REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102502281103
Marcelo Miguel de Araújo
Adhahil Pereira Junior
Fernando Leite Cardoso
Antonio José Ferreira Gomes
Nury Nayara Moreira de Castro Vieira
Resumo: A Educação Comparada realiza comparações para aprender com o outro, exigindo metodologias e abordagens, indo além de interesses políticos, econômicos etc. Este trabalho, embasado na teórica Hermenêutica-Reconstrutiva, com estratégia de troca discursiva entre entidades de comparação, reflete sobre o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) e a Reforma do Ensino Médio no Brasil com as questões: Em um cenário de globalização e internacionalização da educação, no qual a transposição de modelos educacionais de forma descontextualizada é frequente, como fazer comparações não por meros interesses ou especulações, e sim pela vontade de aprender com o outro sobre educação? E, em uma conjuntura de estruturas informacionais e indicadores de desempenho, é possível à realização de trabalhos interpelando e renovando os discursos educacionais pela possibilidade de troca discursiva em distintos espaços e contextos? Chegamos à conclusão do qual a Educação Comparada pode atuar como espaço de interpelação e renovação dos discursos ao questionar a centralidade dos indicadores de desempenho, ao promover trocas discursivas entre diferentes atores, pois o diálogo permite a construção de conhecimento mais crítico, plural e contextualizado, capaz de desafiar narrativas hegemônicas e fomentar práticas educacionais mais democráticas e inclusivas. Com a mediação da Hermenêutica-Reconstrutiva, a Reforma do Ensino Médio no Brasil revelou forte influência do PISA e de padrões globais orientados pelo desempenho econômico ao priorizar competências técnicas e mensuráveis, e desconsiderar aspectos críticos, reflexivos e inclusivos da educação. Foi possível mostrar ambiguidade nas influências internacionais na educação brasileira: enquanto algumas contribuíram para avanços significativos, outras geraram desafios e resultados limitados. Por fim, o sucesso de qualquer modelo estrangeiro depende da adaptação ao contexto brasileiro, respeitando as desigualdades regionais, sociais e econômicas do país.
Palavras-chave: comparação; mediação; adaptação.
Abstract: Comparative Education makes comparisons to learn from the other, requiring methodologies and approaches, going beyond political, economic interests, etc. This work, based on the Hermeneutic-Reconstructive theory, with a strategy of discursive exchange between comparison entities, reflects on PISA (Program for International Student Assessment) and the Reform of Secondary Education in Brazil with the following questions: In a scenario of globalization and internationalization of education, in which the transposition of educational models in a decontextualized way is frequent, How to make comparisons not out of mere interests or speculations, but out of the desire to learn from others about education? And, in a conjuncture of informational structures and performance indicators, is it possible to carry out works questioning and renewing educational discourses through the possibility of discursive exchange in different spaces and contexts? We have come to the conclusion that Comparative Education it can act as a space for interpellation and renewal of discourses by questioning the centrality of performance indicators by promoting discursive exchanges between different actors, as dialogue allows the construction of more critical, plural and contextualized knowledge, capable of challenging hegemonic narratives and fostering more democratic and inclusive educational practices. With the mediation of Reconstructive Hermeneutics, the Reform of Secondary Education in Brazil revealed a strong influence of PISA and global standards guided by economic performance by prioritizing technical and measurable skills, and disregarding critical, reflective and inclusive aspects of education. It was possible to show ambiguity in the international influences on Brazilian education: while some contributed to significant advances, others generated challenges and limited results. Finally, the success of any foreign model depends on adapting to the Brazilian context, respecting the country’s regional, social and economic inequalities.
Keywords: comparison; mediation; adaptation.
