REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202502231316
Daniel Richetti Rampazzo1
Guilherme Censi2
Ricardo Moraes Ferraro3
A litigância climática é um mecanismo crescente para enfrentar as mudanças climáticas, onde cidadãos, ONGs e comunidades processam governos e empresas por ações que agravam a crise climática. Um exemplo significativo é o caso Milieudefensie et al. v. Royal Dutch Shell plc, que resultou em uma decisão obrigando a Shell a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 45% até 2030. Essa forma de litigância visa garantir que Estados adotem políticas alinhadas com acordos internacionais, como o Acordo de Paris, e pressionar corporações a reduzirem suas emissões. Apesar dos desafios, como a complexidade das provas científicas e a resistência de atores poderosos, a litigância climática é essencial para promover justiça climática e proteger direitos humanos, incluindo o direito a um ambiente saudável.
Palavras-chaves: Litigância Climática, Mudanças Climáticas, Justiça Climática, Acordo de Paris, Responsabilidade Corporativa, Emissões de Gases de Efeito Estufa, Direitos Humanos, Combustíveis Fósseis.
1. Introdução
A litigância climática tem se consolidado como uma importante ferramenta jurídica no enfrentamento dos desafios impostos pelas mudanças climáticas. Por meio de ações judiciais, cidadãos, organizações não governamentais e comunidades afetadas buscam responsabilizar governos e corporações por suas contribuições para o agravamento da crise climática, bem como por sua inércia em adotar políticas eficazes de mitigação e adaptação.
Essa forma de litígio tem ganhado destaque nas últimas décadas, impulsionada pela crescente urgência de se combater o aquecimento global e pela percepção de que as medidas adotadas por atores governamentais e privados são insuficientes para lidar com a gravidade da situação. A litigância climática, assim, emerge como uma via para garantir que os compromissos internacionais, como o Acordo de Paris, sejam cumpridos e que os direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde e a um ambiente equilibrado, sejam protegidos. Este artigo explora as bases jurídicas e os principais objetivos da litigância climática, analisando seu papel na promoção de um futuro mais sustentável e justo.
2. Conceituação da Litigância Climática
Litigância climática refere-se ao uso de ações judiciais como ferramenta para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. Esses litígios são movidos por cidadãos, organizações não governamentais, comunidades afetadas, governos ou empresas, com o objetivo de responsabilizar entidades governamentais, corporações ou indivíduos por suas ações ou inações que contribuem para as mudanças climáticas ou por não cumprirem obrigações climáticas.
Essa prática tem ganhado destaque nas últimas décadas, impulsionada pelo agravamento da crise climática e pela percepção de que os governos e as corporações não estão tomando medidas adequadas para mitigar os seus impactos. Nesse contexto, a litigância climática se apresenta como uma ferramenta cada vez mais utilizada, com o objetivo de responsabilizar empresas e Estados pela contribuição para o aquecimento global ou pela inércia em relação às políticas climáticas.
Conforme Cervantes (2023, p.3) esclarece a necessidade da litigância climática:
a litigância climática tem se firmado como uma classe de ações em exponencial crescimento, desenvolvimento e expansão em todo o mundo, pois em toda parte do globo enfrentamos as consequências gravosas das mudanças climáticas, tivemos que adotar medidas de mitigação para a proteção contra esses efeitos adversos, ou ainda, por esse motivo, experenciamos receios justificados de violação iminente ou futura a diversos direitos humanos
Assume várias formas, dependendo dos objetivos específicos de cada caso, e é frequentemente utilizada como uma estratégia para pressionar por uma maior ação climática, seja por meio de políticas públicas mais rígidas ou pela responsabilização de empresas poluidoras.
Historicamente, a litigância climática surge como uma resposta ao fracasso das políticas governamentais e à contínua degradação ambiental. Ela reflete o uso dos tribunais como uma arena para debater questões ambientais que têm implicações diretas sobre os direitos humanos e sobre o direito a um meio ambiente equilibrado. De modo geral com base no acordo de Paris, podemos elencar os principais objetivos das ações de litigância climática:
– Forçar governos a adotar políticas climáticas consistentes com os compromissos assumidos em tratados internacionais, como o Acordo de Paris;
– Exigir que empresas de grande porte, particularmente aquelas do setor de combustíveis fósseis, reduzam suas emissões de gases de efeito estufa e reparem os danos causados ao meio ambiente;
– Proteger os direitos humanos, especialmente os das populações mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, como o direito à vida, à saúde e à segurança alimentar.
