REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504071330
Rodrigo Braz de Lima; Ariane Jesus de Carvalho; Clara de Araújo Silva; Jéssica dos Anjos Guedes; Orientador(a): Ludmilla Elyseu Rocha.
RESUMO
O presente trabalho aborda algumas implicações do regime de bens para o casamento homoafetivo a ser tutelado pelo anteprojeto do Código Civil. O conceito de família evolui no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente em decorrência de mudanças sociais que não cessam de aceleradamente ocorrer, de novas modalidades de grupos familiares que se formam e estabelecem novos valores e acepções de vida. O principal objetivo deste trabalho é demonstrar em caso de separação judicial, para casais homoafetivos, união reconhecida como entidade familiar pelo ordenamento jurídico brasileiro, como se configuram os direitos de cada parte. A metodologia adotada será uma análise de revisão bibliográfica, com ênfase em livros e artigos que trazem à tona perspectivas sobre o Direito à Sucessão dos homoafetivos com recorte da mudança legislativa. Conclui-se que o tema é meritório hoje nos tribunais brasileiros, no âmbito do Direito de Família e das Sucessões, pelo número de ações que envolvem casais formados por pessoas do mesmo sexo, necessitando o magistrado, por falta de legislação específica sobre o tema, se socorrer da analogia, dos princípios gerais de direito, como o do respeito à Dignidade da Pessoa Humana e o da afetividade, bem como de textos doutrinários e jurisprudenciais para resolver tais questões.
Palavras-chave: Homoafetivo. Regime de Bens. Casamento. Direito de Família.
ABSTRACT
This paper addresses the implications of the property regime for same-sex marriage. The concept of family has been evolving in the Brazilian legal system and in other nations, mainly due to social changes that are constantly occurring, and new types of family groups that are being formed, establishing new values and meanings of life. The main objective of this paper is to demonstrate, in cases of legal separation in a same-sex marriage, how the rights of each party are configured. The methodology adopted will be a bibliographic review of literature, with emphasis on the most current and relevant books and articles on the subject. It is concluded that the subject is of great relevance today in the country’s courts, in the scope of Family and Succession Law, due to the number of lawsuits involving same-sex couples, requiring the judge, due to the lack of specific legislation on the subject, to rely on analogy, general principles of law, such as respect for human dignity and affection, as well as doctrinal and case law texts to resolve such issues.
Keywords: Homosexual. Property Regime. Marriage. Family Law.
INTRODUÇÃO
Destaca-se que o conceito de família como forma de instituição, que se consolidou nos últimos anos, principalmente com a interpretação constitucional do Direito Civil, onde se pode destacar um Direito Civil Constitucional, ou seja, vários institutos do Direito Civil se interpretam a luz da Constituição. Nesse sentido, a união homoafetiva, advém do direito a igualdade, isonomia e liberdade. Pode-se observar cada vez menos a intervenção do Estado na relação familiar, ou seja, o direito civil mínimo (LORENZETTI, 1998, p. 44/76), consequência do movimento chamado de Constitucionalização do Direito Civil, ainda sendo assim de uma visão patrimonialista, que teria uma tutela maior no “ter”, e hoje, tem-se uma maior tutela do “ser”, ou seja, a Dignidade da Pessoa Humana, o respeito aos direitos fundamentais, onde se observa maior importância no afeto.
O principal objetivo deste trabalho é demonstrar em caso de separação judicial em casamento homoafetivo como se configura os direitos de cada parte, ao passo que há uma premente necessidade em garantir aspectos de cidadania propriamente Segurança Jurídica dentro do próprio sistema jurídico e perfunctoriamente num contexto de Direitos Humanos, salientar que todo ser humano tem direito a uma vida digna e que o homoafetivo adquiriria a chamada “igualdade formal”, mas em linhas gerais tem-se pelo Constituinte de 1988 que independente de cor, raça ou gênero, não transitando em malefícios sociais e não importando em ilicitude, não haveria nada que se postulasse a impedir duas pessoas do mesmo sexo de constituírem uma família, do mesmo modo que um casal de sexo oposto.
