A BUSCA PESSOAL REALIZADA PELA POLICIAL FEMININA EM MULHER TRANS E TRAVESTI

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202501200915


Divonsir De Oliveira Santos1
Ederson Pinheiro Crevelin2


RESUMO

Diante do cenário estabelecido referente ao trabalho desenvolvido pelos Policiais Militares do Estado do Paraná, torna-se característico as ações necessárias para garantir a segurança e o bem estar dos cidadãos, buscando-se cada vez mais ampliar o trabalho e aperfeiçoar as ações decorrentes do cotidiano destes. E com relação ao trabalho realizado diante de busca pessoal/revista realizada por policial militar feminina em mulher trans e travesti. Objetivou-se: Reconhecer como é a atuação do policial militar no estado do Paraná para a segurança dos cidadãos; Entender como este se caracteriza, o trabalho destes diante do tratamento com as mulheres trans ou travesti, principalmente nas abordagens, e; buscar documentos que tornam esta ação regularizada no Estado do Paraná. Problematizou-se a seguinte questão: A Policial Militar feminina sente-se constrangida ao atuar em revista com trans e travestis? Justifica-se este tema como de total relevância para a PMPR, visto que é um trabalho do cotidiano do Policial Militar. Para este estudo utilizou-se de Metodologia Bibliográfica, fazendo uso de diferentes matérias, como livros e materiais publicados, porém referenciados.

Palavras-chave: Polícia Militar. Atuação. Abordagem. Revista. Trans. Travestis.

1. INTRODUÇÃO

No território brasileiro, a proteção da população é assegurada pela intervenção do Estado, que possui a responsabilidade constitucional de executar medidas e políticas visando a efetivação de um abrangente controle social. Esse compromisso é cumprido através da concessão de estímulos positivos, com o intuito de promover a convivência pacífica entre os cidadãos.

Tendo em vista essa responsabilidade da atividade Policial Militar, uma série de questionamentos são considerados, sendo um deles o trato com o público transgênero. A abordagem policial realizada a esse público é um tema bastante polêmico em que dois cenários devem ser considerados, tanto a garantia de uma revista pessoal a pessoa trans dentro dos padrões de isonomia ausentes de preconceitos e discriminação, quanto a garantia a Policial feminina de segurança e de que seus direitos não sejam violados, ao se sentir constrangida ao realizar a atividade.

Diante disso, tomou-se como objetivos: reconhecer como é a atuação do policial militar no estado do Paraná para a segurança dos cidadãos; entender como se caracteriza o trabalho destes diante do tratamento com as mulheres trans ou travesti, principalmente nas abordagens; e; buscar documentos que tornam esta ação regularizada no Estado do Paraná.

Além disso, estabelece-se que o Princípio da Igualdade, ao mesmo tempo que prevê um tratamento diverso a um determinado grupo de pessoas, também torna possível a extensão dos efeitos legais de uma determinada norma a outros indivíduos ou grupos de pessoas que se encontram na mesma situação.

Com isso, indaga-se a possibilidade da aplicabilidade de tal dispositivo aos travestis e transexuais femininos quando submetidos ao procedimento de revista pessoal, tomando-se como problema a seguinte questão: a Policial Militar feminina sente-se constrangida ao atuar em revista com trans e travestis?

Para tornar possível a extensão desta garantia legislativa às travestis e transexuais femininas, é necessário demonstrar o reconhecimento do gênero feminino a estes grupos de pessoas. Isto pois, atualmente, o que se reconhece é a identidade de gênero, sendo possível que a transexual e a travesti não sejam obrigadas a se submeterem a procedimentos cirúrgicos ou estéticos para serem reconhecidas e respeitadas como mulheres e consequentemente possuírem os direitos a elas aplicados.

Assim sendo, no decorrer deste trabalho, toma-se conhecimento de como é realizada a abordagem e procedimento de revista realizada por policial feminina a trans e travestis.

2. ANÁLISE GERAL

2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE

No seu artigo 1º, III, a Constituição Federal estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos seus princípios fundamentais, sendo este o alicerce do Estado ao assegurar que cada cidadão tenha uma vida digna, com pleno exercício das liberdades individuais.