Pode ser compreendida como uma estratégia jurídica para forçar ou influenciar ações climáticas, seja no âmbito público ou privado. Ela envolve, em grande parte, disputas judiciais que visam responsabilizar entidades estatais ou corporações pela adoção de práticas que contribuem para o agravamento das mudanças climáticas, ou pela omissão em implementar políticas de mitigação e adaptação.
3. Elementos Centrais da Litigância Climática
A litigância climática tem se consolidado como uma ferramenta essencial para enfrentar as mudanças climáticas, responsabilizando governos, empresas e indivíduos por ações ou omissões que contribuem para o aquecimento global. Esse tipo de litígio envolve diversos atores, desde organizações não governamentais e comunidades afetadas até grandes corporações e governos, e baseia-se em fundamentos legais que incluem violações de direitos constitucionais e internacionais, como o Acordo de Paris.
De acordo com Rei (2017, p.85):
o regime climático fundamenta-se no princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, entre os países, que visa a distribuir com equidade a parcela de ônus, de obrigações que cada país deve suportar nas ações de mitigação, tendo em vista suas contribuições históricas de GEE4, sua capacidade interna para realizar os esforços de mitigação e adaptação e ajudar outros países, sem prejuízo de seu direito ao desenvolvimento.
Além de buscar a responsabilização dos envolvidos, esses processos visam a correção de políticas públicas e práticas empresariais, pressionando por metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e transparência nas ações climáticas.
Os impactos da litigância climática são amplos, influenciando a formulação de políticas ambientais e estimulando mudanças nas práticas empresariais. De acordo com Winter (2019, p.3) “litigância climática como instrumento impulsionador de modificações no tratamento político e jurídico das questões envolvendo o aquecimento global e as mudanças climáticas”. No entanto, esses litígios enfrentam desafios significativos, como a complexidade de provar o nexo causal entre ações específicas e os efeitos globais das mudanças climáticas. Apesar dessas dificuldades, a litigância climática desempenha um papel relevante na construção de soluções jurídicas e políticas, sendo uma ferramenta crucial para a transição rumo a um futuro mais sustentável e justo.
Muitos processos buscam responsabilizar governos por não implementarem políticas climáticas adequadas ou por não cumprirem compromissos assumidos internacionalmente, como no Acordo de Paris. A ideia central é que a inação governamental diante das mudanças climáticas viola os direitos humanos, como o direito à vida, à saúde e a um meio ambiente equilibrado. Winter (2019, p.9) defende a adoção de políticas pelas empresas e governos que visam reduzir os impactos no clima, “políticas governamentais e corporativas para a adoção de medidas de redução dos impactos que suas atividades podem causar ao clima, tendo em vista a litigância em si e a expectativa de futuras demandas”
Outro eixo central da litigância climática envolve empresas com a responsabilização corporativa, especialmente aquelas ligadas à exploração de combustíveis fósseis, cuja contribuição para as emissões de gases de efeito estufa é significativa. Nesses casos, os demandantes buscam que as corporações sejam legalmente obrigadas a reduzir suas emissões, interromper práticas nocivas ou compensar os danos ambientais causados.
A fundamentação em direitos humanos e a litigância climática é frequentemente baseada em direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde e ao meio ambiente saudável. Conforme Mathias (2022, p.345):
a garantia dos direitos humanos estão sendo afetadas pelas catástrofes atuais, os impactos das mudanças climáticas, em breve, serão devastadores, restando evidente a urgência do tema e a necessidade de cooperação internacional para que sejam adotadas medidas que realmente promovam mitigação e adaptação a esse contexto
Em casos como Urgenda v. Netherlands5, os tribunais reconheceram que as mudanças climáticas representam uma ameaça concreta a esses direitos e, portanto, exigem ações climáticas dos governos.
Os instrumentos de pressão política e social, além de obter resultados concretos nos tribunais, a litigância climática desempenha a função de aumentar a conscientização sobre a urgência das mudanças climáticas. Ela pode gerar pressão pública e midiática para que governos e empresas adotem ações mais contundentes para mitigar os impactos ambientais.
