VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: CONTEXTO SOCIOCULTURAL E SUAS IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS NA SAÚDE DAS MULHERES

DOMESTIC VIOLENCE: SOCIOCULTURAL CONTEXT AND ITS PSYCHOLOGICAL IMPLICATIONS ON WOMEN’S HEALTH

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202502281504


Francisca Rosa Matos1
Tammya Tercia Ribeiro da Silva2
Maria José Rosa Matos3
Adriana Quaresma de Souza Carvalho4
Darlan Oliveira de Moura Leite5
Maria Edilene de Carvalho Sousa6


RESUMO

No Brasil, a violência contra parceiros íntimos se apresenta em níveis elevados e em constante aumento. O presente estudo surgiu da inquietação em relação ao aumento recorrente de vítimas, na maioria do sexo feminino, que sofrem violência por parte de seus parceiros íntimos que afetam mulheres do mundo todo, se apresentando de diferentes formas. Esse tipo de violência possui causas multifatoriais e um agravante, exatamente por ser um ato cometido por alguém que tem um vínculo familiar ou de proximidade com a vítima. Assim, esta pesquisa teve como objetivo analisar fatores sociais e culturais que influenciam a perpetuação desses atos violentos e como a saúde mental das mulheres é impactada, levando em consideração as vivências de cada uma. A metodologia trata de uma revisão bibliográfica do tipo integrativa da literatura científica de artigos, usando as bases de dados BVS, PubMed e SciELO. Como critérios de inclusão, foram considerados estudos dos últimos cinco anos, nos idiomas português e inglês, disponíveis na íntegra. Os resultados foram favoráveis, constatando que a prevalência da violência doméstica possui causas socioculturais  e econômicas, como desigualdade social, fenômenos histórico-culturais, consumo de substâncias psicoativas, como o álcool, a subjetividade da mulher e o comportamento mediante aos atos agressivos e que mulheres que passaram por situações tais como,desigualdade de gênero, machismo, sofrimento por diferenciação de classes, desenvolveram problemas Psicológicos como depressão, ansiedade, baixa autoestima entre outros. Concluindo, assim, a importância do desenvolvimento de políticas públicas de combate à violência, a fim de que haja um engajamento da sociedade para essa questão, visto que ainda não ocorreram mudanças significativas para essa problemática.

Palavras chaves: violência contra mulher, violência doméstica, saúde mental, fatores socioculturais.

ABSTRACT

In Brazil, violence against intimate partners is at high levels and is constantly increasing.This study arose from concerns about the recurring increase in victims, mostly female, who suffer violence from their intimate partners, which affects women all over the world and presents itself in different ways. This type of violence has multifactorial causes and is made worse by the fact that it is na act committed by someone who has a family or close relationship with the victim. Its objective is to analyze social and cultural factors that influence the perpetuation of these violent acts and how women’s mental health is impacted, taking into account the experiences of each one. The methodology involves na integrative bibliographic review of scientific literature, using the BVS, PubMed and SciELO databases. The inclusion criteria were studies from the last five years, in Portuguese and English, available in full.  The results were favorable, finding that the prevalence of domestic violence has sociocultural and economic causes, such as social inequality, historical-cultural phenomena, consumption of psychoactive substances, such as alcohol, women’s subjectivity and behavior towards aggressive acts and that women who have experienced situations such as gender inequality, machismo, suffering due to class differentiation, developed psychological problems such as depression, anxiety, low self-esteem.

Keywords: violence against women, domestic violence, mental health, sociocultural factors.

1 INTRODUÇÃO 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2021, destaca que mais de 35% das mulheres em todo o mundo já sofreram algum tipo de agressão. Isso significa que uma em cada três mulheres é vítima de um parceiro íntimo ou não parceiro durante toda a sua vida. Os agravantes da prevalência da violência contra a mulher estão ligados a quesitos multifatoriais, como pertencer a um grupo de minorias raciais ou étnicas, possuir alguma deficiência física ou mental e fatores relacionados à desigualdade social e de gênero. Os tipos de agressões diferem conforme o modo de viver, as culturas e as crenças de cada país (Mazza et al., 2021).

