REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501131974
Alvaro Miranda Lana1
RESUMO: A evolução constante da legislação pertinente à administração pública exige acompanhamento detalhado, especialmente no âmbito das compras e licitações. Nesse cenário, a Lei nº 14.133/2021 trouxe inovações importantes para os processos de licitação e contratações, incluindo mudanças significativas nos critérios de inexigibilidade de licitação. Uma das áreas mais impactadas pela nova legislação e abordadas neste artigo é a contratação de serviços de assessoria e consultoria especializada em licitações, pois de acordo com a Lei nº 14.133/2021, é permitida a contratação direta desses serviços, sem a necessidade de um processo licitatório, desde que atendidos os requisitos previstos na norma. Entre os principais avanços trazidos por esta lei, destaca-se a dispensa da obrigatoriedade de comprovação da natureza singular dos serviços, exigência que prevalecia na legislação anterior. Agora, a inexigibilidade pode ser fundamentada nas qualificações subjetivas do profissional, tais como notória especialização, vivência prática, habilidades táticas, desenvoltura, segurança, conceito no ramo de atuação, o que acaba por exigir elevado grau de confiança, desde que essa justificativa seja bem elaborada e embasada. O artigo 74 da Lei nº 14.133/2021 regula a inexigibilidade de licitação, configurando-se como um instrumento valioso para a contratação de serviços altamente especializados e complexos. No entanto, é imprescindível que a administração pública cumpra rigorosamente os requisitos legais e procedimentais para garantir a transparência e a eficácia do processo. Para tanto, a justificativa para a escolha do fornecedor deve ser robusta, amparada por pesquisas de mercado consistentes e análises criteriosas que comprovem a notória especialização do prestador. A nova legislação ampliou as possibilidades de contratação direta, oferecendo maior flexibilidade para atender demandas específicas e complexas, sem abrir mão dos princípios de transparência e fundamentação que regem a gestão pública responsável. Assim, com a aplicação cuidadosa das normas e o cumprimento integral dos requisitos legais, a administração pública pode assegurar processos administrativos mais eficientes, eficazes e alinhados aos princípios constitucionais da legalidade, eficiência e publicidade.
PALAVRAS-CHAVE: inexigibilidade, licitação, notória especialização, assessoria e consultoria.
ABSTRACT: The constant evolution of legislation governing public administration requires detailed monitoring, particularly in the area of procurement and bidding processes. In this context, Law No. 14,133/2021 introduced significant innovations in public procurement, including substantial changes to the criteria for non-competitive bidding. One of the most impacted areas, addressed in this article, is the hiring of specialized advisory and consultancy services for procurement processes. According to Law No. 14,133/2021, direct contracting of such services is allowed without a competitive bidding process, provided the statutory requirements are met. Among the key advancements of this law is the removal of the mandatory proof of the unique nature of the services, a requirement under previous legislation. Non-competitive bidding can now be justified based on the provider’s subjective qualifications, such as notable expertise, practical experience, tactical skills, competence, confidence, and reputation in the field, demanding a high degree of trust, provided the justification is well-founded and substantiated. Article 74 of Law No. 14,133/2021 regulates non- competitive bidding, serving as a valuable tool for hiring highly specialized and complex services. However, public administration must strictly adhere to legal and procedural requirements to ensure transparency and process efficiency. To this end, the rationale for supplier selection must be robust, supported by consistent market research and thorough analyses that demonstrate the provider’s notable expertise. The new legislation broadens the possibilities for direct contracting, offering greater flexibility to meet specific and complex demands without compromising the principles of transparency and accountability that govern responsible public management. By carefully applying the norms and fully complying with legal requirements, public administration can ensure more efficient and effective administrative processes aligned with the constitutional principles of legality, efficiency, and publicity.
KEYWORDS: non-competitive bidding, procurement, notable expertise, advisory and consultancy services.
1 – Introdução
O objetivo do presente artigo é analisar a viabilidade da inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços de assessoria e consultoria em licitações, à luz das mudanças introduzidas pela Lei nº 14.133/2021. O foco recai, particularmente, sobre a remoção do requisito da comprovação da natureza singular dos serviços, uma exigência que era presente na legislação anterior, mas que foi afastada pela nova legislação, refletindo uma evolução do entendimento jurídico sobre o tema.
Diversos autores defendem que o legislador buscou, com a reforma, afastar a necessidade de comprovar a singularidade dos serviços, dado que a natureza desse conceito era indeterminada e gerava instabilidade jurídica, principalmente pela dificuldade em definir seu alcance. Em vez disso, a nova abordagem privilegia um critério subjetivo, que leva em consideração as características e a especialização do prestador de serviço, conforme destacado por Ferraz (2021). Este entendimento foi reforçado ainda mais no Parecer nº 00001/2023/CNLCA/CGU/AGU, exarado pela Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos da Advocacia-Geral da União – AGU2, que corrobora a ideia de que a principal mudança reside no reconhecimento da expertise do prestador como fator central para a decisão pela inexigibilidade, e não a singularidade do serviço em si.
Para contextualizar a questão, é importante entender que a licitação é uma exigência administrativa prevista no inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, sendo a regra geral para as contratações públicas, que envolvem obras, serviços, compras, locações, concessões, permissões e alienações.