4. Categorias de Litigância Climática
A litigância climática pode ser dividida em diferentes categorias, com base nos objetivos e nas partes envolvidas nas quais citaremos as duas principais:
4.1. Litígios contra governos (Public Law):
Os litígios contra governos, no contexto da litigância climática, referem-se a ações judiciais movidas por indivíduos, organizações não governamentais ou comunidades afetadas com o objetivo de responsabilizar o Estado pela falta de ações adequadas ou omissões relacionadas às mudanças climáticas. Estes litígios normalmente buscam compelir os governos a adotar políticas públicas mais rigorosas de mitigação e adaptação climática, além de assegurar o cumprimento de obrigações nacionais e internacionais em termos de metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
No âmbito do direito público, esses processos geralmente se baseiam na violação de direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, à propriedade, e ao meio ambiente equilibrado, e podem ser fundamentados em compromissos internacionais, como o Acordo de Paris. A ação geralmente alega que a inação ou insuficiência das medidas adotadas pelo governo contribui para a degradação ambiental, colocando em risco o bem-estar presente e futuro das populações.
O principal objetivo dos litígios contra governos em matéria de mudanças climáticas é forçar os Estados a implementarem políticas mais eficazes e rápidas que estejam alinhadas com os compromissos globais de combate ao aquecimento global. Essas ações buscam:
– Exigir a implementação de políticas climáticas arrojadas para forçar os governos a adotarem medidas que reduzam drasticamente as emissões de gases do efeito estufa e promovam a adaptação às mudanças climáticas.
– Responsabilização por falhas regulatórias que demonstram a inércia ou as políticas insuficientes dos governos violam direitos humanos fundamentais, como o direito ao meio ambiente saudável.
– Cumprimento de compromissos internacionais que obrigam os governos a respeitarem os tratados climáticos, como o Acordo de Paris, e suas metas de redução de emissões.
– Proteção de populações vulneráveis com o objetivo de garantir que o governo implemente medidas para proteger comunidades vulneráveis dos impactos das mudanças climáticas, como desastres naturais mais frequentes e intensos.
A litigância climática força governos a adotar políticas eficazes para reduzir emissões de gases de efeito estufa e promover a adaptação às mudanças climáticas. Responsabilizando os Estados por falhas regulatórias que violam direitos humanos e exige o cumprimento de compromissos internacionais. Além disso, busca proteger comunidades vulneráveis dos impactos crescentes das mudanças climáticas.
4.2 Litígios contra empresas (Private Law):
Litígios contra empresas no âmbito da litigância climática referem-se a ações judiciais movidas contra corporações, particularmente aquelas que operam em setores de alto impacto ambiental, como as indústrias de combustíveis fósseis, energia e transporte. Esses litígios buscam responsabilizar juridicamente as empresas pela contribuição para as mudanças climáticas, seja pela emissão de grandes volumes de gases de efeito estufa, seja pela falta de transparência em suas operações, práticas de greenwashing conforme Ferreira (2019, p.216) explica a sua utilização ”é um termo que vem sendo adotado desde 2007 no mundo corporativo e aos poucos tem sido introduzido nas discussões sobre produtos”, ou até por omissão na implementação de políticas corporativas de sustentabilidade.
Essas ações se baseiam no direito privado, que rege as relações entre indivíduos e entidades privadas, sendo muitas vezes fundamentadas em teorias de responsabilidade civil, obrigações contratuais, violações de direitos do consumidor e até mesmo no direito das empresas em garantir práticas éticas de governança corporativa. Setzer (2019, p.3) enaltece o trabalho dos tribunais na litigância climática “os tribunais estão desempenhando um papel cada vez mais visível nos debates sobre as mudanças climáticas”
O principal objetivo dos litígios contra empresas é fazer com que as corporações assumam responsabilidade pelos impactos ambientais de suas atividades, além de pressioná-las a adotar práticas de negócios mais sustentáveis e alinhadas com a mitigação das mudanças climáticas.
O combate às mudanças climáticas e a promoção de práticas empresariais responsáveis exigem ações coordenadas e eficazes em várias frentes. Um ponto fundamental é a redução das emissões de gases de efeito estufa. As empresas devem adotar tecnologias mais limpas e eficientes, além de reduzir suas emissões de carbono. Esse processo envolve a implementação de regulamentos rigorosos que incentiva a inovação tecnológica e o uso de fontes de energia renováveis.