INTRODUÇÃO
Em Educação Comparada segundo Ferreira (1998), realizar comparações para aprender com o outro exige metodologias e abordagens indo além de interesses políticos, econômicos ou meras especulações. De modo a garantir a comparação um propósito mais reflexivo e construtivo e reconstrutivo, é necessário haver intenção de aprendizado, pois a comparação segundo Habermas (2003) deve partir do desejo autêntico de compreender as práticas educacionais de outros contextos, buscando inspiração, soluções e boas práticas adaptadas a uma nova realidade, e não copiadas mecanicamente. É preciso desenvolver perspectiva contextualizada comparando os sistemas ou práticas educacionais de modo a considerar os contextos sociais, culturais, econômicos e históricos, evitando julgamentos precipitados, pois as políticas educacionais são moldadas por realidades específicas. É preciso segundo Habermas (2004) adotar uma abordagem dialógica, pois a comparação deve ser um diálogo intercultural no qual se valoriza a diversidade e se reconhece a não existência de uma única solução universal. E, segundo Zucchetti (2019) é preciso promover trocas entre pesquisadores, educadores e estudantes para construir entendimentos mais colaborativos de pesquisa comparativa, como a análise de dados quantitativos e qualitativos, estudos de caso, ou métodos históricos tendo objetivos claros e perguntas de pesquisa bem definidas levantando os pontos de convergência e divergência seguidos de um questionamento bem presente em Educação Comparativa: O que funcionaria em um contexto similar?
A comparação é significativa ao buscar compreender em seu contexto cultural e socioeconômico a viabilidade de práticas (valorização do professor ou a autonomia escolar) refletindo sobre como estas podem ser adaptadas a outras realidades. Segundo Habermas (2004) em Educação Comparada é possível realizar trabalhos interpelando e renovando os discursos educacionais, mesmo em uma conjuntura dominada por estruturas informacionais e indicadores de desempenho. E embora esses indicadores ofereçam um quadro técnico e normativo para avaliar e comparar sistemas educacionais, a Educação Comparada possui o potencial de ir além, promovendo segundo Habermas (2004) trocas discursivas significativas entre diferentes atores educacionais em distintos espaços e contextos. Desta forma busca-se a superação do reducionismo quantitativo de indicadores de desempenho, como resultados de testes padronizados, pois estes, sim, são importantes, mas insuficientes para capturar a complexidade dos processos educacionais e a diversidade cultural. A Educação Comparada pode questionar o foco excessivo em dados quantitativos e reintroduzir dimensões qualitativas, como experiências vividas, valores, relações sociais e contextos históricos. Neste viés trazemos como base teórica a Hermenêutica-Reconstrutiva de Habermas como estratégia de troca discursiva entre entidades de comparação, no qual “o outro” não apenas auxilia na compreensão, mas contribui no tratamento argumentativo. Portanto, segundo Habermas (2012b) é necessária à abertura ao diálogo e à reflexão crítica proporcionada pela troca discursiva entre atores educacionais (professores, estudantes, gestores, pesquisadores) de diferentes contextos, possibilitando a construção de um conhecimento mais plural, valorizando narrativas locais e experiências diversas. Este diálogo permite a contestação de discursos hegemônicos e a busca por alternativas mais contextualizadas e socialmente justas.
A Educação Comparada segundo Malet (2004) pode atuar como espaço de interpelação de trabalhos comparativos podendo questionar discursos dominantes, como a ênfase na competitividade global ou na meritocracia, propondo uma reflexão crítica sobre os pressupostos e impactos desses modelos. Segundo Habermas (2012a) a interrogação dos paradigmas vigentes abre espaço para novas formas de pensar a educação, pautadas em princípios como solidariedade, justiça social e aprendizagem intercultural, pois o diálogo entre diferentes realidades educacionais permite práticas bem sucedidas, reinterpretadas e adaptadas a outros espaços, em vez de meramente transplantadas.
Portanto, tendo como fundamentação teórica a abordagem Hermenêutica-Reconstrutiva, este estudo de Educação Comparativa busca refletir sobre o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) e a Reforma do Ensino Médio no Brasil e tem como questões de pesquisa: (1) em um cenário de globalização da economia e de internacionalização da educação, no qual a transposição de modelos educacionais de forma descontextualizada é frequente, como fazer comparações não por meros interesses ou especulações de instituições ou países, e sim pela vontade de aprender com o outro sobre educação? (2) em uma conjuntura de estruturas informacionais e indicadores de desempenho como princípios de inteligibilidade da coesão social, é possível à realização de trabalhos interpelando e renovando os discursos educacionais pela possibilidade de troca discursiva entre atores educacionais em distintos espaços e contextos? Pretendemos promover reflexão crítica sobre o PISA e a reforma do ensino médio no Brasil de modo a compreender a Educação Comparada em contexto prático na comparação sendo pensada com propósito de aprendizagem mútua. O objetivo é de levantar e destacar pontos positivos e não tão positivos do PISA no Brasil e suas boas e más influências na reforma do ensino médio.
