TROCANDO SABERES E CONSTRUINDO CONHECIMENTOS: A PARTICIPAÇÃO DE ESTUDANTES DA EFA PAULO FREIRE NA TROCA DE SABERES 

 EXCHANGING KNOW-HOW AND BUILDING KNOWLEDGE: THE PARTICIPATION OF EFA PAULO FREIRE STUDENTS IN THE EXCHANGE OF KNOW-HOW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202501312329


Fernanda Fernandes da Silva1 


RESUMO

Este estudo tem como temática central acompanhar e problematizar a participação do jovem estudante de EFA, mais especificamente, os jovens da Escola Família Paulo Freire localizada no município de Acaiaca -MG, no evento agroecológico “Troca de Saberes”, que se realiza na programação da tradicional Semana do Fazendeiro, da Universidade Federal de Viçosa. A proposta do estudo foi acompanhar, observar e analisar a movimentação dos estudantes durante a realização da Troca de Saberes, com o intuito de identificar quais os benefícios que essa participação pode ou não trazer para a formação do estudante, bem como estes sujeitos significam o espaço. Essa pesquisa de caráter qualitativo apropriou-se dos seguintes instrumentos metodológicos: pesquisa bibliográfica e documental, a observação dos jovens durante a realização da Troca de Saberes e a realização de entrevista a fim de seguir “aquilo que eles experimentam, o modo como eles interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem” (Bogdan e Bicklen, 2001. p. 51). Como resultado desse estudo, constatou-se que os jovens têm na Troca de Saberes um lugar de encontro e que o auxilia na formação do jovem enquanto cidadão e são sujeitos responsáveis pelas questões econômicas e sociais do Campo.  

Palavras-chave: Educação do Campo – Escola Família Agrícola – Troca de Saberes. 

1 INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta as reflexões de uma pesquisa de mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Viçosa, na qual buscou-se analisar a participação e envolvimento dos jovens educandos da Escola2 Família Agrícola Paulo Freire (EFAP) no evento Troca de Saberes3.  A Troca de Saberes é um evento que se realiza atualmente uma vez por ano, com duração de quatro dias, dentro da programação da Semana do localizada na Comunidade de Boa Cama, Zona Rural, Rodovia camponês e o saber universitário. 

Na realização deste propósito, será apresentado neste texto as edições  8º e 9ª  da Troca de Saberes, realizadas no ano de 2016 e 2017, com o objetivo principal de acompanhar como os jovens pesquisados significaram o espaço. Especificamente, buscou-se investigar as motivações e expectativas dos estudantes da EFAP, jovens entre 15 a 17 anos, em relação ao evento. O enfoque deste estudo se deu no ato de problematizar a participação dos estudantes em dois momentos distintos: nas Instalações Pedagógicas4 e no(s) Círculo(s) de Cultura5. Buscou-se ainda averiguar se a metodologia utilizada na tenda principal da Troca de Saberes tem propiciado o diálogo desses estudantes com diferentes grupos envolvidos no espaço.

Parte da motivação na pesquisa pela participação do jovens estudantes de EFA (Escola Família Agrícola) no evento agroecológico Troca de Saberes, advém do compromisso e envolvimento da autora com os envolvidos na pesquisa. Além disso, buscou-se resgatar a história da EFAP, a partir da busca por pesquisas e trabalhos acadêmicos desenvolvidos sobre a instituição. 

De acordo com Silva (2009), as EFAs são escolas direcionadas e preparadas para receber educandos que vivem num contexto rural. E pensando na realidade do jovem que vive no campo, essas escolas se organizam em regime de Alternância, onde os educandos alternam tempos e espaços, ou seja, em um período de geralmente quinze dias eles vivenciam a aprendizagem na escola (“tempo-escola”) e o outro período, de iguais quinze dias, em sua comunidade (“tempo-comunidade”), aplicando os conteúdos e técnicas aprendidos no “tempo escola”.

A partir da inserção dos estudantes de ensino médio que vivenciam a experiência da Educação do Campo em regime de alternância, em um evento dentro de um ambiente acadêmico de nível superior, surge assim, o questionamento que irá direcionar este estudo: Como aqueles jovens significavam aquele espaço? Quais eram as motivações deles em participar? Por que estar presente na Troca de Saberes?