De acordo com Di Pietro (2012):
2 a) Para a contratação por inexigibilidade de licitação dos serviços técnicos especializados listados no art. 74, III, da Lei nº 14.133, de 2021, deve a Administração comprovar (i) tratar-se de serviço de natureza predominantemente intelectual, (ii) realizado por profissionais ou empresas de notória especialização; e que (iii) a realização da licitação será inadequada para obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração. […] e) Ao administrador público cabe o dever de motivar sua decisão na comprovação da confiança que tem no prestador de serviço por ela escolhido. f) Em relação ao ponto principal, acerca da não previsão da comprovação da natureza singular do serviço a ser prestado pela empresa ou profissional de notória especialização, pelas razões elencadas neste parecer, manifestamo-nos pela desnecessidade de sua comprovação para a contratação por inexigibilidade de licitação, desde que o administrador adote as cautelas elencadas nas letras “a” a “e” deste item 54 do parecer, de forma que a motivação de seus atos conste expressamente nos autos do procedimento administrativo.”
[…] a licitação é um procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições estabelecidas no instrumento convocatório, a possibilidade de formular propostas dentre as quais se selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração do contrato.
A licitação, portanto, busca garantir a seleção da proposta mais conveniente, observando os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Esses princípios visam assegurar que as contratações públicas ocorram de forma transparente e justa, priorizando sempre a melhor proposta para a Administração e não aquilo que seja mais conveniente para o gestor público. Contudo, a própria Constituição, em seu artigo 37, estabelece que a licitação é obrigatória, mas também prevê exceções, permitindo que em algumas situações específicas, o processo licitatório (concorrencial) possa ser dispensado ou mesmo inexigível.
Essas exceções são fundamentadas na ideia de que, em certos casos, o interesse público envolvido é tão singular que inviabiliza a competição. Essa singularidade pode ocorrer por diversas razões, como a natureza especializada do serviço ou a exclusividade do prestador, e a nova legislação, reconhece que nem todos os serviços são passíveis de disputa ampla, especialmente aqueles que exigem um nível elevado de especialização, como os serviços de assessoria e consultoria em licitações.
Sendo assim a inexigibilidade de licitação não é uma decisão arbitrária, mas sim uma medida que deve ser fundamentada em critérios objetivos, como a notória especialização do prestador e a impossibilidade de comparar propostas de forma justa e eficaz. Essa abordagem, embora afaste a exigência de comprovar a singularidade do objeto, coloca a responsabilidade nas mãos da Administração Pública para demonstrar que a contratação direta é a mais adequada e vantajosa para o interesse público, respeitando sempre os princípios da legalidade e eficiência.
Sob a ótica do alinhamento ao interesse público, com muita clareza, Amaral (2021) assevera:
Sob o ângulo do atendimento do interesse público, a licitação é meio e não fim. Não pode ser interpretada ou indevidamente estendida como um dever universal e única salvação para inibir ilicitudes. Existem situações nas quais realizar licitação será um desserviço ao interesse público. Não se trata de retórica vazia, mas de previsão expressa na Constituição Federal e na Lei 8.666/1993, que delimitou as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação.
[…]
Por vezes, efetivar a mais eficiente contratação pública reclama uma dose de apreciação subjetiva do administrador público no processo de escolha do particular que com ela vai se relacionar. É ínsito a própria natureza e ao perfil da contratação direta uma margem de discricionariedade maior a ser conferida ao administrador, que pondera valores que não podem ser objeto de uma comparação a partir de critérios estritamente objetivos. Conferir maior discricionariedade ao administrador nas suas escolhas é, de outro lado, uma das consequências da consensualidade, novo modelo de ação estatal que privilegia relações mais dialógicas com o administrado. Modernamente, a busca do consenso é referenciada como o meio mais legítimo de se promover a eficiência e uma moderna Administração de Resultados.
A Constituição Federal, embora preveja a obrigatoriedade de licitação para as contratações públicas, admite a possibilidade de contratação direta nas hipóteses expressamente previstas em lei. Essas exceções são dispostas na Lei nº 14.133/2021 e podem ser classificadas em três situações distintas: inexigibilidade de licitação, dispensa de licitação e licitação dispensável.
O foco deste estudo é a inexigibilidade de licitação, tratada no artigo 74 da Lei nº 14.133/2021, que traz uma redação ampla, englobando casos em que a competição é inviável e listando, de forma exemplificativa, cinco hipóteses de aplicação. O principal ponto de interesse aqui é o inciso III do artigo 74, que trata da possibilidade de contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, prestados por profissionais ou empresas de notória especialização. Esses serviços são caracterizados pela aplicação de conhecimentos técnicos específicos, alto grau de habilidade intelectual, criatividade, análise crítica e solução de problemas complexos.
A Lei nº 14.133/2021, em seu artigo 74, inciso III, e no artigo 6º, apresenta uma lista exemplificativa de serviços técnicos especializados, abrangendo áreas como estudos técnicos, projetos, auditorias, treinamento, restauração de bens históricos, análises laboratoriais, entre outros, caracterizados por sua complexidade e pela exigência de alta especialização. Neste contexto, a pesquisa busca avaliar a compatibilidade dos requisitos legais com a contratação de serviços de assessoria e consultoria em licitações, que possuem natureza predominantemente intelectual. Para isso, adota-se uma metodologia baseada em revisão bibliográfica e jurisprudencial, contemplando legislações e publicações multidisciplinares das áreas de Direito Administrativo e Administração Pública, com o objetivo de compreender as condições legais para a contratação direta desses serviços, conforme as hipóteses de inexigibilidade de licitação previstas na referida lei.
2 – Tipos de Contratação Direta
A Administração Pública, de forma geral, está obrigada a realizar licitação antes de qualquer contratação de bens ou serviços. Contudo, existem situações excepcionais em que a realização de um processo licitatório seria incompatível com a promoção do interesse público e do bem-estar social. Para tais casos, a Lei nº 14.133/2021 estabelece três hipóteses de contratação direta: licitação dispensável, licitação dispensada e inexigibilidade de licitação.
