REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503111128
Maristela Gomes de Oliveira1
1- INTRODUÇÃO:
A motivação para escrever sobre participação social, nos seus aspectos conceituais, políticos, metodológicos e operacionais decorre dos vários anos de experiência profissional em projetos sociais, programas de desenvolvimento local integrado e sustentável – PDLIS, educação ambiental e saneamento básico, projetos habitacionais, requalificações de feiras e espaços urbanos, em constituição de instâncias participativas de políticas públicas e sociais, que evocam a participação popular e que, após a Constituição Brasileira de 1988, tornou-se uma premissa para que as políticas sociais e políticas públicas possam ser efetivadas, a partir da co- participação da sociedade civil, atingindo a todas as pessoas que a elas recorrem ou que venham a ser impactadas por processos de intervenção numa dada realidade.
O pressuposto da participação cidadã assegura alguns direitos, como o acesso e a qualidade das informações de interesse público, a escuta das demandas apresentadas, a inserção das contribuições dos cidadãos/ cidadãs no planejamento, execução e gestão das políticas, programas e projetos observando-se as especificidades de contextos territoriais e dinâmicas populacionais.
As reflexões teóricas a partir de livros, artigos de diversos autores, produzidos sobre a temática e, agregadas a minha trajetória profissional, também como cidadã em organizações da sociedade civil me trouxe a inquietação, para entender se, em algum momento, essa premissa da participação da sociedade civil, que enseja o controle social na gestão das políticas públicas vem sendo assegurada e qualificada, ou se decorre apenas, do cumprimento de legislações como as referentes aos direitos humanos, a política habitacional, ambiental, de acessibilidade, saneamento básico, dentre outras, ou em razão de acordos bilaterais, firmados entre o Estado nas suas três instâncias de poder com agências financiadoras quer sejam nacionais ou mesmo internacionais, presentes na nossa contemporaneidade, constituindo-se na prática, em uma participação apenas, pró forma?
2- UMA BREVE REVISITAÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL
Sabe-se que o Estado brasileiro foi forjado em cima de pilares que apontam para uma supremacia e hierarquias entre as pessoas, haja vista as experiências vivenciadas pelos povos indígenas e povos africanos na sua formação, cujos pilares de sustentação, estão bem identificados e definidos, a partir de marcadores de: classe, raça/etnia e gênero.
Assim, desde o Brasil Colônia até o advento da primeira República, o povo brasileiro sempre ficou à margem da estrutura do poder de decisão que, ao longo do tempo foi sendo consolidado no país. Contudo, a nossa história registra vários movimentos com base na organização popular e na massa trabalhadora, que sempre procuraram se organizar, para romper com os grilhões que amarravam os seus pés, conforme disse, Ismael Ribeiro da Silva, liderança negra baiana no ano de 1912, em discurso realizado no 4º Congresso Brasileiro dos Trabalhadores, realizado no Rio de Janeiro (Castellucci, 2008, p.97) decepcionado com os rumos da República que não se efetivou como uma forma de governo cujas expectativas eram a de estabelecer um regime onde a cidadania se fizesse presente, possibilitando as camadas excluídas, participar do poder político, tendo acessos ainda a serviços básicos de educação, saúde e habitação.
Longe de pensar que os silenciados não entendiam a opressão em que vivenciavam e que não tinham projetos para alterar o status quo, pode-se citar que, em séculos anteriores, por aqui, em terras baianas aconteceram, A Revolta dos Búzios (1798) as Revoltas dos Malés em (1835), Sabinada(1837) a Greve dos Ganhadores (1885), Guerra de Canudos (1896) que tiveram como objetivos romper com o peso da escravização, da desumanidade, do autoritarismo, dos privilégios, da corrupção, da miséria e pobreza, apontando para a construção de uma sociedade com mais justiça social e igualdade. Todas essas manifestações sentiram o peso do Estado que, utilizando a sua prerrogativa de força, seguindo as leis vigentes no país, prenderam e executaram as suas lideranças, outras, foram mortas sumariamente. Não é proselitismo, falar em racismo institucionalizado e consolidado, ao ressaltar que os maiores apenados com a sentença de morte, na modalidade enforcamento e/ou esquartejamento eram os homens negros.
