REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202502280905
Neire Amaral de Lima1
RESUMO
O Pará, localizado na região Norte do Brasil, destaca-se por sua rica diversidade cultural e étnica, com presença significativa de povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos e populações urbanas de origem africana, europeia e asiática. Essa pluralidade, no entanto, nem sempre é valorizada no contexto educacional, onde persistem práticas homogeneizantes e discriminatórias. A escola, historicamente, tem reproduzido desigualdades raciais e culturais, marginalizando identidades negras e indígenas, como aponta Nilma Lino Gomes (2012). No Pará, essa realidade é ainda mais complexa, exigindo uma abordagem educacional intercultural e decolonial que reconheça e valorize os saberes tradicionais. A formação docente no estado enfrenta desafios como a falta de infraestrutura, a distância geográfica e a carência de políticas públicas voltadas para a educação intercultural. No entanto, iniciativas como os cursos de licenciatura intercultural oferecidos por universidades públicas buscam preparar professores para atuar nesse contexto. Autores como Boaventura de Sousa Santos (2010) e Paulo Freire (1996) defendem uma educação que promova o diálogo entre saberes e a transformação social, enquanto Grada Kilomba (2019) enfatiza a necessidade de uma formação antirracista. Em síntese, a formação docente no Pará deve ser pautada por uma perspectiva intercultural e antirracista, que supere práticas homogeneizantes e promova o respeito às diferenças. A escola, como espaço de formação cidadã, tem o papel fundamental de valorizar a diversidade cultural e étnica, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária.
Palavras-chave: Formação docente; diversidade cultural; educação antirracista.
ABSTRACT
Pará, located in the Northern region of Brazil, stands out for its rich cultural and ethnic diversity, with significant presence of indigenous peoples, quilombola communities, riverine populations, and urban communities of African, European, and Asian descent. However, this plurality is not always valued in the educational context, where homogenizing and discriminatory practices persist. Historically, schools have reproduced racial and cultural inequalities, marginalizing Black and Indigenous identities, as highlighted by Nilma Lino Gomes (2012). In Pará, this reality is even more complex, requiring an intercultural and decolonial educational approach that recognizes and values traditional knowledge. Teacher training in the state faces challenges such as lack of infrastructure, geographical distance, and insufficient public policies focused on intercultural education. Nonetheless, initiatives like intercultural degree programs offered by public universities aim to prepare teachers to work in this context. Authors such as Boaventura de Sousa Santos (2010) and Paulo Freire (1996) advocate for an education that promotes dialogue between different forms of knowledge and social transformation, while Grada Kilomba (2019) emphasizes the need for anti-racist training. In summary, teacher training in Pará should be guided by an intercultural and anti-racist perspective, overcoming homogenizing practices and promoting respect for differences. Schools, as spaces for civic education, play a fundamental role in valuing cultural and ethnic diversity, contributing to a more just and equitable society.
Keywords: Teacher training; cultural diversity; anti-racist education.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo discutir a formação docente no contexto da diversidade cultural e étnica do Pará, propondo uma abordagem intercultural e decolonial que valorize os saberes tradicionais e promova a inclusão educacional. A estrutura do texto está organizada em três eixos principais, que buscam analisar os desafios e as possibilidades de uma educação que respeite e integre as múltiplas identidades culturais presentes no estado.
No primeiro eixo, aborda-se a riqueza cultural e étnica do Pará, destacando a presença significativa de povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos e populações urbanas de diversas origens. Essa pluralidade é fruto de um processo histórico complexo, permeado por migrações, colonização e resistência cultural. No entanto, essa diversidade nem sempre é valorizada no contexto educacional, onde persistem práticas homogeneizantes e discriminatórias que ignoram as especificidades culturais e étnicas desses grupos.
O estado depara-se ainda, com desafios estruturais que agravam esse cenário, como a precariedade de infraestrutura em escolas de áreas rurais e de difícil acesso, onde vivem inúmeras comunidades indígenas e quilombolas, e a escassez de materiais didáticos que reflitam a diversidade cultural e étnica local.
O segundo eixo do artigo concentra-se na formação docente, argumentando que a superação das desigualdades educacionais exige uma reestruturação dos currículos e das práticas pedagógicas. Propõe-se uma formação baseada na interculturalidade e na decolonialidade, que reconheça e valorize os saberes tradicionais dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos.