A licitação dispensável, regulada pelo artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, ocorre quando é possível realizar o certame, mas o legislador opta por não torná-lo obrigatório, delegando ao administrador público a decisão de licitar ou não. Segundo Amorim (2021, p. 26), “[…] enquanto a inexigibilidade ocorre quando é materialmente impossível licitar, na licitação dispensável é possível fazer a licitação, mas por uma escolha do legislador o agente administrativo não será obrigado a fazê-lo”. Essa modalidade é aplicável quando, por meio de uma análise de custo-benefício, conclui- se que os custos do processo licitatório superam os seus benefícios ou que sua realização traria prejuízos ao interesse público.
Justen Filho (2021, p. 1006) complementa que a dispensa consagra situações em que, embora viável a competição, a lei reconhece que a licitação seria inadequada ou desnecessária, pois “[…] os custos inerentes a uma licitação superam os benefícios que dela poderiam advir, evitando o sacrifício dos interesses coletivos e supraindividuais”. Ademais, as situações em que a dispensa de licitação pode ser aplicada são taxativas e previstas em lei, como disposto no artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 e em legislações específicas, a exemplo do artigo 32 da Lei nº 9.074/1995 (Heinen, 2023, p. 585).
Por sua vez, a licitação dispensada se refere a situações em que a lei impede expressamente a realização do certame. Essa modalidade, regulada pelo artigo 76 da Lei nº 14.133/2021, abrange, principalmente, a alienação de bens públicos e outras situações vinculadas. Heinen (2023, p. 615-616) explica que a licitação dispensada configura uma vedação à realização de licitação, sendo formalizada como um ato vinculado. Justen Filho (2021, p. 1856) afirma que:
[…] os casos de dispensa de licitação do art. 76 não apresentam natureza jurídica distinta daquela contemplada no art. 75 da mesma Lei 14.133/2021. Não existem duas “espécies” de dispensa de licitação na dita Lei 14.133/2021.Reputa-se irrelevante a distinção terminológica na redação dos arts 75 e 76. É fato que o art. 76 utiliza a fórmula “licitação dispensada”, enquanto o art. 75 contempla “licitação dispensável”. Mas a diferença terminológica não implica uma distinção intrínseca. Ambas as soluções são juridicamente equivalentes, comportando tratamento jurídico similar.
A inexigibilidade de licitação configura-se como uma das modalidades de contratação direta e ocorre quando há uma inviabilidade de competição no mercado em relação ao objeto pretendido pela Administração Pública. Tal situação é caracterizada por uma singularidade do interesse público que não pode ser atendida por meio de processos licitatórios tradicionais, os quais pressupõem a concorrência entre diversos fornecedores ou prestadores de serviços. De acordo com Justen Filho (2021, p. 1619), a singularidade “[…] consiste na impossibilidade de encontrar o objeto que satisfaça o interesse público dentro de um gênero padronizado, com uma categoria homogênea”.
Nesse contexto, o dever de licitar é afastado pela ocorrência de fatores específicos que impossibilitam a competição, sendo que essa impossibilidade pode se originar de diversas circunstâncias que envolvem a própria natureza do objeto a ser contratado. A fórmula legalmente estabelecida para a inexigibilidade, prevista pela legislação, considera como fatores determinantes a inviabilidade de competição. Isto pode ocorrer por diversas razões, como a inexistência de alternativas viáveis no mercado ou quando o objeto da contratação apresenta características peculiarmente personalíssimas, que tornam a competição inadequada, ineficaz ou até mesmo prejudicial. Tais características podem envolver aspectos intelectuais, artísticos, criativos ou outras qualidades especiais requeridas do contratado.
No entendimento de Guimarães e Sampaio (2022, p. 113), a inviabilidade de competição pode ser classificada como absoluta ou relativa. A inviabilidade absoluta ocorre quando é materialmente impossível a competição, seja porque o bem ou serviço a ser contratado possui exclusividade, com a inexistência de outros fornecedores ou prestadores de serviços capazes de atender à demanda, conforme descrito no inciso I do art. 74 da Lei nº 14.133/2021.
Outra hipótese de inviabilidade absoluta ocorre quando, em razão das peculiaridades do mercado, especialmente em serviços de natureza personalíssima, a Administração Pública opta por contratar diretamente todos os interessados que preencham as condições definidas para a contratação, como previsto no inciso IV do mesmo artigo.
Por outro lado, a inviabilidade relativa, que abrange os incisos II, III e V do art. 74 da Lei nº 14.133/2021, ocorre quando existem mais de uma pessoa capaz de realizar o objeto pretendido, mas a Administração Pública não possui critérios objetivos ou meios adequados para selecionar a proposta mais vantajosa. Nesses casos, pode-se também verificar a impossibilidade de definir claramente a prestação de serviço a ser executada, o que inviabiliza a realização de uma licitação competitiva.
Embora o art. 74 da Lei nº 14.133/2021 apresente uma lista de hipóteses de inexigibilidade nos seus incisos, é importante ressaltar que tais disposições são meramente exemplificativas. A inviabilidade de competição pode ser provocada por uma gama de fatores diversos que não estão necessariamente previstos de forma exaustiva na legislação. Justen Filho (2021, p. 1615) observa que “[…] é difícil sistematizar todos os eventos que podem conduzir à inviabilidade de competição. A dificuldade é causada pela complexidade do mundo real, cuja riqueza é impossível de ser delimitada através de regras legais”. Nesse sentido, a legislação cita exemplos de situações em que se requerem conhecimentos técnicos específicos, habilidades intelectuais elevadas, criatividade e a capacidade de análise crítica ou de solução de problemas complexos.