Além dos objetivos iniciais, o presente se presta ao esclarecimento sobre propostas de lei com esse tema, e seus efeitos jurídicos, com foco em demonstrar de maneira sucinta os avanços da família homoafetiva e apresentar decisões jurisprudenciais que corroboram com essa perspectiva.
Assim, a questão central a ser analisada diz respeito à possibilidade que o Direito de Família e as implicações do regime de bens para o casamento homoafetivo, reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo servindo assim como instrumento de Dignidade da Pessoa Humana.
UNIÃO HOMOAFETIVA
O entendimento do que se trata sobre família, especialmente em períodos que antecedem aos dias atuais, foi baseada totalmente na concepção patriarcalista e privatista. Logo, o instituto da família, ao contrário do que ocorre na modernidade, não possuía seu cerne no princípio da afetividade, e sim em relações de poder e submissão do masculino em detrimento do feminino, menores, homoafetivos e as demais classes que não fossem tipicamente dominantes.
Inicia-se a discussão com a ADI n°4277, essa Ação Direta de Inconstitucionalidade foi devidamente julgada em 2011 no mês de maio e teve como relator o ministro Aires Brito, essa Ação teve certa repercussão social e jurídica por tratar de uma temática de interesse social, trazendo à tona ser um assunto eminentemente privado, mas de interesse público, que era a questão das relações homoafetivas e seu tratamento constitucional e civil.
A ADI foi impetrada pelo procurador geral da república, e tinha como objetivo que o artigo 1.723 do código civil houvesse a devida interpretação constitucional a luz dos princípios e valores preconizados na Constituição Federal de 1988 para garantir as relações homoafetivas o mesmo tratamento que era dado as relações estáveis tradicionais, o que se obteve como resultado foi uma votação por unanimidade, sendo basicamente uma votação onde a grande maioria estava em acordo com o resultado final e foi decidido que haveria uma extensão a questão dos direitos e das garantias e também os deveres e obrigações para as relações homoafetivas nos mesmos moldes que as relações heteroafetivas.
Segundo Farias e Rosenvald (2023), no artigo 226 da Constituição o constituinte transmite a ideia de que a família é a base da sociedade e deverá receber proteção integraldo estado, no mesmo artigo, mas especificamente no parágrafo terceiro ele vai dizer que pra fins de proteção a união estável entre homem e mulher receberá o mesmo tratamento e deverá ser garantida conversão em casamento, com isso há um problema, porque a constituição vaitratar que a união é entre homem e mulher, não entre duas pessoas. Portanto, no que se refere ao direito, o cerne da questão é que as uniões estáveis bem como casamentos só seriam permitidas a pessoas de sexo distintos, ou seja homem e mulher.
O Código Civil de 2002, ao refletir a Constituição Federal, estabelece em seu artigo 1.723 que a união estável entre homem e mulher é garantida por lei, desde que atendidos certos requisitos. Quais são esses requisitos? A relação impreterivelmente tem que ter o ânimo de ser duradoura, publicização e manter objetivo de constituir uma família. Bastos (2019).
A partir desse ponto pode-se constatar a relação jurídica, pela forma em que as relações homoafetivas serão formalmente tuteladas pelo direito, surgiu então essa problemática que foi submetida a apreciação do Supremo Tribunal Federal através da ADI 4277, foi confirmada a unanimidade da decisão pelo STF e essa decisão transcorreu com base em Princípios
Constitucionais, que sejam: da Dignidade da Pessoa Humana, da igualdade e dentre outros direitos considerados fundamentais. Garantiu-se através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e da Arguição de Preceito fundamental 132 a modificação da interpretação do Artigo 1.723 do Código Civil de 2002, de maneira que as uniões estáveis homoafetivasestariam em pé de igualdade com as uniões estáveis heteroafetivas.