Essa abordagem implica não apenas a inclusão de conteúdos específicos, mas também a adoção de metodologias que promovam o diálogo entre diferentes culturas e o combate ao racismo e à discriminação. A ecologia de saberes, conceito proposto por Boaventura de Sousa Santos (2010), é apresentada como uma ferramenta teórica essencial para essa transformação, ao defender a coexistência e a complementaridade entre diferentes formas de conhecimento.
Como aponta Frantz Fanon (1952), a descolonização não se limita a um processo político, representando, igualmente, um ato profundo de reconhecimento e valorização das culturas e identidades que foram sistematicamente marginalizadas e oprimidas ao longo da história. Trata-se de uma transformação que busca restaurar a dignidade e a voz desses grupos, promovendo a justiça social e a equidade por meio da reafirmação de seus saberes, tradições e modos de vida. Nesse sentido, a descolonização implica não apenas a ruptura com estruturas de dominação, mas também a construção de um novo paradigma que respeite e celebre a diversidade cultural como parte essencial da humanidade.
Por fim, o terceiro eixo do texto discute os desafios estruturais e pedagógicos enfrentados pela educação no Pará, com destaque para a falta de infraestrutura adequada em áreas rurais e de difícil acesso, a carência de materiais didáticos que contemplem a diversidade cultural e a necessidade de políticas públicas que garantam o acesso à educação de qualidade para todos os grupos sociais.
Ademais, são apresentadas propostas concretas para a formação docente, como a criação de cursos de licenciatura intercultural e a implementação de práticas pedagógicas antirracistas e inclusivas. A perspectiva de autores como Paulo Freire (1996) e Grada Kilomba (2019) é mobilizada para reforçar a importância de uma educação libertadora e transformadora, que promova a justiça social e o respeito às diferenças. Como afirma Bell Hooks (1994), a educação deve ser um ato de libertação, que permita a todos os indivíduos, independentemente de sua origem cultural ou étnica, desenvolverem plenamente seu potencial e contribuírem para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Portanto, este artigo busca contribuir para o debate sobre a formação docente no Pará, propondo uma abordagem que reconheça e valorize a diversidade cultural e étnica da região. A estrutura do texto reflete essa intenção, ao articular a análise dos desafios educacionais com a apresentação de propostas concretas para a construção de uma educação verdadeiramente inclusiva e democrática. Acreditase que, ao adotar uma perspectiva intercultural e decolonial, a escola pode se tornar um espaço de diálogo e valorização das múltiplas identidades que compõem o tecido social paraense.
2. DIVERSIDADE CULTURAL E ÉTNICA NO PARÁ
O Pará é um estado que se destaca pela sua riqueza cultural e étnica, caracterizada pela presença significativa de povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos e populações urbanas de origem africana, europeia e asiática. Essa pluralidade é resultado de um processo histórico marcado por migrações, colonização e resistência cultural.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), o Pará possui uma das maiores populações indígenas do país, com mais de 60 mil indígenas distribuídos em 53 etnias, além de centenas de comunidades quilombolas reconhecidas oficialmente. Essa diversidade, no entanto, nem sempre é valorizada no contexto educacional, onde persistem práticas homogeneizantes e discriminatórias que ignoram as especificidades culturais e étnicas desses grupos.
A Amazônia paraense, em particular, é um espaço de grande diversidade sociocultural, onde coexistem saberes tradicionais, práticas ancestrais e modos de vida profundamente conectados à natureza. No entanto, essa riqueza cultural muitas vezes é invisibilizada ou reduzida a estereótipos no ambiente escolar. A escola brasileira tem sido historicamente um espaço de reprodução de desigualdades raciais e culturais, onde as identidades negras e indígenas são frequentemente negligenciadas ou representadas de forma superficial e estereotipada.
Essa realidade é ainda mais complexa no Estado, dada a multiplicidade de identidades culturais que demandam uma abordagem específica e contextualizada. A escola, ao longo de sua história, tem sido um espaço de negação das identidades negras e indígenas. A falta de representatividade nos currículos e a perpetuação de estereótipos contribuem para a marginalização desses grupos, reforçando as desigualdades raciais e culturais.