Mundialmente, a violência entre parceiros íntimos, além de outros fatores, têm forte ligação com o patriarcado, uma vez que os comportamentos dos homens de maus-tratos às mulheres, não é visto pela sociedade como algo anormal e injusto, resultado de vivências culturais da soberania masculina sobre o feminino. Em países asiáticos, isso é bastante comum, em um estudo com indianos, por exemplo, dentre os fatores que contribuem para a agressão às mulheres. Estão inclusos a idade da mulher, a baixa escolaridade, o consumo de álcool e a cultura de aceitação da violência, seguida da desigualdade de gênero como elementos que instituem a prevalência da violência contra a mulher (Abantika et al., 2020). 

No Brasil, a violência contra parceiros íntimos se apresenta em níveis elevados e em constante aumento. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica foi de 258.941 em 2023, representando um aumento de 9,8% em comparação com o ano interior. Os índices elevados de brasileiras vítimas de agressão, se devem ao fato histórico da construção de uma sociedade ideal, usando como ferramentas as emoções e as relações afetivas, influenciadas pelo Estado e religião. Além disso, a sociedade brasileira enfrenta vários outros fatores que contribuem para esse cenário, como desigualdades sociais de classe, de gênero e de raça que resultam, em comportamentos diferenciados em homens e mulheres, gerando conflitos familiares que se estendem para uma violência (Magalhães et al., 2023). 

Outros motivos para a predominância da violência contra a mulher podem estar relacionados ao modo de vida e à maneira como se mantém financeiramente. Como pode ser observado em um estudo realizado com mulheres prostitutas, no Brasil, especificamente na cidade de Sobral, Ceará. Nas mulheres entrevistadas foi visto que 12% sofreram violência sexual, 30% delas sofreram violência física, e 10% violência psicológica. Em outra cidade nordestina, Picos/Piauí, com mulheres que vivem a mesma realidade, 30,2 % relataram violência física, 3,2% violência sexual e 60,5% sofreram violência psicológica (Lima et al., 2017). 

Os prejuízos causados pela violência entre parceiros são vários em todos os âmbitos. Essas mulheres que convivem diariamente com agressividade e abuso perdem o equilíbrio emocional, ficam desmotivadas, sem perspectiva de futuro e podem apresentar sintomas ansiosos e depressivos, por causa das ofensas e manipulações psicológicas feitas por eles. Elas podem perder sua subjetividade, viver submissa às vontades de seus companheiros e, com isso, desenvolver um sentimento de inutilidade em relação a vários setores da vida, inclusive a profissional (Garcia-Jr; Ceccon, 2023). 

Nesse contexto, essa pesquisa pode contribuir diretamente para o aprimoramento de informações e conteúdos acadêmicos a respeito desse assunto pertinente que é a violência contra a mulher. Diante da complexidade do tema, é relevante compreender de que maneira as relações sociais e culturais estão associadas ao elevado número de casos e como isso afeta diretamente a saúde das mulheres. Além disso, é importante mostrar a necessidade de conscientização da sociedade e das instituições, a fim de que sejam desenvolvidas melhores políticas públicas de enfrentamento a esse tipo de violência. 

Contudo, esse artigo tem como objetivo analisar elementos sociais e culturais que favorecem a prevalência da violência doméstica contra pessoas do gênero feminino que sofrem agressões do sexo masculino estando em um relacionamento íntimo, e investigar de que maneira as diferentes formas de agressão podem ser prejudiciais para saúde mental das mulheres vitimadas.

2 METODOLOGIA 

O presente estudo consiste em uma Revisão Integrativa (RI) da literatura científica, que tem a finalidade, possibilitar uma nova compreensão, fazendo uma junção de forma breve dos resultados de estudos anteriores relacionado de uma determinada temática ou objeto, de forma sistemática e organizada. 

Com ênfase nos diferentes tipos de métodos usados e na abrangência do estudo, na revisão integrativa também é permitido combinar resultado de estudos teóricos e empíricos, a fim de definir conceitos, revisar teorias e analisar os métodos utilizados (Cavalcante; Oliveira, 2020). 

Contudo os artigos científicos foram localizados nas seguintes bases de dados eletrônicas (BVS) Biblioteca Virtual em Saúde, pesquisa de publicação através do PubMed e SciELO (Scientific Eletronic Library Online), utilizando os seguintes descritores: violência contra a mulher violência contra parceiros íntimos, saúde mental e fatores socioculturais. Foi utilizado o operador booleano “AND” para relacionar e restringir os artigos encontrados.