Portanto, visando um melhor caminho para a realização dessa pesquisa, metodologicamente, a pesquisa qualitativa se tornou apropriada neste estudo, uma vez que o objeto é de natureza social e relacional, onde procurou-se através da observação analisar as motivações, as interações e significados produzidos pelos sujeitos pesquisados (Minayo, 2001).

Ou seja, através da pesquisa qualitativa buscou-se seguir “aquilo que eles experimentam, o modo como eles interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem” (PSATHAS, 1973 apud. BOGDAN; BIKLEN, 1994). 

A intenção, então, além de compreender a participação do jovem enquanto sujeito do Campo na realização da Troca de Saberes, almeja contribuir para o enriquecimento de produções sobre a EFAP, bem como a realidade do jovem estudante de EFA, suas lutas e, sobretudo sobre o trabalho desenvolvido pela escola, oferecendo a esta, visibilidade acadêmica e subsídios para o aprimoramento de seus documentos oficiais, contribuindo para futuras pesquisas e ações práticas no cotidiano da escola.

Desse modo, para chegarmos ao contexto da EFAP, é preciso desvendar os caminhos da história que originaram a ideia, o projeto e a materialização efetiva dessa escola do/para o Campo. Para isso, a problemática desse estudo se inicia com o entendimento de onde, quando e como surgiu o modelo Escola Família Agrícola e, sobretudo, como surgiu a Escola Família Agrícola Paulo Freire.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

Pertencente ao movimento de EFAs localizadas na Zona da Mata Mineira, a EFA Paulo Freire segue os princípios da AMEFA (Associação Mineira das Escolas Família Agrícola), entretanto, está escola possui suas particularidades em sua organização e forma de trabalho, isto é, a EFA segue os princípios fidedignos desse modelo de escola, entretanto, possui características próprias no jeito de executar seus instrumentos. 

Isto quer dizer que em sua organização curricular, a EFAP se iguala por adotar os princípios da Pedagogia da Alternância, organizando a formação dos educandos numa dinâmica que alterna períodos letivos de 15 dias no Centro de Formação com 15 dias na Casa/Comunidade – “Socioprofissional” (SILVA, 2012). Mas, possui marcas e características próprias desde a sua criação. 

De acordo com o PPP (Projeto Político Pedagógico) da EFAP, a escola busca promover uma formação integral dos jovens e adolescentes, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do meio rural e agregando famílias e comunidades aos projetos desenvolvidos pela escola; de modo que a sabedoria popular em diálogo com a teoria possibilite condições necessárias para o desenvolvimento do Campo. Ainda segundo este documento, a EFAP busca “contribuir, através da educação geral, humana e profissional de jovens camponeses/as, para que se tornem agentes de transformação social”. A escola preocupa também com a permanência dos seus alunos e ex-alunos no campo, portanto, desde a sua implantação, procura contribuir e a criar oportunidade para que o jovem possa estudar e permanecer no meio em que vive.

Com isso, Azevedo (1998) destaca a contemporaneidade da Pedagogia da Alternância. Mesmo sendo criada na década de 1930, esse modelo pedagógico carrega em sua prática, princípios modernos de ensino e aprendizagem.

Assim, revisitando as raízes da Pedagogia da Alternância na sociedade francesa (…). Se, de início, o ponto de apoio dominante do seu projeto educativo tinha por objetivo responder às necessidades dos jovens rurais, por ensaios e ajustamentos sucessivos; (…). Nesse aspecto, destaca-se a concepção de escola orientadora dessa construção pedagógica: uma escola sintonizada não apenas com os interesses dos jovens, mas articulada com a realidade de vida e de trabalho do campo e comprometida com os interesses das famílias dos agricultores. (SILVA, 2012. p. 116).

As Escolas de Famílias Agrícolas (EFAs) chegaram ao Brasil no final da década de 1960 em um cenário de lutas, não somente voltadas pelo direito à educação, mas, sobretudo, sobre o efeito do processo de modernização da agricultura brasileira, onde a população campesina buscava por “alternativas educacionais que vinham de encontro às necessidades e aos desafios colocados pelo momento histórico à agricultura familiar” (SILVA 2005, p.1) advindos da entrada do capital industrial no meio rural brasileiro. A origem e criação das Escolas Família Agrícola no Brasil teve sua primeira experiência no Estado do Espírito Santo, na cidade de Anchieta. E, em 1980 após a consolidação desse modelo de escola no Espírito Santo, ouve expansão das EFAs para outros estados como Bahia, Ceará, Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rondônia, Amapá, Goiás e Minas Gerais (SILVA, 2012).