Essa crítica é particularmente relevante para o contexto paraense, onde a diversidade cultural e étnica é um elemento central da identidade regional. A invisibilização dessas identidades no espaço escolar não apenas reforça as desigualdades, mas também nega a riqueza cultural da região. A escola, ao invés de ser um espaço de valorização e diálogo entre diferentes culturas, muitas vezes reproduz uma lógica eurocêntrica que desconsidera os saberes e as histórias dos povos tradicionais.
Além disso, o Estado enfrenta desafios estruturais que agravam essa situação, como a falta de infraestrutura adequada nas escolas localizadas em áreas rurais e de difícil acesso, onde vivem muitas comunidades indígenas e quilombolas. A carência de materiais didáticos que contemplem a diversidade cultural e étnica da região também é um obstáculo significativo. Como destaca Munanga (2005):
A educação brasileira ainda está longe de ser verdadeiramente inclusiva, pois continua a privilegiar uma visão de mundo hegemônica que marginaliza as culturas não dominantes. É necessário repensar as práticas pedagógicas e os currículos para que eles reflitam a diversidade cultural do país e promovam a valorização das identidades historicamente excluídas. (MUNANGA, 2005, p. 78)
No caso específico dos povos indígenas, a educação escolar muitas vezes entra em conflito com os processos próprios de educação tradicional, baseados na oralidade, na transmissão de saberes ancestrais e na relação com o território. Nesse sentido, importante se faz destacar os ensinamentos de Luciano “A educação indígena não pode ser imposta de fora para dentro, mas deve ser construída em colaboração com as comunidades, respeitando seus modos de vida e suas cosmovisões.” (LUCIANO, 2006, p. 112)
Já no que diz respeito às comunidades quilombolas, a educação enfrenta o desafio de superar a invisibilidade histórica a que essas comunidades foram submetidas. Apesar dos avanços legais, como o reconhecimento dos territórios quilombolas e a inclusão da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar, ainda há um longo caminho a percorrer para que essas conquistas se traduzam em práticas pedagógicas efetivas. Como ressalta Gomes (2012):
É necessário que a escola se torne um espaço de afirmação das identidades negras, combatendo o racismo estrutural e promovendo a valorização da cultura afro-brasileira. A educação deve ser um instrumento de transformação social, capaz de desconstruir estereótipos e promover a igualdade racial. (GOMES, 2012, p. 89)
A diversidade cultural e étnica do Pará, portanto, representa tanto uma riqueza quanto um desafio para a educação. Por um lado, ela oferece a possibilidade de construir uma educação plural e intercultural, que valorize os saberes tradicionais e promova o diálogo entre diferentes culturas. Por outro lado, exige a superação de práticas pedagógicas homogeneizantes e discriminatórias, bem como a criação de políticas públicas que garantam o acesso à educação de qualidade para todos os grupos sociais.
Nesse sentido, é fundamental que a formação docente no Pará seja repensada a partir de uma perspectiva intercultural e decolonial, que reconheça e valorize a diversidade cultural e étnica da região. Isso implica não apenas a inclusão de conteúdos sobre as culturas indígenas, quilombolas e ribeirinhas no currículo escolar, mas também a adoção de práticas pedagógicas que promovam o respeito às diferenças e o combate ao racismo e à discriminação. De acordo com Walsh (2009):
A educação intercultural deve ser entendida como um projeto político-pedagógico que busca transformar as estruturas de poder e promover a justiça social. Ela não se limita à inclusão de conteúdos multiculturais, mas exige uma mudança profunda nas relações de poder e na forma como a escola se relaciona com as comunidades. (WALSH, 2009, p. 34)
Como se observa, a diversidade cultural e étnica do Pará é um elemento central da identidade regional e deve ser valorizada no contexto educacional. Para tanto, é necessário superar os desafios estruturais e pedagógicos que impedem a construção de uma educação verdadeiramente inclusiva e intercultural. A escola, como espaço de formação cidadã, tem o papel fundamental de promover o diálogo entre diferentes culturas e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
3. FORMAÇÃO DOCENTE E INTERCULTURALIDADE
A formação docente para a diversidade cultural e étnica requer uma abordagem intercultural, que reconheça e valorize as diferenças culturais como parte integrante do processo educativo. Essa perspectiva é fundamental para a superação da lógica homogeneizante que ainda predomina na educação brasileira, especialmente em contextos marcados por uma grande diversidade étnica e cultural, como é o caso do Pará.
