POLÍTICA E ENSINO: AS INFLUÊNCIAS NEOLIBERAIS NO ENSINO DA HISTÓRIA NO CONTEXTO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO – UMA ANÁLISE DO DOCUMENTO CURRICULAR DO TERRITÓRIO MARANHENSE (DCTMA)

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202502052304


Cris Hellen da Silva Almeida1
Antonia da Silva Mota2


Resumo

A Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017) foi aprovada pelo Congresso Nacional após ser imposta por medida provisória dentro do pacote de mudanças do governo Michel Temer dentro de um cenário de tremenda instabilidade. O que se pretende é analisar os desdobramentos e problemáticas presentes na reforma enquanto ato político, dentro do contexto neoliberal. Assim como buscar compreender os impactos da reforma no cenário nacional da educação básica. F É feita uma reflexão a respeito do ensino na área de História, excluída enquanto disciplina única dentro do novo currículo, buscando avaliar as consequências para todo o cenário da Educação Básica no Brasil. A análise principal parte do recorte regional do estado do Maranhão, tendo como base o Documento Curricular do Território Maranhense para o Ensino Médio, que foi elaborado pela Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) e parcerias a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Palavras-chave: Reforma do ensino médio; neoliberalismo; educação básica; currículo; ensino de História.

Introdução

Busca-se trazer reflexões acerca da reforma do Ensino Médio, imposta por medida provisória e depois aprovada no Congresso Nacional (Lei 13.415/2017), numa manobra política envolta em inúmeras problemáticas. Assim como todo acontecimento histórico, é de extrema relevância pensar o ato e seus impactos dentro do contexto social, cultural e político em que ele está inserido; sendo importante pensar a reforma a partir das questões políticas e do cenário socioeconômico.

Diante disso, é importante trazer para o centro da discussão o viés neoliberal presente no plano político do qual tal reforma faz parte. Se faz urgente pensar na educação e os impactos sofridos por este conjunto de reformas, especialmente em áreas ameaçadas pela reformulação curricular, como as ciências humanas e sociais, entre as quais está a disciplina de História. Portanto, neste artigo, buscou-se entender de qual forma o ensino da História, parte fundamental no processo educacional, é impactado de forma técnica e prática, pelas mudanças e pelo conjunto de políticas e interesses presentes na reforma do ensino médio. Em resumo, quais pontos pode-se levantar acerca destes impactos para o processo de ensino-aprendizagem, tendo em vista seu papel na sociedade.

O recorte geográfico da pesquisa parte do estado do Maranhão, através da análise do processo de implementação da reforma no estado, seus participantes ativos, os interesses envolvidos, a elaboração de um planejamento de implementação reformista e dos elementos presentes no documento curricular para o ensino médio do estado.

O conjunto metodológico aplicado no desenvolvimento das questões presentes trata-se das operações processuais da pesquisa histórica elaborados por Jörn Rüsen em sua obra Reconstrução do Passado (2016). O livro entrega um conjunto de métodos de crítica e interpretação histórica através da análise e da síntese presentes nos conceitos ordenados da heurística, crítica e interpretação. Os recursos metodológicos procedem da interpretação crítica proveniente do levantamento de documentos e elaborações teóricas, de forma a atribuir sentido às informações e buscar refletir acerca de respostas para questões inicialmente abordadas. Assim como no levantamento e interpretação de informações coletadas em elaborações estatísticas para a compreensão e reflexão em torno de um fenômeno, no âmbito de um determinado grupo social.

A metodologia hermenêutica é utilizada no processo interpretativo dos documentos que auxiliam na construção dos objetivos específicos, da base argumentativa e da busca resolutiva do tema-problema; enquanto o método analítico é utilizado na coleta, organização, análise e interpretação dos dados relacionados. Os documentos levantados e organizados são de extrema importância para a elaboração da pesquisa, servindo como base para a formulação interpretativa e construção de relações com os objetos de estudo. Por se tratar de uma pesquisa que se encaixa no campo da História do tempo presente, tratando de uma questão contemporânea e cuja discussão é emergente, a perspectiva atual e o levantamento de objetos de estudo foram de extrema importância; especialmente por trazer reflexões acerca do exercício da licenciatura, trazendo o senso de humanidade essencial no processo de ensino-aprendizagem para analisar as problemáticas que envolvem o tema-problema na análise prática que ele exige.

Como documentos de base foram analisados a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Documento Curricular do Território Maranhense (Vol. II), que foi elaborado com o objetivo de implementar a Reforma do Ensino Médio no estado do Maranhão.

A Reforma: Contexto Político e Social

A tão discutida Lei 13.415/2017, mais conhecida como a da Reforma do Ensino Médio, foi imposta por medida provisória no primeiro ano de governo do presidente Michel Temer, logo após o impedimento de Dilma Rousseff da presidência da república; sendo depois aprovada pelo Congresso Nacional. Não se trata, porém, de um ato governamental isolado, sendo parte de um pacote de reformas que evidenciam a peculiaridade do momento político, social e principalmente econômico em que o Brasil se encontrava.

