CUMPRIMENTO DE SENTENÇA EM LOCAIS DOMINADOS PELO TRÁFICO DE DROGAS

COMPLIANCE WITH SENTENCE IN PLACES DOMINATED BY TRAFFICKING

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202501121105


Phelipe Magalhães da Costa Mattos


Resumo

A presente produção textual versa sobre a ineficácia do Estado em fazer cumprir as sentenças em áreas dominadas pelo tráfico de drogas ante o alto grau de periculosidade. Em sua grande maioria, por motivo de preservação da sua integridade física, oficiais de justiça declinam seu oficio e, eventual direito reconhecido em sede de sentença acaba por não surtir efeito na prática, não porque não houve o reconhecimento do judiciário, mas sim pela falta de controle e mecanismos do Estado que possibilitam os servidores adentrarem nas regiões e cumprir os mandados de intimação. Nesse sentido, conclui-se que, a justiça brasileira encontra-se presente de fato apenas em locais na qual poder estatal ainda possui condão de mando, moradores e detentores de direitos que se encontram em área de risco acabam por desconhecer os efeitos da justiça.

Palavras-chave: Cumprimento de sentença. Estado. Efeitos. Integridade física.

Abstract

This textual production deals with the inefficiency of the State in enforcing sentences in areas dominated by drug trafficking due to the high degree of dangerousness. For the most part, for reasons of preserving their physical integrity, court officials decline their duties and, any right recognized in a sentence ends up having no effect in practice, not because there was no recognition from the judiciary, but rather because of the lack of State control and mechanisms that enable civil servants to enter the regions and comply with intimidation mandates. In this sense, it is concluded that Brazilian justice is in fact only present in places where state power still has control, residents and rights holders who are in risk areas end up being unaware of the effects of justice.

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, milhões brasileiros sofrem com o tráfico de drogas que assola todo o Rio de Janeiro, tal infortúnio não se limita apenas na ausência segurança pública como também na difícil presença do Estado em regiões dominadas pelo tráfico. Em muitos casos, o acesso encontra-se restrito por barricadas, principal indicador de área de risco, trazendo consigo a falta da presença do poder do estatal e a ausência do exercício regular de direitos dos cidadãos residentes na região.

A responsabilidade pelo avanço do tráfico de drogas não se restringe apenas ao chefe de segurança pública, como também na inércia do poder legislativo em discutir e aprovar leis com caráter de equidade à população brasileira de acordo com as necessidades locais e socias que surgem no decorrer dos anos.

O resultado da omissão reflete principalmente no descumprimento das ordens judiciais, em razão dá ausência de ciência do ato dado pelo oficial de justiça ou por falta de poder coercitivo para fazer cumprir as decisões dos magistrados, nesse último caso, podemos utilizar como exemplo a ação de despejo, havendo negativa do inquilino em sair do imóvel de forma voluntária, há necessidade do agente policial a fim de fazer cumprir a ordem judicial.

O presente estudo traz à tona esse problema jurisdicional que tem como consequências no devido processo legal das ações ante a dificuldade de adentrar nos endereços das partes, sentenças que demoram anos a serem proferida e que acabam por ser uma mera expectativa de direito, guardada no fundo da gaveta.

Como fica as ordens a serem cumpridas nas regiões dominadas pelo tráfico que não há presença do poder de polícia?

Cumpre esclarecer que, a definição de acesso à justiça não se limita apenas no direito do cidadão peticionar o seu direito ao Poder Judiciário, e sim, do Estado em garantir o acesso à ordem jurídica justa.

Na prática, os oficiais de justiça anexam uma declaração de cunho padrão na qual informa a necessidade de se realizar uma mega operação a fim de concretizar o ato de intimação ou outros fins, e no final deixa de cumprir o seu oficio em razão da preservação da sua integridade física.

A situação é tão grave que, quando os Oficiais de Justiça pedem auxílio as Polícias Civil e Militar para cumprimento dos mandados, a resposta é de que não há como adentrar nas comunidades, ainda que por meio de uma operação policial, pois, a presença no local de uma única viatura policial, poderia gerar um confronto armado entre os agentes públicos e traficantes de drogas que controlam o acesso no local.