Partindo dessa premissa, autores como Boaventura de Sousa Santos (2010) e Paulo Freire (1996) oferecem bases teóricas que se apresentam como fundamentais para repensar a formação de professores, destacando a importância do diálogo entre saberes e da educação como prática de liberdade.
Boaventura de Souza Santos (2010) propõe o conceito de “ecologia de saberes”, que defende a coexistência e a complementaridade entre diferentes formas de conhecimento, sem hierarquias ou subordinações. Essa abordagem é particularmente relevante para a realidade paraense, onde os saberes tradicionais dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos são fundamentais para a compreensão da região e para a construção de uma educação contextualizada.
Santos (2010) argumenta que:
A ecologia de saberes parte do pressuposto de que a diversidade epistemológica do mundo é infinita e que nenhuma forma de conhecimento é, por si só, suficiente para abarcar toda a complexidade da realidade. Assim, é necessário promover o diálogo entre diferentes saberes, reconhecendo suas especificidades e potencialidades. (SANTOS, 2010, p. 78)
Essa perspectiva é essencial para a formação docente no Pará, onde os saberes tradicionais podem enriquecer o currículo escolar e promover uma educação mais inclusiva e significativa. Por exemplo, os conhecimentos indígenas sobre a biodiversidade da Amazônia ou as práticas culturais quilombolas podem ser integrados ao ensino de ciências, história e geografia, proporcionando aos estudantes uma visão mais ampla e contextualizada da realidade, possibilitando, ainda, a valorização dos conhecimentos ancestrais.
No entanto, para que isso ocorra, é necessário que os professores sejam formados a partir de uma perspectiva intercultural, que reconheça e valorize a diversidade cultural e étnica. Como destaca Candau (2008), a interculturalidade vai além da simples inserção de conteúdos sobre diversas culturas no currículo, exigindo uma mudança profunda nas práticas pedagógicas e nas relações sociais dentro do ambiente escolar. Para a referida autora:
A educação intercultural não é apenas uma questão de conteúdo, mas de postura. Ela exige que os educadores estejam abertos ao diálogo com as diferenças, reconhecendo que todas as culturas têm valor e contribuem para a construção do conhecimento. (CANDAU, 2008, p. 23)
Essa postura é fundamental para a formação docente no Pará, onde a diversidade cultural e étnica é uma característica central da identidade regional. Os professores precisam ser capacitados para lidar com essa diversidade de forma respeitosa e inclusiva, promovendo o diálogo entre diferentes saberes e combatendo práticas discriminatórias.
O patrono da educação brasileira, Paulo Freire (1996), por sua vez, enfatiza a importância de uma educação libertadora, que promova a conscientização crítica e a transformação social. No contexto da diversidade cultural e étnica, isso implica reconhecer as opressões históricas enfrentadas por grupos marginalizados e trabalhar para sua superação por meio de práticas pedagógicas inclusivas e antirracistas. Freire (1996) afirma:
A educação verdadeiramente libertadora é aquela que problematiza a realidade, questionando as estruturas de poder e dominação que perpetuam as desigualdades. Para tanto, é necessário que o educador assuma uma postura crítica e comprometida com a transformação social. (FREIRE, 1996, p. 34)
Essa perspectiva é fundamental para a formação docente no Pará, onde as desigualdades raciais e culturais são um desafio central para a construção de uma educação democrática e inclusiva. A escola, como espaço de formação cidadã, tem o papel de promover a conscientização sobre as opressões históricas e de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Nesse sentido, a formação docente deve incluir não apenas a aquisição de conhecimentos teóricos, mas também o desenvolvimento de habilidades práticas e atitudinais, como a capacidade de dialogar com as diferenças, de reconhecer e valorizar os saberes tradicionais e de combater o racismo e a discriminação. Como ressalta Walsh (2009), a educação intercultural deve ser compreendida como uma iniciativa político-pedagógica que visa transformar as estruturas de poder e fomentar a justiça social.