HERMÊNEUTICA-RECONSTRUTIVA: REFORMA DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL E A INFLUÊNCIA DO PISA
A Reforma do Ensino Médio no Brasil, instituída pela Lei nº 13.415/2017, será analisada a partir da Educação Comparada com base na abordagem Hermenêutica-Reconstrutiva proposta por Habermas. Esta abordagem segundo Habermas (2012b) permite interpretação crítica indo além da análise técnica, buscando compreender os significados subjacentes, reconstruir os processos históricos e sociais e questionar os pressupostos ideológicos da reforma e suas relações com o PISA além de permitir transposições de modelos educacionais adaptados às realidades locais levantando assim comparações não por meros interesses ou especulações de instituições ou países, mas por alimentar a vontade de aprender com o outro sobre educação.
A Reforma do Ensino Médio surge em contexto de pressões internas e externas por melhorias nos indicadores educacionais, como os do PISA, e este sistematicamente aponta deficiências do sistema educacional brasileiro. A interpretação Hermenêutica-Reconstrutiva nos ajuda a compreender a influência do PISA no sentido de reforçar a necessidade da priorização de competências em Leitura, Matemática e Ciências, áreas avaliadas pelo exame, esse foco, por sua vez, se reflete no novo currículo do Ensino Médio, estruturado em competências e habilidades alinhadas ao mercado de trabalho global.
Partindo do pensamento de Habermas (2012b) compreendemos uma lógica instrumental nos mostrando a reforma a introduzir itinerários formativos e flexibilização curricular, mas priorizando áreas com maior valor econômico (como Matemática e Linguagens), relegando a segundo plano disciplinas fomentadoras do pensamento crítico e reflexivo, como Sociologia, Filosofia, Artes, História e Geografia.
Em relação à adesão a padrões globais a reforma reflete a tentativa de aproximação aos paradigmas educacionais internacionais valorizados pelo PISA, mas desconsidera particularidades do contexto socioeconômico brasileiro, como desigualdade, evasão escolar e infraestrutura precária, e elabora rankings colocando todos em mesmo patamar.
“[…] uma análise descontextualizada desses rankings podem induzir a conclusões equivocadas, tendo em vista que se apoiam nos resultados divulgados e não comportam aspectos indissociáveis do processo educacional.” (CARDOSO e FERREIRA, 2020, p.172).
Este ponto destacado por Cardoso e Ferreira (2020) nos direciona a proposta de reconstrução mental ao refletir como a reforma foi estruturada e quais condições históricas, sociais e políticas influenciaram sua implementação. Nas relações com o mercado de trabalho, por exemplo, a reforma está vinculada a uma demanda global por formação técnica e profissional, favorecendo uma educação mais pragmática e orientada à empregabilidade. Essa ênfase dialoga diretamente com as competências avaliadas pelo PISA, mas ignora os desafios estruturais do ensino brasileiro, tais como a desigualdade educacional. E a flexibilização do currículo, segundo Cardoso e Ferreira (2020) embora apresente uma proposta inovadora, pode acentuar as desigualdades regionais e socioeconômicas, pois em escolas públicas, especialmente em regiões mais pobres, há a dificuldade de oferecer itinerários diversificados, limitando as opções dos estudantes e perpetuando a exclusão social e tecnológica. “É inegável, no Brasil, que as desigualdades sociais são empecilhos para que se garanta o acesso às tecnologias de comunicação e de informação de maneira igualitária.” (CARDOSO e FERREIRA, 2020, p. 171)
A Hermenêutica-Reconstrutiva nos faz refletir revelando o aspecto de a reforma responder mais a uma lógica instrumental e ao alinhamento de padrões globais afastando-se da realidade educacional brasileira, marcada pela desigualdade estrutural e pela necessidade de políticas públicas segundo Habermas (2003) inclusivas e respaldadas no diálogo. Com isso se faz necessária à crítica emancipatória, centrada na abordagem Hermenêutica-Reconstrutiva, no qual questiona as relações de poder e ideologia presentes na Reforma do Ensino Médio e no papel do PISA como influenciador. A reforma reflete a adaptação do Brasil às exigências do sistema global, priorizando educação voltada para o mercado e para os rankings internacionais, reforçando a visão instrumental e utilitarista da educação em detrimento, segundo Freire (1987), de uma perspectiva emancipatória e crítica, enfatizando conscientização e a educação como prática de liberdade e humanizadora.