No entanto, o casamento civil entre pessoas homoafetivas, não foi decidido completamente nessa ADI, em contrapartida é possível extrair reflexos do casamento civil a partir da ADI 4277,com fulcro no artigo 1.726 do Código Civil de 2002 se tem convencionada interpretação que a união estável poderá ser convertida em casamento, desde que os interessados requeiram o juiz e sejaassentado essa averbação no registro civil.
Ao avançar na devida aceitação da união estável entre pessoas homoafetivas é possível afirmar que a mesma pode ter sua conversão em casamento, a questão da conversão em casamento foi muito difundida no Estado Brasileiro sendo possível apontar que temos quase que uma unanimidade, pois os tribunais submetem a questão e dado o fato que a decisão do STF é de controle concentrado e tem consequentemente efeito vinculante, garantindo a uniformidade e a estabilidade jurídica da Jurisprudência, sendo um movimento reflexivo e importante para que o judiciário possa atuar tutela dos direitos das relações homoafetivas ainda com o crivo do movimento do Direito Civil sob a ótica constitucional que abarcou o artigo 1.723 e o 1.726 do Código Civil.
A ADI 4275 teve seu julgamento em março de 2008 no STF em controle concentrado com efeito erga omnes e vinculante, a decisão reafirma a possibilidade da pessoa transexual ir até o cartório de registro civil e fazer a alteração do seu nome, da mesma forma que a ADI anterior ela teve grande relevância social ao garantir os direitos humanos e sociais das pessoas transexuais, inclusive tendo validação pela corte internacional de direitos humanos, que já permitia para os países membros realizar tal alteração.
2.1 União Homoafetiva e Direitos Humanos
Como todo ser humano tem direito a uma vida digna e todos são iguais perante a lei, independente de cor, raça ou gênero, se forja, portanto, a perspectiva de igualdade formal o que difere da igualdade material que vislumbra assegurar que isso ocorra dentro da realidade social. Sendo assim, ao se pautar pelo explicitado anteriormente não existe nada que impeça duas pessoas do mesmo sexo de constituírem uma família, do mesmo modo que um casal de sexo diferente. Pelo simples fato de uma pessoa existir ela é titular de direitos em igualdade de condições, dizer que uma pessoa não tem o mesmo direito que a outra pessoa é afirmar que essa outra pessoa é pior, se presume o potencial conflito a ser instaurado quando um indivíduo se sobrepõe ao outro quanto à direitos que são eminentemente equiparáveis.
Atualmente, existem muitos debates sobre o reconhecimento e aceitabilidade das uniões entre pessoas do mesmo sexo, no ordenamento jurídico nacional, pois esta não tem previsão legal específica, diferentemente daquelas tradicionalmente reconhecidas pela Constituição Federal de 1988 e legislação civil, quais sejam: o casamento e a união estável entre homem e mulher. Desse modo, nota-se que falta amparo legal e segurança jurídica adequada à união homoafetiva, cominaria ao “fumus boni iuris”, ao identificar principiologicamente que as uniões homoafetivas sejam identificadas como entidades familiares no âmbito do Direito de Família, portanto a natureza afetiva do vínculo em nada o diferencia das uniões heterossexuais, merecendo ser identificado como união estável.
A declaração de Direitos Humanos da ONU abriga e apresenta valores, os quais deveriam ser buscados e respeitados por todos os povos, um desses valores é a Igualdade, Fraternidade e Liberdade além da dignidade humana, trazendo implicações direta na concretização de todos os outros valores conforme Venosa (2019).
Na contemporânea legislação de família, os diplomas que mais apresentam avanços ao reconhecimento das entidades familiares legítimas são a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002. Trate-se, portanto, de uma mudança legislativa que busca acompanhar a evolução da própria sociedade e das formas de constituição das famílias. Em função de pressões, da exigência de tratamento igualitário entre famílias tradicionais e as nascentes, houve a patente necessidade de inclusão das famílias ao ordenamento jurídico e à proteção estatal por meio do prisma da afetividade sob o prisma de Farias e Rosenvald (2023).
