NUANCES OF PARENTING: USUFRUCT AND ASSET ADMINISTRATION, CONSIDERATIONS OF THE LARISSA MANOELA CASE UNDER CIVIL LAW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202412312142
Maria Vitória Rocha Pinheiro
RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar como a jurisprudência pátria, bem como a legislação de proteção à infância e à juventude, abordam o abuso parental ou de responsáveis legais nas decisões que impactam na vida administrativo-financeira de filhos menores de idade, no âmbito do direito civil. Trata-se de uma pesquisa que se apoia na abordagem qualitativa, do tipo bibliográfica e documental, e tem como referências Diniz (2011) e Gonçalves (2010). É um estudo organizado em três seções que buscam responder de que maneira a legislação brasileira assegura o direito patrimonial dos filhos menores de idade. De acordo com os resultados obtidos, pôde-se concluir que no âmbito da legislação brasileira não há norma legal específica que delimite o usufruto e administração dos bens do provedor menor de idade, uma vez que não há previsão expressa quanto ao dever de prestação de contas pelos genitores.
Palavras-chave: Poder Familiar; Usufruto; Administração de Bens; Direito Civil.
ABSTRACT
The objective of this article is to analyze how internal jurisprudence, as well as legislation protecting children and youth, addresses parental or legal guardian abuse in decisions that impact the administrative-financial life of minor children, within the scope of civil law. This research is based on a qualitative approach of a bibliographic and documentary type, and has Professors Maria Helena Diniz and Carlos Gonçalves as references. It is a study organized into three sections that seek to answer how Brazilian codification ensures the property rights of minor children? According to the results obtained, it was possible to conclude that within the scope of the national body of law there is no guarantee of the underage provider’s own usufruct, since there is no express provision regarding the duty of accountability by the parents.
Keywords: Family Power; Usufruct; Asset Management; Civil Law.
1 INTRODUÇÃO
A Rede Globo de Comunicação, por meio de seu canal nacional de televisão, exibiu nos dias 13 e 20/08/2023, uma reportagem com a atriz e cantora brasileira Larissa Manoela e a gestão administrativo-financeira coordenada por seus genitores. A matéria trata acerca do rompimento empresarial e pessoal entre a artista e seus pais, levantado questionamentos quanto ao gerenciamento dos bens patrimoniais de Larissa Manoela, desde criança até os seus 22 anos.
Em função das diferentes narrativas, o artigo analisa o posicionamento da doutrina e jurisprudência pátria, bem como da legislação civil, quanto às implicações jurídicas do abuso parental ou de responsáveis legais, no que tange às decisões relativas a administração dos bens da criança ou do adolescente, a partir da construção hipotética do caso processual, mediante as informações públicas, contidas nas entrevistas e notícias vinculadas, haja vista que, em razão do sigilo processual, não foi possível obter a ação pleiteada.
Destaca-se a relevância do presente estudo, uma vez que observou-se, na doutrina e jurisprudência brasileira, um número reduzido de discussões concernentes à problemática. Contudo, em função do potencial argumentativo dos institutos civis supracitados, as normativas vigentes compreendem mecanismos para ponderações de relevância social e científica acerca da temática, objetivando compreender de que forma a ausência de legislação específica, no âmbito da administração de bens de crianças e jovens, contribui para o abuso de direito no exercício do poder familiar?
A presente pesquisa foi elaborada utilizando procedimento metodológico de revisão bibliográfica, com uso de fontes primárias e secundárias, tendo como respaldo teórico Diniz, 2011 e Gonçalves, 2010, assim como material documental, a título de termos legais e normativos, a exemplo do Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, adotou-se o método de pesquisa, haja vista que o caso transcorreu enquanto a atriz ainda era menor, ou seja, tramita em segredo de justiça, logo este foi hipoteticamente reconstruído, em especial, a partir da entrevista citada a priori.
Deste modo, é possível perceber que a discussão sobre a garantia dos direitos individuais dos menores de idade, no contexto das decisões relacionadas à carreira, promoveu reflexões sobre a necessidade de equilíbrio entre o exercício do poder familiar e a autonomia e proteção dos bens do jovem em formação, suscitando percepções acerca de quais providências poderiam ser adotadas, para resolução de eventuais imbróglios da pessoa em questão.