“A construção de um projeto social pensando numa futura escola família agrícola para a cidade de Acaiaca não possui uma data única de criação” (relato de um dos membros fundadores da EFAP – Gilmar S. Oliveira), sendo que diversas ações realizadas na região foram determinantes desde a elaboração até a implantação desse projeto na comunidade. Segundo Gilmar, o qual participou ativamente do movimento de construção da escola, bem como da história das EFAS na região da Zona da Mata Mineira, relata que no início da década de 1990 houve uma forte preocupação da comunidade de Acaiaca com a formação dos agricultores e dos jovens, devido ao êxodo rural crescente nas comunidades rurais de todo Brasil. Nesse cenário, havia jovens, pessoas, comunidades e a necessidade de uma escola diferenciada e contextualizada com a realidade do campo naquela região. 

Uma dessas ações acontece em 1991 quando um novo pároco chega à cidade de Acaiaca, Padre João do Carmo Macêdo, natural da cidade de Ervália-MG, seminarista recém-formado e filho de agricultor, abre as estruturas da igreja, tornando possível a maior participação e envolvimento da comunidade aos projetos da igreja. Coincidentemente, neste mesmo ano o tema da Campanha da Fraternidade da igreja católica foi Juventude caminho aberto, o que promoveu a inserção dos jovens na igreja, criando, no ano de 1992, a Pastoral da Juventude Rural. Esta derivou de uma parceria entre a igreja Católica e o movimento em favor da formação de jovens do campo, com o objetivo de formar, organizar e sensibilizar os jovens rurais a respeito da importância da valorização da cultura popular e, sobretudo, de uma perspectiva mais sustentável de produção e modo de tratar a terra. Desse modo, o ano de 1991 é tido como um marco para a história de criação da EFAP, pois é a partir daí que se iniciam as primeiras discussões sobre a possibilidade de implantação de uma escola agrícola na região. (Gilmar S. Oliveira – Relato)

Entretanto, ainda por falta de recursos financeiros para construir uma EFA na região, o grupo de agricultores/as e representantes da igreja, reunidos em assembleia regional, decidiu continuar a investir em capacitação e formação. Para isso, no ano de 1994 escolheram dois jovens, Gilmar de Souza Oliveira e Denílson Gonçalves Barbosa, ambos naturais da comunidade do Maracujá – distrito de Acaiaca, para estudar na Escola Família Agrícola de Camões, EFA de Ensino Fundamental no município de Dom Silvério, atual município de Sem Peixe (MG).

Em fevereiro de 1998, foi realizada em Acaiaca, uma assembleia da Comunidade Educativa Popular para a escolha de dois ex-alunos da EFA de Sem Peixe para cursar o Ensino Médio profissionalizante na Escola Técnica da Família Agrícola Riacho de Santana, na Bahia. E Gilmar de Souza Oliveira novamente foi selecionado a estudar no Estado da Bahia por quatro anos. Em 2002 quando Gilmar finaliza o seu curso e retorna a sua cidade natal, é realizado uma reunião  com representantes da paróquia, do sindicato e da prefeitura e algumas secretárias para que esse jovem falasse sobre sua experiência e contextualizasse o objetivo que o levou a estudar na Escola Técnica da Família Agrícola Riacho de Santana e quais foram as contribuições dessa experiência, com o intuito de criar possíveis diretrizes para a implantação da EFA de Acaiaca.

Neste mesmo momento, Padre João, que já era Prefeito da cidade de Acaiaca, eleito no ano de 2000, começa a firmar parcerias com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e com o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA). Portanto, Padre João, comprometido com as causas populares e o desenvolvimento regional sustentável do campo, apoiou a implantação da EFA na cidade. Entretanto, o Padre deixou claro que a criação da EFA deveria partir da motivação do povo: “Darei todo apoio para que a EFA surja, mas não moverei uma palha para a criação dela, nem eu, nem a prefeitura. A EFA é do povo!” (Gilmar S. Oliveira – em relato sobre a história de criação da EFAP.)