As mulheres aqui na Bahia, citando algumas delas, também tiveram participação ativa nessas lutas, como foi o caso de Luiza Mahim, articuladora e uma das principais lideranças da Revolta dos Malês, Maria Felipa de Oliveira, marisqueira, pescadora e trabalhadora rural que participou da luta pela independência da Bahia, Maria Quitéria e a Guerreira Zeferina, escravizada e líder do Quilombo do Urubú, que organizou homens e mulheres para lutarem por liberdades no século XIX, em tempos em que as mulheres não tinham direitos enquanto cidadãs e, certamente, assumindo no âmbito privado, papéis atribuídos ao “ser mulher”, conseguiram romper com o modelo estabelecido e irem para o espaço público, atuando para a transformação da realidade vivenciada.
O advento da República criou expectativas de que, por fim, haveria a possibilidade de mudanças no que concerne a participação de segmentos que ficaram à margem da sociedade a acesso aos serviços básicos, como educação, saúde, trabalho e habitação, quando na prática, tais mudanças não ocorreram. Como exemplo, citamos a falta de acesso à educação formal, um dos requisitos, para que os homens e não as mulheres, pudessem participar da vida política do país, através das eleições, votando e sendo votados.
Trazendo para análise, Menezes(1997) à população negra recém liberta da escravização, não foi contemplada com a educação formal, o não acesso dos negros ex-escravizados libertos a cidadania brasileira consistiu, em um dos instrumentos utilizados na estratégia de controle da inclusão desse segmento populacional. A autora considera que esta decisão tinha uma destinação e questiona: “Como conceber a exclusão do analfabeto, da cidadania ativa, visto que na sociedade brasileira existia no ano de 1881, 83% da população que não sabia ler e escrever?
Prossegue a autora informando que a política liberal, não se preocupou em tratar a massa liberta, dando-lhe inclusive, oportunidade no aspecto educacional, pois o projeto de educação de 1822 deixou a cargo dos estados o cumprimento da obrigatoriedade escolar para a população de 07 a 14 anos. Acrescenta que por não existir uma legislação específica, este projeto não teve uma aplicação imediata(1997)
Assim, segundo Menezes (1997) as gerações adultas que eram analfabetas no momento da abolição estavam todas, condenadas ao limbo da nação ou a construir por seus próprios esforços os meios de educar-se e de, portanto, tornarem cidadãos.
Os chefes políticos do antigo regime, também não demonstraram interesse em resolver a situação de analfabetismo dos trabalhadores, notadamente no meio rural, para eles era importante que essa massa humana continuasse paralisadas e dependentes das suas práticas paternalistas (SAMPAIO, 1975, p.36).
Contudo nesse quesito, registram-se aqui na Bahia, iniciativas de trabalhadores, homens negros, que criaram organizações voltadas para a educação formal, assumindo o espaço vazio deixado pelo Estado a exemplo, citamos: O Centro Operário da Bahia, organização de trabalhadores, denominados artistas, operários e proletários, criado em 1894, que já anunciava no art.2º do seu Estatuto, a oferta de cursos: primário, secundário, acessório e técnico. As salas de aulas para o curso primário foram instaladas de imediato, para atender aos associados e dependentes, homens. Enquanto que, as aulas para o sexo feminino, só passaram a funcionar no ano de 1919 (Oliveira, 2011). Ou seja, vinte e cinco anos após.
O exercício da cidadania no Brasil, no que concerne ao direito político de participação através das eleições foi seletivo e gradual, senão vejamos: Quem na primeira República era considerado cidadão, para votar e ser votado? Os homens maiores de vinte e um anos, que não fossem analfabetos, nem religiosos e militares de baixa patente. A população composta por homens e mulheres negros ou indígenas, não estava contemplada. As mulheres só conquistaram o direito ao voto em 1934 e os analfabetos, na Constituição Federal de 1988 quando passaram a ter o direito ao voto, mas não de ser votado (Oliveira, 2011).
E assim, no decorrer dos anos, várias organizações e movimentos populares foram surgindo e ampliando as pautas de reivindicações, pressionando o Estado brasileiro que, em alguns momentos as absorviam muito mais como uma concessão, para evitar os acirramentos de conflitos, rebeliões e greves que ameaçassem a dinâmica social estabelecida, do que como reconhecimento do direito do cidadão em interferir nos rumos do país. Direito esse, ampliado e só adquirido a partir da Constituição Federal de 1988, a chamada “Constituição Cidadã” e que, nos seus artigos de nºs 198, 204 e 206 dispõem sobre a participação da população, através da instituição de Conselhos de Políticas Públicas nas áreas de educação, saúde, assistência social, dos direitos da mulher, da população negra e indígena , dentre outras, como espaço de divisão de poder institucionalizado com caráter deliberativo, propositivo e fiscalizador das ações estatais.