A transparência e veracidade nas informações divulgadas pelas corporações sobre suas práticas ambientais também é essencial. Elas não devem enganar consumidores, investidores ou o público sobre suas iniciativas de sustentabilidade. Garantir que as informações fornecidas sejam precisas e reflitam os verdadeiros impactos ambientais de suas operações é uma parte crucial para criar confiança e responsabilizar as empresas.
Além disso, as empresas precisam ser responsabilizadas pelos danos ambientais que causam. A responsabilidade pelos danos causados inclui a obrigação de compensar ou indenizar as comunidades afetadas pela poluição do ar, da água ou pelo agravamento de desastres climáticos decorrentes de suas atividades. Essa abordagem visa garantir que os custos ambientais sejam internalizados pelas empresas, promovendo uma justiça ambiental mais equitativa.
Outro aspecto que deve ser observado é a prevenção e combate de campanhas de marketing que promovem uma falsa imagem de sustentabilidade ou responsabilidade ambiental. As empresas que divulgam práticas sustentáveis sem realmente segui-las devem ser responsabilizadas. Coibir o greenwashing é fundamental para proteger os consumidores e promover ações verdadeiramente eficazes para o meio ambiente.
Por fim, é essencial que as empresas adaptem suas práticas corporativas com vistas à sustentabilidade. Isso inclui o investimento em energias renováveis e a promoção de responsabilidade social. A adaptação das políticas internas deve alinhar as estratégias de negócios aos princípios de sustentabilidade, garantindo benefícios de longo prazo tanto para o meio ambiente quanto para a sociedade.
Esses princípios fornecem uma base sólida para promover um desenvolvimento empresarial sustentável, equilibrando as necessidades econômicas com a preservação ambiental e a justiça social.
5. Litígios por negligência ou falha de regulamentação
Litígios por negligência ou falha de regulamentação, no contexto da litigância climática, referem-se a ações judiciais que buscam responsabilizar governos ou empresas por não cumprirem adequadamente suas obrigações legais ou regulatórias no que diz respeito à proteção ambiental e ao combate às mudanças climáticas. Estes litígios envolvem alegações de que a inércia, omissão ou atuação insuficiente por parte das autoridades reguladoras ou das empresas contribuem para a degradação do meio ambiente e o aumento dos riscos associados às mudanças climáticas.
No caso de governos, essas ações podem argumentar que falhas na elaboração, implementação ou fiscalização de políticas climáticas violam direitos fundamentais, como o direito ao meio ambiente saudável, à vida e à saúde. No caso de empresas, essas ações podem alegar que práticas negligentes, como a falha em cumprir normas ambientais, causam danos ambientais significativos ou ampliam os efeitos das mudanças climáticas.
Os litígios por negligência ou falha de regulamentação buscam, essencialmente, assegurar a responsabilidade e a implementação eficaz de políticas e práticas ambientais por parte dos governos e empresas.
Os principais objetivos visam corrigir omissões regulatórias e exigir que governos e autoridades adotem medidas mais rigorosas para mitigar os impactos das mudanças climáticas, implementando políticas ambientais adequadas. Baesso (2010, p.1) é importante “mitigar os impactos das mudanças climáticas e avaliar meios de adaptação”. Além de responsabilizar tanto governos quanto empresas por falhas em regulamentar e fiscalizar atividades que contribuem para a crise climática, esses litígios buscam garantir a proteção de direitos fundamentais, como o direito à saúde, à vida e a um meio ambiente equilibrado. Também atuam como pressão para a adoção de políticas de adaptação e mitigação, promovendo a transição para uma economia de baixo carbono e assegurando uma fiscalização rigorosa contra práticas negligentes.
Em suma, os litígios por negligência ou falha de regulamentação desempenham um papel importante no fortalecimento das estruturas legais e políticas que visam combater as mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que promovem a responsabilização de governos e empresas pela proteção ambiental.
5.1 Fundamentação Jurídica
A litigância climática baseia-se em diferentes fontes de direito, incluindo, tratados internacionais, como o Acordo de Paris, servem de base para exigir que governos cumpram metas de redução de emissões e adaptação climática. Além disso, leis nacionais e constitucionais são usadas para argumentar que tanto governos quanto empresas têm o dever de proteger o meio ambiente. Princípios de direito ambiental, como o da Precaução e o do Poluidor-Pagador, também sustentam essas ações. Setzer (2019, p.4) “Decisões favoráveis em ações que buscaram uma atuação mais ativa de governos no combate às mudanças climáticas constituem o principal fator”.