Dessa forma, sempre que se constatar a impossibilidade de realizar uma licitação pública devido à inviabilidade de competição, estar-se-á diante de um caso de inexigibilidade, independentemente de o caso poder ou não ser enquadrado em uma das hipóteses previstas no art. 74 da Lei nº 14.133/2021. Nesses casos, a contratação deverá se basear no caput do referido dispositivo, que trata da inexigibilidade de forma geral.
Embora os incisos do art. 74 possuam uma natureza exemplificativa, é fundamental compreender que eles exercem uma função normativa restritiva, uma vez que elencam as situações mais comuns de inviabilidade de competição e, ao mesmo tempo, estabelecem os requisitos de admissibilidade que limitam a discricionariedade administrativa na aplicação da norma.
Assim, é imprescindível que, nos processos administrativos que envolvem a inexigibilidade de licitação, as circunstâncias que justifiquem a contratação direta estejam claramente demonstradas, por meio de documentação comprobatória robusta e precisa, a fim de garantir a legalidade e a transparência do procedimento adotado.
3 – Hipótese elencada no Art.74 III
De acordo com a Lei nº 14.133/2021, que estabelece as diretrizes gerais para as licitações e contratações públicas no Brasil, os serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual devem, em regra, ser submetidos a um processo licitatório. A norma preconiza que, para tais serviços, o critério de julgamento utilizado será a melhor técnica ou, alternativamente, a combinação de técnica e preço, conforme estipulado no inciso I do § 1º do artigo 36, em conjunto com o § 2º do artigo 37 da referida lei.
Além disso, a legislação veda expressamente a utilização do pregão como modalidade de licitação para a contratação desses serviços, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 29, o que evidencia a peculiaridade e a especificidade desses tipos de contratos no âmbito da Administração Pública.
No entanto, a própria Lei nº 14.133/2021 prevê situações excepcionais nas quais, apesar da regra geral da licitação, é reconhecida a inviabilidade de competição no mercado, autorizando, portanto, a contratação direta, sem a necessidade de um processo licitatório formal.
No caso dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, essa possibilidade de contratação direta é autorizada quando os serviços são prestados por pessoas físicas ou jurídicas que possuam notória especialização, conforme descrito no inciso III do artigo 74 da lei. Esse dispositivo legal caracteriza uma hipótese específica de inviabilidade relativa de competição, a qual é amplamente discutida por Guimarães e Sampaio (2022, p. 136-137), que destacam que a notória especialização é um dos requisitos fundamentais para a contratação direta desses serviços.
O conceito de notória especialização está intrinsecamente ligado à singularidade dos serviços a serem contratados e à reputação do contratado no mercado. Em termos práticos, a contratação direta desses serviços técnicos especializados será viável apenas quando a inviabilidade de competição for comprovada de forma cabal e satisfatória, observando os critérios estabelecidos no artigo 74 da Lei nº 14.133/2021. Essa inviabilidade pode ser demonstrada por fatores como a exclusividade do fornecedor ou as qualidades únicas do serviço que o tornam inapto para competição, como ocorre frequentemente com serviços de alto nível técnico ou intelectual.
O inciso III do artigo 74 da Lei nº 14.133/2021 apresenta uma listagem exemplificativa de serviços técnicos especializados que podem ser contratados diretamente, por meio da inexigibilidade de licitação, caso se comprove a inviabilidade de competição.
No entanto, é crucial destacar que essa lista não é exaustiva, ou seja, existem outros serviços que também podem ser contratados diretamente, desde que fique demonstrada a inviabilidade de competição no caso específico. Essa interpretação da norma reforça a necessidade de uma análise rigorosa e detalhada por parte da Administração Pública, que deve justificar a escolha pela contratação direta, sempre com base em critérios objetivos e transparentes. A falta dessa justificativa pode ensejar questionamentos sobre a regularidade do procedimento adotado, além de possíveis desvios de finalidade, o que comprometeria a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que regem a Administração pública.
Adicionalmente, a Lei nº 14.133/2021 exclui explicitamente da hipótese de inexigibilidade os serviços relacionados à publicidade e divulgação. Esses serviços, em razão das peculiaridades do setor publicitário, são regidos por uma legislação própria – a Lei nº 12.232/2010 – que estabelece um procedimento licitatório especializado, com o intuito de garantir maior transparência e competitividade nas contratações dessa natureza.
A exclusão de tais serviços da inexigibilidade visa assegurar que as contratações para campanhas publicitárias sejam realizadas por meio de um processo competitivo adequado, que reflita as especificidades do mercado publicitário e favoreça a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração.
O dever de licitar, conforme estabelecido pela legislação brasileira, é um dos pilares fundamentais do regime jurídico das contratações públicas, sendo essencial para garantir a isonomia entre os concorrentes e a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública. No entanto, diante das exceções expressamente previstas pela legislação, como a contratação de serviços técnicos especializados, torna-se imprescindível um estudo aprofundado dos critérios legais que justificam a inexigibilidade de licitação. Esse estudo é essencial para proporcionar maior segurança jurídica na aplicação dessa modalidade de contratação direta, assegurando que os procedimentos sejam conduzidos de forma legal, transparente e em conformidade com os princípios que regem a Administração Pública.
A Lei nº 14.133/2021, ao tratar das hipóteses de inexigibilidade no artigo 74, estabelece requisitos detalhados que a Administração Pública deve observar rigorosamente para justificar a contratação direta. Embora o dispositivo legal apresente um rol de hipóteses exemplificativas, ele exerce uma função normativa importante, ao indicar os casos mais recorrentes de inviabilidade de competição. Mesmo sendo uma lista exemplificativa, essas hipóteses possuem um caráter restritivo, o que exige que a Administração demonstre, de forma inequívoca e bem fundamentada, por meio de documentação clara e objetiva, a impossibilidade de realizar um processo licitatório convencional no caso concreto.