Importante enfatizar e deixar registrado que essas conquistas da cidadania, presentes na Constituição da República Federal (1988), nos seus artigos nº 5 e 6º dos Direitos Fundamentais, são frutos de um intenso processo de luta, tendo como protagonistas setores da sociedade civil, que durante vinte e um anos, enfrentaram a ditadura militar, instalada no país a partir do ano de 1964 e que cerceou as liberdades individuais, retirando os direitos políticos dos cidadãos, silenciando e fechando pela força as instâncias democráticas do país, violando os direitos humanos.
Os trabalhadores e os segmentos populares, com apoio de instituições religiosas, ressaltando aqui, a Igreja Católica com as comunidades eclesiais de base, reagiram ao período de árbitro de várias formas e estratégias, com diversas e diferentes frentes de lutas e resistências que foram se espalhando pelo território brasileiro. Aqui, vou me referir, às grandes mobilizações, das quais também participei, como: o movimento pela Anistia Política para as pessoas que foram exiladas do país. Movimento esse, de iniciativa da Advogada Terezinha Zerbini, cujo marido militar foi reformado por não aderir ao Golpe de Estado de acordo com registros da época, criou o Movimento Feminino pela Anistia em 1975, sendo essa bandeira de luta difundida no país, quando da criação dos Comitês Brasileiro pela Anistia – CBA, presentes nos Estados.
Em 1984, multidões pelo Brasil protagonizaram passeatas pela Campanha das Diretas já! Reivindicando o restabelecimento das Eleições Diretas para o presidente do país, proposta de lei, derrotada em votação no Congresso Nacional e que passou a ser conhecida como lei Dante de Oliveira, por levar o nome do parlamentar que foi o seu relator. Em 1987 novas mobilizações se realizaram reivindicando a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte que viria a elaborar a atual Constituição Brasileira. Esses e outros movimentos de pressão social com pautas específicas, porém unificados em torno das liberdades democráticas, aliados ao fracasso na condução da política econômica e perda do apoio político internacional, levaram o desgaste do regime ditatorial, já fragilizado. Em 1988 ocorreu a proclamação da Nova Constituição e, no ano seguinte, as eleições gerais no país.
A sociedade civil, através dos movimentos sociais passou a ter uma maior expressividade e visibilidade a partir dos anos de 1990 quando, para além de pautar direitos básicos de sobrevivência, anunciam e lutam por questões relacionadas a igualdade de gênero, igualdade racial, meio ambiente e movimentos classistas.
Maria do Carmo de Carvalho (1998) analisa que,
Os movimentos sociais, desafiados pela complexa construção de possibilidades de participar na proposição, negociação e gestão de políticas públicas, vivem uma “nova fase” que enfatiza sobremaneira a necessidade de capacitação técnica e política das suas lideranças, para que possam ocupar de modo qualificado os espaços de co-gestão conquistados (p.5).
A autora acrescenta ainda que essa foi “a década das ONGs”
Pela sua visibilidade e sua nova postura de não mais definir-se como subsidiárias dos movimentos sociais, mas atores com papel específico e independente na construção democrática, gerou a opinião de que os movimentos sociais estariam sendo substituídos por elas.
Algumas instâncias participativas das quais contribui profissionalmente da sua formação, apresentam modelagens distintas, como: os Comitês de Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco e do Rio Itapicurú que são deliberativos, tripartite, pela presença do poder público, sociedade civil organizada e os usuários das águas, os Fóruns de Desenvolvimento local Integrado e Sustentável – DLIS tão incentivados a sua formação a partir dos anos 90, focava o território local, a partir da identificação do capital econômico, do capital humano e capital social existentes nos municípios, responsáveis por erradicar a pobreza, promover o desenvolvimento econômico a partir dos potenciais identificados como impulsionadores da riqueza existente, dos esforços individuais e coletivos do local, na perspectiva de elevar os níveis de qualidade de vida populacional, seguindo os objetivos do milênio da Organização das Nações Unidas – ONU.