2 ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DO MENOR DE DEZOITO ANOS: PROPRIEDADE OU USUFRUTO
Na trajetória parental, um intrincado labirinto de responsabilidades e decisões se desdobra diante dos pais. Mas, além da obrigação intrínseca de criar e educar uma nova geração, surge outra questão igualmente crucial: o usufruto e a administração dos bens familiares. Esta interseção entre parentalidade e patrimônio é o cerne do estudo, no qual explorar-se-á as nuances frequentemente subestimadas desse relacionamento multifacetado. Na evolução da parentalidade, um delimitador de responsabilidades e decisões recaem sobre a imagem dos pais, detentores de todos os bens no quesito do Poder familiar.
Enquanto a figura da parentalidade evoca imagens de amor incondicional, orientação e educação, o aspecto financeiro dessa jornada frequentemente permanece oculto. No entanto, a gestão das finanças é crucial para o bem-estar da família e o futuro das gerações. Para equilibrar as obrigações de cuidar dos filhos com a gestão eficaz do patrimônio, os pais devem adotar uma abordagem estratégica e informada. É essencial que os pais planejem e monitorem seus gastos com cuidado. Estabelecer um orçamento familiar pode ajudar a garantir que as necessidades dos filhos sejam atendidas sem comprometer a estabilidade financeira. Isso inclui não apenas as despesas diárias, mas também o planejamento para emergências e investimentos em educação e saúde, que são fundamentais para o desenvolvimento dos filhos.
Além disso, as decisões financeiras dos pais afetam diretamente a dinâmica familiar. A estabilidade monetária pode proporcionar um ambiente mais seguro e tranquilo, permitindo que os pais se concentrem mais na educação e no bem-estar emocional dos filhos. Por outro lado, dificuldades financeiras podem gerar estresse e conflitos, impactando negativamente as relações familiares. Portanto, é importante que os pais se eduquem financeiramente e busquem orientação profissional quando necessário para tomar decisões informadas e equilibradas.
Essas são questões que permeiam a experiência parental e que, muitas vezes, exigem uma compreensão profunda e reflexão cuidadosa.
No âmbito jurídico, a gestão dos bens de menores de dezoito anos assume uma complexidade significativa. A dicotomia entre propriedade e usufruto surge como um elemento crucial de análise nesse contexto. A tomada da decisão apropriada, visando evitar complicações futuras, demanda uma análise criteriosa de aspectos legais e financeiros, com ênfase no bem-estar da criança como provedora. A ponderação desses elementos é essencial para assegurar uma administração que respeite tanto os direitos do menor quanto às exigências legais pertinentes.
A propriedade confere a titularidade direta dos bens ao menor, enquanto o usufruto oferece o direito de desfrutar e utilizar esses bens, sem, no entanto, transferir a posse legal. A decisão requer uma ponderação cuidadosa, já que influenciará não apenas o presente, mas também o futuro da criança.
Além disso, a administração eficaz dos bens do indivíduo jovem envolve a necessidade de equilibrar o acesso a recursos financeiros para as necessidades imediatas da criança, como educação, saúde e bem-estar, com a preservação e crescimento do patrimônio para garantir um futuro sustentável.
Em síntese, a interseção entre a parentalidade e a gestão patrimonial desvela uma intricada tessitura entre o afeto incondicional parental e as complexidades financeiras inerentes à formação desse sujeito. Nesse contexto, a administração dos bens familiares, notadamente sob a égide jurídica, exige uma análise perspicaz e uma ponderação meticulosa entre os conceitos de propriedade e usufruto. A eficiente administração almeja conciliar as exigências imediatas do infante com a preservação e ampliação do patrimônio, visando assegurar um porvir sustentável. Este percurso parental transcende a simples orientação e instrução, demandando uma compreensão aprofundada e reflexão cuidadosa sobre as ramificações financeiras que moldam não apenas o presente, mas também o futuro das gerações vindouras.
2.1 DESCRIÇÃO DO CASO
Em que pese o caso tramitar em segredo de justiça, devido a grande difusão midiática, o presente artigo tomará como base o relatado pela atriz e sua advogada em entrevistas ao jornal Globo. Sendo assim, trata-se o caso de um estudo hipotético onde Larissa, à época menor de idade, alega não ter sido comunicada acerca de nenhuma decisão quanto ao seu patrimônio particular e administração de seus bens pelos pais, desde quando iniciou sua carreira, aos quatro anos de idade.