A partir desse discurso do Padre João que vinha desde 1991 acompanhando e fazendo parte dos projetos de formação para a construção da EFA, neste momento, dá a entender que concretiza sua “participação” ou sua “liderança” no projeto EFA para a região de Acaiaca e coloca “nas mãos do povo” a responsabilidade de se organizar e fundar a escola.

Em 15 de dezembro de 2003 ocorreu outro marco para a história da EFAP: a assembleia de criação da Associação Regional Escola Família Agrícola Paulo Freire – AREFAP, com sede na comunidade rural de Boa Cama-Acaiaca-MG. Nesta assembleia, ficou estabelecido que a escola ofereceria o curso de Ensino Médio profissionalizante com ênfase nas áreas de agropecuária e agroindústria, recebendo estudantes dos municípios de Acaiaca, Diogo de Vasconcelos, Piranga, Guaraciaba, Mariana e Barra Longa. E, em março de 2004, a AREFAP filiou-se à AMEFA e, em abril do mesmo ano, teve o convênio firmado com a Prefeitura Municipal de Acaiaca. Assim, neste mesmo mês, aconteceu a primeira semana de adaptação da EFAP com o objetivo de selecionar os estudantes que formariam a primeira turma da escola; escola esta que naquela assembleia, por intermédio de uma votação popular, recebeu o nome de Escola Família Agrícola Paulo Freire, a qual foi inaugurada em maio de 2004.

3 METODOLOGIA

Está proposta de trabalho iniciou na efetivação das seguintes etapas: a primeira etapa constituiu na pesquisa bibliográfica e na análise documental das edições anteriores da Troca de Saberes da UFV e dos materiais de mídia do evento, bem como da história da Semana do Fazendeiro e da EFA Paulo Freire. A segunda etapa constituiu em visitas a EFAP, onde ocorreu a observação do cotidiano dos jovens estudantes, bem como se dá a dinâmica da escola e como ela se organiza, com o intuito de compreender os espaços de vivências e momentos de aprendizagens dos jovens. A terceira etapa consistiu em realizar as entrevistas, como os alunos e também com o representante da escola naquele ano. A quarta etapa consistiu em acompanhar os estudantes da EFAP durante a realização da 9ª edição da Troca de Saberes, em julho de 2017. 

Portanto, para a realização desse trabalho, utilizei como recurso metodológico e instrumentos para a construção dos dados: 1) a pesquisa documental e bibliográfica; 2) a observação; 3) a realização de entrevistas; 4) a narrativa; 5) a análise e a interpretação das informações coletadas.

Nesse estudo, a pesquisa documental realizada incide na busca por materiais de mídias do evento, banners, cartazes, folders e fotografias, ou seja, informações que pudessem complementar este estudo, no que se refere à compreensão da participação dos jovens estudantes de EFA no evento Troca de Saberes. Concomitante à pesquisa documental, foi realizada a pesquisa bibliográfica que incide sobre pesquisas em outras produções (artigos científicos, dissertações e livros) sobre a EFA Paulo Freire e a Troca de Saberes. Com a intenção de recolher dados sobre a história da Escola, da Troca de Saberes e da Semana do Fazendeiro.   A fase de observação ocorreu durante as visitas na EFAP e durante a 9ª edição da Troca de Saberes. Nos momentos de observação na EFAP, procurou-se ver, ouvir e sentir o cotidiano dos alunos, as conversas, as dinâmicas, os debates, etc. Com o intuito de conhecer o espaço que esses jovens dividem, de que forma se organizam e se relacionam. Já durante a Troca de Saberes procurou-se observar a participação desses jovens durante os círculos de cultura e as instalações pedagógicas, com o intuito de averiguar a motivação, os sentimentos e o envolvimento dos jovens nas questões apresentadas e trabalhadas nos espaços. 

A fase seguinte da pesquisa consistiu na realização de entrevistas semiestruturadas com os estudantes da EFAP e também com o diretor da escola. Estas foram registradas por meio de gravações de áudio com o intuito de compreender fatores a respeito da história da EFAP, bem como essa instituição se estrutura e se articula. E buscaram ressaltar a opinião e a compreensão do jovem estudante de EFA sobre sua participação num evento pautado por questões agroecológicas e sociais, e fundamentalmente, o que se pode aprender e vivenciar num evento como esse.