Outra modalidade de estrutura de co – gestão dos quais participei das suas implantações foram os Conselhos Nacional de Desenvolvimento Sustentável e Segurança Alimentar – CONSADs, (2006), agregando municípios a partir da identidade territorial em termos produtivos e econômicos, de proximidade geográfica e cultural, sendo necessário um trabalho de mobilização e comunicação social, para a realização de audiências públicas com o objetivo de apresentar a proposta de constituição do CONSAD, a sua concepção voltadas para a elaboração de projetos de desenvolvimento territorial e segurança alimentar. Os critérios para a eleição dos representantes dos segmentos da sociedade civil com efetiva atuação nos municípios nos aspectos econômicos e produtivos, bem como, atuação na defesa dos direitos humanos e sociais.
Quanto à composição dos CONSADs, os representantes municipais eram indicados do poder público, enquanto a sociedade civil pelo pares. A modelagem dos conselhos constituídos atribuía o maior peso de representação para a sociedade civil, na perspectiva de assegurar a continuidade da estrutura organizativa decorrente da alternância de poder na gestão pública municipal, pelo processo eleitoral.
Todas essas estruturas foram gestadas de fora para dentro. Ou seja, não orgânica, mas impulsionadas por um poder central e estrutura política normativa e legal
3- FALANDO EM PARTICIPAÇÃO SOCIAL …
O conceito de participação sofre variações a partir do referencial teórico que lhe dá sustentação: No dicionário Aurélio Buarque participação significa, ação ou efeito de participar, de fazer parte de alguma coisa (1994); para Safira Bezerra Amam (1978), a participação social é o ato de produzir, gerir e usufruir os bens materiais disponíveis na sociedade; Carvalho (1998) considera que participação social diz respeito à construção de espaços de interlocução entre gestores e a sociedade; Bordenave (2008), assim como Lima Neto(1989) dizem que: participar é fazer parte, tomar parte e ser parte. Tomando por base esse último conceito, podemos fazer uma analogia sobre a participação no seu micro espaço de poder. A participação podendo ser exemplificada com as reuniões de condomínio, quando fazemos parte do grupo de condôminos e com a nossa presença, tomamos parte das discussões nas reuniões convocadas pelo síndico e somos parte, quando assumimos as decisões tomadas.
Neste texto, estamos propondo refletir à participação no seu nível macro, a participação social que interfere e propõe ações que atingem os diversos segmentos da sociedade; que apontam para elaboração de diversas políticas públicas, sociais e programas de cunho universalistas ou setoriais, que só são possíveis em sociedades democráticas. A participação social possibilita a aproximação e interlocução com o poder público, o exercício e fortalecimento da cidadania.
Ai, resvalamos para os níveis de participação que, para Bordenave (2008), podem ser caracterizados como: ativa ou passiva, as quais diferenciam o cidadão ativo do inerte (p.22).
Santos (2000) também discorre sobre os níveis de participação. Para ele, são três os níveis: participação manipulada, que consiste na participação apartada e sem poder de decisão; participação passiva, quando as pessoas tomam conhecimento do que já está decidido ou feito e não há condições de reverter e a participação interativa, a participação vista como direito, não como meio de atingir metas do projeto ou apenas, por força de leis.
Um dos aspectos que nos chama a atenção e que envolve a participação da sociedade civil, decorre da dificuldade e não raro, do alijamento que alguns setores das camadas populares que ainda vivenciam para terem voz e se fazerem ouvir, mesmo tendo assegurado “lugar” na composição das várias instâncias participativas. Essa dificuldade pode estar relacionada ao nosso processo de formação societária, quando a exclusão fomentou uma categoria de “não cidadãos”. Outros elementos podem ser acrescidos quando somamos a falta de acesso às informações técnicas qualificadas, assim como, aos caminhos a serem percorridos para a sua aquisição e a disponibilidade dos profissionais pagos com os recursos públicos, em prestar os esclarecimentos necessários.
Quando em debate com gestores públicos e/ou seus representantes, essa camada populacional não consegue despertar o interesse e atenção seja por um preconceito, a partir do lugar de quem está falando, seja porque os argumentos teóricos e acadêmicos sobrepõem as vivências e os conhecimentos das populações tradicionais e locais, não existindo a abertura para o diálogo e troca de saberes, desconhecendo-se que a ciência emerge de dados empíricos. Assim, a participação das camadas populares em algumas situações, torna-se figurativa e até pitoresca, conforme constatado na prática profissional.