Por conseguinte, ao atingir a idade de vinte e dois anos, Larissa descobriu que seu patrimônio imobiliário, avaliado em R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais), estava centralizado em uma empresa holding, na qual ela detém apenas 2% de participação como sócia minoritária, enquanto seus pais possuem o controle majoritário.
Ainda, em razão dos desentendimentos familiares, concernentes às questões acima esposadas, relata a atriz que, ao assumir a superintendência da empresa Mimalissa Conteúdo Artístico, observou diversas transações bancárias de valor vultoso, para contas de titularidade de seus pais. No mais, verificou a ausência de pagamento de alguns impostos, bem como do plano de saúde da jovem, cujo qual, em razão da inadimplência, foi suspenso durante três meses.
Deste modo, no que diz respeito ao caso prático, nos deparamos com uma situação que demanda uma abordagem jurídica minuciosa, conforme será desenvolvido no trabalho em epígrafe.
2.2 DO PODER FAMILIAR
Inicialmente, no Direito Romano, o chefe da família era considerado o ascendente masculino mais antigo em vida, chamado de pater familias. Este detinha o poder sobre o patrimônio familiar, os cultos religiosos e sobre cada integrante da família, dentre os quais, os filhos.
Com o advento da modernidade e a Carta Magna de 1988, acabou por implodir, social e juridicamente, o antigo modelo de família patriarcal (Lôbo, 2018, p.297). Assim sendo, novos paradigmas, bem como novos modelos de família(s) fundadas na pluralidade e valorização da dignidade da pessoa humana, consagraram crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos, e não mais como objeto da autoridade dos genitores.
O poder familiar, disciplinado nos artigos 1.630 a 1.638 do Código civil pátrio, trata-se de um instituto jurídico que vincula progenitores – enquanto titulares – e filhos com idade inferior a 18 (dezoito) anos, não emancipados, estabelecendo direitos e deveres que geram efeitos pessoais e patrimoniais.
Neste diapasão, quando se fala em usufruto e da administração dos bens dos filhos, dada a vulnerabilidade em função da pouca idade, os pais de crianças e jovens, têm o poder, bem como o dever de exercer suas atribuições decorrentes da titularidade e exercício do poder familiar, de acordo com os ditames legais, observando o dever de prestar sustento, criação, educação, etc.
Ou seja, consoante os ensinamentos de Gonçalves (2023), a administração dos bens do infante, pelos genitores, trata-se de imposição legal, determinada pelo código civil, no art. 1.690. Deste modo, no exercício “da função de administração”, cabe aos pais representar o filho menor de dezesseis anos e representá-los até atingirem a maioridade.
2.2.1 Da Administração dos Bens
No âmbito jurídico, a administração dos bens dos filhos pelos pais encontra respaldo no Código Civil, notadamente nos artigos que tratam da responsabilidade parental e do poder familiar. Consoante o artigo 1.634, inciso I, do Código Civil, incumbe aos genitores a direção da educação e o dever de prover o sustento dos filhos, o que engloba necessariamente a administração dos bens a eles pertencentes.
Além disso, o Código Civil, em seus artigos 1.689 e seguintes, prevê que os pais têm o direito e o dever de representar os filhos menores, administrando seus bens com zelo e diligência. Destaca-se a necessidade de atuação pautada no melhor interesse da prole, conforme preconiza o artigo 1.634, inciso II, do mesmo diploma legal.
Alicerçando essa prerrogativa, a jurisprudência pátria reforça a ideia de que a administração dos bens dos filhos pelos pais está intrinsecamente vinculada à preservação do patrimônio familiar e ao bem-estar dos descendentes, respeitando os princípios gerais do Direito Civil.
Ademais, no âmbito administrativo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 22 e 23, consolida a competência da família na proteção e administração dos interesses patrimoniais dos menores. Destaca-se, ainda, a relevância do pátrio poder na manutenção da ordem e da segurança jurídica, princípios essenciais ao pleno desenvolvimento da personalidade infanto-juvenil.