Em continuidade, o artigo 5º, caput, da Constituição Federal garante a igualdade fundamental para todos, equiparando-os na titularidade de direitos fundamentais, promovendo, junto ao artigo 3º, IV, o bem comum, sem distinção baseada em sexo, raça, cor, idade, ou qualquer outra característica discriminatória.

Além do que está estipulado na Constituição, o Estado brasileiro assumiu compromissos perante a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. O artigo 24 dessa convenção afirma que “todas as pessoas são iguais perante a lei” e, portanto, têm direito à igual proteção legal, sem discriminação.

De acordo com a corrente predominante em nossa doutrina, é admissível realizar distinções entre as pessoas diante da norma legal, desde que haja uma justificativa fundamentada para o tratamento desigual. Dessa forma, todas as pessoas sujeitas à legislação brasileira devem receber proteção idêntica em relação a ela, sem qualquer discriminação injustificada.

Conforme Gomes (2007, p. 539/540), “torna-se necessário apresentar uma justificativa fundamentada sempre que houver observância de tratamento diferenciado entre os indivíduos”.

Segundo Bandeira de Mello (2007, p. 23), “a lei não deve estabelecer como critério diferencial um traço tão específico que singularize, no presente e definitivamente, de modo absoluto, um sujeito a ser abrangido por um regime peculiar”.

O autor complementa enfatizando que o traço diferencial adotado deve residir necessariamente na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada, ou seja, nenhum elemento que não existia nelas mesmas pode fundamentar regimes diferentes (BANDEIRA DE MELLO, 2007).

De acordo com essa perspectiva, o cumprimento da lei resulta em equidade de tratamento, mas em certas circunstâncias, na mesma situação, pode haver tratamento jurídico diverso. Isso encontra justificativa na concepção aristotélica de igualdade, que consiste em tratar igualmente os iguais na medida de sua desigualdade.

Portanto, a igualdade permite que, diante de elementos diferenciadores, o tratamento igualitário não seja a regra, possibilitando a discriminação em determinadas situações para garantir direitos e a dignidade do indivíduo. No entanto, é crucial distinguir quem são os iguais e quem são os desiguais (BANDEIRA DE MELLO, 2007).

Surge a indagação sobre quais critérios podem ser empregados para permitir a desigualdade ou até mesmo a discriminação de um grupo específico de pessoas em situações específicas, sem violar o princípio da isonomia. A discriminação por normas penais se justifica quando pessoas em situações de desigualdade necessitam ser submetidas a regimes diferentes ou à aplicação de uma norma existente que garanta a isonomia de tratamento.

Para evitar a violação do princípio da igualdade, caso uma lei conceda garantias a um indivíduo ou grupo, os efeitos legais devem se estender aos demais em situação semelhante. A uniformidade na aplicação dos direitos fundamentais pelo legislador foi estabelecida com o objetivo de impedir tratamentos diferenciados a determinados grupos.

No entanto, certas características, como as distinções baseadas em sexo, identidade de gênero ou orientação sexual, são admitidas desde que devidamente justificadas.

2.2 TRANSGÊNEROS

O conceito de transgênero refere-se àqueles que transcenderam de um gênero biologicamente atribuído para uma identidade de gênero que consideram como sua verdadeira. Dentro desse grupo, incluem-se os indivíduos transexuais e travestis, que psiquicamente adotam um gênero oposto ao que lhes foi designado no nascimento.

A principal distinção entre esses dois grupos reside na aceitação em relação aos órgãos genitais. Por um lado, os travestis acreditam em uma dissociação entre seu sexo psíquico e biológico, mas não repudiam seus órgãos sexuais, experimentando prazer ao utilizá-los durante relações sexuais.

Por outro lado, os transexuais enfrentam a desconexão entre seu sexo biológico e psíquico, buscando alterações e reconstruções em seus corpos para alinhá-los com sua identidade mental.

Nesse contexto, o primeiro grupo, por não rejeitar suas genitálias, não se identifica necessariamente como homens ou mulheres, não se submetendo a cirurgias para a adequação do sexo. Já o segundo grupo, devido à não aceitação do sexo biológico, procura modificar o que lhes foi imposto, seja por meio de intervenções cirúrgicas ou tratamentos hormonais.