A participação requer um processo de aprendizagem para todos e todas as pessoas envolvidas e, de acordo com Lima Neto (1989) ela entra “na história da educação permanente de cada um de nós, como indivíduos e como pessoas que fazem parte de uma coletividade”. O autor prossegue afirmando que é um trabalho que também acontece através da organização, da união e do exercício cotidiano, prático, da negociação, do diálogo, da administração de conflitos de interesses (p.21)
Laranja nesse debate (2017) ao se referir a Santos (2000) comenta que “um país onde o poder de decisão foi monopolizado pela elite econômica, a participação social significa uma democratização do poder. A participação e o acesso de setores populares fortalece a democracia.” Prossegue, dizendo que o Estado tem papel fundamental no incentivo à participação, divulgando informações, disponibilizando documentos, esclarecendo dúvidas e respondendo a questionamentos.
Importante ressaltar que, além das legislações de políticas setoriais mencionadas acima, a lei de nº 12.527/11, lei do Acesso à Informação, regulamenta o direito constitucional de acesso dos cidadãos/cidadãs as informações públicas, inclusive no que se refere a parcela dos recursos públicos recebidos e a sua destinação. A lei, sancionada em 18 de novembro de 2011, conforme parágrafo único e incisos I e II é aplicável:
aos órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;
As autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
4- PARTICIPAÇÃO SOCIAL E PODER
A participação traz consigo a expectativa de quem responde ao seu chamamento, nem sempre alinhada com o objetivo do programa e/ou do projeto. A expectativa de cada participante está baseada no seu lugar de representação e, como as expectativas, costumam ser diversificadas e envolvem também relações de poder econômico, político, interpessoal, de articulação, de pressão e de influência e, atualmente, um outro tipo de poder, que não emana da cidadania, mas, das mídias e redes sociais. Neste contexto, verifica-se que os segmentos mais vulneráveis e sem representatividade política consolidada apresentam muita dificuldade em pautar as suas demandas.
Os processos participativos envolvem grupos com interesses distintos que procuram na ocupação dos espaços, influenciar e exercer poder, ocasionando conflitos. Nessa movimentação, verificam-se discussões, embates e posições diferenciadas, quer sejam de caráter econômico, político, socioambiental, racial, de gênero, orientação sexual, geracional, religioso e de pessoas com deficiências físicas e mental. Sendo que algumas representações, trazem nos seus corpos vários desses marcadores.
Procurando compreender esse contexto o trabalho no âmbito da participação social é de fundamental importância no chamamento da população, a fazer parte da gestão das políticas sociais, através de processos de mobilização e comunicação social, visando garantir esse direito constitucional, elegendo estratégias para a interlocução com a população a partir de uma aproximação com a realidade, realizando diagnóstico territorial, analisando as dimensões sociais, econômicas, ambientais, culturais e, política institucional, identificando os segmentos mais vulneráveis da sociedade para que os seus direitos, não sejam violados.
Assim, refletindo toda a complexidade trazida pelos processos de intervenções, em espaços construídos e transformado pelo trabalho humano, independente do seu caráter e objetivos, cabe principalmente, aos profissionais da área social, aqui, me referindo principalmente, as/os colegas, assistentes sociais, enquanto operadores das políticas sociais e em conformidade com os princípios do Código de Ética profissional e a lei vigente que regulamenta a profissão (8.662/93), que traz como princípios, atuar na defesa dos direitos humanos, no aprofundamento da democracia, identificando os riscos sociais a serem reparados, mediando os conflitos decorrentes da violação de direitos, para fins de buscar a equidade em processos de negociação, com atenção ao diálogo permanente, ao esclarecimento de dúvidas, articulando as políticas setoriais que respondam às demandas identificadas, como complementaridade ao trabalho realizado, superando o olhar e a prática fragmentada como impõe às políticas públicas, visto que o ser humano é indivisível.
