A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL: CONCRETIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS VIA JUDICIÁRIO

THE JUDICIALIZATION OF POLITICS AND JUDICIAL ACTIVISM: REALIZATION OF SOCIAL POLICIES VIA THE JUDICIARY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202501310444


Ludmilla Fraissat1
Professor: Dr Rennan Faria Kruger Thamay


RESUMO 

O presente trabalho analisa a judicialização da política e o ativismo judicial no Brasil, abordando sua crescente relevância no contexto democrático contemporâneo. A introdução discute como o Judiciário assume um papel protagonista na implementação de políticas públicas e garantia de direitos fundamentais, especialmente diante das falhas dos Poderes Executivo e Legislativo. O objetivo é compreender os impactos dessa atuação judicial na separação dos poderes e na efetivação dos direitos sociais, destacando casos emblemáticos e implicações para a legitimidade democrática. A metodologia empregada consiste em uma revisão bibliográfica e análise de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), utilizando uma abordagem doutrinária e jurisprudencial. A conclusão ressalta a necessidade de equilíbrio na atuação judicial, de modo a harmonizar a concretização dos direitos fundamentais com os princípios democráticos e a separação dos poderes.

Palavras-chave: Judicialização da Política, Ativismo Judicial, Direitos Fundamentais.

1  INTRODUÇÃO 

A judicialização da política tem se tornado um tema central no debate jurídico e político no Brasil, especialmente nas últimas décadas. O fenômeno refere-se ao deslocamento de decisões de cunho político para o âmbito do Poder Judiciário, em que magistrados assumem um papel protagonista na definição de políticas públicas e na garantia de direitos fundamentais. A partir dessa perspectiva, questões como saúde, educação, habitação e segurança, tradicionalmente discutidas no campo político, passaram a ser objeto de decisões judiciais. Essa mudança de protagonismo gera reflexões acerca da separação de poderes e dos limites da atuação do Judiciário.

O conceito de ativismo judicial surge como um corolário da judicialização da política, quando juízes ultrapassam a função de interpretar e aplicar a lei, tomando decisões que muitas vezes interferem diretamente em competências do Executivo e Legislativo. Esse ativismo, embora frequentemente criticado, também é justificado como um instrumento necessário para a concretização de direitos sociais, especialmente em contextos de ineficiência estatal. De acordo com Gomes (2019), o ativismo judicial pode ser compreendido como uma postura do Judiciário que busca assegurar direitos fundamentais, mesmo que isso implique alguma ampliação de sua atuação.

No Brasil, a judicialização das políticas públicas ocorre em grande parte devido à omissão ou insuficiência do Poder Executivo em implementar políticas eficazes para atender demandas sociais. Um exemplo marcante é a saúde, onde o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta uma série de limitações estruturais. Nesse cenário, o Judiciário frequentemente intervém para garantir tratamentos médicos, fornecimento de medicamentos e acesso a serviços essenciais, com base no direito à saúde previsto no artigo 196 da Constituição Federal de 1988.

A judicialização, contudo, não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Em países como os Estados Unidos e a Alemanha, o Judiciário também exerce papel significativo na garantia de direitos fundamentais. No entanto, a diferença no Brasil está na amplitude e intensidade dessa atuação, muitas vezes considerada excessiva por críticos, que apontam o risco de fragilização da democracia e de desequilíbrio entre os poderes. Sob essa ótica, Dworkin (2011) afirma que o Judiciário deve atuar como um guardião da Constituição, garantindo que os direitos fundamentais não sejam negligenciados.

Por outro lado, a concretização de políticas sociais pelo Judiciário levanta questões sobre a legitimidade democrática. A ausência de representação política direta dos magistrados pode criar tensões com o princípio democrático, que pressupõe a soberania popular expressa por meio de eleições. Essa crítica é enfrentada por defensores do ativismo judicial, que argumentam que a atuação do Judiciário é essencial para corrigir falhas institucionais e assegurar a efetividade dos direitos constitucionais.

Ademais, a judicialização pode ser vista como uma resposta ao aumento da consciência cidadã e ao fortalecimento dos direitos individuais e coletivos. A população brasileira, mais ciente de seus direitos, tem buscado cada vez mais a intervenção judicial como meio de acessar direitos básicos. Esse fenômeno reflete não apenas um maior protagonismo do Judiciário, mas também a crescente judicialização das relações sociais, como aponta Cappelletti (1988) em sua teoria do acesso à justiça.