Os métodos usados para critérios de inclusão foram estudos disponibilizados na íntegra, nos idiomas português e inglês, que foram publicados de 2019 a 2024. Foram suprimidas dissertações, estudos científicos originais e teses completas e que correspondem ao tema abordado neste estudo, e também artigos que não estavam disponibilizados na íntegra ou que não apresentavam relação com o tema em questão. Os dados e informações foram selecionados e organizados em quadros com textos informativos contendo os dados da análise realizada pela avaliação dos artigos trabalhados.

Figura 1: Fluxograma de busca e seleção dos estudos inclusos

Fonte: Autoria 2024

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Após a aplicação da metodologia foram incluídos para análise e comparação de dados de forma interpretativa, artigos encontrados na plataforma PubMed, na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e na SciELO. Em seguida os dados coletados foram organizados em uma tabela, de modo a analisar os principais achados relacionados ao tema. A divisão foi feita da seguinte maneira: Autor e ano; base de dados; tipo de estudo; objetivo geral e por fim os resultados apresentados por cada pesquisa.

Quadro 1: Relações dos estudos selecionados incluídos na revisão.

Autor/AnoBase de DadosMétodoObjetivo GeralPrincipais Resultados
Dias, (2019)BVSEstudo Transversal quantitativo com 156 Mulheres em um município de porte médio de São Paulo com análise de dados provenientes de Inquéritos policiais.Verificar como a violência pode impactar na qualidade de vida das mulheres vitimadas, analisando como as agressões físicas e psíquicas exercidas contra elas trazem consequências para elas.Observou-se o uso de álcool e outras drogas como um fator de risco para a prevalência da violência e as implicações na saúde mental das vítimas, como estresse pós-traumático, depressão, vulnerabilidade. Foram considerados também como a concentração salivar de cortisol, como índice fisiológico, está diretamente relacionado com o estresse e depressão.
Abantika et al. (2020)PubMedTrata-se de um estudo transversal, descritivo e observacional com 320 mulheres indianas entre 15 e 39 anos casadas, conduzido em uma favela do distrito de Burdwan, Bengala Ocidental.Descobrir a prevalência de diferentes tipos de violência doméstica e fatores associados.A prevalência de quaisquer formas de violência sofridas pelas mulheres foi de 35,63% durante a vida. Os fatores associados a esse tipo violência, foram a escolaridade, idade, situação econômica, casamento e consumo de álcool.
Mazza et al. (2021)PubMedRevisão Bibliográfica do tipo narrativa.Discutir como a violência doméstica e seus fatores associados podem ser prejudiciais aos filhos quando são expostos a determinada situação. Alguns fatores que perpetram a violência contra mulher, estão problemas de saúde mental como, transtornos de déficit de atenção, hiperatividade, e transtorno de personalidade. Os impactos dessa violência são invisíveis portanto às vezes de difícil percepção, tal como, desamparo vergonha e medo.
Su et al. (2022)PubMedRevisão de literatura.Investigar as principais barreiras no desenvolvimento de pesquisas sobre violência doméstica na China.Uma das barreiras é categorizar a violência como “assunto de família” impedindo assim a população de compreender a gravidade do tema. Isso se deve a cultura e normas sociais existentes na China de que não devemos interferir nos negócios dos demais.
Gomes et al. (2022)SciELOPesquisa do tipo qualitativo fundamentado no método da história oral, de violência conjugal com 29 vítimas de Salvador Bahia.Desvelar a permanência de Mulheres em um cotidiano conjugal violento.As mulheres apresentaram em seus relatos a não percepção dos abusos no início da relação e revelaram acreditar que fosse possível controlar os episódios violentos e que se somava a isso a expectativa de que houvesse uma mudança por parte dos parceiros.
Laksono et al. (2023)PubMedO estudo emprega o Indonesian demograpic Data Survey (IDHS) de 2017, a amostra foi de 34.086 mulheres casadas.Analisar os efeitos da pobreza no risco de violência do parceiro íntimo entre mulheres casadas da Indonésia.As mulheres casadas e mais pobres tinham 1,382 vezes mais probabilidade do que as mais ricas de sofrer violência doméstica. Enquanto que as mulheres casadas com um grupo rico na classe média tinha 1.262 vezes mais do que as mais ricas. Mulheres casadas com status rico na categoria mais decadente tinham 1,132 vezes mais probabilidade do que as casadas mais ricas de sofrer violência.