Ou seja, o cidadão fica condicionado a ver ser direito aplicado apenas após retomada da região pelo estado, muitos processos ficam estagnados, e, em sua grande maioria, ao final, não há mais objeto da ação a ser cumprido em razão do decurso do tempo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A execução de uma sentença é regulamentada nos artigos 513 a 538 do Código de Processo Civil. Esse procedimento é pertinente quando a obrigação resulta de uma decisão judicial e demanda a sua execução coercitiva, caso o devedor não atenda ao comando judicial de forma voluntária.

Se a parte intimada não obedecer, dentro do prazo legal, à determinação do juiz, os parágrafos 1 e 2 do artigo 536 do CPC preveem formas de garantir o cumprimento da ordem.

Em inúmeras situações, o que ocorre é que, devido a essa dificuldade em assegurar o cumprimento, o juiz determina que a parte interessada seja convocada para apresentar os meios ou métodos que considera adequados para a execução. Assim, o processo se transforma em um verdadeiro limbo jurídico, em virtude das várias dificuldades enfrentadas pela parte no caso.

Diante do aumento significativo das áreas dominadas pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro, a atuação do Estado se vê progressivamente enfraquecida, reduzindo seu espaço de ação e controle em benefício dos direitos dos cidadãos.

Motivo pelo qual o juiz encerra o processo conforme o artigo 485 do CPC, resultando na impossibilidade do interessado de perceber a concretização de seu direito. 

Conforme dados do grupo de estudos dos novos ilegalismos (GENI) da universidade Federal Fluminense: ‘Enquanto as milícias apresentaram redução de 19,3%, o Terceiro Comando Puro (TCP) redução de 13% e a facção Amigos dos Amigos (ADA) reduziu 16,7%, o Comando Vermelho (CV) foi o único grupo armado a avançar 8,4% seu domínio entre os anos de 2022 e 2023.

Com isso, as milícias, que em 2021 e 2022 eram o grupo armado com o maior domínio territorial, foram ultrapassados pelo do Comando Vermelho que, em 2023, concentrou 51.9% dos territórios controlados por grupos armados na região metropolitana do Rio de Janeiro.

Ao todo, de 2.565,98 km² de área urbana habitada da região metropolitana do Rio de Janeiro (retiradas a cobertura vegetal, áreas rurais e bacias hidrográficas), 18,2% esteve sob o domínio de algum grupo armado em 2023. Em 2008, as áreas dominadas representavam 8,8%. Isso significa que nos últimos 16 anos a área da região metropolitana do Rio de Janeiro sob controle de grupos armados dobrou (crescimento de 105.73%).

Em 16 anos, as áreas urbanas sob influência de grupos armados, traficantes e milicianos, na região metropolitana do Rio de Janeiro, passaram de 8,7% para 20% do território, aumento de 131% entre os triênios 2006-2008 e 2019-2021.

O domínio da milícia passou de 23,7% para 49,9% dessas áreas no mesmo período, o que corresponde atualmente a 38,8% da população sob influência de grupos armados, contra 22,5% em 2008. Considerando a área total sob influência da milícia, o crescimento no período foi de 387,3%, passando de 52,6 quilômetros quadrados (km²) para 256,28 km², o que corresponde a 10% de toda a área territorial do Grande Rio ’’

Neste contexto, conclui-se que, há uma tendência crescente de áreas onde o Estado não tem acesso. No entanto, observa-se uma falta de ação por parte dos três poderes em relação à assistência a esses cidadãos que vivem em regiões com uma alta concentração de pessoas, as quais se encontram desassistidas diante da influência do tráfico de drogas na região.

4. RESULTADO E DISCUSSÃO

A decisão proferida pelo juiz é considerada um dos atos mais significativos de sua atuação, razão pela qual é designada como ato jurisdicional de grande relevância. É essa decisão que permite à jurisdição exercer sua função fundamental, que é a de interpretar o direito em cada situação concreta. Além disso, a eficácia do sistema judiciário depende quase que totalmente do êxito dessas decisões.