Antes mesmo do início do governo Michel Temer, o Brasil enfrentava uma grave crise econômica e um cenário político de exaustão; o cenário era propício para os acontecimentos que se sucederam, assim como para as consequências dos eventos posteriores. A Reforma do Ensino Médio, assim como a Emenda Constitucional 95, a reforma trabalhista, a reforma da previdência e a ampliação da terceirização eram parte de um mesmo projeto político dentro daquele contexto: o de tentar recuperar o ciclo de acumulação capitalista diante da crise econômica. Tais atos governamentais são a representação da forma que o governo enxerga sua população e suas prioridades; a reforma do ensino médio é reflexo daquilo que o Estado espera e busca construir dentro da sociedade.

O recorte político é fundamental para entender a quais interesses a reforma buscava atender, e de que forma seu projeto de aplicação foi desenvolvido. As mudanças no currículo e no sistema geral do ensino médio continham seu próprio viés sociopolítico; eram a representação dos interesses presentes nas relações de trabalho, produção capitalista e educação. A burguesia, junto a seus representantes presentes no Estado, sempre enxergou de forma clara tal relação, e a importância dela para a manutenção de sua posição socioeconômica; tal relação se faz presente na formação de força de trabalho, junto a formação ideológica pré-estabelecida do proletariado.

A primeira versão da Base Nacional Comum Curricular foi oficializada pela Portaria Nº 592, de 17 de junho de 2015, e estabeleceu os Parâmetros Curriculares Nacionais para o sistema educacional do país. Entretanto, desde 2013, o Movimento pela Base Nacional Comum da Educação já defendia a necessidade de sua implementação, mesmo antes de sua oficialização. Esse movimento foi influenciado por interesses de instituições privadas, focadas nas demandas do mercado. Sobre o Movimento, Souza diz:

Esse Movimento pela Base foi idealizado por fundações e instituições mantidas pela iniciativa privada, que defendem um redirecionamento da educação nacional com vistas a adequar os processos formativos às exigências do mercado, com uma proposta educacional mais pragmática e técnica (Souza 2018, p.80).

Atendendo a estes interesses, o resultado foi uma homogeneização curricular, que tornou a Base unificada, que não se atenta a questões regionais e nem às particularidades de cada sistema de ensino.

A Reforma alterou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu mudanças em toda a estrutura do ensino, desde o formato até alterações no próprio processo de ensino-aprendizagem; as principais mudanças abrangem a questão da carga horária, que foi ampliada para três mil horas, a adoção de uma base comum curricular e os itinerários formativos. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi organizada e estabelecida não mais com disciplinas específicas, mas por áreas de conhecimento: Matemática e suas tecnologias, Ciências Humanas e Sociais aplicadas, e Ciências da Natureza e suas tecnologias; dentro dessa reformulação as únicas disciplinas obrigatórias são Português, matemática e inglês. A questão dos “itinerários formativos” é vendida pela proposta da escolha, fazendo o estudante “o protagonista” de sua formação, podendo escolher seguir o tipo de aprendizagem que supostamente, melhor dialogue com a carreira que este almejar.

A Questão Neoliberal

Políticas neoliberais estão presentes nos setores e medidas públicas do Brasil de forma incisiva desde a década de 1990, porém no cenário socioeconômico de 2016 o setor privado encontrou maior abertura para atuar nos mais diversos sentidos, acelerando reformas e participando de forma significativa na tomada de decisão e formação de políticas governamentais. Reformadores empresariais que sempre rondaram o Ministério da Educação (MEC), viram-se diante da possibilidade de trazer políticas educacionais que atendessem seus interesses, impactando todos os pontos presentes nas relações de sociedade e economia.

Voltando ao chamado Movimento pela Base Nacional Comum da Educação, este surgiu no ano de 2013 a partir do Seminário Internacional Liderando Reformas Educacionais, e foi idealizado por fundações e instituições mantidas pela iniciativa privada. Analisando suas propostas e objetivos podemos observar apontamentos referentes a este viés ideológico que defende uma educação no Brasil direcionada ao caráter técnico e profissionalizante (Moreno, 2016).

Segundo Moreno, há dois aspectos que devem ser destacados a respeito do movimento mencionado acima:

1) O interesse ideológico de se fazer presente nas concepções curriculares que visam formar sujeitos criativos, com domínio tecnológico, adaptados ao modelo de sociedade global, alicerçada sobre o consumo incessante de novos bens e ideias; 2) O interesse mais pragmático na unificação curricular como uma unificação do mercado educacional nacional (e transnacional) para a realização mais imediata de comercialização de insumos didáticos, assessorias e gerenciamentos em parceria com a instituições públicas (Moreno, 2016).

Estas reformas políticas de flexibilização das parcerias que envolvem o setor público e privado, são parte de um mesmo processo neoliberal desenvolvido durante décadas por organizações internacionais, entre eles o Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio (OMC), cujo discurso ganha força a partir do conceito do consenso, do “interesse comum”, que representaria um conjunto de afinidades entre classes, uma “conciliação” (Neves, 2005; Souza, 2020).