Vale ressaltar que a escolha pela entrevista semiestruturada se dá pelo entendimento de que este instrumento de pesquisa não seja apenas uma ferramenta para coletar os dados, mas essencialmente como uma possibilidade de dialogar com um sujeito, numa perspectiva mais aberta, dialógica e conectiva. Conforme explica Triviños (1987), a entrevista semiestrutura possibilita um amplo campo de interrogações a partir das respostas dos entrevistados, oportunizando assim um diálogo mais espontâneo entre pesquisador e entrevistado.

Após esse momento foi realizado as transcrições dos fatos relatos e a análise e interpretação dos dados e informações coletadas nas fases anteriores. Concomitante a isso, aproprio-me também da narrativa de inspiração etnográfica como método para a realização desse trabalho, visto que pretendo a partir da experiência da autora com as Escolas Família Agrícola e com a Troca de Saberes reconstruir os fatos das histórias pessoais e como os estudantes entrevistados experienciam o evento pesquisado.  Portanto, vale retomar o conceito de Galvão (2005) onde elucida que a “narrativa é o estudo das diferentes maneiras como os seres humanos experienciam o mundo” (p. 328).

A narrativa, como metodologia de investigação, implica uma negociação de poder e representa, de algum modo, uma intrusão pessoal na vida de outra pessoa. Não se trata de uma batalha pessoal, mas é um processo ontológico, porque nós somos, pelo menos parcialmente, constituídos pelas histórias que contamos aos outros e a nós mesmos acerca das experiências que vamos tendo. (GALVÃO, p. 330).

Dessa forma, sobre a narrativa como método de pesquisa Cunha (1997, p. 188) explica que:

A trajetória da pesquisa qualitativa confirma o fato de que tanto o relato da realidade produz a história como ele mesmo produz a realidade (…). Experiência e narrativa se imbricam e se tornam parte da expressão de vida de um sujeito.

Além disso, vale ressaltar que narrativas não são meras descrições da realidade, são especificamente uma forma do indivíduo organizar e interpretar sua realidade, produzindo conhecimento sistematizado através dele (CUNHA, 1997).

No decorrer do texto o uso de fotografias será feito dentro de um enfoque em que a imagem não é apenas um aspecto de ilustração para o texto, mas, sobretudo, um texto. As imagens serviram de auxílio ao que será explicado e descrito no texto. A imagem como texto proporcionará ao leitor a visibilidade do evento e dos ambientes citados.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

A participação dos estudantes da EFAP na Troca de Saberes não aconteceu espontaneamente, mas adveio de uma parceria organizada entre a escola agrícola e a UFV, através de professores/pesquisadores desta última instituição que vinham desenvolvendo projetos e pesquisas relacionadas com a educação do campo e afins ao longo dos anos. Desse modo, desde a primeira edição da Troca de Saberes (2009) as escolas Família Agrícola aparecem como sujeitos/grupos/movimento presentes no evento.

Segundo Silveira (2014, p. 45) “a Troca de Saberes é uma tentativa de criar ambientes de interação relacionados à realidade da agricultura familiar tendo como foco a disseminação da Agroecologia em resposta às imposições do agronegócio (…)”. A autora acrescenta que “o objetivo desta interação é que o conhecimento construído possa ser visualizado por outros ângulos e por outros sujeitos numa nova cena (…)” (SILVEIRA, 2014. p. 48).

Portanto, é com o objetivo de aprimorar os conhecimentos de seus educandos acerca dos temas relacionados à agricultura familiar e à disseminação da agroecologia, que a EFAP seleciona um número de discentes à participar da Troca de Saberes, ou seja, a EFAP não envia todos os alunos ao evento, sendo que geralmente são escolhidos 15 a 20 jovens. Essa escolha é feita a partir da observação feita ao longo do ano pelos monitores, quando são escolhidos os alunos considerados preparados a participarem do evento e que tenham sintonia com o tema que será apresentado e debatido na Troca. Depois de serem selecionados, esses jovens recebem uma preparação (em forma de Serões6 de estudo) um dia antes do evento. 