Para Dias (2014, p.42), os travestis: “São pessoas que, independentemente da orientação sexual, aceitam seu sexo biológico, mas se vestem, assumem e se identificam como do gênero oposto”. Não sentem repulsa por sua genitália, como ocorre com os transexuais. Por isso, não buscam a redesignação cirúrgica dos órgãos sexuais, até porque encontram gratificação sexual com o seu sexo.

Além disso, os transexuais podem ser classificados como transexuais homens ou transexuais mulheres. Os transexuais homens são biologicamente do sexo feminino, mas se identificam psiquicamente como do sexo masculino, enquanto as transexuais mulheres não se conformam com o sexo masculino atribuído no nascimento e transcendem para o sexo feminino.

Nem todas as pessoas transexuais desejam a realização da cirurgia de adequação de sexo, pois possuir aversão aos órgãos genitais não é uma característica universal (DIAS, 2014). Diante da desconexão entre o sexo biológico e psíquico, muitas pessoas transgênero buscam soluções nas cirurgias de adequação de mudança de sexo.

No entanto, isso não se torna um requisito para o reconhecimento da mudança de nome e sexo no registro civil. Em muitos casos, os indivíduos transexuais buscam apenas a adequação de seu nome e sexo de acordo com sua identidade de gênero no registro civil, sem que a intervenção médica seja um requisito indispensável para conquistar o direito de alteração de gênero no registro civil.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconhecia o direito dos transexuais à alteração do prenome que reflita sua identidade de gênero, sem a necessidade obrigatória de submissão à cirurgia de adequação.

Houve objeção contra uma sentença que indeferiu o pedido de alteração do prenome devido à ausência de cirurgia de ablação dos órgãos sexuais masculinos pelo autor. A decisão destacou a desnecessidade dessa intervenção, ressaltando que a discrepância entre o sexo biológico e psicológico pode ser comprovada por perícia multidisciplinar.

Pessoas transexuais ou travestis, por meio do registro do nome civil, buscam o reconhecimento de seu direito de serem identificadas de acordo com sua identidade auto atribuída, sem exclusão devido à incongruência com o corpo registrado em seus documentos de identificação.

2.3 APLICABILIDADE DO ARTIGO 249 DO CPP AOS TRANSEXUAIS E TRAVESTI

No que diz respeito à busca pessoal em travestis e transexuais mulheres, não há nenhuma norma específica que os assegure a serem revistados por indivíduos do mesmo sexo identificado psiquicamente. Contudo, a nossa Constituição Federal respalda os direitos fundamentais de todas as pessoas, sem qualquer forma de discriminação.

Diante da ausência de uma previsão legal específica é necessária a aplicação do dispositivo já estabelecido em nossa legislação para garantir a isonomia em relação às mulheres que são submetidas à revista pessoal.

É importante trazer à baila essa previsão legal, insculpida no artigo citado, o qual prevê que a busca em mulher será feita por outra mulher, sem importar retardamento ou prejuízo da diligência. Ocorre que o próprio artigo tem flexibilização quanto a possibilidade de ser realizada por pessoa de sexo oposto, caso a garantia (realizar a busca em mulher por pessoa do mesmo sexo) importe em prejuízo a diligência policial. 

Em nível nacional, alguns estados disponibilizam materiais que orientam a conduta dos agentes no procedimento de revista pessoal de suspeitas travestis e transexuais mulheres.

No estado de Minas Gerais, há uma cartilha de prática policial básica, em seu caderno doutrinário II “Tática policial, abordagem a pessoas e tratamento às vítimas”, destaca a importância de respeitar a orientação sexual dos cidadãos, reconhecendo que, muitas vezes, em razão de sua orientação sexual, os direitos dos cidadãos são desrespeitados. O policial é instado a lidar com o cidadão de maneira a respeitar sua sexualidade (BRASIL, 2011).

Assim, a cartilha apresenta recomendações para o procedimento de busca pessoal em transexuais e travestis, respeitando suas identidades de gênero específicas.