Portanto, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, a administração dos bens dos filhos pelos pais emerge como corolário do poder familiar, lastreada nos preceitos legais e na jurisprudência, visando sempre o bem-estar e a proteção do patrimônio dos descendentes.
Outrossim, é que na visão antagônica em relação aos pais usufruírem dos bens que os filhos provém, fundamenta-se na premissa de que a administração patrimonial deveria ser estritamente vinculada aos interesses e benefícios dos descendentes, evitando-se quaisquer desvios para proveito pessoal dos genitores.
Sob o prisma legal, questiona-se a conformidade dessa prática com o princípio da melhor aplicação do interesse da criança, preconizado no artigo 227 da Constituição Federal. A argumentação contrária sugere que o benefício direto dos pais com os bens dos filhos pode contradizer a obrigação primordial de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da prole.
No contexto do Direito Civil, o artigo 1.689 do Código Civil, ao conferir aos pais a representação dos filhos menores, não deve ser interpretado como uma autorização implícita para a apropriação pessoal dos recursos patrimoniais. O antagônico enfatiza a importância de assegurar que a administração dos bens seja exercida exclusivamente em prol dos interesses e necessidades dos filhos, sem desvios de finalidade.
Adicionalmente, do ponto de vista ético, surge a indagação sobre a equidade na relação parental e o dever de cuidado inerente ao papel de pais. A utilização direta dos bens dos filhos para satisfação pessoal pode ser interpretada como uma violação desse dever, suscitando debates sobre a responsabilidade moral e social dos genitores na gestão dos recursos adquiridos pela prole.
Ainda, com fulcro no art. 227 da Carta Magna, é, também, dever dos pais assistir ao desenvolvimento dos filhos menores, desde a mais tenra infância, preservando-os de qualquer forma de exploração. Assim sendo, é munus (dever) daquele(s) que exerce(m) o poder familiar, agir visando o melhor interesse da criança, já que dada a vulnerabilidade em razão da pouca idade, tais pessoas devem ser tratadas com prioridade pelo estado, pela família e pela sociedade (STJ, 3ª T. REsp nº 1.623.098/MG. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 13.3.2018).
Assim, a ideia destaca a importância de estabelecer limites claros na administração dos bens dos filhos, visando preservar a integridade do patrimônio infanto-juvenil e garantir que os interesses dos descendentes prevaleçam sobre eventuais benefícios pessoais dos pais.
2.3 USUFRUTO
A priori, consoante os ensinamentos de Maria Helena Diniz (2024), “seria o usufruto o direito real (CC, art. 1.225, IV) conferido a alguém de retirar, temporariamente, da coisa alheia os frutos e utilidades que ela produz, sem alterar-lhe a substância”, na qualidade de direito real sobre coisa alheia, conferido temporariamente. Ainda, tem se que este é constituído por dois indivíduos: aquele que dispõe da faculdade de gozo da coisa (usufrutuário), sem alteração da sua substância, e aquele que detém a propriedade (nu proprietário).
Nos termos do art. 1.390 do CC/2002, o usufruto incide sobre um ou uma pluralidade de bens, móveis ou imóveis e patrimônio. Na hipótese em comento, do usufruto incidir em patrimônio e bens imóveis da jovem artista, configura-se a espécie denominada “legal”. Logo, configura direito instituído por lei, no art. 1.689.
A norma legal supracitada trata de uma importante questão relacionada ao usufruto e à administração dos bens de filhos menores. Esse dispositivo legal estabelece regras fundamentais para garantir a proteção dos interesses patrimoniais das crianças, assegurando uma gestão adequada e responsável dos bens que lhes pertencem, e acrescenta que, os bens dos filhos menores serão administrados pelo pai ou pela mãe que detiver a guarda, desde que seja o titular do poder familiar. (Código Civil. 2021 p. 1898) .
Nesse sentido, compreende-se que essa disposição visa garantir que os recursos financeiros destinados aos filhos sejam gerenciados de maneira prudente e eficiente, a fim de prover as necessidades e garantir o seu bem-estar.