Além disso, o artigo 74 reforça a necessidade de que todas as contratações baseadas na inexigibilidade de licitação sejam sustentadas por critérios técnicos e jurídicos sólidos. A decisão administrativa deve ser devidamente motivada e respaldada pelas normas legais, de modo a garantir a transparência e a legitimidade do processo. Isso implica que a Administração deve comprovar documentalmente a notória especialização do contratado, bem como a inviabilidade de competição, a qual deve ser claramente evidenciada nos autos do processo administrativo.
Portanto, o estudo aprofundado das hipóteses de inexigibilidade de licitação no contexto dos serviços técnicos especializados contribui não apenas para a efetividade das contratações públicas, mas também para o respeito aos princípios fundamentais da Administração. A aplicação adequada dessas exceções, quando devidamente justificada, possibilita harmonizar a eficiência administrativa com a proteção do interesse público, assegurando contratações que atendam às necessidades da coletividade de maneira ética, transparente e juridicamente embasada.
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
(…)
contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
a)estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;
b)pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) ASSESSORIAS OU CONSULTORIAS TÉCNICAS E AUDITORIAS FINANCEIRAS OU TRIBUTÁRIAS;
d)fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e)patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f)treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g)restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
h)controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso; (grifo nosso)
Para que um serviço se enquadre na modalidade de inexigibilidade de licitação prevista na Lei nº 14.133/2021, é necessário observar uma série de requisitos claramente delineados pela legislação.
Primeiramente, o serviço a ser contratado deve constar no rol de serviços técnicos especializados, conforme explicitado no artigo 74 da referida lei. Além disso, é imprescindível que o serviço tenha natureza predominantemente intelectual e seja prestado por profissional ou empresa que possua notória especialização, conforme os parâmetros estabelecidos no § 3º do artigo mencionado.
A notória especialização é caracterizada por um conjunto de atributos que incluem a experiência prévia, estudos, publicações, organização, infraestrutura adequada e equipe técnica capacitada, entre outros aspectos que permitam afirmar que o trabalho do prestador é essencial e reconhecidamente qualificado para atender ao objeto do contrato (Lei nº 14.133/2021, art. 6º, inciso XIX).
A comprovação da notória especialização, portanto, é um requisito indispensável para a contratação direta desses serviços. Embora a legislação permita que essa especialização seja demonstrada por diversos meios, é importante destacar que a ênfase foi deslocada da exigência de singularidade do objeto, prevista na antiga Lei nº 8.666/1993, para a necessidade de comprovar que o trabalho do contratado é crucial para a execução satisfatória do contrato.
Essa mudança normativa reflete a compreensão de que a expertise do profissional ou da empresa não apenas garante o cumprimento formal do objeto contratual, mas também contribui para o enriquecimento técnico da Administração Pública, trazendo soluções mais qualificadas e seguras para os desafios a serem enfrentados.
Nesse contexto, a contratação de profissionais altamente especializados minimiza significativamente os riscos de erros ou falhas nos serviços prestados, evitando que o contrato resulte em violações da legislação aplicável e proporcionando decisões mais técnicas e fundamentadas.
Conforme afirma Justen Filho (2021, p. 975), um serviço técnico é aquele que envolve a aplicação de conhecimentos teóricos e habilidades práticas, gerando uma utilidade concreta e efetiva.
Já a especialização diz respeito à capacidade do profissional de resolver problemas complexos em uma área específica do conhecimento, possuindo habilidades que superam o nível médio dos profissionais regulares. O conceito de serviço técnico especializado, portanto, é uma combinação desses elementos, cuja finalidade é cumprir uma obrigação de fazer com um resultado diferenciado, que se distingue pela qualidade e complexidade técnica.
Apesar da clareza dos critérios estabelecidos pela Lei nº 14.133/2021, alguns doutrinadores têm observado com ressalvas a substituição da “singularidade do objeto” como critério central para a inexigibilidade de licitação. José dos Santos Carvalho Filho3, por exemplo, aponta que essa mudança pode gerar uma maior incerteza para os gestores públicos, uma vez que agora será necessário justificar a necessidade de individualização do serviço com base em características únicas e especializadas da contratação.
Nesse sentido, Bandeira de Mello4 argumenta que a notória especialização está intimamente ligada à execução de trabalhos marcados por atributos individualizadores, o que exige uma análise ainda mais criteriosa por parte da Administração Pública para garantir que a escolha do prestador esteja fundamentada em critérios claros e objetivos.
A Lei nº 14.133/2021, ao tratar da inexigibilidade de licitação, impõe três requisitos essenciais para justificar a contratação direta de serviços técnicos especializados: (i) o serviço deve ser de natureza técnica e predominantemente intelectual; (ii) o contratado deve ser um profissional ou empresa de notória especialização; e (iii) deve ser demonstrada a imprescindibilidade dessa contratação para a plena satisfação do objeto do contrato. Esse modelo jurídico exige que o
3 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Atlas, 2021, 35ª ed. P. 273. Apud, SUNDFELD, Ari Carlos. Licitação, cit, p.45
4 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Licitação, São Paulo, 1980, p. 19
gestor público apresente uma fundamentação objetiva e transparente, evidenciando a relação direta entre as características do prestador de serviços e a necessidade específica do serviço demandado pela Administração.