No caso de lésbicas, a busca segue as mesmas recomendações para mulheres. O procedimento é idêntico para transexuais com comprovada retificação de registro civil (nome feminino). No que se refere a gays e travestis, o policial masculino realiza a busca pessoal, evitando, sempre que possível, situações de constrangimento (BRASIL, 2011).

É notável que a orientação na cartilha sobre a busca pessoal e revista de pessoas transexuais respeita a determinação sexual, o que garante a isonomia do tratamento.

No entanto, no caso das travestis, observa-se que não há essa garantia em relação à sua identidade de gênero, uma vez que é permitido que a revista ou busca pessoal seja realizada por policial masculino.

É importante destacar que ambas se identificam com o sexo feminino e buscam ser tratadas como tal, porém a norma citada resguarda a figura da policial feminina que conduz a prática da busca pessoal. 

Ao analisar a Cartilha “Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade” da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), observa-se que o material recomenda que a busca pessoal seja conduzida por agentes do sexo feminino tanto em transexuais quanto em travestis, sem apresentar distinções nos procedimentos de revistas desses dois grupos.

Esta Cartilha não apenas estabelece diretrizes para a busca pessoal, mas também orienta sobre a abordagem desses grupos da seguinte maneira: O policial deve respeitar a identificação social feminina, caracterizada pela vestimenta e acessórios femininos utilizados pela pessoa abordada, e deve empregar termos femininos ao referir-se a travestis e mulheres transexuais, como “senhora”, “ela” e “dela” (SENASP, 2013).

O mesmo material aconselha o policial a questionar como a mulher abordada gostaria de ser chamada, reconhecendo assim seu direito ao uso do nome social, sendo o dever do policial respeitar essa escolha (SENASP, 2013).

Quanto à busca pessoal, a Cartilha orienta que o efetivo feminino deve ser responsável por realizar a busca na mulher transexual, assim como na travesti, visando respeitar a dignidade delas e reconhecer o direito de identificar-se como sendo do sexo feminino (SENASP, 2013).

A Recomendação 01/2016, emitida pela Defensoria Pública, aborda a revista a pessoas transexuais privadas de liberdade em unidades socioeducativas do Estado do Espírito Santo. No âmbito internacional, diversas normativas orientam os agentes sobre como proceder na busca pessoal de travestis e transexuais quando privados de liberdade.

Entre essas normativas, destaca-se o documento Brasil (2016, p. 11), “Pessoas LGBTI privadas de liberdade: parâmetros para o monitoramento preventivo”, que analisa outra normativa, os “Princípios e Boas Práticas para a Proteção de pessoas Privadas de Liberdade nas Américas”, e expõe: “Normas internacionais recomendam que as revistas sejam conduzidas por pessoal do mesmo gênero da pessoa revistada.

Embora relevante para a maioria das pessoas presas, este parâmetro não é necessariamente aplicável às pessoas LGBTI, ante a carência de normas já citadas e pelo fato de que podem enfrentar abusos e humilhação mesmo quando revistadas por pessoas de seu próprio gênero.

Em relação ao que é recomendado para a realização de busca pessoal em pessoas transexuais e travestis nas normativas e cartilhas apresentadas, há quase que consenso da necessidade de respeitar a autodeterminação do indivíduo e garantir que o mesmo não seja submetido a nenhuma situação de constrangimento ou vulnerabilidade.

As pessoas LGBTI presas que abertamente se identificam como tal devem, se possível, escolher se serão revistadas por funcionários do sexo feminino ou masculino. Porém, importante frisar-se a observação trazida à baila pela cartilha de abordagem da PMMG, a qual preserva o direito das policiais femininas de não revistarem pessoas do público LGBTI identificadas como gays e travestis, os quais são revistados por policiais masculinos.

A prática de abordar um cidadão, confrontando seu direito constitucionalmente assegurado de ir e vir, ou seja, a liberdade de locomoção delineada no artigo 5º, inciso XV, está respaldada em nosso sistema jurídico, pois constitui um ato administrativo.

Nesse contexto, conforme Pontes; Carneiro; Ramires (2011, p. 87): “Não há que se falar em abuso de autoridade […] quando limitações à liberdade são impostas àqueles que ameaçam a ordem pública, a incolumidade física das pessoas e de seu patrimônio”.