A reforma foi implementada com baixo nível de participação social, afastando-se do “agir comunicativo” defendido por Habermas (2003) ao pressupor o diálogo, consenso e inclusão dos sujeitos envolvidos no processo educacional. Embora a reforma busque modernizar o Ensino Médio, sua aplicação tende a reproduzir desigualdades, pois os recursos necessários para a diversificação curricular são mais acessíveis às escolas privadas e urbanas, enquanto a rede pública enfrenta dificuldades estruturais.
A crítica emancipatória de inspiração freireana aponta para a necessidade de ressignificar a reforma em uma perspectiva de valorização da educação como direito universal, não apenas como formação para o mercado e segundo Habermas (2003) a promover o diálogo entre diferentes atores sociais na construção de políticas públicas educacionais. Da mesma forma é preciso o reconhecimento das diversas realidades regionais e sociais do Brasil, oferecendo apoio e investimento necessários às escolas públicas e deste modo utilizar os resultados do PISA não como fim em si, mas como instrumento para reflexão e transformação crítica do sistema educacional. Vale destacar: o PISA avalia não apenas a memorização de conteúdos, mas a capacidade dos estudantes de aplicar conhecimentos em contextos reais, como Leitura, Matemática e Ciências. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prioriza o desenvolvimento de competências e habilidades gerais e específicas, está alinhada aos critérios do PISA objetivando melhorar o desempenho brasileiro no ranking internacional, tornando o currículo mais moderno e conectado com as exigências da atualidade. A BNCC determina uma formação geral básica em competências como leitura crítica, raciocínio lógico e resolução de problemas. Vamos refletir um pouco sobre a influência internacional na educação brasileira.
COMPARAÇÃO REFLEXIVA: INFLUÊNCIA INTERNACIONAL NA EDUCAÇÃO
A educação brasileira tem sido historicamente influenciada por modelos e tendências internacionais assim como foi possível perceber na análise e comparações das ações do PISA para o Brasil. Neste tópico pretendemos comparar essas influências em seus impactos variados, com alguns resultados positivos e outros nem tão positivos, dependendo do contexto, da implementação e das particularidades do país.
Uma influência interessante de trazer a princípio é novamente Paulo Freire, pois embora seja brasileiro se tornou referência internacional, e suas ideias foram aplicadas com sucesso em programas brasileiros como o de alfabetização de jovens e adultos, além de influenciar políticas educacionais em países da África e da América Latina. Segundo Freire (2006) a proposta de uma educação dialógica, libertadora e direcionada a autonomia, centrada na realidade dos estudantes é uma resposta significativa e contrapõem contextos de desigualdade social podendo promover a melhoria da alfabetização e da conscientização em contextos socioeconômicos vulneráveis.
Segundo dados da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por meio de programas tais como o Movimento de Educação de Base (MEB) e outros programas de alfabetização em áreas rurais no Brasil, é possível diminuir as desigualdades educacionais.
Já o modelo de ensino técnico e profissionalizante europeu, segundo a OCDE, inspirado em países como Alemanha (sistema dual) e Áustria, o ensino técnico e profissionalizante busca preparar os jovens para o mercado de trabalho e reduzir o desemprego juvenil. No Brasil, essa influência é refletida em iniciativas como o Sistema S (SENAI, SENAC, SESI) e apresenta impacto positivo, oferecendo formação mais alinhada ao mercado e melhora a empregabilidade dos jovens.