Diante da realidade de arranjos familiares que não seguem os moldes tradicionais, é fundamental promover alterações legislativas que garantam seus direitos e possibilitem a formação de famílias de forma livre e segura. A união homoafetiva, para fins de exemplificação, pode se configurar em uma sociedade de fato, dando origem a direitos patrimoniais. Nesse sentido, o artigo 981 do Código Civil dispõe: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.
2.2 Avanços da Família Homoafetiva
Em relação ao progresso jurisprudencial, a equiparação da união homoafetiva à união estável foi consolidada pelo STF em 5 de maio de 2011, com o julgamento da ADI nº 4.227 e da ADPF nº 132. Essa decisão reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, aplicando uma interpretação ampla do artigo 226, §3º, da Constituição Federal, que não limita o conceito de união estável a relações entre homem e mulher (Rocha e Bahia, 2020). O entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal foi precipuamente baseado nos princípios constitucionais da igualdade, dignidade humana e liberdade, trouxe à união homoafetiva a mesma proteção garantida à união estável heterossexual, apesar da ausência de uma alteração formal no texto constitucional, o que ainda permite diferenciações entre essas entidades familiares Cerqueira (2018).
O julgamento unânime do STF foi motivado pela compreensão de que a Constituição deve ser aplicada de forma a garantir a isonomia, evitando a discriminação com base na orientação sexual. O Ministro Luiz Fux enfatizou que ignorar as uniões homoafetivas seria injusto e discriminatório, restringindo as oportunidades legais de indivíduos homoafetivos e que haja o devido reconhecimento de suas relações. Conforme o Ministro, cabe ao Estado assegurar a igualdade de oportunidades para que todos possam viver conforme sua identidade e orientação sexual, sem enfrentar obstáculos jurídicos.
A decisão do STF conferiu às uniões homoafetivas o status de entidade familiar, mas a regulamentação formal do casamento homoafetivo foi implementada apenas em 2013, com a Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça, relatada pelo Ministro Joaquim Barbosa. Essa resolução teve a aprovação majoritária do CNJ, apesar do voto contrário da Ministra Maria Cristina Peduzzi, que argumentou que o órgão não deveria tratar do tema sem base legislativa específica.
Em termos patrimoniais, o reconhecimento das uniões homoafetivas traz implicações importantes para o regime de bens. A ausência de dispositivos específicos sobre o regime patrimonial nessas uniões no anteprojeto do Código Civil brasileiro exige uma análise cuidadosa de como as estruturas jurídicas podem garantir a proteção dos interesses dos cônjuges envolvidos.
O princípio constitucional da igualdade, conforme o artigo 5º da Constituição, reafirma que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Esse princípio é o fundamento jurídico que impede a exclusão das uniões homoafetivas do conceito de entidade familiar, assegurando a elas o mesmo status que as relações heteroafetivas.
E enquanto o reconhecimento do casamento homoafetivo representa um avanço significativo nos direitos civis, é fundamental analisar como essa nova realidade impacta as questões patrimoniais, especialmente em relação ao regime de bens estabelecido no anteprojeto do Código Civil. Dessa maneira, é pertinente avaliar como essas estruturas jurídicas se adaptam e garantem a proteção dos interesses dos cônjuges
3 REGIME DE BENS E O ANTEPROJETO DO CÓDIGO CIVIL
Após o devido término de suas atividades, a comissão de juristas responsável pelo anteprojeto de reforma do Código Civil apresentou suas propostas ao Senado em abril de 2024. Entre as mudanças, a que foi mais alvo de debates é a retirada dos cônjuges da condição de herdeiros necessários.
No Código de 2002, em uma visão de casamento como algo permanente, o cônjuge foi elevado a “super-herdeiro”, com direito aos bens particulares do falecido em concorrência com descendentes ou ascendentes, mesmo no regime de separação convencional de bens. Nesses casos, o cônjuge ainda tem direito a um quarto da herança se concorrer com seus descendentesdiretos.