Outro aspecto relevante é o impacto da judicialização no orçamento público. Decisões judiciais que obrigam o Estado a realizar despesas não previstas podem comprometer o equilíbrio fiscal e a execução de políticas públicas planejadas. Isso cria um dilema para os gestores públicos, que precisam equilibrar a efetivação de direitos individuais com as limitações orçamentárias impostas pelo princípio da responsabilidade fiscal.

Nesse sentido, o debate sobre a judicialização e o ativismo judicial exige uma análise cuidadosa sobre a autonomia do Judiciário e o respeito aos limites constitucionais. A atuação do Judiciário deve ser pautada pela prudência e pela observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a fim de evitar abusos e garantir a harmonia entre os poderes.

O presente trabalho tem como objetivo analisar o fenômeno da judicialização da política e do ativismo judicial no Brasil, destacando sua influência na concretização de políticas sociais e as implicações para a separação dos poderes. Para tanto, utiliza-se uma abordagem teórico metodológica baseada na revisão bibliográfica, além de casos emblemáticos analisados por meio da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). 

A metodologia empregada combina análise doutrinária e estudo de decisões judiciais, buscando compreender os impactos e os desafios dessa atuação judicial na garantia dos direitos fundamentais.

2  A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL

2.1  Contexto Histórico e Evolução judicialização da politica

A judicialização da política, como fenômeno contemporâneo, surge em meio a transformações estruturais nos sistemas democráticos e nas relações de poder entre os três poderes constituídos. Este conceito refere-se ao deslocamento de questões tipicamente políticas para o âmbito do Judiciário, fenômeno que ganhou relevância nas últimas décadas. Segundo Luís Roberto Barroso (2012), a judicialização é a “transferência de decisões importantes da esfera política para a judicial, motivada, muitas vezes, pela incapacidade dos outros poderes de lidar com os desafios da sociedade contemporânea”.

Historicamente, a judicialização tem suas raízes na expansão dos direitos fundamentais no pós-Segunda Guerra Mundial, quando as constituições passaram a incluir garantias mais amplas de direitos individuais e sociais. A promulgação da Constituição Federal de 1988 no Brasil, conhecida como Constituição Cidadã, intensificou esse fenômeno ao prever um extenso rol de direitos e estabelecer instrumentos que facilitam o acesso ao Judiciário, como o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade.

De acordo com Sarmento (2015), a ampliação do papel do Judiciário está ligada ao crescimento do constitucionalismo contemporâneo, que atribui à Constituição o papel de norma suprema e conferiu aos tribunais o papel de guardiões desses direitos. Assim, questões relacionadas à saúde, educação, moradia e meio ambiente, antes resolvidas exclusivamente por meio de políticas públicas, passaram a ser decididas nos tribunais.

Outro marco importante foi a consolidação da separação de poderes, conceito desenvolvido por Montesquieu em O Espírito das Leis (1748), mas reinterpretado nos tempos modernos. A atuação do Judiciário sobre políticas públicas foi justificada como um mecanismo de controle dos excessos e omissões do Legislativo e do Executivo. No entanto, como aponta Ferrajoli (2002), essa atuação também suscita o debate sobre o risco de deslegitimação dos processos democráticos, caso os tribunais extrapolem suas funções tradicionais.

No Brasil, o contexto histórico da judicialização é fortemente influenciado pela transição democrática da década de 1980. Sob a égide de uma nova ordem constitucional, marcada pelo ativismo judicial, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a ser protagonista na definição de políticas públicas, como demonstram decisões em temas como medicamentos de alto custo e o financiamento da saúde pública.

Para autores como Vieira e Maciel (2010), a judicialização reflete uma tensão entre democracia representativa e democracia participativa. Por um lado, ela representa o fortalecimento dos mecanismos de garantia de direitos; por outro, suscita preocupações sobre a interferência em competências que seriam originalmente dos poderes eleitos democraticamente.

A globalização e a expansão dos direitos humanos também contribuíram para o fortalecimento desse fenômeno. Conforme Boaventura de Sousa Santos (2006), o Judiciário emergiu como uma arena global de resolução de conflitos, sendo frequentemente acionado para lidar com questões que ultrapassam as fronteiras nacionais, como mudanças climáticas, refugiados e direitos sociais.

A evolução da judicialização no Brasil é marcada por avanços e desafios. Para Barroso (2009), essa expansão reforça a importância do Judiciário como garantidor de direitos fundamentais, mas deve ser acompanhada de prudência para evitar um ativismo judicial desproporcional que comprometa a separação dos poderes.

Em síntese, a judicialização da política no Brasil e no mundo reflete transformações complexas nas democracias contemporâneas. Ao mesmo tempo em que fortalece o acesso à justiça e a concretização de direitos, ela exige um constante equilíbrio para que o Judiciário não se torne um agente político, mas mantenha-se como o guardião imparcial da Constituição.