O uso de avaliações externas, segundo o MEC (Ministério da Educação), o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) têm como referência modelos internacionais, como o PISA e as avaliações padronizadas norte-americanas. Esses instrumentos têm contribuído para diagnosticar problemas no sistema educacional e subsidiar políticas públicas com base em evidências trazendo impacto positivo no contexto de transparência nos resultados educacionais e identificação de áreas de melhoria. O ENEM, por exemplo, tem funcionado como porta de entrada para o ensino superior, democratizando o acesso.
Por outro lado temos as influências internacionais com resultados limitados ou até podendo ser considerados negativos, como o modelo de ensino padronizado e focado em testes (influência do PISA e EUA). A influência do PISA e das avaliações padronizadas estadunidenses segundo o MEC tem levado o Brasil a adotar políticas educacionais voltadas para a quantificação dos resultados e o foco no desempenho dos estudantes em testes trazendo impacto de redução do currículo escolar, dando ênfase a competências instrumentais (como Língua Portuguesa e Matemática) e negligenciando áreas como Artes, Filosofia, História e Geografia.
E essa educação de resultados focada em memorização e conteudista tem levado pressão excessiva sobre professores e estudantes. Por exemplo, a reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017) foi, em parte, como vimos anteriormente, impulsionada pela busca de melhores resultados no PISA, mas críticas segundo Freitas (2007) apontam na tal busca a possibilidade de aumentar desigualdades e priorizar o mercado de trabalho em detrimento de uma formação crítica e integral. Segundo Freitas (2012) os resultados baixos no PISA tem direcionado a possibilidade de privatização da educação com influência neoliberal, onde as políticas educacionais baseadas em princípios neoliberais, como as observadas nos EUA e em parte da Europa, defendem a privatização e terceirização como a implementação de OS (Organização Social) visando viabilizar a execução de atividades não exclusivas do Estado por organizações da sociedade civil e o incentivo a escolas em parcerias público-privadas. No Brasil, essa influência tem gerado problemas, pois segundo Freitas (2012) a ampliação da participação privada pode aprofundar desigualdades educacionais na educação pública, especialmente em regiões mais vulneráveis, é muitas vezes negligenciadas, pois a privatização tende a excluir estudantes de baixa renda, faltosos, indisciplinados, de estruturas familiares precárias e precarizar as condições de trabalho dos professores.
Podemos citar ainda os modelos de escolas cívico-militares e parcerias privadas em estados brasileiros, pois segundo o MEC têm mostrado resultados limitados com possibilidade de exclusão de estudantes com características já citadas e no qual não se enquadram ao modelo, aumentando a desigualdade educacional.
Segundo Saviani (2008) a adoção de políticas sem adaptação ao contexto brasileiro e inspiradas em modelos estrangeiros como tentativa de adotar práticas educacionais da Finlândia, por exemplo, país representante de realidade socioeconômica muito distinta, revela a falta de infraestrutura, de formação docente adequada e as desigualdades regionais brasileiras, tais como o ensino integral e interdisciplinar no qual enfrentam dificuldades devido a variados fatores dentre eles à falta de recursos para a ampliação da jornada escolar.
Por fim, segundo Saviani (2008) o modelo tecnocrático e conteudista com a influência estadunidense e europeia em currículos extensos e conteudistas, priorizam o ensino tradicional e a memorização, este modelo contrasta com propostas mais críticas e contextualizadas e apresenta impactos negativos tais como: desinteresse dos estudantes; falta de conexão com a realidade dos jovens brasileiros; enfraquecimento do desenvolvimento de habilidades como pensamento crítico e resolução de problemas. Vejamos a seguir uma comparação reflexiva sobre a aplicabilidade do PISA no Brasil.
APLICAÇÃO DO PISA NO BRASIL: É POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE TRABALHOS INTERROGATIVOS E RENOVADORES DOS DISCURSOS EDUCACIONAIS PELA TROCA DISCURSIVA?
Os dados do PISA oferecem oportunidade importante para interpelar e renovar os discursos educacionais no Brasil, ao promover debates mais qualificados e baseados em evidências entre diferentes atores educacionais e em distintos contextos. Essa possibilidade de troca discursiva se manifesta de várias formas e apresenta tanto desafios quanto potencialidades.