Em 2015, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento de que o cônjuge casado sob separação convencional de bens é herdeiro necessário, concorrendo com descendentes, consolidado pelo Recurso Especial nº 1.382.170/SP:
“Nos termos do Código Civil de 2002, o cônjuge, independentemente do regime de bens, é herdeiro necessário (art. 1.845). No regime de separação convencional, concorre com descendentes, sendo afastada a concorrência apenas nos casos de separação legal de bens previstos no art. 1.641.”
Em 2017, o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790, que diferenciava os direitos sucessórios de cônjuges e companheiros, equiparando-os como herdeiros necessários, aplicável desde a entrada em vigor do Código de 2002. Assim, tanto cônjuges quanto companheiros sempre terão direito à herança dos bens particulares do falecido, independentemente do regime escolhido, limitando a autonomia dos casais na escolha do regime mais adequado à sua união.
Para além da perspectiva, o direito real de habitação garante ao cônjuge sobrevivente o direito de permanecer no imóvel residencial do casal até sua morte, sem necessidade de pagamento e impedindo a alienação ou extinção do condomínio desse bem, mesmo se houver filhos que sejam condôminos.
Essa configuração legal, criada ao longo de três décadas e com base em famílias do século 20, procurava amparar, principalmente, as mulheres viúvas, muitas das quais fora do mercado de trabalho e dependentes da herança para seu sustento. Porém, o perfil das famílias mudou severamente, com um aumento de casamentos e uniões estáveis que incluem filhos e patrimônios de relações anteriores, o que frequentemente resulta na divisão de bens acumulados individualmente com novos cônjuges, prejudicando a herança dos descendentes diretos.
Em 2022, o Brasil registrou mais de 400 mil divórcios, segundo levantamento do IBGE divulgado em 27 de março de 2024, demonstrando que o direito à herança, além da meação, não faz mais sentido na sociedade contemporânea, onde casais desejam preservar bens construídos ou herdados individualmente. A figura do “super-herdeiro”, que se aplica a qualquer regime de bens, pode incentivar relações de interesse financeiro.
Atualmente, o Código Civil permite que o cônjuge herde mesmo sem contribuir para a formação do patrimônio, exceto no regime de separação legal de bens. A aplicação indiscriminada do direito sucessório retira a diferença dos regimes de bens, equiparando-os após a morte, de modo que o viúvo sempre receberá parte dos bens do falecido, a título de herança ou meação, dependendo do regime.
A reforma proposta preserva o direito à meação, mas altera a ordem de herança, destinando os bens particulares, em primeiro lugar, aos descendentes; na falta destes, aos ascendentes, e só na ausência de ambos, ao cônjuge, que passa a ocupar o terceiro lugar na ordem de vocação hereditária e deixa de ser herdeiro necessário.
Essa mudança é essencial para adequar o Código Civil à realidade das famílias atuais, onde muitos pais, especialmente mães que chefiam sozinhas os lares, desejam proteger a herança dos filhos de relações anteriores, temendo que novos relacionamentos interfiram no patrimônio que querem destinar exclusivamente a seus descendentes.
3.1 Família Homoafetiva
A homossexualidade pode ser definida como a atração sexual ou afetiva entre indivíduos do mesmo sexo. O termo apresenta uma composição etimológica híbrida, formada pela junção de elementos do grego e do latim: “homos” (igual) e “sexus” (sexo). Inicialmente, essa orientação sexual foi vista sob uma perspectiva patologizante, sendo considerada como uma condição médica e associada a distúrbios comportamentais ou hormonais, em algumas abordagens como algo inato, em outras como adquirido. Essa visão, no entanto, foi revista e, em 1989, a homossexualidade foi oficialmente retirada da lista de doenças pela Organização Mundial de Saúde BEZERRA (2000).
É importante destacar que ao mencionar o “ismo” nesse contexto, não se pretende criar qualquer mistificação negativa em torno de temas como o feminismo ou outras causas de movimentos sociais. Cada um desses movimentos possui suas próprias nuances e objetivos, e aqui o objetivo é apenas discutir a evolução histórica da compreensão sobre a homossexualidade quanto à perspectiva de família.