Além disso, é importante que a formação docente seja contextualizada, ou seja, que leve em consideração as especificidades da realidade paraense. Isso implica a incorporação de temas como a história e a cultura dos povos indígenas e quilombolas, a relação entre educação e território e os desafios específicos enfrentados pelas comunidades tradicionais. De acordo com Luciano (2006), “[…] a escola precisa ser repensada para se tornar um espaço de diálogo intercultural, onde os saberes tradicionais sejam valorizados e integrados ao currículo de forma respeitosa e significativa.” (LUCIANO, 2006, p. 112)
Diante do quadro desenhado, a formação docente para a diversidade cultural e étnica no Pará deve ser pautada por uma perspectiva intercultural e decolonial, que reconheça e valorize a diversidade de saberes e promova o diálogo entre diferentes culturas. Essa abordagem é essencial para superar as desigualdades raciais e culturais e para construir uma educação verdadeiramente inclusiva e democrática.
4. DESAFIOS E PROPOSTAS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE NO PARÁ
A formação docente no Pará enfrenta desafios específicos que refletem as complexidades da região, marcada por uma vasta diversidade cultural e étnica, mas também por desigualdades sociais e econômicas profundas. Entre os principais obstáculos estão a falta de recursos financeiros e materiais, a distância geográfica entre as comunidades, a carência de políticas públicas voltadas para a educação intercultural e a persistência de práticas pedagógicas homogeneizantes que ignoram as especificidades locais.
Esses desafios são agravados pela histórica marginalização dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, cujos saberes e culturas têm sido sistematicamente negligenciados no sistema educacional.
No entanto, há iniciativas promissoras que apontam caminhos para superar esses desafios. Um exemplo são os cursos de licenciatura intercultural ofertados por universidades públicas, como a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade do Estado do Pará (UEPA), que buscam formar professores capazes de atuar em contextos de diversidade cultural. Esses cursos têm como objetivo principal preparar os educadores para reconhecer e valorizar os saberes tradicionais, promovendo uma educação que dialogue com as realidades locais e contribua para a superação das desigualdades.
Grada Kilomba (2019) argumenta que a formação docente deve incluir uma perspectiva antirracista, que questione as estruturas de poder e dominação que perpetuam a discriminação racial. No caso do Pará, isso significa incorporar os saberes e as histórias dos povos indígenas e quilombolas no currículo escolar, bem como promover o diálogo entre diferentes culturas. A autora destaca:
O racismo não é apenas uma questão individual, mas uma estrutura de poder que permeia todas as instituições sociais, incluindo a escola. Para combatê-lo, é necessário desconstruir as narrativas dominantes e criar espaços onde as vozes marginalizadas possam ser ouvidas e valorizadas. (KILOMBA, 2019, p. 112)
Essa perspectiva é fundamental para a formação docente no Pará, onde o racismo e a discriminação cultural são desafios centrais para a construção de uma educação inclusiva e equitativa. A escola, como instituição social, tem o papel de combater essas práticas discriminatórias e de promover a valorização das identidades culturais e étnicas.
Para alcançar esse objetivo, é essencial repensar a formação de professores com base em uma perspectiva intercultural e decolonial, que reconheça e valorize a diversidade de conhecimentos e incentive o diálogo entre culturas distintas. Isso requer a incorporação de conteúdos relacionados à história e à cultura de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos nos currículos dos cursos de formação docente, além da implementação de práticas pedagógicas que respeitem e celebrem as diferenças.
Além disso, é fundamental que os professores sejam capacitados para lidar com situações de conflito e discriminação no ambiente escolar, promovendo o respeito às diferenças e o combate ao racismo e à intolerância. Como ressalta Gomes (2012), a formação de professores deve incorporar uma abordagem antirracista, que desafie as estruturas de poder e dominação responsáveis pela perpetuação das desigualdades raciais e culturais.
Outro desafio importante é a falta de infraestrutura adequada nas escolas localizadas em áreas rurais e de difícil acesso, onde vivem muitas comunidades tradicionais. A carência de materiais didáticos que contemplem a diversidade cultural e étnica da região também é um obstáculo significativo. Para superar esses desafios, é necessário investir em políticas públicas que garantam o acesso à educação de qualidade para todos os grupos sociais, bem como a produção e distribuição de materiais didáticos que valorizem os saberes tradicionais.
Nesse sentido, é fundamental que as universidades e instituições de formação docente estabeleçam parcerias com as comunidades tradicionais, promovendo o diálogo entre os saberes acadêmicos e os saberes tradicionais. Como afirma Santos (2010), a ecologia de saberes é indispensável para a construção de uma educação genuinamente inclusiva e democrática.