2.2  Definição de Judicialização da Política

A judicialização da política é um fenômeno amplamente estudado no campo jurídico e político, caracterizado pela transferência de questões originalmente pertencentes às esferas legislativa e executiva para o âmbito do Poder Judiciário. Segundo Luís Roberto Barroso (2018), trata-se da ampliação do protagonismo judicial em áreas tradicionalmente não reservadas à sua competência, especialmente no que diz respeito à implementação de direitos fundamentais e políticas públicas.

Esse fenômeno decorre de diversos fatores, como a complexidade das demandas sociais, o aumento da litigância e, principalmente, a omissão ou ineficiência dos demais poderes na resolução de problemas sociais. Para Silva (2017), a judicialização reflete uma “crise de governança” que obriga o Judiciário a atuar como mediador e solucionador de conflitos que deveriam ser resolvidos por meio do debate político.

Sob uma perspectiva histórica, a judicialização da política começou a ganhar destaque no Brasil após a Constituição Federal de 1988. A Carta Magna atribuiu ao Judiciário competências ampliadas para a proteção dos direitos fundamentais, ao mesmo tempo em que estabeleceu princípios como o da separação dos poderes. Como explica Streck (2016), a Constituição de 1988 criou um cenário em que a concretização de direitos sociais passou a depender não apenas da atuação do Executivo e do Legislativo, mas também do Judiciário.

Autores como Ferrajoli (2002) analisam a judicialização como uma consequência natural do constitucionalismo contemporâneo, no qual as constituições não apenas delimitam o poder estatal, mas também prescrevem objetivos normativos, como a promoção da igualdade e o bem-estar social. Para o autor, o Judiciário atua como guardião desses objetivos, muitas vezes suprindo lacunas deixadas pelos demais poderes.

Contudo, a judicialização não está isenta de críticas. Segundo Sadek (2015), o fenômeno pode levar à violação do princípio democrático, na medida em que decisões sobre políticas públicas, que deveriam ser tomadas por representantes eleitos, são delegadas a magistrados que não possuem mandato político. Essa crítica destaca a tensão entre a efetividade dos direitos fundamentais e o respeito à separação dos poderes.

Além disso, a judicialização da política tem impacto significativo no âmbito das políticas públicas. Como argumenta Dworkin (2011), a interpretação judicial de direitos sociais pode ser vista como um mecanismo para garantir que valores constitucionais sejam efetivamente respeitados, mas também pode gerar resistência dos demais poderes, criando desafios para a implementação das decisões judiciais.

No contexto brasileiro, a judicialização é frequentemente associada a questões de saúde, educação e previdência. Barroso (2018) menciona casos emblemáticos em que o Judiciário determinou o fornecimento de medicamentos de alto custo e o acesso a tratamentos médicos, evidenciando a relevância do papel judicial na concretização de direitos sociais.

Por outro lado, há um consenso entre os estudiosos de que a judicialização não deve ser confundida com ativismo judicial. Para Falcão (2019), enquanto a judicialização é uma resposta a demandas legítimas da sociedade, o ativismo judicial reflete uma postura proativa do magistrado, que pode extrapolar os limites de sua função institucional.

Em síntese, a judicialização da política é um fenômeno complexo e multifacetado, que exige equilíbrio e ponderação por parte do Judiciário. Apesar de representar um importante instrumento para a proteção de direitos fundamentais, sua atuação deve ser harmonizada com o princípio da separação dos poderes e os valores democráticos.

2.3  O Conceito de Ativismo Judicial

O ativismo judicial refere-se a uma postura proativa do Judiciário na interpretação das normas constitucionais e legais, muitas vezes ampliando o seu papel tradicional de guardião da Constituição para atuar como protagonista na formulação e implementação de políticas públicas. Esse conceito ganhou relevância nas últimas décadas, sobretudo em sistemas democráticos, nos quais a separação dos poderes e a efetivação dos direitos fundamentais são constantemente debatidas. Segundo Luís Roberto Barroso (2012), o ativismo judicial pode ser entendido como a ampliação da esfera de atuação do Judiciário, fundamentada na aplicação extensiva dos princípios constitucionais para suprir lacunas deixadas pelos demais poderes.

De acordo com Alexandre de Moraes (2021), o ativismo judicial ocorre quando os magistrados, ao interpretarem normas jurídicas, tomam decisões que influenciam diretamente na formulação de políticas públicas ou em matérias que seriam de competência dos poderes Executivo e Legislativo. Essa atuação está, frequentemente, atrelada à necessidade de concretização de direitos fundamentais, sobretudo em contextos onde os demais poderes são omissos ou incapazes de atender às demandas sociais.

