada ao dia a dia da sala de aula. A troca de experiências com a comunidade surda e a participação em eventos acadêmicos voltados para a inclusão também são essenciais para o enriquecimento desse processo formativo.

Nesse contexto, a formação continuada se destaca como uma necessidade urgente. O aprendizado de qualquer língua requer tempo e prática, e a LIBRAS não é diferente. Para que os educadores possam se tornar fluentes em LIBRAS e, dessa forma, promover uma educação eficaz e inclusiva, é fundamental que tenham acesso a cursos complementares, encontros com a comunidade surda e participação em eventos acadêmicos e espaços formativos. Esses ambientes devem permitir um contato real e constante com a língua e a cultura surda, com o objetivo de promover uma aprendizagem eficaz que contribua para a inclusão dos alunos surdos no ambiente escolar. Apenas dessa forma será possível construir um ambiente educacional mais inclusivo e que respeite a identidade linguística e cultural dos estudantes surdos.

Além do aspecto pedagógico, é fundamental destacar a importância da legislação vigente no reconhecimento e valorização da LIBRAS e da educação bilíngue no Brasil. A Lei nº 10.436/2002 e o Decreto nº 5.626/2005 foram marcos fundamentais para a conquista dos direitos da comunidade surda, estabelecendo diretrizes claras para a inclusão educacional. Esses documentos reconhecem a LIBRAS como língua oficial, garantindo a obrigatoriedade de sua utilização em processos educacionais. No entanto, a implementação dessas políticas enfrenta desafios importantes, como a escassez de profissionais, a resistência de algumas instituições em adotar práticas inclusivas e a falta de conscientização da sociedade sobre a importância da acessibilidade linguística. Esses obstáculos dificultam a efetivação de um ensino verdadeiramente inclusivo e bilíngue.

Dessa forma, para que a inclusão seja, de fato, uma realidade, é necessário que haja um investimento contínuo não apenas na formação de professores, mas também na criação de ambientes educacionais que respeitem e valorizem a diversidade linguística e cultural. A LIBRAS não pode ser tratada como um recurso secundário, mas sim como um direito fundamental dos alunos surdos. Garantir a igualdade de oportunidades no processo educativo implica em respeitar a língua materna dos estudantes surdos, proporcionando-lhes meios adequados para que se desenvolvam academicamente e socialmente. O ambiente escolar, portanto, deve ser adaptado para que todos os alunos, surdos e ouvintes, possam se beneficiar de um ensino de qualidade, que respeite as diversidades linguísticas e culturais.

Conclui-se, portanto, que a formação docente é o eixo central para a construção de uma educação mais equitativa e eficaz. Para que a inclusão de alunos surdos seja uma realidade plena, é fundamental que os educadores estejam preparados não apenas para ensinar a LIBRAS, mas para integrar essa língua no currículo escolar de maneira que favoreça a aprendizagem dos alunos surdos e a interação deles com os demais estudantes. Espera-se que esta pesquisa contribua para ampliar o debate sobre a necessidade de um ensino mais acessível e humanizado, incentivando o desenvolvimento de práticas pedagógicas que realmente promovam a inclusão e o protagonismo de estudantes surdos no ambiente escolar. A formação contínua dos educadores surge, assim, como um caminho imprescindível para transformar as escolas em espaços verdadeiramente inclusivos, que respeitem a identidade e os direitos dos alunos surdos.

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