Além disso, o referido artigo também prevê o usufruto dos bens dos filhos menores. Isso significa que o administrador legal (geralmente o pai ou a mãe) deve utilizar os rendimentos gerados pelos bens para custear despesas relacionadas à educação, saúde, alimentação e demais necessidades dos filhos.
Esse instituto é uma ferramenta importante para garantir que as crianças recebam o apoio financeiro necessário para crescerem de maneira saudável e bem cuidada. No entanto, é importante ressaltar que o artigo 1.689 estabelece limites claros para a utilização dos bens e rendimentos dos filhos menores. Qualquer excesso ou desvio em relação ao uso desses recursos pode ser considerado prejudicial aos interesses da criança e sujeito a medidas legais para proteger os direitos patrimoniais dela.
Essa disposição legal tem por objetivo não apenas proteger os bens materiais das crianças, mas também promover a sua segurança financeira e bem-estar geral. Em muitos casos, especialmente em famílias com recursos substanciais, a administração e o usufruto dos bens dos filhos menores podem ser motivo de disputa e preocupação.
Portanto, o artigo 1.689 serve como um mecanismo legal para orientar e regular a gestão desses recursos de forma apropriada e em conformidade com os interesses das crianças. Em síntese, o artigo desempenha um papel crucial na proteção do patrimônio dos filhos menores, ao estabelecer diretrizes claras para a administração e o usufruto dos bens.
Entretanto, a eficácia do artigo 1.689 é questionada quando há potencial conflito de interesses entre o usufruto dos pais e a preservação do patrimônio dos filhos. Ademais, a falta de diretrizes específicas sobre investimentos e gestão financeira pode resultar em decisões prejudiciais ao futuro financeiro dos descendentes.
O usufruto e a administração dos pais perduram até a maioridade dos filhos que é 18 anos ou até a data da emancipação. Na qualidade de usufrutuários, os genitores têm o direito à posse, administração, gozo, uso e percepção dos frutos dos bens dos filhos, enquanto perdurar a menoridade.
Até os 16 anos de idade, o exercício das titularidades previstas na lei é exclusivo dos pais. A partir dos 16 anos, usufruto e a administração são compartilhados com o menor, em regime de assistência, até este atingir a maioridade, como dispõe o artigo 1.690 do Código Civil Brasileiro, 2002. Se o filho menor tiver sido emancipado aos 16 anos, cessa assim o poder parental e igualmente, a aludida assistência.
Uma forma de evitar o conflito gerado pelos pensamentos de “independência” em relação aos bens providos pelos filhos, é a transparência na prestação de contas, que pode ser a forma eficaz, permitindo que os filhos, mesmo antes dos 16 anos, possam ter ciência da utilização dos recursos em seu benefício.
Outra forma é a orientação específica sobre investimentos, onde incluir orientações claras sobre como fazer de forma responsável e estratégias financeiras que visem ao crescimento sustentável do patrimônio, protegendo os interesses futuros dos filhos.
Assim, a proposta de compartilhamento gradual de responsabilidades, conforme estabelecido no artigo 1.690, Código Civil (2002), poderia ser aprimorada. Introduzir etapas específicas de envolvimento do menor na tomada de decisões financeiras, promovendo gradualmente sua autonomia e educação financeira.
Logo, o artigo 1.689 CC, 2002 , embora seja essencial para proteger o patrimônio dos filhos menores, requer ajustes e inovações para enfrentar os desafios emergentes. A implementação de soluções como transparência na prestação de contas e orientações específicas sobre investimentos pode fortalecer a eficácia desse dispositivo legal, garantindo uma gestão responsável e alinhada aos interesses duradouros das crianças.
2.4 ABUSO DE DIREITO
Nos termos do art. 187 do Código Civil, aduz-se que o abuso de direito ocorre quando o titular de direito subjetivo excede os limites impostos pelos bons costumes ou pelo fim social desse direito.
Abreu, 2° impressão 2006, ao analisar as teorias existentes quanto a definição de abuso de direito, propõe o seguinte parâmetro:
“há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem”.