Diferentemente da Lei nº 8.666/1993, que exigia a singularidade do objeto5 como um critério central para a inexigibilidade, a nova legislação prioriza a demonstração de que a escolha de um profissional renomado é essencial para o alcance integral dos objetivos contratuais. Essa abordagem privilegia a qualificação do prestador e a adequação do serviço à solução de problemas específicos, com o objetivo de evitar contratações que não atendam às reais necessidades da Administração. Em casos onde o objeto do contrato for considerado comum ou possa ser atendido por profissionais sem notória especialização, a inexigibilidade de licitação não se justifica. Optar por essa forma de contratação sem atender aos requisitos legais pode resultar em afronta aos princípios da economicidade, impessoalidade e isonomia, que são pilares essenciais para a gestão pública eficiente.
No que diz respeito à notoriedade, Justen Filho (2021, p. 986) observa que ela vai além do reconhecimento interno dentro da Administração Pública ou perante o público em geral. A notoriedade está, na verdade, associada ao reconhecimento do profissional ou da empresa no âmbito da comunidade técnica ou científica em que atua, sendo esse reconhecimento um elemento crucial para justificar a contratação direta. Ou seja, a notoriedade não se limita a uma avaliação subjetiva, mas deve ser corroborada por provas concretas da competência técnica e do prestígio do prestador no seu campo de atuação.
Para que a inexigibilidade de licitação seja aplicada de forma legítima, é imprescindível realizar uma avaliação cuidadosa, não apenas das qualidades do prestador de serviços, mas também das especificidades do serviço requerido. Deve- se demonstrar, de forma clara e objetiva, que a contratação de um profissional ou empresa com notória especialização é realmente imprescindível para a plena satisfação do objeto contratual, conforme disposto no artigo 6º, inciso XIX, e no artigo 74, § 3º, da Lei nº 14.133/2021. Em outras palavras, a Administração Pública deve apresentar argumentos técnicos e jurídicos sólidos que evidenciem a necessidade de recorrer a esse prestador especializado, demonstrando que a escolha é a mais adequada para a execução do contrato.
5 Um serviço de natureza singular é aquele que é complexo, específico e diferenciado em relação a outros do mesmo gênero, não sendo, portanto, comum ou rotineiro. Devido às suas características particulares, tais serviços exigem não apenas qualificação legal e conhecimento especializado, mas também criatividade, engenho e qualidades pessoais que não podem ser julgadas objetivamente. Isso torna a competição inviável, pois não é possível definir critérios para o julgamento objetivo de propostas inerente ao processo licitatório (Enunciados dos Acórdãos TCU 2993/2018-Plenário e 8110/2012-Segunda Câmara; TCE-SP, TC 133.537/026/89, apud Tribunal de Contas da União, 1998, p. 50).
Heinen (2023, p. 574) destaca que a necessidade pública a ser atendida deve ser diferenciada, incomum ou excepcional. Serviços rotineiros ou aqueles que podem ser executados por profissionais comuns não são passíveis de contratação por inexigibilidade, pois a figura jurídica da inexigibilidade está intrinsecamente vinculada à singularidade do interesse público envolvido e à exclusividade técnica do objeto contratado. Isso implica que, para justificar a inexigibilidade, o serviço contratado deve ser realmente distinto, complexo e demandar um nível de especialização que não pode ser atendido por profissionais ou empresas genéricas ou sem notória especialização.
Por fim, é fundamental compreender que a avaliação da técnica empregada e da habilidade do prestador de serviços é interdependente6, tornando a análise subjetiva essencial para a caracterização da inexigibilidade. A impossibilidade de comparar propostas de maneira objetiva, devido à dependência das qualificações pessoais e especializadas do contratado, é precisamente o que inviabiliza a licitação.
Dessa forma, a aplicação da inexigibilidade de licitação, nesse contexto, deve ser cuidadosamente fundamentada, respeitando os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, assegurando que o interesse público seja plenamente atendido e que a contratação seja realizada de forma transparente e justificada, sem prejudicar a competitividade ou a isonomia no processo.
Neste sentido, explica o TCU:
Súmula no 264/2011 – A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação […].
As contratações de consultoria e assessoria em licitações, quando realizadas pela Administração Pública, demandam uma abordagem diferenciada e específica, considerando as peculiaridades desses serviços. Essas contratações envolvem serviços que, em sua essência, são altamente dependentes da atuação direta e individualizada do profissional ou da empresa contratada.
6 Súmula-TCU 39, voto do Acórdão 2616/2015-TCU-Plenário, parágrafos 35 a 37
Entre as características que tornam esses serviços distintos, destacam-se a expertise específica, as habilidades táticas, o profundo conhecimento técnico do domínio em questão, o reconhecimento notório no campo de atuação e, sobretudo, a confiança depositada na capacidade do prestador de serviços. Tais qualidades conferem uma singularidade clara ao prestador, o que torna sua contratação por meio de inexigibilidade de licitação uma opção justificada e pertinente.
Essas peculiaridades, por sua vez, caracterizam uma situação de inviabilidade de competição, pois torna-se impossível realizar uma comparação objetiva entre os potenciais prestadores de serviço e as propostas que eles oferecem.
A complexidade e especificidade dos serviços de consultoria e assessoria exigem uma avaliação detalhada, que leve em consideração tanto as características do prestador de serviço quanto as do próprio serviço solicitado. Quando o serviço não requer um elevado nível de especialização, sendo rotineiro ou comum, a contratação direta via inexigibilidade não é adequada.
Nesses casos, tal forma de contratação pode representar uma violação aos princípios constitucionais da economicidade, impessoalidade e isonomia, que buscam assegurar a seleção da proposta mais vantajosa e o tratamento igualitário entre os concorrentes.