6. Desafios da Litigância Climática
Apesar dos avanços recentes, ainda enfrenta desafios significativos. Um deles é a complexidade jurídica envolvida, pois litigar em diferentes jurisdições e provar a responsabilidade pelas mudanças climáticas é um processo complexo. A natureza global do problema dificulta a tarefa de estabelecer um nexo causal entre as ações do réu e os impactos climáticos, exigindo uma análise detalhada e provas científicas robustas.
Outro obstáculo é a lentidão do sistema judicial. Os processos legais costumam ser longos e demorados, enquanto as mudanças climáticas exigem respostas rápidas e ações urgentes. Essa discrepância entre o ritmo do judiciário e a necessidade de ação imediata pode limitar a eficácia da litigância climática como instrumento de mitigação.
De Morais (2023, p.5) ressalta a importância da litigância climática:
a litigância climática vai ganhando forma e se apresentando como um novo meio de se buscar o fortalecimento dos mecanismos adotados pelos Estados no enfrentamento das mudanças climáticas, seja pela atuação de órgãos como o Ministério Público ou pela atuação dos cidadãos enquanto titulares de um direito comum.
Além disso, o poder e os recursos das corporações multinacionais e dos governos representam outro desafio importante. Com vastos recursos financeiros e capacidade legal, esses atores podem prolongar os litígios e resistir a mudanças estruturais em suas operações. A disparidade de poder entre os demandantes e as corporações torna ainda mais difícil alcançar resultados rápidos e significativos.
Esses desafios mostram que, embora a litigância climática seja uma ferramenta promissora, ainda há obstáculos a serem superados para garantir que ela contribua de forma eficaz para a justiça climática e a mitigação dos impactos ambientais.
7. Case Milieudefensie et al. v. Royal Dutch Shell plc.
O caso Milieudefensie et al. v. Royal Dutch Shell plc foi um marco na litigância climática, movido pela organização ambiental Milieudefensie, braço holandês do Friends of the Earth, juntamente com outros grupos e cidadãos, contra a Royal Dutch Shell. A ação judicial exigia que a empresa reduzisse significativamente suas emissões de gases de efeito estufa, argumentando que as práticas da Shell violavam os direitos humanos ao contribuir para as mudanças climáticas.
O caso representa um marco fundamental na litigância climática global, com implicações significativas para a responsabilidade corporativa em relação às mudanças climáticas. O objetivo da ação era forçar a empresa a adotar uma política climática mais ambiciosa, em linha com os compromissos internacionais de mitigação dos efeitos do aquecimento global.
Em 26 de maio de 2021, o Tribunal Distrital de Haia emitiu uma decisão histórica, ordenando que a Shell reduzisse suas emissões de dióxido de carbono em 45% até 2030, com base nos níveis de 2019, alinhando-se às metas do Acordo de Paris. A redução deveria abranger todas as emissões da empresa, tanto as diretas quanto as indiretas. Essa decisão foi baseada no entendimento de que a Shell, como uma das maiores empresas de energia do mundo, tem uma responsabilidade legal de agir em conformidade com os objetivos climáticos globais para evitar danos catastróficos à sociedade.
O tribunal concluiu que, ao não tomar medidas adequadas para mitigar suas emissões, a Shell estava violando o dever de diligência que lhe é imposto pelo direito civil holandês. Esse dever exige que empresas e entidades privadas atuem de maneira responsável para evitar causar danos desnecessários à sociedade e ao meio ambiente. Também considerou que as ações ou omissões da Shell não estavam alinhadas com o Acordo de Paris, que exige que as partes limitem o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Ao aplicar esses princípios, a decisão reconheceu que empresas transnacionais têm uma responsabilidade direta de contribuir para a luta contra as mudanças climáticas.
Um ponto importante da decisão foi o foco na responsabilidade das empresas não apenas por suas emissões diretas, mas também pelas indiretas, ou seja, aquelas resultantes do uso de seus produtos por consumidores e fornecedores. Isso foi um avanço no reconhecimento de que as grandes empresas de combustíveis fósseis não podem se eximir de responsabilidade apenas controlando suas emissões operacionais, mas devem também responder pelos impactos climáticos causados pelo uso de seus produtos em todo o ciclo de vida.