 No entanto, essa perspectiva não se aplica com a mesma intensidade nas favelas, pois mesmo os processos que avançam além da citação, resultando em sentenças favoráveis, enfrentam dificuldades em sua execução.

A maior parte das ações se refere a questões familiares, principalmente envolvendo divórcios e a não quitação da pensão alimentícia estipulada judicialmente. O responsável pelo pagamento que reside na favela tem plena consciência de que a falta de pagamento da pensão raramente resultará em prisão ou apreensão de bens, já que as forças de segurança e os oficiais de justiça costumam encontrar obstáculos para executar mandados em áreas controladas por traficantes armados.

A situação observada no conjunto de favelas levanta uma reflexão sobre a abrangência do princípio da efetividade no Processo Civil contemporâneo, especialmente no que diz respeito à execução. Não é mais viável discutir o acesso à justiça sem garantir uma decisão justa que, acima de tudo, transforme o direito material reconhecido no processo em uma realidade para aqueles que buscam a proteção judicial.

 Considerado um corolário do devido processo legal e um princípio de ampla abrangência, o princípio da efetividade deve ser visto como um recurso essencial na busca pela pacificação social. o litigio não é apenas um mero procedimento. O processo deve, principalmente, corresponder às expectativas da sociedade, sendo necessário que seja realizado de maneira rápida e acessível. O artigo 5º da LINDB, uma norma considerada de sobre direito, apoia esse entendimento ao estipular que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Com base nessa lógica, um processo será ideal para uma sociedade se todos os direitos garantidos pelo sistema jurídico forem efetivamente realizados, e especialmente se ocorrer de maneira mais eficiente e ágil, com um menor uso de tempo e recursos, sempre orientado por uma preocupação social.

Em outras palavras, para promover a efetividade, é fundamental considerar não apenas o âmbito jurídico, mas também a realidade social e política, uma vez que a efetividade deve ser abrangente, alcançando todos os processos em um panorama geral.

O princípio da efetividade não é explicitamente previsto por lei, mas sua presença é inegável. Não se pode desconsiderar o elevado grau de normatividade desse princípio, que é visto por muitos como um princípio processual ou até mesmo um direito fundamental constitucionalmente assegurado, pois está ligado ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, conforme indicado no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988.

É importante destacar que, quanto à sua aplicação, o princípio da efetividade pode ser aplicado tanto na criação de leis quanto no momento da sua execução, que é realizada pela administração pública em geral e pelo judiciário em casos específicos que são levados a sua análise.

Após a análise de um litígio pelo Poder Judiciário e a prolação de uma sentença que transita em julgado, o direito material reconhecido no processo deve ser mantido e, acima de tudo, tornado efetivo de forma rápida. Muitas vezes, os residentes de áreas desfavorecidas que entram com ações judiciais saem insatisfeitos com o resultado do processo, pois, mesmo com uma decisão judicial em mãos, o problema persiste; pensões não são pagas e horários de visita não são cumpridos.

Essa inadequação gera uma percepção muito negativa do Poder Judiciário entre a população dessa localidade. O número de pessoas que recorre à justiça já é pequeno, devido a todas as barreiras anteriormente mencionadas e, ao buscar, nem sempre seus direitos são efetivados, o que resulta em uma sensação de impotência em relação à justiça. É importante lembrar que a proclamação ou declaração de direitos já está contida na legislação, embora grande parte dessa população atendida nem sequer tenha conhecimento deles.

No entanto, o que se espera realmente da atuação jurisdicional é a efetivação dos direitos, ou seja, o cumprimento da decisão proferida.

5.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, tem-se dado atenção às análises que abordam os princípios estabelecidos no Direito Constitucional e suas conexões com outras áreas jurídicas. A Constituição, que é a norma superior do nosso sistema legal, projeta seu conteúdo sobre a legislação infraconstitucional, a qual, por ser hierarquicamente inferior, não pode contrariar o que está previsto na Carta Magna. As normas constitucionais, assim, têm um caráter imperativo.