Por outro lado, a contratação por inexigibilidade se justifica plenamente quando o serviço em questão demanda uma técnica específica e habilidades exclusivas que não podem ser substituídas por outros profissionais sem o mesmo nível de qualificação. Isso é particularmente verdadeiro no contexto dos serviços de assessoria e consultoria em licitações, onde a eficácia e a qualidade do resultado dependem diretamente do nível de especialização do contratado, além da confiança que este gera na Administração. O grau de especialização e a capacidade do prestador de compreender e aplicar as nuances das licitações públicas são elementos que não podem ser facilmente comparados com outros profissionais, reforçando a inviabilidade de um processo licitatório tradicional.
A escolha do prestador de serviços situa-se dentro do poder discricionário do gestor público, que deve demonstrar, de forma clara e objetiva, que a escolha recaiu sobre um prestador com notória especialização em sua área de atuação. A justificativa para essa escolha deve ser embasada em atributos específicos do prestador, como habilidades técnicas de alto nível, experiência comprovada, reconhecimento no mercado e a capacidade de executar o serviço de forma eficiente e com qualidade. Esses elementos são essenciais para garantir que a contratação atenda de forma satisfatória à necessidade pública e seja compatível com os princípios da administração pública.
Adicionalmente, a Lei nº 14.133/2021, em seu artigo 74, § 4º, estabelece uma exigência importante para as contratações realizadas por inexigibilidade: a proibição de subcontratação ou de envolvimento de profissionais que não tenham sido aqueles responsáveis pela justificativa da inexigibilidade. Essa regra reforça a natureza personalíssima da contratação, que depende da confiança depositada diretamente na empresa ou no profissional com notória especialização. Sendo assim, a subcontratação ou a mudança de profissionais durante a execução do serviço poderia comprometer a qualidade e a eficácia do trabalho, além de violar o princípio de que o prestador de serviços deve ser aquele cuja qualificação justificou a escolha da Administração Pública.
Portanto, as contratações de consultoria e assessoria em licitações, embora excepcionais, são uma prática permitida e necessária para a Administração Pública, especialmente quando os serviços demandam um nível de especialização e competência que só pode ser oferecido por profissionais altamente qualificados e reconhecidos em sua área. No entanto, para garantir que essas contratações sejam realizadas de forma legal e adequada, é fundamental que a Administração pública fundamente suas escolhas com base em critérios objetivos, assegurando que a inexigibilidade de licitação se justifique pela verdadeira necessidade de um serviço especializado e não rotineiro, preservando sempre os princípios da legalidade, eficiência e moralidade administrativa.
Ademais, o preço da contratação deve ser não apenas justificado, mas também demonstrada sua razoabilidade, levando em consideração as características do serviço a ser prestado, bem como o grau de especialização do contratado. A justificativa do preço deve ser fundamentada em uma análise comparativa entre o valor ofertado e aqueles praticados pelo mesmo prestador de serviços em outras contratações, sejam elas realizadas com entes públicos ou privados. Para que essa comparação seja válida, é imprescindível que os objetos das contratações em questão sejam idênticos ou, ao menos, semelhantes7, a fim de garantir que a diferença de preço não seja decorrente de variações nos requisitos ou complexidade do serviço.
Essa exigência, que visa assegurar a transparência e a conformidade com os princípios da Administração Pública, foi claramente reafirmada pelo Acórdão nº 2621/20228 do Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), que destacou a importância de a Administração Pública justificar adequadamente a contratação com base na razoabilidade do preço. No julgamento do referido acórdão, foi citada a orientação do Ministro Roberto Barroso, que, ao se pronunciar na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 45, ressaltou que o controle da legalidade das contratações públicas não se limita apenas ao cumprimento dos requisitos formais da licitação, mas também à verificação da compatibilidade do preço com os parâmetros de mercado.
“8. Contratação pelo preço de mercado. Mesmo que a contratação direta envolva atuações de maior complexidade e responsabilidade, é necessário que a Administração Pública demonstre que os honorários ajustados encontram-se dentro de uma faixa de razoabilidade, segundo os padrões do mercado, observadas as características próprias do serviço singular e o grau de especialização profissional. Essa justificativa do preço deve ser lastreada em elementos que confiram objetividade à análise (e.g. comparação da proposta apresentada pelo profissional que se pretende contratar com os preços praticados em outros contratos cujo objeto seja análogo)”
Segundo o entendimento do Ministro Barroso, o preço praticado nas contratações públicas deve refletir a justa compensação pelos serviços prestados, sem causar onerosidade excessiva à Administração Pública, mas também sem subestimar a qualidade ou o valor do serviço contratado.
A comparação do valor ofertado com o praticado em outras contratações semelhantes contribui para garantir que o preço esteja dentro dos limites razoáveis, evitando a ocorrência de superfaturamento ou de contratações a preços incompatíveis com o mercado. Essa análise comparativa é, portanto, uma ferramenta essencial para que se possa avaliar a adequação e a justificação do valor proposto, assegurando a economicidade e a eficiência na gestão dos recursos públicos.
7 Lei 14.133/2021, art. 23, § 4º, IN – Seges/ME 65/2021, art. 7º, §§ 1º e 2º, enunciado do Acórdão 2993/2018- TCU-Plenário.
8 Acórdão 2621/2022 – Plenário. Relator Weder de Oliveira. Data da sessão. 30/11/2022. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/KEY:%22ACORDAO-COMPLETO- 2526706%22/DTRELEVANCIA%20desc,%20NUMACORDAOINT%20desc/0
A justificativa do preço em contratações públicas deve ser respaldada por uma comparação rigorosa com outros valores praticados em serviços semelhantes, o que permite garantir que o preço ofertado seja condizente com a realidade do mercado e com o grau de especialização exigido para a execução do serviço. A exigência de fundamentação clara e objetiva nesse sentido é uma medida que contribui para o aprimoramento da transparência e da integridade nas contratações públicas, alinhando-se aos princípios da Administração Pública, como a legalidade, eficiência e moralidade.