Além disso, a corte estabeleceu que, embora a Shell seja uma empresa privada, sua responsabilidade se estende à proteção dos direitos humanos, dado o impacto global das mudanças climáticas nas populações mais vulneráveis. A decisão enfatizou que a inação ou insuficiência de políticas climáticas por parte da Shell coloca em risco esses direitos fundamentais e reforçou a necessidade de as corporações se alinharem aos padrões ambientais globais.
A Shell anunciou que apelaria da decisão, argumentando que já possui políticas climáticas em andamento e que a decisão deveria caber aos governos, e não aos tribunais. No entanto, o julgamento foi considerado pioneiro ao reconhecer o papel direto das empresas no combate às mudanças climáticas e ao estabelecer uma jurisprudência que pode influenciar casos futuros em todo o mundo. A decisão é vista como um passo importante na responsabilização de empresas por seus impactos no meio ambiente e um alerta para a indústria de combustíveis fósseis em todo o mundo.
O caso redefiniu o alcance das obrigações climáticas das corporações, ampliando o conceito de dever de cuidado e demonstrando que a justiça pode ser um canal eficaz para pressionar tanto governos quanto empresas a agirem com urgência em resposta à crise climática.
O tribunal responsabilizou a Shell pelos impactos das mudanças climáticas, aplicando o dever de diligência corporativa do direito civil holandês. Esse princípio obriga a empresa a adotar todas as medidas possíveis para evitar danos ambientais, tanto diretos quanto indiretos, resultantes de suas operações. A responsabilidade foi ampliada para incluir as emissões de Escopo 3, que são aquelas geradas pelo uso de seus produtos pelos consumidores, abrangendo toda a cadeia de valor da empresa, de fornecedores a clientes.
Também aplicou o princípio do poluidor-pagador, determinando que a Shell, como grande produtora de combustíveis fósseis, deve arcar com os custos da mitigação dos danos causados por suas emissões globais de carbono. Essa responsabilização reflete o impacto substancial da empresa nas mudanças climáticas e a necessidade de sua contribuição para a reparação dos danos ambientais.
Outro princípio relevante foi o Princípio da Precaução, que exige a adoção de medidas preventivas diante de riscos ambientais significativos, mesmo que haja incertezas científicas. O tribunal considerou o risco das mudanças climáticas suficientemente comprovado para justificar a obrigação da Shell de reduzir suas emissões, prevenindo danos futuros.
Destacou a conexão entre a violação de direitos humanos e as mudanças climáticas, argumentando que a inação da Shell em adotar políticas de mitigação coloca em risco direitos fundamentais, como o direito à vida e ao meio ambiente saudável. A decisão reconheceu a responsabilidade da empresa não apenas sob a legislação ambiental, mas também no âmbito dos direitos humanos e dos compromissos internacionais, como o Acordo de Paris.
O posicionamento do tribunal de Haia foi amplamente elogiada por ativistas ambientais e estabeleceu um precedente inovador para futuras ações judiciais contra grandes corporações de combustíveis fósseis. A decisão reforça a noção de que as empresas podem ser legalmente obrigadas a adotar medidas concretas para reduzir suas emissões e alinhar suas atividades com os compromissos climáticos internacionais. O caso também sinaliza que, no cenário jurídico atual, as empresas não podem mais se esquivar de suas responsabilidades ambientais, mesmo que operem em uma variedade de mercados globais.
A Royal Dutch Shell anunciou sua intenção de apelar da decisão, mas a sentença continua sendo um marco na luta por justiça climática e responsabilização corporativa.
A importância do caso transcende suas implicações imediatas, estabelecendo um precedente significativo na litigância climática e na responsabilidade corporativa em relação às mudanças climáticas.
A decisão do Tribunal Distrital de Haia é um marco na jurisprudência, demonstrando que empresas privadas podem ser responsabilizadas legalmente por suas contribuições às mudanças climáticas. Ao exigir que a Shell reduza suas emissões de gases de efeito estufa, a corte reforçou que as corporações não podem se eximir de suas obrigações ambientais, independentemente de sua localização geográfica ou das complexidades de suas operações globais.
