CONDIÇÕES HIGIÊNICO-SANITÁRIAS NA COMERCIALIZAÇÃO DE PESCADO EM FEIRAS LIVRES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202502281937


Camila Sampaio Cutrim¹


RESUMO

O descumprimento das normas higiênico-sanitárias em estabelecimentos que manipulam alimentos, com destaque para as feiras livres é um problema recorrente, especialmente no que se refere às condições de manipulação, de exposição e de comercialização de alimentos. Produtos de origem animal, devido à sua alta perecibilidade, exigem um controle rigoroso das condições de comercialização para evitar a introdução de perigos físicos, químicos ou biológicos, que podem representar riscos significativos à saúde dos consumidores. Este estudo teve como objetivo avaliar as condições higiênico-sanitárias na comercialização de pescado em feiras livres do município do Rio de Janeiro. Foram realizadas avaliações sistemáticas em barracas de pescado em sete feiras diferentes, com foco na adequação da presença de gelo em quantidade e qualidade, na exposição dos alimentos a pragas e vetores, e no uso apropriado de uniformes pelos manipuladores. Os resultados, expressos em porcentagens, revelaram a ausência de estruturas adequadas para a lavagem dos produtos, além de deficiências na proteção contra pragas e vetores. Foi também identificado que a maioria dos manipuladores não utilizava equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados, e que o descarte de resíduos era feito de forma inadequada. Ademais, constatou-se a insuficiência na reposição de gelo, elemento crucial para a conservação dos pescados. Esses achados evidenciam a necessidade urgente de intervenções corretivas, além do fortalecimento das ações de fiscalização sanitária para assegurar a segurança alimentar. A implementação dessas medidas é fundamental para minimizar os riscos à saúde pública e garantir a qualidade e segurança dos alimentos oferecidos aos consumidores nas feiras livres.

Palavras-chave: pescado; higiene; feiras; manipulação; vigilância

1 INTRODUÇÃO

As feiras livres são grandes comércios populares de alimentos e variedades, nas quais uma vasta gama de produtos alimentícios é ofertada. No município do Rio de Janeiro as feiras livres foram estabelecidas em 1904, representando mais de 100 anos de existência, totalizando atualmente 160 feiras cadastradas.

Segundo a legislação sanitária, todos os produtos expostos nas feiras devem possuir adequadas características sensoriais e valor nutricional, além de boas condições de higiene (BRASIL, 2004). No entanto, regularmente, em tais comércios são observadas irregularidades, falta de organização, e as não conformidades de maior gravidade encontradas são aquelas relacionadas à falta de higiene dos manipuladores, do ambiente e dos utensílios e da conservação e exposição dos alimentos (RIEDEL, 2005, ANJOS, MUJICA, COSTA, 2019). Como as feiras livres tem por característica estarem em locais abertos, este fato aumenta o risco de exposição dos produtos de origem animal a perigos de origem física, química ou biológica, uma vez que podem estar sendo comercializados nas bancas sem embalagem primária e sem a devida temperatura de conservação, possibilitando a multiplicação de microrganismos ou a exposição à insetos, vetores ou contaminantes químicos. (GERMANO, GERMANO, 2001).

A qualidade higiênico-sanitária de alimentos comercializados em feiras livres tem sido amplamente estudada e discutida por se tratar de um fator de segurança dos alimentos, sendo imprescindível, compreender os processos de contaminação nos alimentos e a possível ocorrência de doenças transmitidas por alimentos (MARTINS DE PAIVA et al., 2018; MARTINS, FERREIRA, 2018; MAGALHÃES et al., 2020; LEITE DOS SANTOS et al., 2021; AMORIM JÚNIOR, ROSSI, 2023).

Para assegurar a qualidade e segurança dos alimentos é fundamental que ocorra a conscientização e o cumprimento de normas como as Boas Práticas de Fabricação (BPF), bem como a adoção de medidas preventivas durante a exposição e manipulação dos alimentos. Estas medidas incluem a utilização de uniformes limpos e completos, e a proteção dos alimentos em todas as fases de preparo, armazenamento e distribuição adequados. (DA SILVA, 2020).