O neoliberalismo enquanto doutrina socioeconômica traz o mercado para o centro do interesse, defendendo o sistema de livre iniciativa e a mínima intervenção do Estado, prezando a privatização, a abertura econômica e a redução de impostos e gastos públicos, o que abrange todos os setores da sociedade; dentro desse discurso, a educação pública é um gasto exacerbado de um investimento que deveria ter caráter mercantilista. Discurso este que foram ganhando força na medida que os anos se passaram e os meios de informação se propagaram, algo que também é ferramenta do processo neoliberal. O movimento neoliberal pode ser observado dentro de ações governamentais brasileiras no que se refere ao âmbito da educação há muito tempo; ganhando força com pacotes e reformas, entre os quais a Lei 13.415/2017 se encontra.

O ensino médio enquanto parte do projeto neoliberal é um alvo importante por se tratar da etapa que finaliza a educação básica, sendo o momento oportuno da transição dos indivíduos para o mercado de trabalho, alinhando suas habilidades às demandas mercadológicas. Segundo Saviani (2020), o trabalho, enquanto parte da cultura humana e como princípio educativo demanda que o processo educacional prepare os indivíduos para a participação no trabalho produtivo da sociedade. No ensino fundamental, essa relação é indireta, mas no ensino médio, deve ser direta e explícita, por se tratar da etapa responsável por reestabelecer a ligação entre prática do trabalho e o processo do conhecimento.

A chamada “Ponte para o futuro”, carta de do presidente Temer, é carregada de uma explícita intenção de retomada no processo de consolidação de uma sociedade neoliberal, enfatizando-a como tendo no centro do seu foco o mercado; processo este que vai se consolidando na medida em que o cenário e a simbologia política vão se engrenando através destes ideais; firmando-se agora na figura de um “Messias”, com Jair Bolsonaro sendo eleito presidente da república em 2018.

O novo ensino médio, o sucateamento da educação pública brasileira, junto a precarização do trabalho são pontos claros e evidentes da gênese neoliberal dentro do processo educacional, com o “incentivo para o empreendedorismo” vendido pela propaganda de escolha e independência sendo a máscara e o discurso adotado por esse projeto político.

Impactos no Ensino de História

A formação curricular contém intencionalidade política implícita ou explicita, uma vez que é fator determinante no processo de planejamento político e pedagógico, levantando quais fatores e em quais condições se realizará tal processo, carregando uma concepção antropológica própria do que é o ser humano e de como se forma a sua identidade (Silva, 1999). Diante disto, pode-se concluir que a reformulação curricular do ensino nos anos do ensino médio é um projeto político dotado de intencionalidade.

A justificativa para tal reforma seria a “baixa qualidade do ensino” na modalidade da fase do ensino médio. A proposta seria um documento mais dinâmico, que dialogasse com a realidade da juventude e suas necessidades, conforme a exposição de motivos da MP n. 746/2016:

Atualmente o ensino médio possui um currículo extenso, superficial e fragmentado, que não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do século XXI. […] Os dados educacionais publicados recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP evidenciaram resultados aquém do mínimo previsto, isto é, 41% dos jovens de 15 a 19 anos matriculados no ensino médio apresentaram péssimos resultados educacionais (Brasil, 2016, p.1).

E tais apontamentos utilizados como argumentos de justificativa são, segundo Moura e Lima Filho “nitidamente de caráter ideológico e viés neoliberal”. Seguindo em seu raciocínio, fundamentam os autores:

Apoiando-se sobretudo em três aspectos: crítica ao assim denominado “currículo rígido” atual e, em consequência, na necessidade premente de sua substituição por outro “flexível, enxuto e dinâmico”; na proposição do estabelecimento de itinerários formativos diferenciados no EM, de forma a “valorizar a escolha” dos estudantes para aquele itinerário que mais os satisfaçam, concedendo-lhes o chamado “protagonismo juvenil”, no estabelecimento da “escola de tempo integral” (Moura e Filho, 2017, p.119).

Diante da alegada crise do ensino médio, a referida Reforma apresentava-se como a solução para tal. No entanto, a reformulação do currículo carregava em suas recomendações distribuídas em “habilidades” e “competências” todo o caráter das demandas mercadológicas como direcionamento principal na formação dos estudantes.

Entendemos que a estrutura proposta pelo Novo Ensino Médio causa um esvaziamento do currículo, pois apenas as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Língua Estrangeira permanecem obrigatórias durante todo o ciclo educacional. As outras disciplinas são organizadas conforme as áreas de conhecimento – Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – que formam a parte do currículo destinada ao desenvolvimento das competências gerais da BNCC, com um limite máximo de 1800 horas da carga horária total do ensino médio.