A ela estabelece uma conexão clara entre as obrigações corporativas e os compromissos internacionais, como o Acordo de Paris. Ao vincular a responsabilidade da Shell aos objetivos climáticos globais, o tribunal enfatizou que as empresas devem alinhar suas políticas e práticas com os esforços globais para mitigar as mudanças climáticas. Isso pode influenciar outras jurisdições a seguir o mesmo caminho, potencialmente criando um efeito dominó na responsabilização de empresas em todo o mundo.
Na decisão foi considerado que as mudanças climáticas ameaçam direitos humanos fundamentais, como o direito à saúde e a um ambiente saudável. Essa conexão entre direitos humanos e ações climáticas não é apenas inovadora, mas também estabelece uma base legal para futuras ações judiciais que visem proteger comunidades vulneráveis e afetadas por desastres climáticos. Essa perspectiva pode reforçar a importância de abordar a justiça social nas políticas ambientais.
O caso pode influenciar formuladores de políticas a considerar a necessidade de regulamentações mais rigorosas em relação às emissões de carbono e à responsabilidade corporativa. Ao estabelecer que as empresas têm um dever legal de proteger o meio ambiente, a decisão pode ser um catalisador para a criação de leis que responsabilizem empresas por suas contribuições às mudanças climáticas.
A decisão provoca uma reflexão mais ampla sobre a governança corporativa e as práticas empresariais em um mundo que enfrenta crises ambientais. A necessidade de incorporar princípios de sustentabilidade e responsabilidade social nas operações empresariais está se tornando uma expectativa crescente de consumidores, investidores e reguladores. O resultado deste processo pode levar as empresas a adotarem uma abordagem mais proativa em relação às suas práticas ambientais e sociais.
O caso Milieudefensie et al. v. Royal Dutch Shell não apenas desafia a Shell e outras empresas a mudarem suas práticas, mas também sinaliza uma mudança de paradigma na litigância climática, que pode ter um impacto duradouro sobre a forma como as empresas se relacionam com o meio ambiente e os direitos humanos em todo o mundo.
Considerações Finais
A litigância climática se destaca como uma ferramenta essencial no enfrentamento das mudanças climáticas, oferecendo uma via judicial para responsabilizar governos e empresas por suas ações ou omissões. Ao pressionar por políticas públicas mais eficazes e exigir que corporações adotem práticas sustentáveis, a litigância tem promovido avanços importantes na mitigação e adaptação climática. No entanto, enfrenta desafios, como a dificuldade em provar o nexo causal entre ações específicas e os impactos globais, além da resistência de atores poderosos.
Apesar dessas barreiras, a litigância climática contribui significativamente para a conscientização global e para a construção de um arcabouço jurídico que visa garantir a proteção de direitos fundamentais, como o direito a um ambiente equilibrado e à saúde. À medida que os impactos das mudanças climáticas se tornam mais severos, o papel dos tribunais será cada vez mais central na formulação de respostas jurídicas eficazes. Assim, a litigância climática se consolida como um caminho promissor para a promoção da justiça climática e a transição para um futuro mais sustentável e justo.
4Gases de efeito estufa
5Esse caso emblemático foi movido pela Fundação Urgenda contra o governo holandês, alegando que a inação climática do Estado colocava em risco os direitos humanos de seus cidadãos, incluindo o direito à vida. O tribunal decidiu que o governo deveria aumentar sua meta de redução de emissões de GEE para 25% até 2020, com base em obrigações de direitos humanos e ambientais. Este foi o primeiro caso no mundo em que um tribunal ordenou a um governo que aumentasse suas metas climáticas.
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1Mestrando em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), bolsista na modalidade II PROSUC/CAPES. Pós-Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade Anglo Americano, Pós-Graduado em Gestão do Ensino Superior pela Ftec Faculdades, MBA em Engenharia Econômica pela faculdade Focus e Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Economista e Professor Universitário. E-mail daniel.rampazzo@gmail.com.
2Graduado em Direito pelo Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG – RS). Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul (UCS – RS), com bolsa da modalidade II – taxista PROSUC/CAPES. Advogado em Caxias do Sul (RS). e-mail: contato@censiadvocacia.com.br.
3Mestrando do Programa de Pós Graduação em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul (UCS-RS), Arquiteto e Urbanista pela Universidade de Caxias do Sul (UCS-RS). E-mail rmferraro@gmail.com.