A homossexualidade é fato histórico na trajetória do homem. Atualmente pelo Código Penal não é considerada crime apesar da repreensão social e religiosa, num aspecto mistificado através do Conhecimento Religioso pode acatar uma significância de pecado, ao balizar recortes da bíblia, ao qual reforçam-se essa mistificação, porém ao ater o tema pautando-o em conhecimento científico é afirmativo não se tratar de uma doença, uma vez que a doença menos que seja terminal, se preceitua a “cura” o que não se cogita dentro de uma perspectiva de liberdade sexual e direito à autodeterminação. Não sendo possível determinar a sexualidade como algo que se transmite ao próximo como doença e por esse motivo pouco importa as causas da sexualidade ao passo que tendemos à “desnormalização” das classes que fogem de padrões heteronormativos de socialização, não se percorre justificativas quanto à dificuldade social de reconhecimento de direitos iguais para pessoas homoafetivas ao passo que a sociedade dá certo contraste pela aceitação versus tolerância social, de seres que simplesmente transitam e buscam o reconhecimento material dos seus direitos.
Como anteriormente tratado, mas com ênfase da religião Cristã o aspectro da homossexualidade e os homoafetivos em si, passaram a ter uma visão religioso como seres anômalos psicologicamente, sendo até em passagens bíblicas efetivamente condenados a pena máxima da religião. Em que pese alguns teólogos vão conceituar com base na bíblia a homossexualidade com alguns conceitos judaico que tenderiam a preservar o grupo étnico, com a tendência a perpetrar o sexo somente para a procriação, não com o intuito do prazer entre os indivíduos, o que em tese vai em paralelo à uma Sociedade de acúmulo de capital, uma vez que há muita mão de obra por origem do excesso de procriação, há concentração de riqueza de alguns e dissipação nos demais, logo a prática sexual entre os hebreus num período anterior à sociedade moderna é pautada não na liberdade sexual e sim no convencionalismo propriamente dito, condenando diametralmente qualquer ato sexual que pudesse distorcer o ideal de procriação, entre as mulheres por não haver perda do líquido seminal, a homossexualidade era concebida como mera lascívia.
Atualmente, a homossexualidade está passando por um período de maior aceitação, especialmente nas sociedades ocidentais, onde se observa um aumento significativo na sua legitimação. Organizações e entidades dedicadas à defesa dos direitos dos homossexuais são cada vez mais comuns.
O preconceito contra a homossexualidade muitas vezes tem origem no núcleo familiar, espalhando-se para amizades, ambientes de trabalho e diversas esferas sociais. Infelizmente, ainda existem grupos religiosos e políticos que perpetuam comportamentos discriminatórios. A cobertura da mídia sobre agressões físicas e psicológicas direcionadas a pessoas homossexuais evidencia a persistência do estigma e da intolerância.
No âmbito político e intelectual, há uma crescente discussão sobre a legalização das uniões homoafetivas, buscando formalizar essas relações como uniões civis. Isso visa regularizar situações de fato já existentes, garantindo direitos e deveres aos parceiros envolvidos. Embora a proposta não busque equiparar essas uniões ao casamento ou à união estável, o intuito principal é regular os efeitos patrimoniais e sucessórios que decorrem dessas relações. Atualmente, muitos casais homoafetivos vivem juntos há mais de uma década, construindo um patrimônio comum e compartilhando momentos de alegria e tristeza em um pacto de afeto e amor duradouro.
A principal distinção entre a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a união estável reside no fato de que a primeira se formaliza como uma situação jurídica registrada, enquanto a união estável, embora reconhecida pelo Direito, ainda se considera uma situação de fato que pode ser regulamentada posteriormente. A legalização das uniões civis entre homossexuais abrange direitos patrimoniais, incluindo questões relacionadas a bens, heranças e previdência, sendo que, atualmente, já há reconhecimento jurídico e aplicação administrativa para esses últimos de acordo com Slaibi Filho (2024).