De fato, a abordagem policial desempenha um papel inibidor de delitos, sendo uma representação legítima das atribuições da polícia preventiva. Nesse contexto, os agentes verificam, entre outros aspectos, a documentação e os objetos portados pelos cidadãos. No entanto, essas restrições devem seguir formalidades legais e respeitar princípios específicos que regem a ação policial.

Para Musumeci (2005, p. 53), “no cotidiano, a abordagem policial se torna uma ocorrência comum na interação entre a polícia e o público em geral, sendo definida por Ramos e conforme citado por Pinc (2007, p. 01), como “situações peculiares de encontro entre polícia e população, em princípio não relacionadas ao contexto criminal”.

Complementando essa definição, Pinc (2007, p. 01), destaca que: “A abordagem representa um encontro da polícia com o público e os procedimentos adotados pelos policiais variam de acordo com as circunstâncias e com a avaliação feita pelo policial sobre a pessoa com que interage, podendo estar relacionada ao crime ou não. Essa é uma ação policial proativa, que ocorre durante as atividades de policiamento, cujos procedimentos preveem a interceptação de pessoas e veículos na via pública e a realização de busca pessoal e vistoria veicular, com o objetivo de localizar algum objeto ilícito, como drogas e armas de fogo. A decisão de agir é exclusiva do policial e é respaldada por lei”.

O policial possui, portanto, o poder discricionário para agir, o que significa ter certa liberdade dentro de limites legais específicos. Essa liberdade não deve ser confundida com arbitrariedade, uma vez que esta última ultrapassa os limites estabelecidos pela lei.

Essa prerrogativa que a Administração Pública detém de restringir, em determinados casos previstos em lei, o exercício dos direitos individuais em prol da coletividade é denominada poder de polícia. Essa definição encontra-se no Código Tributário Nacional, em seu artigo 78, que estabelece:

2.4 A ABORDAGEM POLICIAL E AS REVISTAS

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único: Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder” (BRASIL, ART. 78).

Portanto, o poder de polícia é um instrumento disponível à Administração Pública para conter, se necessário, os abusos praticados por particulares no exercício de suas liberdades.

Através desse poder, não apenas a liberdade individual, mas também a propriedade, pode ser passível de restrição, desde que haja interesse da coletividade, sendo a abordagem policial um dos instrumentos que podem resultar nessa restrição (PONTES; CARNEIRO; RAMIRES, 2011).

Importante ressaltar que, apesar do amplo alcance do poder de polícia, abrangendo diversas áreas de atuação, ele possui limitações estabelecidas pela compatibilização dos direitos fundamentais da pessoa com os interesses da coletividade.

No que diz respeito às limitações do poder de polícia, conforme destacado por Lopes, citado por Pontes, Carneiro e Ramires (2011, p. 47), “Os limites do poder de polícia administrativa são sempre demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da República”.

Em relação à abordagem policial, é crucial considerar o que define ou justifica a conduta do agente de segurança pública ao realizar a abordagem, além da busca pessoal. O policial deve seguir os mandamentos legais para evitar que sua conduta seja considerada arbitrária.

Nesse contexto, é essencial analisar a fundada suspeita, prevista no Código de Processo Penal da seguinte forma: “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar” (BRASIL, 2010).

Fica evidente, portanto, que para realizar a busca pessoal dentro dos parâmetros legais, o agente deve fundamentar sua ação com base em relatos de testemunhas ou fatos concretos, evitando ao máximo a subjetividade. Conforme orienta Nucci (2007, p. 502), a “fundada suspeita” é um requisito essencial para a realização da busca pessoal, sendo mais concreto e seguro do que uma simples desconfiança ou suposição.

O objetivo é garantir que a ação policial seja motivada por situações reais, evitando que preconceitos e estigmatização influenciem a conduta dos policiais em seu trabalho. No contexto da abordagem policial aos membros da comunidade LGBT, é fundamental pautar-se na legalidade e no respeito aos direitos humanos, livrando-se de preconceitos.