A desobediência a elas, seja por ato ou omissão, requer reparação por meio de mecanismos que garantam a proteção dos direitos, tanto individuais quanto coletivos. Portanto, o Direito Processual deve incorporar os valores promovidos pela Constituição. Esse modo de pensar se reflete na doutrina brasileira da efetividade, que representa uma facetada do constitucionalismo contemporâneo no Brasil. Essa corrente de pensamento busca aplicar as normas constitucionais em sua plena força e abrangência, garantindo, assim, sua efetividade.

Para que os objetivos desse enfoque jurídico se concretizem, é essencial estabelecer conexões com diversas áreas do saber, como sociologia, filosofia, ciência política e psicologia, entre outras. O Direito, enquanto regulador das relações sociais, não pode ignorar as realidades dos indivíduos. É fundamental que ele preste atenção à complexidade que os fatos trazem e que desenvolva sua própria compreensão a partir do diálogo entre diferentes disciplinas.

Um aspecto crucial a ser considerado para que os direitos sejam efetivos refere-se às políticas públicas. Essa área de atuação do Estado está profundamente ligada à estrutura institucional, aos seus valores, além de suas formas de organização e funcionamento, conforme definido na Constituição. Por meio das políticas públicas e também da jurisdição, cabe ao Estado zelar pelos direitos previstos em nosso ordenamento jurídico.

As políticas públicas, assim como os princípios e as normas do nosso sistema jurídico, têm se mostrado inadequadas para garantir a efetivação de direitos, como evidenciado ao longo deste estudo.

As barreiras para o acesso à justiça, seja pela dificuldade em realizar atos de comunicação processual ou pela incapacidade de cumprir sentenças, dificultam a realização desses direitos.

Uma rede complexa de interesses permeia a atuação estatal, carregando consigo um histórico de patrimonialismo. Essas características histórico-sociais moldaram nossa sociedade e impactam nossas legislações, assim como a divisão e as práticas sociais.

A relação entre membros dos três poderes e determinados grupos de poder econômico resulta em uma escolha de políticas públicas que favorecem os interesses desses grupos. Falta vontade política para assegurar os direitos de segmentos da população que enfrentam dificuldades financeiras.

Não existem regras suficientes para todas as circunstâncias, e há situações em que o conflito de princípios impede uma resposta clara e definitiva.

A partir dessas reflexões, podemos criar um parâmetro que nos permita avaliar a eficácia dos direitos estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro.

No entanto, o drama apresentado só pode ser corrigido pelo próprio Estado, que deve reconhecer seus erros ou omissões. Assim, o que foi exposto neste trabalho tem um caráter quase jornalístico, atuando como uma descrição de um problema complexo. Contudo, a mensagem foi enviada ao vasto oceano.

O momento atual da sociedade brasileira especificamente carioca passa por embate entre os julgados proferidos na suprema corte àquilo emanado pela Carta Magna.

As leis constitucionais possuem caráter e objetivos, a não observância de tais, seja por ação ou omissão, deve ser analisada sob a ótima de mecanismos ide tutela individual ou coletiva de direito., respeitando os ditames constitucionais.

Esse entendimento está previsto na Constituição federal de 1988 na qual deve-se observar a efetividade da aplicação do direito, com intuito de aplicação máxima intensidade e extensão de forma ampla.

Todavia, deve-se atentar que, para solução de tais problemas, devemos analisar outras áreas que fazem parte da ciência humana, como a sociologia, filosofia, ciência política, psicologia etc.

6. REFERÊNCIAS

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MEDINA, José Miguel Garcia. Execução: Teoria Geral, Princípios Fundamentais, Procedimento no Processo Civil Brasileiro. 2. ed. e-book baseada na 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2022. Bibliografia: ISBN 978-65-5614-525-9

TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua extensão aos deveres de entrega de coisa ( CPC, art. 461 e 461-A; CDC, art. 84). 2 ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003

GENI, grupo de estudos dos novos ilegalismos.. Projeto mapa histórico de grupos armodos no Rio de Janeiro. UFF Universidade Federal Fluminense. 2024. Disponível em: https://geni.uff.br/2024/06/04/atualizacao-do-mapa-historico-dos-grupos-armados/

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