Essa prática se diferencia da judicialização da política, que, conforme explica Streck (2018), refere-se ao fenômeno em que o Judiciário é chamado a intervir em questões políticas em decorrência de demandas judiciais apresentadas pelas partes interessadas. Já o ativismo judicial pressupõe uma atuação mais deliberada e autônoma do magistrado, que assume um papel de protagonismo ao extrapolar os limites impostos pela separação dos poderes.

O ativismo judicial é frequentemente justificado pela busca da concretização de direitos fundamentais. Nesse sentido, Canotilho (2003) argumenta que, em sociedades democráticas contemporâneas, o Judiciário exerce um papel indispensável na garantia de direitos previstos na Constituição, sobretudo em situações de vulnerabilidade social. Contudo, essa prática também gera debates sobre os limites da atuação judicial, especialmente no que se refere à sua interferência em questões políticas e administrativas.

Uma das críticas ao ativismo judicial está relacionada à possível usurpação de competências dos demais poderes. Segundo Habermas (1997), o excesso de protagonismo judicial pode gerar desequilíbrios institucionais, comprometendo a legitimidade democrática, que deve ser fundamentada no diálogo entre os poderes e na soberania popular. Para o autor, o Judiciário deve atuar como mediador das tensões sociais, mas sem ultrapassar os limites de sua função constitucional.

Outro aspecto relevante no debate é a legitimidade democrática das decisões judiciais ativistas. Barroso (2015) defende que, embora o Judiciário não possua legitimidade eleitoral, suas decisões são fundamentadas na Constituição, o que confere validade à sua atuação em casos que envolvem a proteção de direitos fundamentais. No entanto, o autor reconhece a necessidade de critérios objetivos para evitar decisões arbitrárias ou baseadas em convicções pessoais dos magistrados.

O ativismo judicial tem sido um tema recorrente em países como o Brasil, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) tem desempenhado um papel central na definição de políticas públicas em áreas como saúde, educação e meio ambiente. Casos emblemáticos, como a judicialização do fornecimento de medicamentos pelo SUS, ilustram como o Judiciário pode atuar para suprir lacunas deixadas pelo Executivo e pelo Legislativo. Contudo, esses casos também geram debates sobre a sustentabilidade econômica e a coerência das políticas públicas.

Sob a perspectiva de Dworkin (2011), o ativismo judicial pode ser visto como uma forma de concretizar o princípio da integridade no direito, promovendo decisões que melhor atendam às exigências de justiça e equidade em cada caso concreto. Contudo, o autor ressalta que essa prática deve estar pautada na interpretação consistente e fundamentada das normas jurídicas, evitando interpretações subjetivas ou descontextualizadas.

Por fim, destaca-se que o ativismo judicial é um fenômeno complexo e multifacetado, que exige uma análise crítica e contextualizada. Embora sua prática possa ser essencial para a efetivação de direitos fundamentais, é imprescindível que o Judiciário respeite os limites constitucionais, atuando de forma equilibrada e transparente. Assim, conforme destaca Cappelletti (1999), o desafio está em encontrar um ponto de equilíbrio entre a proteção dos direitos e o respeito à separação dos poderes, garantindo que o ativismo judicial contribua para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito.

2.4  O Papel do Poder Judiciário na Implementação de Direitos Sociais

O Poder Judiciário tem desempenhado um papel central na implementação de direitos sociais, especialmente em contextos onde os outros poderes, executivo e Legislativo, mostram-se omissos ou incapazes de atender às demandas sociais. Esse fenômeno é amplamente discutido na literatura jurídica e política, sendo reconhecido como uma manifestação da judicialização da política. Segundo Luís Roberto Barroso (2012), o Judiciário não apenas interpreta as normas constitucionais, mas frequentemente é chamado a concretizá-las, garantindo que os direitos fundamentais previstos na Constituição sejam efetivamente respeitados.

A Constituição Federal de 1988, considerada uma Constituição dirigente, confere ao Judiciário a missão de assegurar a efetividade dos direitos sociais. Esses direitos, como educação, saúde, moradia e previdência social, são fundamentais para a realização da dignidade humana. José Afonso da Silva (2014) enfatiza que o Estado é obrigado a promover políticas públicas para concretizar esses direitos; no entanto, diante de inércias ou omissões dos poderes políticos, o Judiciário intervém para corrigir falhas e garantir que os compromissos constitucionais sejam cumpridos.