Corroborando ainda com o tema o Manual de atendimento e abordagem da população LGBTI por agentes de segurança pública relata o seguinte: Todos são iguais perante a lei. A isonomia consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Por isso, em uma abordagem policial que envolve pessoas LGBTI, é importante levar em consideração suas particularidades e vulnerabilidades.

Utilizar termos femininos ao se referir às travestis e às mulheres transexuais – tais como: senhora, ela, dela.  Informando que deseja ser chamada pela identificação social feminina, o/a policial deve respeitar sua escolha. Estabilizada a situação, o/a policial deve perguntar a forma como a pessoa abordada gostaria de ser chamada, independentemente do contido no documento de identidade da pessoa.  A pessoa pode escolher um nome feminino, masculino ou neutro. O/a policial tem o dever de respeitar a escolha, não sendo permitido fazer perguntas invasivas ou comentários ofensivos sobre o nome informado. 

Agentes femininas são preparadas para busca e abordagem em pessoas de ambos os gêneros (masculino ou feminino).  Prioritariamente, o efetivo feminino deve realizar a busca pessoal na Travesti e na mulher transexual.   Avaliar o grau de risco que a pessoa abordada oferece (se for o caso), e, se preciso, acompanhar a abordagem ou a busca. O efetivo em segurança deve ter condições de pronta-resposta, em caso de reação.  Como em toda ação policial, devem ser considerados os procedimentos de segurança (RENOSP 2018).

Portanto, espera-se que os agentes de segurança pública ajam de acordo com a diversidade, respeitando plenamente os direitos dos membros da comunidade LGBT durante uma abordagem policial ou uma busca pessoal, se necessário.

Além disso, é crucial que o tratamento seja adequado ao nome social do abordado, conforme preconiza o Código de Processo Penal no que diz respeito à busca em mulheres, destacando a necessidade de realização por uma policial feminina, preferencialmente, em casos de transexuais ou travestis femininos, excetuando situações que possam prejudicar a eficácia da ação policial, quer seja por situações que comprometam a segurança da equipe (compleição física do(a) abordado(a) comparada com a da policial que conduz o ato da revista) ou ainda, possível constrangimento da policial feminina diante do(a) abordado(a) com sexo biológico e características masculinas predominantes. 

3. ANÁLISE DE FORMULÁRIO ACERCA DA OPINIÃO DAS POLICIAIS MILITARES FEMININAS EM RELAÇÃO A BUSCA PESSOAL EM PESSOAS TRANSGÊNERO.

Posto que a revista pessoal em pessoas transgênero ainda é um campo pouco desbravado e que não possui doutrinas norteadoras em relação à temática. Foi realizada uma enquete com as policiais femininas, principalmente integrantes do 19º Batalhão de Polícia Militar, bem como, de outras Unidades da PMPR, a qual objetivou um parecer das operadoras de segurança pública em relação a algumas situações vivenciadas por elas.

Primeiramente, buscou-se identificar quais delas já passaram por alguma situação de abordagem/busca pessoal a uma mulher transgênero, ou seja, pessoa designada do sexo masculino no nascimento, mas que se identifica do gênero feminino. Diante dessa indagação, foi possível verificar que do total de mulheres entrevistadas, mais da metade do efetivo já realizou a busca em pessoas trans.

Nesta pesquisa informal com mulheres atuantes na profissão, obteve-se conhecimento que grande parte destas não considera desagradável a situação de revista em pessoas trans e travestis, contudo um número não pouco expressivo (quase metade) considera sim desagradável.

Assim, diante dos resultados e do constrangimento alegado por algumas mulheres policiais, se faz necessário a criação de um documento onde se descreve mais precisamente as funções, habilidades e atuações, para que com o conhecimento do conteúdo deste elas possam exercer sua profissão de maneira mais clara. 

A atividade de busca pessoal é inerente a atividade do Policial Militar, quer seja do sexo masculino ou feminino. Defender posição diferente disso seria o mesmo que, numa comparação com a profissão da cuidadora de idosos ou enfermeira, está alegar que se sente constrangida em dar banho ou trocar as roupas íntimas de pessoa do sexo oposto. 