Magalhães; Zanello; Ferreira, (2023)Trata-se de um estudo de casos múltiplos com cinco brasileiras vítimas de violência física por parte do parceiro íntimo, mesmo após o término da relação. Investigar as implicações dos afetos e emoções em mulheres que foram vitimadas por parceiros íntimos  em relacionamentos heterossexuais, e como se configura e se manifesta o início, manutenção, e término de um relacionamento abusivo. Constatou-se que a subjetividade da vítima, juntamente com seus afetos e emoções tornam as mulheres mais suscetíveis a ter relacionamento íntimos violentos e está diretamente ligado com a falsa ideia   de subjetivação e privilégio oferecidos para as mulheres brasileiras, usando emocional idades como a do casamento e sentimento maternal.
Rajkumar (2023)Análise ecológica transversal e transnacional.Examinar associações transversais entre coletivismo cultural, violência entre parceiros íntimos e dois resultados específicos (depressão e suicídio).Teve como destaque o vínculo dimensional especifica entre a cultura e a violência entre parceiros íntimos e consequências psicológicas, como depressão e até suicídio.
Machado et al. (2023)SciELOEstudo descritivo e Exploratório de natureza Quanti-qualitativa.Estruturar e descrever qual a representação de agentes comunitários de saúde, ao lidar com a violência contra a mulher.Foi observado que tendo o tema violência doméstica como termo indutor, as palavras que tiveram mais frequências foram, Agressão física, desrespeito, xingamentos, seguido de abuso sexual, covardia e maus-tratos, e palavras como, falta de amor, ciúmes, dependência financeira, machismo, medo e morte.
Cabrale-Tejeda et al. (2023)PubMedEstudo prospectivo, observacional, analítico e transversal.Tem como objetivo a Identificação fatores determinantes de prevalência de violência contra as mulheres na cidade de Guanajuato.Uma elevada porcentagem de mulheres relatou ter sofrido violência pelo menos uma vez. No entanto, eram casadas e a maioria tinha o ensino médio. E uma parcela bem menor conheciam uma lei de proteção ou conhecia o significado da violência
Florim et al. (2023)BVSO estudo fez uso da netnografia, com análise de textos levando em consideração os comentários e vídeos publicados em mídias sociais relacionados ao tema em questão.Foram analisados comentários feitos por populares em mídias sociais a respeito da violência contra a mulher, fazendo uma associação a agressão psicológica.Pelas publicações foi possível perceber quais fatores culturais são favoráveis para a banalização da violência contra a mulher, em especial a violência psicológica. Observou-se também como é relevante a psicoeducação a respeito desse tema, a fim de conscientização da sociedade, para que se reduza o número de mulheres vitimadas.
Fortes et al. (2024)BVSTrata-se de uma revisão de literatura do tipo qualitativa com base em estudos.Tem como objetivo delimitar como a saúde mental das mulheres foram impactadas após sofrerem violência doméstica em um determinado ambiente.Foi percebido que as mulheres vítimas violência doméstica, tiveram complicações de saúde, causando adoecimentos psicológicos, como baixa autoestima e confiança, dor, estresse, depressão e também transtorno do pânico.
Stochero; Pinto, (2024)SciELOEstudo Transversal, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).Tem como objetivo fazer uma análise dos casos de violências vividas por mulheres que moram em zona rural usando dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019.Foi percebido que das mulheres participantes cerca de 18,6%, relataram ter sofrido algum tipo de agressão do tipo psicológico, físico ou sexual no último ano. No entanto, foi observado também o fato de que essas agressões vivenciadas por elas, causam prejuízo na em sua saúde mental das vítimas, pelo fato de que a violência na maioria das vezes vem da pessoa que tem uma aproximação a vítima.
Jesus, et al. (2024)BVSTrata-se de um estudo do tipo transversal da pesquisa qualitativa com dezoito enfermeiros da saúde da família, em um município do sul de Minas Gerais.O objetivo era categorização dos recursos dos enfermeiros que atuam nas estratégias de saúde da família, com   mulheres vítimas de abusos e maus-tratos.Foram encontradas amostras que evidenciam que a maioria das estratégias de saúde da família cerca de (66,7%) tinha demanda de violência doméstica, porém a maior parte (66,6%) dos profissionais relataram não está capacitados para atender essa demanda.  