Dentro desta reformulação nos cabe refletir a respeito de que lugar a História, enquanto disciplina e área de produção de conhecimento, passa a ocupar. A este respeito, Souza (2020) com base em Almeida Neto diz:

[..] sabe-se que a disciplina de História inexiste, estando seus conteúdos diluídos na área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, sendo que esses conteúdos, assim como as demais áreas, serão organizadas por “itinerários formativos”, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino (Almeida Neto, 2020, p. 4, apud Souza, 2020, p.2).

Dentro desta proposta, a História passa a encaixar-se em arranjos curriculares dentro dos itinerários formativos; ou seja, a disciplina passa a existir apenas dentro da proposta da interdisciplinaridade do currículo que prioriza as demandas do próprio sistema; e não se atenta para as particularidades metodológicas, científicas e teóricas que cada matéria possui dentro do currículo escolar e do contexto social no processo de formação.

A Base Nacional Comum Curricular traz mais que uma mera reformulação, carregando um apagamento dentro da História enquanto disciplina e área de pesquisa e reflexão. Além dos pontos relacionados ao conteúdo, organização e planejamento dentro de sala de aula, há toda a questão relacionada à desprofissionalização dentro da área de conhecimento, afetando além de todos os quesitos já levantados, também carreiras; uma vez que, um professor formado em qualquer disciplina que se enquadre nas Ciências Humanas e Sociais poderá lecionar dentro das horas correspondentes à área.

O professor Fernando Seffner (UFRS), em um curta documental intitulado Ensino de História, disponível no canal da plataforma Youtube – Sinpro Minas, falou sobre o exercício da atividade docente na contemporaneidade dentro da área de História. O professor levantou a questão relacionada ao contexto social e econômico do Brasil, uma vez que a educação é o reflexo deste cenário, marcado por extrema desigualdade, preconceito e abandono, por parte das autoridades e instituições políticas; a atividade docente está diretamente ligada a este ponto, já que o professor entra em sala não apenas para aplicar conteúdos, testes e cumprir com aprovações, ou mesmo reprovações, mas também vê sua missão enquanto profissional sujeita às circunstâncias da realidade, diante de um sistema repleto de falhas e pouquíssimos recursos e meios de realizar mudanças. Seffner citou ainda o fato de que após o período da Ditadura Militar no Brasil (1964- 1985) e o consequente processo de redemocratização, o ensino de História também passou por evidentes modificações, uma vez que a maior valorização da democracia e sua maior discussão enquanto conceito e direito permitiu uma maior abertura para o pluralismo religioso, fortaleceram princípios ligados ao direito humano do senso crítico e expressividade política e social, questões relacionadas ao processo do conhecimento histórico e desenvolvimento de consciência e senso individual.

A pesquisa e destaque aos mais diversos grupos sociais, em especial aqueles que durante muito tempo conviveram com a marginalização social é outro ponto importante a ser levantado no contexto da ampliação do ensino de História no Brasil. Tal perspectiva possibilitou um aprendizado rico e representativo, muito além das datas, fatos e narrativas de personagens, geralmente homens brancos em posição de privilégio e destaque social. Este quesito positivo, na discussão de debates sociais importantes, se mostra uma ameaça para o pensamento conservador, e para determinadas classes e grupos sociais, que sempre se encontraram no centro da narrativa histórica e veem-se atacados ao encontrar aqueles que sempre marginalizaram em posição de protagonismo. E é justamente por trazer esses grupos marginalizados para o centro, revelar suas lutas, proporcionar uma visão mais ampla da dinâmica social do país, expressar os problemas presentes na desigualdade e trazer debates a respeito de questões como o racismo, a misoginia, a homofobia e a discriminação, que o estudo de História é visto como inimigo destes grupos sociais que durante séculos ocuparam uma posição social, político e econômico de máximo privilégio.

O Documento Curricular do Território Maranhense (DCTMA), a Reformulação e o Ensino de História

Quando se fala em currículo escolar nos referimos não apenas a questão do conteúdo no contexto do que vai trabalhado dentro de cada fase escolar ou período letivo. Conforme Saviani (2020), o currículo é a escola em expressão de seu pleno funcionamento, ou seja, diz respeito a toda as práticas, conteúdos e rotinas que envolvam a cultura e toda a comunidade escolar, assim como seus valores e objetivos.

Ainda entendendo a importância do currículo e sua relação com o processo de ensino-aprendizagem, Moreira e Candau (2007) associam este ao “conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas”. E os autores esclarecem dizendo que o currículo são “experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio às relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos/as estudantes” (Moreira; Candau, 2007, p. 18).

O Documento Curricular do Território Maranhense: Ensino Médio Vol. II (DCTMA-EM) foi elaborado pela Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (SEDUC-MA) em colaboração com diversas instituições, grupos e comitês, sendo um documento de caráter colaborativo, e aprovado pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) do estado do Maranhão por meio do Parecer nº 336/2021 de 22/12/2021. Trata-se do documento principal no processo de implementação da Reforma do Ensino Médio no estado do Maranhão, tendo como alicerce a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A SEDUC contou com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no âmbito do Programa de Apoio à Implementação da Nova BNCC (ProBNCC), que foi criado com a missão de implementar a nova Base pelos estados e municípios. A respeito destes recursos, o Conselho Estadual da Educação destaca:

O apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação, que proporcionou à equipe dos estados brasileiros a produção do documento territorial, por meio de capacitações tanto aos que estavam em processo de construção do documento, como aos educadores que estavam no programa de formação docente (Maranhão, 2021, p. 6).