Este trabalho já é amplamente realizado pelos homens e mulheres da PMPR diuturnamente, nos 399 municípios do Estado, porém sugere-se a elaboração de um documento técnico, a exemplo dos demais estados citados, para trazer luz a este assunto e, principalmente deixar mais evidente esta situação e também regulamentada, para que seja tratada com mais normalidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se esta pesquisa, após uma pequena análise de como é desenvolvido o trabalho de abordagem e busca pessoal pelos policiais militares da PMPR, mormente o público feminino, quanto a revistas e mulheres trans e travestis. Reconhece-se que este é um assunto a ser ampliado e melhor explorado, conforme as necessidades das pessoas, quer sejam as abordadas ou quem conduz o ato da busca pessoal e revista.

No tocante à redação do artigo 249 do Código de Processo Penal, ao abordar a situação de vulnerabilidade social do gênero feminino, trans ou travesti, o legislador instituiu um mecanismo de proteção que garante às mulheres o direito de serem revistadas por um agente do mesmo sexo durante uma abordagem policial.

Entretanto, como destacado neste trabalho, o conceito de mulher na atualidade tornou-se mais abrangente. As imposições sociais baseadas em preceitos biológicos perderam relevância, sendo a identidade de gênero o fator crucial. Nesse contexto, mulheres transexuais e travestis, que se identificam psicologicamente com o gênero feminino e desejam o reconhecimento social, são consideradas parte do grupo pertencente ao sexo feminino.

Houve significativos avanços no reconhecimento desse grupo como integrante do sexo feminino. O direito ao uso do nome civil por transexuais não está mais condicionado a processos estéticos ou hormonais, sendo essencialmente vinculado à autodeterminação da identidade de gênero.

Dessa forma, em conformidade com o princípio da igualdade e considerando que travestis e transexuais, assim como as mulheres, constituem um grupo em situação de vulnerabilidade, é imperativo aplicar as disposições do artigo 249 do Código de Processo Penal. Isso se justifica como uma garantia constitucional à dignidade e à liberdade individual de todos.

Embora existam cada vez mais normativas que disciplinem as condutas policiais para assegurar os direitos de travestis e transexuais, incluindo o reconhecimento pelo nome social e a revista por agente do mesmo sexo quando pertencentes ao sexo feminino, é relevante observar que tais documentos carecem de força normativa. Diante da ausência de um dispositivo normativo específico que regulamente a revista pessoal em transgêneros, a analogia com o artigo 249 do Código de Processo Penal se faz necessária.

Porém, embora nossos(as) policiais desempenhem esse papel de forma técnica e eficiente, nas diversas realidades vivenciadas pelo nosso efetivo, há que se debruçar sobre o tema com um pouco mais de atenção. 

Após análise aos regulamentos, diretrizes e manuais da PMPR, não foram encontrados nenhum material que aborda especificamente este tema. há artigos e trabalhos individuais relatando abordagem policial ao público LGBTI, mas sem focar no assunto específico da busca pessoal realizada a estes indivíduos, muito menos sobre o papel da policial feminina neste contexto. Assim, surge a necessidade de que sejam criadas diretrizes e regulamentos internos, a exemplo de outras Instituições Policiais Militares brasileiras, as quais normatizam o assunto.

Ainda, em consulta informal a integrantes da área da Abordagem Policial na PMPR, obteve-se a informação de que o Manual de Abordagem Policial da instituição está concluído e em vias de ser publicado, porém não há especificamente uma parte destinada ao assunto em específico tratado no presente artigo, pelo que este se torna ainda mais relevante ao desenvolvimento da atividade policial.

Para tanto, sugere-se a criação de Diretriz ou Procedimento Operacional Padrão (POP) específicos sobre o tema, o qual servirá de base técnica e legal para as equipes na atividade de policiamento ostensivo. Por fim, sugere-se ainda que sejam buscados os conhecimentos técnicos da Câmara Técnica de Abordagem Policial da PMPR para essa finalidade, haja vista esse grupo ser formado por diversos profissionais atuantes na área da abordagem policial e possuírem o norral técnico necessário a este fim.

REFERÊNCIAS

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GOMES, Lucas Fonseca. Direito Penal: introdução e princípios fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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