Fonte: Autoria, 2024.

Violência doméstica associada a fatores Socioculturais 

Os artigos encontrados trazem diferentes fatores que respondem a esses requisitos, uma vez que esse tipo de Violência se apresenta de várias formas e por inúmeros motivos na sociedade existente no mundo, mudando apenas as variáveis, que são acordo com as vivências socioculturais de cada região. Laksono et al. (2023), em um estudo feito na Indonésia apresenta as questões de cunho social como um dos motivos que mais vitimizam mulheres. Ele especifica a pobreza como um estressor relevante que leva os homens a cometerem tal ferocidade com as mulheres, sendo, na maioria das vezes, suas esposas e dependentes financeiramente do seu cônjuge. Isso não isenta o fato de mulheres de classes mais altas também sofrem abuso, visto que a violência não provém só de questões socioeconômicas.

Na visão de Abantika et al. (2020), a perpetuação da violência doméstica, têm vários outros fatores colaborativos. Em uma cidade indiana, por exemplo, onde foi realizado um estudo, as variáveis foram a idade dos envolvidos, a baixa escolaridade, as condições de moradia e o consumo de álcool. Visto que as mulheres cujos companheiros fazem uso de bebidas alcoólicas foram as que relataram maiores taxas de agressões do tipo emocional, física e sexual, apresentando a substância como um elevado fator de risco dentro desse contexto.

No entendimento de Machado et al. (2023), esse tipo de violência possui causas multifatoriais de interesse público e científico e está relacionado a fenômenos sociais e histórico-culturais que se estendem por meio de valores sociais tradicionais e de diferentes crenças. Dessa maneira, a representação estereotipada é vista como algo natural, resultando na desigualdade entre homens e mulheres, e a manifestação de comportamentos de maus-tratos por parte do sexo dominante se manifesta nos relacionamentos íntimos. Esse pensamento patriarcal de superioridade está em evidência nos comportamentos dos homens, como ciúmes, agressões e objetificação da mulher.

Segundo Su et al. (2022), a violência doméstica atinge mulheres de todas as idades e classes sociais, pois se trata de questões íntimas e familiares. Mesmo em países desenvolvidos, como China e Estados Unidos, as mulheres sofrem com as influências sociais e culturais no enfrentamento dessa causa. Na China, como pode ser visto em um estudo realizado, as agressões sofridas pelas mulheres são vistas como um assunto que diz respeito apenas à família. Portanto, existe uma dificuldade em medir a magnitude dos casos por parte das autoridades e do público, criando uma barreira nas investigações desse tipo de violência, ficando assim fora da esfera das leis. Essas manifestações tradicionais devem-se à expressão de normas sociais e vivências da população.

Todavia é possível observar que os homens que cometem crimes de agressão e abuso contra o sexo feminino não têm a rejeição social que deveriam ter. Isso pode ser confirmado nos estudos de Florim et al. (2023), onde foram analisados comentários em redes sociais a respeito do tema em questão. Foi possível observar que, enquanto muitas pessoas fizeram comentários de repúdio e revolta contra os agressores, outra parte da população rebatia com comentários de banalização do crime e culpabilização da vítima. Isso sintetiza como a cultura do patriarcado ainda está presente na nossa sociedade de forma bem enraizada, colaborando com a prevalência desse tipo de violência.

Elucidando mais esse tema, Mazza et al. (2021), em um estudo a respeito, evidenciou-se que a violência entre parceiros íntimos possui uma escala muito alta. Calcula-se que, de quatro mulheres, uma já tenha sofrido algum tipo de agressão por parte do sexo oposto com quem tem um convívio íntimo. As agressões sofridas pelas mulheres independem de idade, classe social, econômica ou étnica. É revelado ainda que os fatores que contribuem para a prevalência desse tipo de violência podem ser evitados, mas, para que isso aconteça, são necessárias estratégias e o engajamento de todos, tanto do poder público quanto da população em geral, para que sejam criadas políticas públicas de combate aos maus-tratos e à desigualdade de gênero.