Ainda no processo de implementação da Reforma através da elaboração do Documento Curricular a nível estadual, o Comitê Estadual para Implementação do Cronograma do Novo Ensino Médio foi instituído em 2021 coordenado pelo Conselho Estadual da Educação; o Comitê composto pela Secretaria Estadual da Educação do Maranhão, Fórum Estadual de Educação contava também com parcerias privadas, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), representantes estudantis, educadores e Instituições de Ensino Superior (IES), em caráter colaborativo, conforme citado anteriormente, o que está atrelado ao que Ball e Bowe (1992) denominam como contexto de influência  na elaboração das políticas públicas, onde diferentes grupos entram com seus interesses na busca de influenciar a construção das políticas e finalidades educacionais de forma a direcioná-las para o alcance de seus próprios objetivos.

No Comitê e no desenvolvimento do Documento destacam-se diversos representantes do setor empresarial, como o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), que foi fundamental para a elaboração de elementos como o Projeto de Vida, as Eletivas, Práticas Experimentais, Tutoria, o Estudo Orientado, Projetos Empreendedores, e o Projeto de Corresponsabilidade Social; cabendo citar que o ICE trabalha em assessoria com o Governo do Maranhão desde o ano de 2015 na elaboração e implementação dos Institutos Estaduais de Educação (IEMAs) e do programa de escolas de tempo integral Educa Mais.

O Instituto Itaú BBA, parte do grupo Itaú Unibanco, um dos maiores grupos financeiros da América Latina, também foi parte da implementação da Reforma através de parceria com a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), atuando na capacitação de gestores atuantes em escolas-piloto com o currículo reformulado.

Tais experiências serviram de base para a elaboração do Documento Curricular e para o processo de implementação do novo modelo de ensino, estando em convergência com a nova organização curricular proposta:

A Secretaria de Estado de Educação apresenta o Documento, em epígrafe, após substancial experiência desde a implantação no estado da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, criada pela Lei nº 13.415/2017, que promoveu um movimento de adequação do currículo em 38 escolas piloto no Maranhão, cuja matriz curricular já vem sendo desenvolvida e foi aprovada por este órgão (Maranhão, 2021, p. 3)

O currículo proposto no Documento Curricular do Território Maranhense confirma as diretrizes da BNCC ao incluir dez Competências Gerais que devem ser desenvolvidas durante a aprendizagem dos estudantes. Essas competências abrangem diferentes áreas do conhecimento, como Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. As dez competências da BNCC são: Conhecimento; Pensamento Científico, Crítico e Criativo; Repertório Cultural; Comunicação; Cultura Digital; Trabalho e Projeto de Vida; Argumentação; Autoconhecimento e Autocuidado; Empatia e Cooperação; Responsabilidade e Cidadania. O currículo estimula a interdisciplinaridade como ponto principal na flexibilização. A carga horária do Novo Ensino Médio é de 3.000 horas para o tempo parcial e 4.500 horas para o tempo integral, esta dividida entre a formação geral básica, que inclui as competências gerais da BNCC em todas as áreas de conhecimento, e a parte diversificada, que abrange os itinerários formativos (investigação científica, processos criativos, intervenção comunitária e empreendedorismo).

A respeito dos quatro eixos dos itinerários formativos segundo o DCTMA-EM:

Na perspectiva da investigação científica, o estudante terá como objetivo pesquisar, investigar, elaborar hipóteses, apropriar-se de todos os mecanismos que a ciência oferece: aprofundamento, investigação científica para conhecer o tema. Em processos criativos, o estudante terá a capacidade de criar, propor, inovar e solucionar problemas. A ideia é pegar o tema que já foi investigado cientificamente e criar algo para solucionar esse problema ou para inovar nesse tema. Os processos criativos podem ser artísticos, midiáticos, teatro, livro, aplicativos de games, projetos criados em laboratórios. Em intervenção comunitária, a ideia é que, se já pesquisou o tema, já criou algo para solucionar e inovar, o estudante vai aplicar na realidade. Vai levar o que criou para implementar na realidade, por meio de campanha, teatro ou foco no social ambiental que sejam relevantes. Por fim, o empreendedorismo, que pode ser um projeto pessoal, social, startup, pequena empresa, porta de saída, pensamento pós-médio (Maranhão, 2022, p. 118).

Os eixos que comandam o currículo trabalham especialmente na instrumentalização dos conhecimentos, na organização técnica do aprendizado e no desenvolvimento de competências socioemocionais, o que evidencia o objetivo de formar indivíduos que integrem a sociedade de forma a responder positivamente com as demandas econômicas e mercadológicas.