Na análise das entrevistas realizadas com os alunos da EFAP para esta pesquisa, estes, ao serem questionados sobre a relevância de participar na Troca de Saberes, responderam de maneira unânime que a participação no evento é uma oportunidade de buscar por novos conhecimentos, além de ser uma forma de lazer e passeio também. Foi averiguado que a Troca de Saberes ativa experiências não apenas de troca de conhecimentos, mas sobretudo, de comunhão identitária, isto é, no momento em que o jovem se percebe pertencente a um grupo ou a uma comunidade. ele próprio passa a se pensar como membro de uma comunidade – como membro de uma história de lutas comunitárias – graças à oportunidade que aquele encontro possibilita às “relações”, ao contato, à identificação e ao reconhecimento do sujeito como individuo pertencente a um grupo ou comunidade. 

Além disso, vale ressaltar que as falas dos jovens no momento das entrevistas nos expediram à consciência desses jovens de pertencer a um movimento, a um grupo que luta por uma causa que se articula que vínculos comunitários e campesinos. Na linguagem dos educandos da EFAP, notou-se que prevalece o sentimento de ter no momento vivenciado na Troca de Saberes como uma espécie de carregador de energia, de ânimo e de coragem, pois reconhecem naquele ambiente semelhantes na luta pela terra, mas também por um modo de viver. Eles se identificam como camponeses, como cidadãos responsáveis não só pelo campo, mas, sobretudo, pela problemática socioambiental, que envolve uma complexa relação entre o campo e a sociedade como um todo.

Nesse sentido, nos momentos de construção na participação na Troca, os estudantes da EFAP afirmaram conseguir um tipo de diálogo mais efetivo entre saberes científicos e populares durante as instalações pedagógicas, uma vez que nestas últimas os grupos reunidos eram menores e podiam se conhecer, trocar experiências, informações e fazer amizade também. Contudo, não podemos perder de vista que na Troca de Saberes, o que é favorecido é uma postura de potencialização de uma ecologia de saberes que se sustenta na perspectiva de que os saberes não são superiores uns aos outros, mas se encontram em um campo de diálogos e/ou de extermínio.

Nesse sentido, nos momentos de construção na participação na Troca, os estudantes da EFAP afirmaram conseguir um tipo de diálogo mais efetivo entre saberes científicos e populares durante as instalações pedagógicas, uma vez que nestas últimas os grupos reunidos eram menores e podiam se conhecer, trocar experiências, informações e fazer amizade também.

Entretanto, quando do grande Círculo de Cultura, realizado na “Tenda Principal”, alguns discentes entrevistados alegaram não ter tido oportunidades para falar ou para se expressar sobre suas experiências ou conhecimentos. Isso remete o seguinte questionamento: até que ponto a forma com que a Troca tem sido conduzida está proporcionando aos jovens um efetivo espaço para apresentarem suas experiências, suas ideias e propostas?

Independente de uma resposta específica a essa questão, o que ficou marcante no processo de acompanhar os jovens da EFAP durante as diferentes dimensões da Troca de Saberes foi à vontade dos mesmos de marcarem aquele espaço com suas presenças, através do desenho do slogan de sua escola no cartaz da mesa da partilha marcando o nome da escola nos espaços de convivência da Troca, notou-se na atitude do jovem tanto a afirmação de pertencimento a um grupo específico – no caso a EFAP – quanto à afirmação de seu direito de se fazer presente no evento. 

É interessante de se notar o quanto a Troca de Saberes legitima tanto o espaço identitário da EFAP para os jovens, quanto também afirma a importância dos trabalhos desenvolvidos no campo. Com isso, é possível perceber que a troca de saberes aciona no jovem um (re)encantamento em relação ao campo. 

Dessa forma, ao acompanhar estes jovens durante a 9ª edição da troca de saberes, compreendeu-se que aquele evento se fazia importante no conjunto de encontros que ele oportunizava.  São eles: 1) o encontro com a UFV; 2) o encontro com diversas comunidades (fossem campesinas, quilombolas, indígenas, etc); 3) o encontro com outros jovens estudantes de EFAs; 4) o encontro com a responsabilidade de conduzir uma forma de viver-pensar a vida campesina.

Desse modo, o encontro, na Troca de Saberes, com outros jovens estudantes de outras escolas famílias agrícolas localizadas em outras cidades ou estados, parece tender a fortalecer – pelo menos dentro da realidade dos jovens da EFAP que participaram desta pesquisa – o movimento dos jovens estudantes de EFA e a luta dos mesmos por uma escola não somente localizada no campo, mas apropriada à realidade do campo e, sobretudo, conduzindo um ensino de qualidade não apenas para cumprir as exigências para a transição para o Ensino Superior, mas também a exigência para se pensar outros modos de vida viável e sustentável no Campo. 