O trabalho social é, sobretudo, um trabalho pedagógico e educativo, onde todas as partes envolvidas no processo se educam. É um grande desafio a ser enfrentado, pois, aos profissionais da área social, não é permitido hierarquizar ou privilegiar os sujeitos sociais nos processos participativos, embora a relação de poder, seja político institucional e/ ou econômico se faça presente em cada ação, em cada atitude, em cada decisão. As relações interpessoais decorrentes do exercício profissional devem estar ancoradas no respeito às diferenças e diversidades para que a viabilização do acesso aos direitos constitucionais, sejam igualitários e equânimes na construção de uma sociedade de fato, democrática e mais justa.
5- CONSIDERAÇÕES
Ao iniciar as minhas reflexões sobre os processos participativos aos quais vivenciei, referendadas em leituras teóricas, apresentei uma inquietação, se essa estratégia de aproximação e interlocução da sociedade civil com o poder público, nas suas três esferas política administrativas decorria em atenção ao que preconiza a Constituição Federal do Brasil do ano de 1988 que garante ao cidadão/cidadã participar da gestão das políticas e programas públicos ou era para simples comprimento a acordos firmados com as agências financiadoras sejam elas nacionais ou internacionais.
Relembrando o escrito nesse apontamento, referente ao processo de inserção da cidadania na vida pública do país nos procedimentos decisórios, identifica-se que a participação da sociedade civil foi realizada de modo gradual, pela exclusão de segmentos populacionais, privilegiando-se uma restrita parcela da população, principalmente, a detentora do poder econômico. Com o avançar das lutas sociais e políticas ao longo dos anos de construção do processo democrático, até o advento da Constituição “Cidadã”, amplia-se a possibilidade de uma participação mais efetiva, através de Conselhos de Políticas Públicas e Sociais, ou Conselhos de Direitos assim como, outras estratégias para a participação da sociedade civil na gestão e execução de programas e projetos, para a efetivação do controle democrático social.
Se, na primeira República, a participação estava vinculada ao exercício do voto, com o avanço das lutas sociais e o processo de construção da democracia no Brasil, a cidadania vem se consolidando com avanços e retrocessos nas suas pautas, apresentadas pelos segmentos que representam as diferenças e diversidades do povo brasileiro.
Deste modo, entendendo que a nossa sociedade forjada com base nas exclusões, sejam as de classes, étnico racial e de gênero, percebo que a ruptura desse modelo de alijamento da população considerada minoria e vulnerável, após o restabelecimento da democracia e tendo os seus direitos assegurados formalmente nas políticas públicas e sociais, ainda experimentam sérias dificuldades na escuta das suas demandas e saberes, nos espaços que foram instituídos com esse objetivo.
Pautar os interesses dos segmentos mais vulneráveis aqui identificados, em contextos onde notadamente o político institucional, a condição econômica, social, educacional e racial se confrontam, resultando em conflitos e na correlação de forças, só terá ressonância pelo nível de organização, capacidade, poder de pressão e articulação política desses segmentos que, em alguns momentos, conseguem identificar algumas das suas demandas atendidas. Mas, por outro lado, o poder de pressão para aprofundar, garantir e efetivar conquistas, em uma democracia que precisa ainda, ser consolidada, apresenta-se tênue, por alguns dos aspectos mencionados nesse apontamento e que não foram superados.
Considerando que historicamente, os direitos sociais foram os últimos a serem reconhecidos, depois dos direitos civis e dos direitos políticos e, refletindo sobre as relações paternalistas, patrimonialistas e clientelistas que ainda são parte da formação da nossa cidadania, concluo que, embora existindo legislações específicas sobre a participação social enquanto co-gestão nas políticas públicas e setoriais, percebe-se pequenos avanços e, partindo das reflexões referentes aos anos de experiência profissional, em diversos projetos gestados pelo Estado, entendo que essa participação enquanto direito social e político está muito mais vinculada ao atendimento às exigências contratuais, do que o seu reconhecimento natural do direito conquistado e traduzido, nas legislações vigentes.
Mas, com muita fé, organização e luta chegaremos a uma sociedade mais justa e igualitária que privilegia o diálogo e a democracia.
REFERÊNCIAS
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CARVALHO, Maria do Carmo. Gestão Social,1998
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CONSELHO FEDERAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL – CFESS. Código de Ética, 10ª Ed. Revista e Atualizada, 2011.
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WWW.infoescola.com. Movimento Social pela Anistia, acessado em 18/07/2021 ás 10hs.
1Assistente Social, Especialista em Gênero e Desenvolvimento Regional, Mestra em Educação e Contemporaneidade.