Os itinerários formativos possuem carga total de 1200 horas e são divididos em Itinerários Propedêuticos e Itinerários de Formação Técnica Profissional.

Os Itinerários Propedêuticos, conforme designa o próprio nome, estão atrelados a preparação para o ensino, referindo-se ao conjunto de conteúdos, conhecimentos e habilidades necessários dentro do processo de aprendizado dentro de um determinado campo de estudo. Estes Itinerários são organizados em Arranjos Curriculares Integrados, que correspondem a diferentes áreas do conhecimento. Estes arranjos são agrupados com base em suas afinidades e similaridades, de maneira a se alinhar com as características específicas dos cursos de ensino superior oferecidos pelas principais instituições de ensino superior do Maranhão, como a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA).

Já os Itinerários de Formação Técnica Profissional, que segundo o documento, devem estar em consonância com as disciplinas gerais, buscam desenvolver nos estudantes habilidades e competências que abrangem a preparação para o ingresso e a atuação no mercado de trabalho a partir do conhecimento técnico e profissionalizante; dentro desses itinerários, os estudantes podem escolher cursos em diversas áreas como: Administração, Informática, Turismo, Saúde, Indústria e muitas outras, desde que promovam sua formação e qualificação profissional; o DCTM-EM declara que a educação técnica e profissional pode ser oferecida nas próprias escolas ou através de entidades parceiras que tenham credenciamento junto ao Conselho Estadual de Educação.

Diante destas informações, é possível refletir na diferença dos objetivos de formação presentes nos Itinerários, com os Propedêuticos estando claramente mais voltados para a preparação e introdução no ensino superior, enquanto os de Formação Técnica Profissional se voltam para o ingresso no mercado de trabalho a partir da preparação profissionalizante e do ensino técnico; evidenciando a dualidade entre as formações, com uma direcionada ao ingresso no mercado de trabalho e outra ao ingresso científico-acadêmico, que se destina à continuidade dos estudos em nível superior.

O Projeto de Vida dentro da proposta do Documento apresenta-se como um componente curricular que visa auxiliar os estudantes em seu processo de formação, trabalhando a partir da construção, planejamento e realização de seus objetivos nos âmbitos pessoal, acadêmico e profissional, assim como na manutenção de seus valores:

O Projeto de Vida enquanto componente curricular integrará todos os itinerários formativos do currículo do Ensino Médio do Estado do Maranhão. A metodologia central do Projeto de Vida será a de aprendizagem por projetos, personalizando e valorizando as vivências dos estudantes, em vista ao desenvolvimento de competências e habilidades para a vida contemporânea, baseada em valores e responsabilidade social e ambiental (Maranhão, 2022, p. 278)

Diante da análise do Documento Curricular é possível sintetizar basicamente o formato que será utilizado para organizar os Itinerários Formativos junto a formação geral do ensino básico:

a) Escola de tempo parcial:

1º ano: Eletivas de Base, Eletivas de Pré-IF (Pré-Itinerário Formativo), Projeto de Vida, Tutoria.;

2º e 3º anos: Eletivas de Base, Projeto de Vida, Tutoria, Eletivas de IF (Itinerário Formativo) e os Projetos de Corresponsabilidade Social, o Pós-Médio.

b) Escola de tempo integral:

1º ano: Eletivas de Base, Eletivas de Pré-IF (Itinerário Formativo), Projeto de Vida, Tutoria, Estudos Orientados e Avaliação Semanal;

2º e 3º anos: Eletivas de Base, Projeto de Vida, Tutoria, Estudo Orientado e Avaliação Semanal, Eletivas de IF (Itinerário Formativo), Projetos de Corresponsabilidade Social, Pós-Médio, Práticas Experimentais e Projetos Empreendedores.

Dentro desta proposta durante o 1º ano a escola deve fazer um levantamento para que assim sejam elaborados os Itinerários Formativos que serão ofertados e trabalhados nos anos finais, devendo ser um processo que leva em consideração os interesses dos estudantes, as demandas do mercado de trabalho local e regional e a disponibilidade de recursos da escola.

Em relação à formação dos professores para implementar a proposta do novo currículo, o documento destaca a necessidade e a importância de assegurar a formação continuada dos educadores para alinhar os referenciais curriculares à BNCC. Esse alinhamento deverá alcançado por meio de uma formação permanente ao longo da vida profissional, conforme previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB);

É perceptível a exigência de um perfil profissional que agregue saberes docentes de vários âmbitos com vistas ao atendimento do estudante. As mudanças exigem que a sala de aula se transforme em laboratório e, por que não dizer, em um mundo que considere as diferentes culturas que não podemos ignorar (Maranhão, 2022, p. 299).

Nota-se que o documento apoia veementemente as novas diretrizes curriculares para a formação de docentes, enfatizando o desenvolvimento de competências e habilidades, fundamentadas na nova BNCC, visando à implementação do novo currículo do ensino médio, valorizando a interdisciplinaridade assim como a intradisciplinaridade, carregando um conjunto metodológico que tem a proposta de ampliar, mas que acaba por reduzir dentro do processo de ensino-aprendizagem.