Contexto histórico familiar da mulher

Segundo Gomes et al. (2022), em um estudo feito com 29 mulheres brasileiras, os motivos que levam as vítimas a permanecerem em uma relação conjugal violenta estão ligados à sua subjetividade, ou seja, à forma como cada uma se percebe dentro dessa relação. Isso vai desde os primeiros sinais, onde ela não consegue ver as atitudes indevidas do agressor como um problema, ou acreditar que as agressões não vão se repetir, confiar em uma promessa de mudança e acreditar que pode controlar os comportamentos agressivos do cônjuge, até que isso se intensifique ao ponto de a mulher ter sua saúde mental comprometida, se prenda ainda mais nesse relacionamento amoroso 

Cabrales-Tejeda et al. (2023), em um estudo realizado em Guanajuato, no México, observaram que a maior parte das mulheres que permaneciam em relacionamentos abusivos ou eram mais submissas, tinha um histórico familiar em que presenciavam brigas e agressões dos pais. Outro ponto observado foi, que as mulheres que tinham uma profissão e trabalhavam fora eram mais agredidas que as que eram apenas dona de casa, visto que isso era um fato que deixava os homens mais irritados. Conclui-se, então, que a cultura da supervalorização masculina, e da subserviência feminina, colabora de maneira direta para o aumento da violência intrafamiliar.

Impactos Psicológico da violência contra a mulher 

Stochero e Pinto (2024), em seus estudos apontaram que as mulheres que passaram por situações de abuso e agressões ou vivem intimidadas, em uma relação íntima, muitas vezes, têm um diagnóstico psicológico ou psiquiátrico que reflete essa realidade. Isso se deve ao fato de elas vivenciarem altos níveis de estresse, que, como tal, pode ser problemas no casamento, condições socioeconômicas, violência de gênero, invisibilidade feminina e a sobrecarga de trabalho, uma vez que a mulher, em maioria é responsável pelo cuidado e educação dos filhos, somado às situações de crueldade do parceiro.

No entendimento de Fortes et al. (2024), as agressões sofridas pelas mulheres por parte de um integrante da família deixam marcas no âmbito biológico, psicológico e social delas e, com isso, estão propensas a desenvolver complicações de saúde que podem ser imediatas ou a longo prazo. Dentre algumas dessas enfermidades que podem surgir, estão a depressão, a ansiedade, a síndrome do pânico, a baixa autoestima, o sentimento de inutilidade e impotência, abuso de álcool e outras substâncias, entre outros. 

Martinez e Wasser (2024) ressaltam a depressão e a ansiedade como os dois transtornos mentais mais recorrentes entre mulheres vítimas de violência intrafamiliar. Isso se deve ao fato de que os frequentes maus-tratos vividos pela mulher dentro de um relacionamento amoroso, somados a outras condições que normalmente ela já enfrenta, como doenças crônicas e outras situações, são intensificados durante os momentos de maior vulnerabilidade do gênero, como o período da gestação e o pós-parto, contribuindo, portanto, para um agravamento desse quadro, levando a vítima até uma ideação suicida.

Entretanto para Dias (2019), as vítimas que passam por situações traumáticas, como agressões desse tipo, apresentam sintomas de transtorno pós-traumático, que é quando a pessoa não consegue esquecer as aflições que viveu, mantém um interesse fixo no evento ocorrido e apresenta sintomas como irritabilidade aumentada, dificuldade de manter o foco, insônia e comportamento de esquiva a estímulos que lembram o ocorrido, além de outros sintomas. Isso enfatiza a violência como um fator de estresse desencadeador de desregulação emocional, causando prejuízos tanto para a vítima quanto para os demais familiares.

As mulheres que sofrem violência, além de conviver com os problemas originados da situação, também enfrentam dificuldades quando são atendidas nas instituições públicas ou de apoio nesse tipo de caso. Jesus et al. (2024) em seus estudos observaram a necessidade da realização de treinamentos e educação continuada para funcionários da rede Pública de saúde, tal como enfermeiros para que possam dar as informações necessária e realize um atendimento adequado, à vítima quando ela se sente encorajada a procurar os serviços Públicos de apoio.