Visando a manutenção da qualidade higiênico-sanitária dos alimentos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a Resolução Diretoria Colegiada (RDC) nº 216, de 15 de setembro de 2004, em vigor desde 15 de março de 2005, que aprova o Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação (BRASIL, 2004). Além dessa normatização federal, no município do Rio de Janeiro, em 2018, foi homologada a Lei Complementar nº 197, de 27 de dezembro de 2018, que dispõe sobre o Código de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária do Município do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2018). Dessa forma, o objetivo do presente trabalho foi avaliar as condições higiênico sanitárias de comercialização de pescado em feiras livres do município do Rio de Janeiro

2 MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi delineado como uma pesquisa exploratória, descritiva e com enfoque qualitativo, a partir de visitas em feiras livres no município do Rio de Janeiro com avaliação das condições de comercialização de produtos a partir do Código de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e do Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação sobre boas práticas de manipulação (BRASIL, 2004).

Foram realizadas avaliações sistemáticas em barracas que comercializavam pescado em nove diferentes feiras livres com foco nas condições relacionadas à presença ou ausência de gelo, exposição e presença de pragas e vetores, e ao uso adequado de uniformes e descarte dos resíduos e os principais resultados obtidos foram transformados em porcentagens de adequação ou inadequação.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

De forma geral, foi observado que em todas as barracas analisadas não havia locais para lavagem do pescado, descarte adequado de resíduos e tampouco mecanismos eficazes de proteção contra pragas e vetores que eventualmente entravam em contato direto com os alimentos expostos sem proteção (Figura 1). Além disso, os resíduos do processamento (evisceração, limpeza, filetagem) eram descartados diretamente no chão ou em caixas expostas ao ambiente, favorecendo a proliferação de pragas e vetores (Figura 2).

Figura 1: Presença de moscas no pescado inteiro ou filetado exposto a comercialização
Figura 2: Descarte dos resíduos do processamento do pescado comercializado

Martins de Paiva et al., observaram resultados semelhantes ao do presente estudo com a venda do pescado ao ar livre sem vitrine em 10 dos 12 boxes avaliados em feiras livre de Palmas-TO (Martins de Paiva et al. 2018).

Outra não conformidade verificada foi a não utilização de uniformes adequados e limpos e equipamentos de proteção individual pela maior parte dos manipuladores. Observou-se também que, frequentemente, os trabalhadores utilizavam apenas aventais de proteção sobre suas roupas pessoais, não garantindo, assim, as condições adequadas de higiene e segurança (Figura 3). Os resultados do presente estudo estão em consonância àqueles encontrados por Martins e Ferreira que avaliaram as condições higiênico-sanitária das feiras livres da cidade de Macapá e Santana-AP e observaram que no aspecto dos manipuladores, a feira apresentou 100% de não conformidade, pois estes estavam sem uniforme próprio (Martins; Ferreira, 2018).

Figura 3: Ausência de uniformes adequados e limpos conforme previsto pela legislação para manipulação de alimentos.

Foi observado nesta pesquisa que 100% das barracas de pescado encontravam-se inadequadas devido ao fato dos produtos não estarem recoberto por gelo em escamas em quantidade suficiente. Vargas encontrou resultados semelhantes na avaliação de filés de traíra comercializados em Porto Alegre- RS com 100% de não conformidades na presença de gelo em quantidade, bem como exposição dos peixes sem proteção de vitrine (Vargas, 2020).

Outro resultado observado em relação a presença ou ausência de gelo está apresentado na figura 4, destacando que 45% das barracas avaliadas não possuíam gelo suficiente, sendo disponível apenas em determinados tipos de pescados de maior valor agregado, como filés de peixe, sem adequada reposição periódica do gelo. Do total de barracas apenas 19% alguma quantidade de gelo, enquanto 36% não possuíam gelo em nenhuma quantidade.

Figura 4: Percentual de produtos expostos com presença de gelo em toda barraca, presença parcial ou ausência de gelo.

Anjos, Mujica e Costas encontraram resultados semelhantes avaliando as condições higiênico-sanitárias e estruturais da comercialização de pescado nas feiras livres de Palmas-TO, com percentuais de inconformidades entre 36% e 38% (Anjos; Mujica; Costa, 2019). De Almeira e Morales verificaram que a totalidade do pescado exposto à comercialização não estava coberto por gelo, permanecendo em temperatura ambiente em mercados públicos de Itacoatiara -AM (De Almeira; Morales, 2021).