Voltando para a questão do DCTMA-EM enquanto ferramenta de implementação do novo modelo curricular proposto pela Reforma do Ensino Médio, é evidente que o ponto principal do documento é tratar da implementação a nível estadual, considerando as especificidades do estado do Maranhão, as particularidades de sua cultura, sua história e seu povo, conforme é dito a respeito do processo de elaboração do documento:

Dessa forma, quando pensamos na elaboração de um currículo para o público de 335.629 estudantes do ensino médio do Maranhão, concentrado, em sua maioria, na zona rural, pertencente às mais diversas comunidades, com suas peculiaridades – quilombolas, campesinos, indígenas, sujeitos de diferentes raças/etnias e gêneros, com anseios e percursos diferenciados –, frequentando escolas em realidades distintas, com oferta de um ensino pautado em modalidades conforme os interesses locais de cada universo atendido, asseguramo-nos do quanto são complexas as taxativas que devemos dar a esses sujeitos. Por se tratar de um público jovem, faz-se necessário compreender as concepções de juventudes, que também serão consideradas neste documento (MARANHÃO, 2022, p.22).

Portanto, o Documento se compromete em trazer um currículo que valoriza a questão da regionalidade dentro de todos os seus aspectos; este ponto é fundamental dentro da História, enquanto disciplina e área de produção de conhecimento, por permitir a compreensão das relações entre as especificidades regionais com os eventos históricos, assim como os impactos e elementos que são parte de sua projeção cultural.

Borges (2017) traz apontamentos acerca do Mito do Poço de Santana, envolto nas origens da cidade de Caicó/RN, que abordam a ancestralidade do sertão potiguar levando a um espaço onde a cultura indígena e as influências cristãs se entrelaçam; ela utiliza o contexto histórico e social do Mito para falar de sua influência, o que nos desperta para a reflexão de como elementos regionais como o folclore são de fundamental importância para enriquecer o currículo e o processo de ensino-aprendizagem da História; segundo a autora:

[…] o folclore apresenta uma função disciplinadora, de educação e de formação de uma sensibilidade, baseada na perpetuação de costumes, hábitos e concepções, construindo novos códigos sociais. Sendo assim, o discurso tradicionalista usa a história como o lugar da memória. Fazendo da história o processo de afirmação de uma identidade, da continuidade e da tradição (Borges, 2017, p.16).

Portanto, a questão da regionalidade pode ser uma ferramenta importante para o educador de História, ainda que no contexto da Reforma. A incorporação de elementos particulares da cultura local pode ser extremamente enriquecedora para o ensino dentro da área, uma vez que permite uma visão que vai além das perspectivas tradicionais, descentralizando a História e trabalhando no sentido de construção e manutenção de identidade e pertencimento.

Belfort (2021) traz uma análise a respeito da questão da regionalidade ao analisar o Documento Curricular do Território Maranhense, em especial, ao pontuar o termo “maranhensidade”, que é citado no Documento como elemento importante nas práticas de ensino no estado, por se tratar do foco e da valorização das particularidades socioculturais do Maranhão.

O termo “maranhensidade”, anteriormente utilizado nas políticas educacionais do Governo Jackson Lago, aparece no Documento Curricular do Território Maranhense de 2019, com a perspectiva de “estabelecer uma ação pedagógica emancipadora, crítica e transformadora, sendo a maranhensidade “[…] o cerne da construção do currículo para as escolas do estado […]” (Silva; Silva; Moura, 2020, p.13 apud Belfort, 2021, p.35).

O autor critica o caráter do termo em relação aos aspectos do Documento Curricular, destacando que:

Mesmo destacando que a maranhensidade é uma concepção que busca valorizar as particularidades regionais do povo maranhense, os autores esclarecem em suas análises que há cidades maranhenses que valorizam em seus respectivos processos pedagógicos hábitos, costumes e a cultura local, ou seja, não seguem as normas propaladas pelo DCTMA. Logo, esta fala é sintomática, pois evidencia que tal conceito institucionalizado por este documento não reflete a construção das identidades culturais de todos os municípios maranhenses (Belfort, 2021, p.35- 36).

Portanto, é importante destacar a importância de um currículo estadual que leve em consideração a diversidade do próprio território que busca representar, pontuando as particularidades de seus municípios e as dificuldades no processo de implementação que cada um destes apresenta. Se faz necessário um aprofundamento que trabalhe para além dos aspectos teóricos, a atuação metodológica na prática, a realidade e a identidade destes municípios, conforme indica Santos (2021):

Ao tratar do currículo, o documento ressalta que ‘é necessário enxergar a diversidade sociocultural que norteia a construção histórica do estado e seu povo’ (2019, p. 17). Assim, defendem a necessidade de discutir e considerar a “maranhensidade” como eixo fundamental deste currículo, muito embora não expliquem o conceito de maranhensidade e nem apontam estudiosos dessa categoria conceitual (Santos, 2021, p.328).