Em concordância a conclusão de Silveira (2014) sobre a 5ª edição da Troca de Saberes, percebi que esse “problema” detectado pela autora persistiu na 9ª edição da Troca de Saberes. Com base nas entrevistas que realizei e observando a postura dos jovens durante os diferentes espaços da Troca, foi possível notar certo distanciamento dos jovens em relação ao público mais experiente, como se houvesse uma espécie de fenda entre gerações. Ficou aberta, então, novamente a questão exposta anteriormente neste trabalho: é pensado na Troca de Saberes um espaço para as juventudes rurais em diálogo com outras gerações?

Se a Troca de Saberes é um evento que segue uma programação e uma temática pensadas com meses de antecedência, seria possível a construção de um espaço para os jovens, no sentido de proporcionar aos estudantes de EFAs não somente a possibilidade de participar como ouvintes, mas privilegiar momentos em que pudessem relatar e apresentar aos demais o que eles, os jovens do campo, têm realizados em suas escolas? Acredito que isso de certa forma, poderia contribuir para que os jovens entendessem melhor a sua participação e importância para o movimento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo surgiu a partir da experiência da autora com a EFAP e em busca de novas compreensões acerca da participação do jovem estudante na Troca de Saberes da UFV, foi possível analisar, em síntese, o sentido que a participação à troca de Saberes tem para o jovem estudante de EFA, mais especificamente a EFA Paulo Freire. A participação e a vivência, além dos diferentes encontros que este evento proporciona aos educandos têm proporcionado também um amadurecimento e comprometimento com realidade do Campo. Foi possível averiguar a busca por formar jovens, não somente, capazes de desenvolver atividades e conteúdos curriculares, mas, além disso, capazes de compreender as lutas que os cercam e fundamentalmente a responsabilidade que fecunda ao pertencer ao campo e o que isso traz como consequência para a vida do jovem e para a sociedade.

Um dos objetivos centrais deste estudo foi resgatar a história de criação da EFAP, bem como se deu a origem da relação com a UFV, com isso ampliar os conhecimentos acerca desse modelo de escola e a importância da história de criação da EFAP para o movimento agrícola da Zona da Mata Mineira. Acredita-se que essa pesquisa trará benefícios para os estudos desenvolvidos sobre a Troca de Saberes, bem como, para os estudos desenvolvidos na/para a EFAP e, de certa forma, possibilitar que novos estudos sejam realizados, a fim de que, novas questões possam ser tratadas e que a Troca de Saberes e os demais grupos que compõem a realização deste evento possam, ao longo de suas edições, aprimorar e repensar o lugar do jovem neste espaço, e como estes jovens podem contribuir de maneira mais ativa no evento, trazendo suas questões e aprendizagens para serem apresentadas.

Além disso, identificamos ainda os significados e sentimentos que estes jovens atribuem sobre a própria participação deles no evento. Uma dessas questões é o fato do estudante conceber a Troca de Saberes como um lugar que se vai em busca de novos conhecimentos, desconsiderando a possibilidade de “troca”, ou seja, não se veem como produtores de conhecimento e que o verdadeiro sentido de participar da Troca de Saberes é compartilhar também aos demais participantes da Troca suas práticas e suas experiências desenvolvidas na escola e na comunidade.

Outra questão levantada com esta pesquisa foi o certo distanciamento no diálogo entre gerações na Troca de Saberes, isto é, o diálogo acontece mais propriamente entre jovens. E o momento que se realiza em forma de Círculo de Cultura na Tenda Principal que é visto como o palco principal da Troca, neste momento os jovens se veem apenas como ouvintes.

A partir desse estudo, inferiu-se também que a participação dos jovens da EFAP na troca de saberes não é simplesmente uma participação espontânea, mas sim, uma participação intencional, onde se espera um retorno trazido por esses jovens, tanto para a sua própria realidade, quanto para a vida em comunidade. 

Quanto aos significados e sentimentos desses jovens em relação a sua participação na troca de saberes, identificou-se os sentimentos de pertencimento e de fortalecimento da identidade camponesa. Por meio das entrevistas foi possível constatar que os estudantes da EFAP, através do encontro com outros jovens e pessoas do campo, compartilhando o modo de vida e lutas semelhantes às deles, este momento fomenta o fortalecimento do vínculo existente entre o educando e o ambiente em que nasceram.  