Dentre os principais produtos expostos sem gelo destacaram-se sardinhas (36%), peixes inteiros (25 %) camarão (22%), filés de peixe (6%), carangueijo (5%) e polvos e lulas (3% cada) conforme ilustrado na figura 5.

Figura 5: Principais tipos de pescado comercializados sem gelo

4 CONCLUSÃO

A avaliação das condições higiênico-sanitárias nas barracas de pescado revelou um cenário preocupante, com a ausência de estruturas adequadas para a lavagem do pescado e de mecanismos eficazes para a proteção contra pragas e vetores. A falta de uniformes limpos e de equipamentos de proteção individual entre os manipuladores, somada ao descarte inadequado dos resíduos do processamento, evidencia a necessidade urgente de intervenções para garantir a segurança dos alimentos. Além disso, a insuficiência na reposição e na disponibilidade de gelo, crucial para a conservação dos produtos, foi um dos principais pontos de não conformidade observados, corroborando estudos anteriores. Esses achados destacam a importância da implementação de boas práticas de manipulação e do reforço na fiscalização pela vigilância sanitária, a fim de assegurar a qualidade e a segurança dos alimentos comercializados.

REFERÊNCIAS

AMORIM JÚNIOR, Lúcio André; MARQUES ROSSI, Gabriel Augusto. Adoção das Boas Práticas de Manipulação dos crustáceos e moluscos comercializados em feiras livres da região da Grande Vitória, Espírito Santo, Brasil. Brazilian Journal of Veterinary Science/Revista Brasileira de Ciência Veterinária, v. 30, n. 3, 2023.

ANJOS, Eduardo Sousa dos; MUJICA, Pedro Ysmael Cornejo; COSTA, Raimundo Ferreira. Avaliação das condições higiênico-sanitárias e estruturais da comercialização de pescado nas feiras livres de Palmas-TO. Higiene alimentar, p. 1652-1656, 2019.

DA SILVA, Sueli Maria. Boas práticas em transporte, distribuição e serviços. Editora Senac São Paulo, 2020.

DE ALMEIDA, Patrícia Costa; MORALES, Bruno Ferezim. Análise das condições microbiológicas e higiênico-sanitárias da comercialização de pescado em mercados públicos de Itacoatiara, Amazonas, Brasil. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 3, p. 32247-32269, 2021.

GERMANO, P. M. L.; GERMANO, M. I. S. Higiene e vigilância sanitária de alimentos. São Paulo: Varela, 2001. 629p.

LEITE DOS SANTOS, E., DE JESUS REIS DOS SANTOS, F., DO NASCIMENTO PEREIRA LIMA, J., NASCIMENTO DE JESUS BORBA, M., DE SOUSA MORENO, J., PRATES RODRIGUES, E., & NASCIMENTO COSTA, E. (2021). Avaliação das Condições Higiênico-Sanitárias nas Feiras Livres das Cidades de Cachoeira e Muritiba – BA. HOLOS, v.1, p.1–16. https://doi.org/10.15628/holos.2021.10223

MARTINS DE PAIVA, M. J., DOS ANJOS, E. S., COSTA, R. F., & GIRALDO ZUNIGA, A. D. (2018). Avaliação das Condições Higiênico-Sanitárias da Comercialização de Pescado em Feiras Livres de Palmas – To. DESAFIOS – Revista Interdisciplinar Da Universidade Federal Do Tocantins, v.5,n.4, p.117–123. https://doi.org/10.20873/uft.2359-3652201854p117.

MARTINS, A., & FERREIRA, A. C. (2018). Caracterização das condições higiênico-sanitária das feiras livres da cidade de Macapá e Santana-AP. Revista Arquivos Científicos (IMMES), v.1,n.1, p.28-35. https://doi.org/https://doi.org/10.5935/2595-4407/rac.immes.v1n1p28-35.

RIEDEL, G. Controle Sanitário de Alimentos. 3 ed. Atheneu, 2005, 456p.

SILVA, J. A.; MELO, E. A.; LEMOS, S. M. Condições higiênico-sanitárias dos alimentos comercializados na feira de produtos orgânicos do CEASA. 2010. Disponível em: <https://goo.gl/dsK9XK>.

VARGAS, B. K. Avaliação microbiológica, físico-química e sensorial de filés de traíra (Hoplias malabaricus) comercializados na 236ª Feira do Peixe de Porto Alegre-RS. 2017.


¹Universidade Estácio de Sá – UNESA