Este reconhecimento é crucial, pois também se interliga a outras questões jurídicas, como a violência doméstica, que, ao realizar a conexão quanto à orientação sexual, afeta profundamente as relações afetivas, o Artigo 5º da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 define como violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ato ou omissão fundamentada no gênero que resulte em morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de danos morais ou patrimoniais, ao passo que subscreve-se:
I – omissi
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Dessa forma, é evidente que as uniões homoafetivas são formadas pela vigente intenção das partes. O Estado ao se posicionar confrontando essa realidade seria minimamente contraditório, visto que uma mulher vítima de violência doméstica perpetrada por sua parceira não teria meios de acesso à proteção do Direito caso não houvesse a devida legitimação de sua União, fato esse que seria controverso pois ao sopesar os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Seria necessário afastar a União e perpetrar o afastamento do sentido de violência matrimonial? É adequado que se faça esse afastamento, ainda que se prime pela Dignidade da Pessoa Humana na Carta Magna e seria proporcional ter esse tratamento diferenciado na medida em que precipuamente se levanta que o Constituinte de 1988prima pela igualdade formal.
Logo, ao realizarmos os filtros atinentes à hipótese levantada com fulcro na Lei Maria da Penha, é possível compreender o quanto esse olhar à Norma Jurídica em conjunto com Princípios Norteadores, acarreta uma certa correta diagramação do cenário social com base no contexto jurídico ao qual se enquadram as minorias, que são entendidas não em termos quantitativos mas em forma de diversidade sócio-cultural.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A família, como núcleo essencial da sociedade, deixou de ser compreendida apenas como um grupo ligado por laços de sangue. Hoje, é vista como uma união fundamentada em afeto, respeito e solidariedade, onde seus membros dividem responsabilidades financeiras e domésticas, além de compartilhar momentos de alegria e tristeza em uma convivência repleta de emoções e compromissos mútuos.
O direito brasileiro atualmente reconhece três configurações familiares principais: as originadas pelo casamento, pela união estável e a família monoparental, formada por um dos pais e seus filhos. O legislador busca proteger não apenas os direitos dos filhos, mas também os desdobramentos de novas situações familiares, como as de pais separados, mães solteiras e viúvos, refletindo as mudanças nas relações interpessoais e sociais.
A família homoafetiva, objeto central deste estudo, é analisada a partir de fatos sociais, especialmente quanto ao reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo. São explorados os fundamentos que sustentam sua validação legal e os principais pontos da controvérsia, tanto no campo doutrinário quanto nos tribunais.
Há uma certa mudança gradual na mentalidade social, com uma abertura crescente para realidades que já se encontravam no aspectro social, mas que agora são mais amplamente visibilizadas, especialmente no que diz respeito às relações homoafetivas.
No Brasil, as regras aplicáveis à divisão de bens em separações de casais homoafetivos seguem em princípio a igualdade das normas estabelecidas para casamentos heterossexuais. O regime mais comumente escolhido é o de comunhão parcial de bens, que compreende a partilha dos bens adquiridos durante a união. Assim, ambos os cônjuges têm direito à metade dos bens adquiridos na constância da relação, independentemente de estarem registrados em nome de apenas um dos parceiros.
O que se extrai da análise dos fatos e dados apresentados neste artigo é que o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidades familiares dignas da proteção do Direito de Família reflete, predominantemente, uma questão social e política, mais do que uma mera questão jurídica. Essa realidade evidencia a necessidade de um olhar atento e sensível para as transformações sociais em curso, que exigem do Direito uma adaptação não apenas normativa, mas também cultural, promovendo a inclusão e a equidade. O reconhecimento dessas uniões transcende o âmbito jurídico, pois se entrelaça com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde a diversidade afetiva é respeitada e valorizada. Assim, o avanço na aceitação legal das famílias homoafetivas deve ser compreendido como um passo significativo na luta pelos direitos humanos, refletindo um compromisso com a dignidade e a pluralidade das relações familiares contemporâneas.
REFERÊNCIAS
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