Outra questão levantada a partir do cumprimento dos objetivos dessa pesquisa consiste em averiguar se a metodologia do evento oportuniza o diálogo entre os diferentes grupos que participam da Troca. E o que foi possível apurar o certo distanciamento no diálogo entre os jovens e participantes mais experientes do evento. Tomando consciência desse fato e sendo o Círculo de Cultura e as Instalações pedagógicas instrumentos metodológicos facilitadores do diálogo, vale refletir, portanto, as causas desse distanciamento e de que forma este poderá ser superado? A Troca de Saberes que é um evento pensado a partir da Ecologia de Saberes e deve proporcionar aos participantes, essa lógica, em seu realizar, colocando os espaços e os grupos visivelmente de maneira linear e com espaços igualmente oportunizados. De maneira que nem jovens, nem idosos, nem pesquisadores se sintam mais ou menos valorizados no evento.

A partir dos questionamentos que surgiram com está pesquisa, foi possível constatar que é preciso repensar sobre um espaço para as juventudes rurais, ou seja, que este grupo/movimento tenha também um espaço conforme outros grupos e pessoas têm durante a programação da Tenda Principal para que estes jovens apresentem de forma mais global no evento suas experiências e práticas agroecológicas, visto que essa ação poderá motivar ainda mais os jovens em participar do evento, e principalmente em instigar a escola e os estudantes em inovar suas práticas, fomentando a criatividade e o engajamento desse grupo no movimento agroecológico.

Dessa forma, acredita-se que repensar a participação dos jovens na Troca de Saberes proporcionará uma efetiva ecologia de saberes para além das estruturas metodológicas, mas compreendida pelos diferentes grupos e culturas presentes no evento. O nome recebido ao evento “Troca de Saberes” precisa ser compreendido por todos os grupos envolvidos nele, superando a ideia e/ou postura de determinados grupos, como por exemplo, os estudantes de EFA, de que estão ali para buscar conhecimentos, onde a ideia de que se devia ter é que participam da Troca de Saberes para aprender e ensinar, assim, numa via de mão dupla, levar e buscar conhecimentos, práticas, experiências, saberes, etc.


2 Localizada na Comunidade de Boa Cama, Zona Rural, do município de Acaiaca – MG. 

3 A Troca de Saberes é realizada desde 2009, dentro da programação da Semana do Fazendeiro, e representa uma das principais realizações coletivas do movimento agroecológico da UFV e região. Organizada pelo Núcleo de Educação do Campo e Agroecologia (ECOA/ UFV), em parceria com a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFV, a Troca de Saberes envolve professores e estudantes de diversos departamentos e programas de extensão universitária, bem como movimentos sociais e culturais de Viçosa e região.

4 As Instalações Pedagógicas “se constituem em cenários montados a partir da realidade (…), como laboratórios, experimentos de campo, museus, etc” (MIRANDA et. Al. , 2012, p. 5). É uma metodologia pedagógica dinâmica e interativa.  

5 Os Círculos de Cultura são rodas de debate idealizada pelo educador Paulo Freire. Utilizados como metodologia pedagógica na construção de conhecimento por meio do diálogo.

6 A dinâmica de um Serão consiste em aprofundar um tema gerador, a partir de atividades lúdicas e diversificadas. É preparado também neste momento, ambiências, conforme usadas nas Instalações Artística Pedagógica, para instigar a percepção e compreensão dos jovens sobre a realidade que os cercam, e não somente isso, mas, sobretudo, fomentar uma compreensão crítica a respeito do modo de vida no Campo.


REFERÊNCIAS

AZEVEDO, J. A. A Formação de Técnicos agropecuários e a alternância no estado de São Paulo: Uma proposta inovadora. Tese de Doutorado, Marília, 1998. 

ALVES, C. F; BARBOSA, W. A; CARDOSO, I. M; MÂNCIO, A. B; JUCKSCH, I.; COELHO, E. P.; SANTOS, M. L. dos. Troca de Saberes 2011. Pró-Reitoria de Extensão e Cultura. Universidade Federal de Viçosa – MG. 2011. 

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1Graduada do Curso Superior de Pedagogia da Universidade Federal de Viçosa; Campus Viçosa e-mail: fernandessilvaufv@gmail.com