Portanto, a formação docente no Pará deve ser pautada por uma perspectiva intercultural e antirracista, que reconheça e valorize a diversidade cultural e étnica da região. Isso implica a superação dos desafios estruturais e pedagógicos que impedem a construção de uma educação inclusiva e equitativa, bem como a adoção de práticas pedagógicas que promovam o respeito às diferenças e o combate ao racismo e à discriminação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste artigo, buscou-se discutir a formação docente no contexto da diversidade cultural e étnica do Pará, propondo uma abordagem intercultural e decolonial que valorize os saberes tradicionais e promova a inclusão educacional. A análise foi estruturada em três eixos principais, que permitiram explorar os desafios e as possibilidades de uma educação que respeite e integre as múltiplas identidades culturais presentes no estado.
No primeiro eixo, evidenciou-se a riqueza cultural e étnica do Pará, marcada pela presença significativa de povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos e populações urbanas de diversas origens. Essa pluralidade, no entanto, nem sempre é valorizada no contexto educacional, onde persistem práticas homogeneizantes e discriminatórias que ignoram as especificidades culturais e étnicas desses grupos. A invisibilização dessas identidades no espaço escolar reforça as desigualdades raciais e culturais, negando a riqueza cultural da região. Além disso, os desafios estruturais, como a falta de infraestrutura adequada em áreas rurais e a carência de materiais didáticos que reflitam a diversidade local, agravam essa situação.
O segundo eixo concentrou-se na formação docente, argumentando que a superação das desigualdades educacionais exige uma reestruturação dos currículos e das práticas pedagógicas. Propôs-se uma formação baseada na interculturalidade e na decolonialidade, que reconheça e valorize os saberes tradicionais dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. A ecologia de saberes, proposta por Boaventura de Sousa Santos (2010), foi apresentada como uma ferramenta teórica essencial para essa transformação, ao defender a coexistência e a complementaridade entre diferentes formas de conhecimento. A descolonização, como apontou Frantz Fanon (1952), foi entendida não apenas como um processo político, mas também como um ato de reconhecimento e valorização das culturas e identidades historicamente oprimidas.
No terceiro eixo, foram discutidos os desafios estruturais e pedagógicos enfrentados pela educação no Pará, com destaque para a falta de infraestrutura adequada em áreas rurais, a carência de materiais didáticos que contemplem a diversidade cultural e a necessidade de políticas públicas que garantam o acesso à educação de qualidade para todos os grupos sociais. Foram apresentadas propostas concretas para a formação docente, como a criação de cursos de licenciatura intercultural e a implementação de práticas pedagógicas antirracistas e inclusivas. A perspectiva de autores como Paulo Freire (1996) e Grada Kilomba (2019) reforçou a importância de uma educação libertadora e transformadora, que promova a justiça social e o respeito às diferenças.
Em síntese, este artigo buscou contribuir para o debate sobre a formação docente no Pará, propondo uma abordagem que reconheça e valorize a diversidade cultural e étnica da região. Acredita-se que, ao adotar uma perspectiva intercultural e decolonial, a escola pode se tornar um espaço de diálogo e valorização das múltiplas identidades que compõem o tecido social paraense. No entanto, para que essa transformação ocorra, é fundamental superar os desafios estruturais e pedagógicos que impedem a construção de uma educação verdadeiramente inclusiva e democrática.
A formação docente, nesse sentido, deve ser pautada por uma postura crítica e comprometida com a transformação social, capaz de promover o diálogo entre diferentes culturas e combater o racismo e a discriminação. Como afirmou Bell Hooks (1994), a educação deve ser um ato de libertação, que permita a todos os indivíduos, independentemente de sua origem cultural ou étnica, desenvolverem plenamente seu potencial e contribuírem para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Portanto, a construção de uma educação intercultural e decolonial no Pará não é apenas uma necessidade pedagógica, mas também um imperativo ético e político, que exige o engajamento de todos os atores envolvidos no processo educativo.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1Professora de História na Rede Pública Municipal e Estadual em Castanhal, no Pará.
Mestra em Ciências da Educação. Especialista em História do Brasil. Especialista em Gestão e
Educação Especial e Inclusiva.