Para uma melhor Compreensão Magalhães; Zanello; Ferreira (2023), em um estudo feito com mulheres de vários estados brasileiros, enfatizaram através dos relatos das vítimas, três sensações que elas alegaram sentir dentro de uma relação conjugal com abusos: culpa, solidão e vergonha. A solidão aparece como a porta de entrada para a mulher, pois ela, sentindo-se desamparada pela sociedade, pela família ou por outro motivo aparente, procura em um relacionamento preencher esse vazio. Outro sentimento é a culpabilização, usada como instrumento pelos agressores, a fim de conseguir a submissão e o controle social da vítima. E, por último, a vergonha, que se faz presente em várias situações, como, por exemplo, quando a vítima termina o relacionamento e depois volta, assim como as marcas de agressões, tais como roxos na pele, inchaços, entre outros.

Rajkumar (2023), em um estudo feito com mulheres vítimas de violência doméstica em 151 países constatou que os efeitos da violência estão diretamente correlacionados com a depressão e o suicídio. Isso ocorre independentemente dos fatores sociodemográficos e das diferenças culturais. Em países onde as mulheres são superestimadas culturalmente, como no continente asiático, houve-se a percepção da ligação da violência intrafamiliar com os problemas mentais vividos por elas, assim como relatos de sofrimento das vítimas devido à constância da violência física na relação conjugal.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das proposições, fica evidenciado que a violência contra a mulher se perpetua por causas multifatoriais, resultantes de um cenário social e histórico-cultural, de predominância de uma conduta patriarcal de supervalorização do homem e inferiorização da mulher, que historicamente promovem a prevalência da desigualdade de gênero e objetificação da mulher, que fomentam as agressões dentro das relações íntimas, além da pobreza, estresse financeiro, históricos de traumas e abusos, e pressão social e familiar sobre o gênero feminino. Mulheres que passam por violência doméstica sofrem com a perda da subjetividade e desenvolvem doenças psicológicas ou psiquiátricas, como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, dentre outras.

A violência doméstica se apresenta de maneiras e gêneros variados, que se inicia com a violência psicológica, que ocorre silenciosamente por meio de agressões verbais, desrespeito, humilhação e xingamentos. Esses abusos podem se agravar para a violência física, sexual e patrimonial. Como agravantes nesse contexto, observou-se também o uso de álcool e outras drogas como fatores desencadeadores de agressões, além de condições de moradia, muitas vezes a pouca idade da mulher e questões socioeconômicas que soam como limitação para que a vítima permaneça em uma relação tóxica e violenta.

Entretanto outras questões observadas com mulheres que vivenciaram ou ainda vivenciam situações traumáticas de violência, por parte de um parceiro ou não íntimo, foram as consequências emocionais e comportamentais devido às agressões partirem de pessoas próximas a elas, pelo qual há um envolvimento afetivo-familiar. Isso faz com fiquem cada vez mais reclusas, sem meios de acesso à informação. Se tornando um empecilho que muitas vezes as impede de procurar ajuda nas redes de apoio, e fazer uso dos meios de auxílio e proteção, tanto para a vítima como para os filhos.

A violência doméstica é uma questão de saúde pública de responsabilidade de todos. Diante disso, percebe-se uma urgência para que se inicie um movimento de conscientização da sociedade e engajamento das instituições e órgãos relacionados para o desenvolvimento de melhores políticas públicas de enfrentamento e combate a esse tipo de agressão. Além do que, é notório que a opinião popular ainda tem uma visão distorcida a respeito disso, pois ainda se divide entre a culpabilização da vítima e a indignação com os agressores, como pode ser observado em comentários nas mídias sociais quando o assunto é abordado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1Graduada em Psicologia do Centro Universitário Maurício de Nassau  Teresina Sul.  E-mail: franciscamatos83@hotmail.com
2Mestre em Psicologia do Centro Universitário Mauricio de Nassau Teresina Sul.  E-mail: tammyatercia@gmail.com
3Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas, na Universidade Federal do Piauí. E-mail: mazemattos@hotmail.com
4Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Maurício de Nassau – Teresina Sul. E-mail: adriana24quaresma@gmail.com
5Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Maurício de Nassau – Teresina sul. E-mail: darlan.leite@pc.pi.gov.br
6Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário Maurício de Nassau –Teresina Sul. E-mail: edileneedilene@yahoo.com