A produção de evidências e diagnósticos com os dados do PISA fornecem um retrato quantitativo do desempenho educacional brasileiro em comparação a outros países e isso possibilita aos atores educacionais (gestores, pesquisadores, professores e formuladores de políticas públicas) terem acesso a um diagnóstico robusto para identificar as deficiências específicas no aprendizado de Matemática, Leitura e Ciências, as desigualdades regionais e socioeconômicas e as tendências em longo prazo.
O impacto no discurso educacional é outro fator importante, pois o PISA permite deslocar o debate educacional de impressões subjetivas para uma discussão baseada em dados, tornando possível a interlocução entre diferentes atores (públicos e privados, nacionais e internacionais), a proposição de políticas públicas contextualizadas para os problemas detectados, pois os dados apontam as dificuldades dos estudantes em competências leitoras podendo renovar o discurso sobre a necessidade de formação continuada de professores e práticas pedagógicas mais eficientes para alfabetização e letramento.
A abertura para o diálogo com modelos internacionais é outro fator importante promovido pelo PISA ao expor aos sistemas educacionais brasileiros as boas práticas internacionais e essa comparação pode motivar o estudo de políticas educacionais bem-sucedidas em países com contextos semelhantes e a adaptação de estratégias estrangeiras à realidade brasileira.
A renovação do papel dos professores e da pedagogia com os resultados do PISA podem promover reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas no Brasil sobre o papel dos professores como agentes centrais no processo educacional. A discussão sobre os dados pode estimular a renovação dos discursos pedagógicos, com foco em metodologias mais interativas e práticas centradas no estudante e a formação de comunidades de aprendizagens entre educadores, fortalecendo trocas discursivas em nível local, regional e nacional.
O impacto no discurso educacional onde professores, ao interpretarem os dados do PISA, podem criar narrativas sobre as dificuldades diárias em sala de aula e como superá-las, ampliando a troca de experiências pedagógicas. A percepção das dificuldades dos estudantes em aplicar conceitos matemáticos no cotidiano pode levar a discussões sobre metodologias de ensino mais conectadas ao mundo real tais como a aprendizagem baseada em projetos.
E o questionamento das desigualdades e da exclusão com os dados do PISA expõem as desigualdades educacionais do Brasil, especialmente em relação à diferença de desempenho entre redes públicas e privadas, as disparidades regionais e socioeconômicas, e a baixa aprendizagem entre estudantes mais pobres e vulneráveis.
Os dados do PISA podem promover discurso crítico e político sobre as raízes estruturais da desigualdade educacional, estimulando debates mais amplos sobre o financiamento da educação pública, a qualidade da infraestrutura escolar e a equidade no acesso à educação de qualidade. Por exemplo, a divulgação de resultados evidenciam a discrepância entre escolas urbanas e rurais podendo dar voz a movimentos sociais e educadores defensores de políticas de investimento focadas nas regiões mais vulneráveis.
O PISA incentiva ainda a visão intersetorial da educação, ao relacionar o desempenho escolar a fatores como condições socioeconômicas, saúde pública, acesso à tecnologia e envolvimento familiar, e isso pode ampliar os discursos educacionais para incluir políticas públicas integradas de modo a envolver a educação, saúde e assistência social e a participação de atores não governamentais, como ONGs, Universidades e setor privado, no debate educacional. O impacto no discurso educacional cria oportunidades de troca entre diversos atores e contextos (local, regional e nacional), promovendo abordagens multidimensionais para resolver problemas complexos. Programas como o Educação Conectada, e este visa ampliar o acesso à tecnologia nas escolas públicas, ganham força no discurso ao serem justificados por dados sobre o impacto do uso de tecnologia na aprendizagem.
No entanto existem desafios na efetivação dessa troca discursiva, pois apesar das potencialidades, nem todos os atores educacionais têm acesso ou formação adequada para interpretar os resultados do PISA de forma crítica e propositiva.
E os discursos de gestores e formuladores de políticas, muitas vezes, predominam sobre as vozes dos professores e estudantes, e importar modelos educacionais de outros países sem a devida adaptação, ou seja, sem considerar a realidade brasileira podendo resultar em políticas ineficazes.