Dessa forma, a contratação por inexigibilidade não pode ser entendida como uma simples escolha discricionária do gestor público, mas, ao contrário, demanda a observância de critérios rigorosos e objetivos estabelecidos pela legislação. A inexigibilidade de licitação, conforme preconizado pela Lei nº 14.133/2021, requer a comprovação da notória especialização do contratado, evidenciando que este possui competência técnica e reconhecimento no campo de atuação necessário para atender de maneira eficiente às necessidades da Administração Pública. Essa comprovação deve ser realizada de forma transparente, apresentando dados e elementos que justifiquem a exclusividade ou a singularidade do serviço a ser prestado.
Além disso, a contratação por inexigibilidade requer que o serviço contratado esteja claramente alinhado às necessidades específicas da Administração, de forma que a escolha do prestador seja a mais adequada para a solução do problema em questão. A adequação do serviço envolve a análise criteriosa das características técnicas do objeto a ser contratado e a avaliação de como o prestador selecionado pode atender a essas demandas de maneira diferenciada e eficiente. Não se pode optar pela inexigibilidade apenas com base em conveniência ou por critérios subjetivos, sem uma justificativa objetiva e concreta que demonstre a incompatibilidade da licitação com a natureza do serviço requerido.
Outro requisito fundamental é a justificativa razoável do preço, que deve ser claramente demonstrada de acordo com os valores praticados no mercado para serviços semelhantes. A Administração Pública deve ser capaz de comprovar que o preço acordado é compatível com o valor de mercado, o grau de especialização do prestador e a complexidade do serviço prestado. Essa justificativa não apenas protege os cofres públicos, mas também garante a observância do princípio da economicidade, assegurando que os recursos sejam aplicados de maneira eficiente, sem onerar desnecessariamente a Administração.
Esses critérios estão intimamente ligados à necessidade de garantir a transparência e o respeito aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a eficiência. A inexigibilidade de licitação, sendo uma exceção à regra da obrigatoriedade da licitação, deve ser aplicada com cautela e de forma restritiva, de modo a evitar que essa modalidade de contratação seja utilizada de maneira indevida ou para fins alheios ao interesse público. Dessa forma, o cumprimento rigoroso desses critérios é essencial para assegurar que a contratação direta seja justificada, transparente e adequada às reais necessidades da Administração, preservando a integridade do processo e a confiança da sociedade na gestão pública.
4 – Considerações Finais
A Lei nº 14.133/2021 trouxe avanços significativos ao regime de contratações públicas, especialmente no que se refere à inexigibilidade de licitação para serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual. Este estudo ressaltou a viabilidade da contratação direta de serviços de assessoria e consultoria em licitações, fundamentada no artigo 74, inciso III, alínea “c” da nova legislação. Tais serviços são indispensáveis para apoiar a Administração Pública em demandas que exigem alta qualificação técnica.
Devido ao caráter técnico e especializado desses serviços, a escolha do prestador demanda certo grau de discricionariedade. Compete ao gestor público demonstrar que a opção recaiu sobre um profissional ou empresa de notória especialização, cujas competências e atributos específicos se alinham às necessidades do caso concreto. Essa decisão deve ser sustentada por critérios objetivos e documentação robusta, evidenciando que a contratação atende de forma precisa ao interesse público.
A nova legislação desloca o foco da singularidade do serviço, exigida pela antiga Lei nº 8.666/1993, para a qualificação do contratado. Essa mudança reforça a importância de comprovar a notória especialização do prestador, alinhando-se aos princípios da legalidade, transparência e eficiência que regem a Administração Pública.
A contratação direta, prevista no artigo 74, inciso III, não é uma exceção arbitrária, mas um mecanismo legítimo e necessário em situações onde a competição no mercado é inviável. Aplicada de forma criteriosa e fundamentada nos requisitos legais, essa modalidade possibilita à Administração Pública atender a demandas complexas de maneira ágil e eficaz, sem comprometer os princípios constitucionais que asseguram a gestão responsável dos recursos públicos.
Portanto, a contratação de serviços de assessoria e consultoria em licitações, por meio da inexigibilidade de licitação, não só se encontra em plena conformidade com o ordenamento jurídico vigente, mas também se apresenta como a solução mais eficaz e adequada para atender ao interesse público nas hipóteses descritas. A seleção do prestador deve considerar suas características pessoais e profissionais, essenciais para garantir a qualidade e a eficácia requeridas para o pleno desenvolvimento da atividade. Reitera-se que essa prática deve ser acompanhada de rigorosa motivação e justificativa, assegurando transparência e alinhamento integral com o interesse público.
Referências
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Súmula-TCU 39, voto do Acórdão 2616/2015-TCU-Plenário, parágrafos 35 a 37.
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acessado em 30/11/2024
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GARCIA, Flávio Amaral. A arbitragem na administração pública estadual e o decreto do Rio de Janeiro. Revista Eletrônica OAB/RJ. Edição Especial de Infraestrutura, 2021. Disponível em: https://revistaeletronica.oabrj.org.br/wp- content/uploads/2019/12/6.-Fl%C3%A1vio-Amaral-convertido.pdf. Acesso em 30/11/2024.
1 Graduado em Educação Física pela Faculdade Santa Rita (2007); Pós Graduado em Docência do Ensino Superior Pela Universidade Gama Filho (2008), Pós Graduado em Licitações e Contratos pela Faculdade Unyleya (2022), Pós Graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Iguaçu (2024) Graduando do 6º Período do Curso de Direito, do Fundação Presidente Antônio Carlos de Conselheiro Lafaiete – Unipac. E-mail: alvaromlana@gmail.com