Um exemplo prático dessa atuação está nos julgamentos relacionados ao direito à saúde. Decisões judiciais obrigando o Estado a fornecer medicamentos, realizar tratamentos ou ampliar o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) demonstram a capacidade do Judiciário de promover mudanças concretas na vida das pessoas. Para Canotilho (2011), esse protagonismo judicial é uma extensão do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, uma vez que os direitos sociais são essenciais para o bem-estar coletivo e individual.

Entretanto, o papel do Judiciário na implementação de direitos sociais é alvo de debates e críticas. Para Lenio Streck (2016), a intervenção judicial em políticas públicas pode gerar um desequilíbrio entre os poderes, colocando em risco o princípio da separação dos poderes. Streck alerta que, em alguns casos, a atuação judicial ultrapassa os limites da interpretação, configurando ativismo judicial, o que pode enfraquecer a legitimidade democrática do processo político.

Apesar das críticas, à atuação judicial tem sido defendida por autores como Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988), que consideram o acesso à justiça um elemento fundamental para a democratização do Estado. Segundo esses autores, o Judiciário, ao decidir em favor de direitos sociais, fortalece a cidadania e assegura a inclusão social, especialmente para grupos marginalizados. Essa perspectiva reforça a ideia de que o Judiciário atua como um agente de transformação social.

Adicionalmente, a implementação de direitos sociais pelo Judiciário é sustentada pelo conceito de justiça distributiva. Para Rawls (2003), o Estado tem o dever de corrigir desigualdades sociais, assegurando que todos os indivíduos tenham acesso a bens essenciais para uma vida digna. Nesse contexto, o Judiciário desempenha um papel corretivo, promovendo a igualdade de oportunidades e garantindo que os recursos públicos sejam alocados de forma justa.

Outro aspecto relevante é o impacto da judicialização dos direitos sociais na eficácia das políticas públicas. Segundo Marcelo Neves (2007), a intervenção judicial muitas vezes revela a insuficiência ou ineficiência das políticas implementadas pelo Executivo, promovendo uma revisão crítica das prioridades governamentais. Neves ressalta que, ao decidir sobre questões sociais, o Judiciário não apenas corrige falhas do sistema, mas também contribui para a construção de um modelo de governança mais inclusivo e democrático.

Por fim, a implementação de direitos sociais pelo Judiciário reflete uma evolução no entendimento do papel dos tribunais em sociedades contemporâneas. Para Flávia Piovesan (2017), a atuação judicial na concretização desses direitos demonstra o compromisso do Estado com a justiça social e a proteção da dignidade humana. Piovesan argumenta que, em um contexto de desigualdades estruturais, a intervenção judicial é uma ferramenta indispensável para assegurar que os objetivos constitucionais de justiça e igualdade sejam efetivamente alcançados.

Portanto, o papel do Poder Judiciário na implementação de direitos sociais é um tema complexo e multifacetado, que envolve uma análise cuidadosa dos limites e das possibilidades da intervenção judicial. Embora haja riscos associados ao ativismo judicial, é inegável que o Judiciário tem contribuído significativamente para a concretização de direitos sociais, especialmente em cenários de negligência estatal. Essa atuação reafirma a relevância do Judiciário como um pilar da democracia e da justiça social.

CONCLUSÃO

A análise da judicialização da política e do ativismo judicial revelou a complexidade e os desafios inerentes à atuação do Poder Judiciário na concretização de direitos fundamentais. No Brasil, esses fenômenos emergem como resposta às falhas dos poderes Legislativo e Executivo em implementar políticas públicas eficazes e assegurar a efetividade dos direitos previstos na Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, o Judiciário desempenha um papel central, muitas vezes intervindo em questões cruciais para a garantia da dignidade humana.

Por outro lado, o protagonismo judicial suscita debates sobre a separação dos poderes e a legitimidade democrática das decisões judiciais. A judicialização, ao deslocar decisões políticas para a esfera judicial, desafia o equilíbrio entre os poderes e exige uma atuação prudente e fundamentada por parte dos magistrados. O ativismo judicial, embora justificado em muitos casos pela busca de justiça social, também demanda limites claros para evitar excessos que possam fragilizar a democracia.

Portanto, é imprescindível que o Judiciário atue de maneira equilibrada, respeitando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e promovendo o diálogo entre os poderes. A busca por uma justiça inclusiva e eficaz deve ser harmonizada com os valores democráticos e com o respeito às competências institucionais de cada poder. Somente assim será possível garantir que a judicialização da política e o ativismo judicial contribuam efetivamente para o fortalecimento do Estado de Direito e a promoção de uma sociedade mais justa e equitativa.

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1 Graduação em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1995); Graduação em Administração pela Pontifica Universidade Católica de Goiás (1995)