Portanto, a influência do PISA pode levar as escolas a priorizarem formação crítica propositiva ou práticas pedagógicas focadas na preparação para testes padronizados. A educação pode se tornar mais ampla e significativa ou ainda mais conteudista e instrumental com risco de perder sua dimensão formativa e cidadã. E assim, em vez de desenvolver competências socioemocionais, criativas e interdisciplinares, as escolas podem focar apenas em estratégias para aumentar as notas no PISA.
CONCLUSÃO
O objetivo da Educação Comparada não é a competição, mas o aprendizado mútuo colaborativo. Quando guiada por Hermenêutica-Reconstrutiva segue princípios de reflexão crítica, respeito, cooperação e diálogo, e ela se torna uma ferramenta poderosa para melhorar as práticas educacionais ao redor do mundo.
A Educação Comparada pode atuar como espaço de interpelação e renovação dos discursos educacionais ao questionar a centralidade dos indicadores de desempenho e ao promover trocas discursivas entre diferentes atores. Por meio do diálogo, ela permite a construção de conhecimento mais crítico, plural e contextualizado, capaz de desafiar narrativas hegemônicas e fomentar práticas educacionais mais democráticas e inclusivas.
Na perspectiva da Educação Comparada e da abordagem Hermenêutica-Reconstrutiva, a Reforma do Ensino Médio no Brasil revela uma forte influência do PISA e de padrões globais orientados ao desempenho econômico. Ao priorizar competências técnicas e mensuráveis, a reforma desconsidera aspectos críticos, reflexivos e inclusivos da educação.
A análise crítica de Habermas (2003) convida à construção de um currículo emancipatório, indo além da lógica instrumental e permitindo a formação de sujeitos autônomos, críticos e preparados para transformar suas realidades sociais.
As influências internacionais na educação brasileira têm sido ambíguas: enquanto algumas contribuíram para avanços significativos, outras geraram desafios e resultados limitados. O sucesso de qualquer modelo estrangeiro depende da adaptação ao contexto brasileiro, respeitando as desigualdades regionais, sociais e econômicas do país. A construção de uma educação eficiente deve, portanto, equilibrar influências externas com soluções nacionais contextualizadas.
O PISA é uma ferramenta importante para analisar o desempenho educacional em uma escala global, mas suas limitações são evidentes ao ser aplicado em um país com as características do Brasil. A desigualdade regional, socioeconômica e cultural precisa ser considerada em análises mais contextualizadas. Além disso, o foco excessivo em rankings e resultados quantitativos deve ser repensado de modo a permitir ao exame contribuir de forma mais significativa para a melhoria da educação brasileira.
Os dados do PISA, ao evidenciarem os problemas e desafios da educação brasileira, oferecem ferramenta poderosa para renovar os discursos educacionais. Eles criam um espaço para trocas discursivas entre diferentes atores, como gestores, professores, estudantes e a sociedade civil, ao conectar as demandas globais com as realidades locais. No entanto, para que essas trocas sejam produtivas, é fundamental garantir a democratização e compreensão; promover diálogo horizontal, incluindo as vozes de professores e estudantes; e adaptar práticas e políticas educacionais às especificidades do Brasil. Dessa forma, o PISA pode ser um instrumento de mobilização e de ampliação das discussões educacionais, estimulando mudanças significativas e contextualizadas.
E a influência do PISA na Reforma do Ensino Médio no Brasil trouxe avanços, como a ênfase no desenvolvimento de competências e habilidades fundamentais e a tentativa de modernizar o currículo com flexibilização e ensino técnico-profissionalizante. No entanto, as críticas são significativas e giram em torno de uma visão reducionista da educação, focada em testes padronizados; da falta de adaptação às desigualdades estruturais do país; do risco de transformar a educação em formação tecnicista, limitando o desenvolvimento crítico e humanístico; da ausência de participação democrática no processo de formulação da reforma.
Portanto, embora a reforma dialogue com tendências globais, ela precisa ser repensada para atender às especificidades do contexto brasileiro, garantindo uma educação equitativa, crítica e de qualidade direcionando ao aprender com o outro em trocas discursivas entre atores educacionais em distintos espaços e contextos.
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