Pontuando ainda que: “o documento também não faz menção às pesquisas sobre currículo que enfatizem a realidade maranhense, o que contribuiria para a própria compreensão do conceito de maranhensidade tão defendido na proposta” (Santos, 2021, p. 328).

Diante desta realidade, cabe refletir a respeito de como a História pode ser trabalhada, em sala de aula e como parte da construção social, diante da realidade curricular imposta. Ao lidar com as propostas curriculares do DCTMA-EM, é necessário abordar o processo histórico como algo indispensável no processo de ensino-aprendizagem, onde pensar na multiplicidade cultural e na diversidade de sujeitos e identidades presentes na construção e existência histórica e social do Maranhão é de fundamental importância.

Considerações Finais

A Reforma do Ensino Médio em pensamento definitivo, não se trata de um mero conjunto de reformulações dentro de uma proposta educacional por parte do governo; representa um ideal, uma perspectiva social e um projeto político.

É mais que claro o interesse da iniciativa privada em moldar o sistema público de educação de forma a atender seu próprio projeto de sociedade, especialmente no que se trata de formação de mão-de-obra (barata e numerosa) e nas relações de trabalho. Aquilo que se faz presente na mais nova Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio é reflexo das demandas dos reformadores empresariais para o ensino público, e para a necessidade de controle da formação e da ideia de futuro das pessoas que dependem dele para ter acesso a educação básica (Freitas, 2014).

As propagandas extremamente divulgadas nos anos iniciais de reformulação (entre 2017 e 2018, principalmente) são carregadas de uma mensagem otimista de “escolha VOCÊ o seu futuro”, “empreenda e lidere!”, incentivando adolescentes a seguirem o caminho da profissionalização ligada especialmente ao nível técnico, e a adentrarem o mais cedo

possível no mercado de trabalho; diante disto, as demandas das grandes empresas por mão-de-obra são atendidas, e a manutenção de suas indústrias e impérios é mantida; para além destes fatores, o incentivo de uma formação social voltada para interesses mercantilistas é parte de todo o projeto neoliberal, o que revela a existência de uma intencionalidade ainda maior mascarada pela propaganda midiática no que se trata do conjunto de reformulações governamentais dentro deste âmbito nas últimas décadas, isto em diversas economias.

No estado do Maranhão, a iniciativa principal de implementação da reformulação curricular do Ensino Médio foi a elaboração e aprovação do Documento Curricular do Território Maranhense – Ensino Médio (Vol. II), que teve como âncora para seu desenvolvimento a Base Nacional Comum Curricular (BNCC); com a proposta de trazer um olhar sobre as particularidades locais do estado, o currículo, assim como a própria BNCC, é carregado de uma visão solidificada e carece de aprofundamento, não trabalhando as especificidades e necessidades de todo o território que promete abranger, nem tratando de toda a pluralidade das identidades que constituem a maranhensidade.

A reformulação curricular e seus pontos representam um grande retrocesso dentro da História enquanto área de conhecimento e atuação no cenário brasileiro, sendo carregada daquilo que ela mais luta para combater, o esquecimento.

Jörn Rüsen, historiador e filósofo alemão, em A Função da Didática da História: A Relação entre a Didática da História e a (meta) História, expõe o processo de aprendizagem em termos teóricos, e aborda uma das principais dificuldades no processo de aprender história, o que também é um desafio para o ensino, a falta de envolvimento do indivíduo com a História, a abordagem dos fatores enquanto algo muito distante da prática e da vida humana. No entanto, é fundamental que a aprendizagem histórica aproxime os sujeitos da História, uma vez que ela em si, se trata do tempo, das vivências e dos fatores envolvidos nas sociedades do passado, do presente e do futuro; nisto, a aprendizagem histórica deve ser acessível, e isto se dará essencialmente por meio da atribuição de sentido e significado a este aprendizado.

A aprendizagem enquanto processo cognitivo se trata de adquirir e desenvolver habilidades e competências através do processamento de uma experiência, este processando se dá através dos movimentos de percepção, interpretação, orientação e motivação; e um currículo que não se atente ao desenvolvimento e a manutenção de uma qualidade de ensino que proporcione as condições necessárias para o estímulo destas habilidades e deste processo, é um currículo falho, dentro do contexto educacional e cultural. Pois a cultura enquanto todo o conjunto de elementos que rodeiam o homem dentro de sua existência temporal, é em si, a busca de geração de sentido; sem a busca de sentido, o homem não existe.

Referências Bibliográficas

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SOUZA, I. A pedagogia gerencialista do capital: neoliberalismo, empresariamento e mercadorização da educação ‘pública-estatal. Tese de doutorado. Campinas, Faculdade de Educação da Unicamp, 2020;

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Documentário – ENSINO DE HISTÓRIA. Youtube, 2017. 25min, 54sgs. Publicado pelo canal Sinpro – Minas; professor responsável: Fernando Seffner (UFRS).


1Departamento de História (Licenciatura) – Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
2Prof. Dra. Antonia da Silva Mota. Docente titular aposentada do Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)