Durante o estudo de caso, identificou-se duas visões antagônicas acerca da prestação de contas de pais aos filhos. Filho, 2021, em análise conservadora, os genitores não carecem de detalhar os gastos com seus filhos e ao Estado, pois, como é visto no artigo 1.689 do código civil, os bens do incapaz refletem nos gastos domésticos, o cumprimento da obrigação, mesmo que sem a transparência necessária, já que assumem como axioma o fato dos rendimentos produzidos, mesmo que pelo filho, compensarem-se nas despesas gerais, abrangendo o usufruto familiar:
Esse usufruto legal dispensa a prestação de contas relativamente aos rendimentos produzidos – compensam-se com as despesas que o pai deve efetuar com a criação e educação dos filhos e harmoniza-se com a ideia de que se trata de uma comunidade doméstica, em que há compartilhamento de receitas e despesas ( FILHO, 2021, p. 1.898)
A outra vertente, discutida pelo relator do recurso do STJ, no caso Larissa Manoela, o Ministro Bellizze, 2023, defende a ideia que os filhos precisam ter o conhecimento absoluto da utilização da fonte de renda que o menor obtém através do seu trabalho , principalmente porque ocupa o lugar de provedor da família e seus pais são usufrutuários dos bens dos filhos. Segundo o mesmo Ministro, o fato de os pais serem usufrutuários e administradores dos bens dos filhos menores, “não lhes confere liberdade total para utilizar, como quiserem, o patrimônio de seus filhos, o qual, a rigor, não lhes pertence”. (Belizze, STJ.2023. p.)
Como foi possível observar, o caso em questão possui diversos entendimentos, porém, dentro do contexto atual da sociedade, e assim, enfrentamos um constante desafio ao procurarmos respeito e transparência em nossa busca por justiça, pois, sendo um dos pilares fundamentais de uma sociedade equitativa, exige não apenas a aplicação imparcial das leis, mas também um compromisso ético com a verdade e a clareza.
O respeito é essencial para reconhecer e valorizar a dignidade de cada indivíduo, enquanto a transparência garante processos judiciais e administrativos abertos e acessíveis, promovendo confiança na integridade do sistema. Assim, a busca por justiça é intrinsecamente ligada à demanda por respeito e transparência, pois sem esses valores, a justiça perde seu propósito de promover equidade e bem-estar social.
2.4.1. A ação de exigir contas na fiscalização do exercício do poder familiar
A questão da Ação de Prestação de Contas é um ponto crucial a ser analisado. Via de regra, subentende-se que durante o exercício do poder familiar, o progenitor utiliza-se das verbas percebidas para custear as despesas do menor com saúde, educação, dentre outros, não se confundindo o patrimônio de pais e filhos (Meireles, 2018).
O REsp nº 1.623.098/MG, de relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze, analisou a possibilidade de ajuizamento da ação de prestar contas, por um filho em desfavor de sua mãe, tendo sido examinada a referida demanda judicial, tomando como base o CPC/73.
Nesse sentido, de acordo com Meireles (2018), “o Código de Processo Civil de 2015 não tratou da ação de prestar contas, mas tão somente da ação de exigir contas, nos arts. 550 a 553”. Além disso, salienta que o acórdão firmou a possibilidade do pleito de exigência relativa à prestação de contas, quando fundada em arguição de abuso de direito.
Nesse sentido, a ação de exigir contas abrange, um momento inicial, onde averigua-se a existência da obrigação e por conseguinte, na segunda fase, as contas serão apreciadas e julgadas.
Portanto, o voto do relator busca estabelecer limites quanto ao poder de administrar o bem dos filhos, uma vez que este não é absoluto. Assim, a sua finalidade deve ser observada, ou seja, o usufruto decorrente do exercício do poder familiar deve buscar “ atender o melhor interesse da criança”, na forma de atos de proteção e cuidado, contribuindo para o seu desenvolvimento pleno.
Isto posto, para a jovem Larissa Manoela, a via da ação de exigir contas no judiciário se apresenta como uma possibilidade. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estipula que os filhos têm o direito de solicitar a prestação de contas quando há suspeita de abuso de poder no usufruto e administração dos bens dos menores. É importante destacar que o prazo prescricional para essa ação é de 10 anos, sendo que esse prazo não começa a correr entre descendentes e ascendentes enquanto o poder familiar estiver vigente. No caso específico de Larissa Manoela, o prazo decenal teve início quando ela completou dezoito anos, o que ocorreu há 4 anos.
O entendimento do STJ sobre a via da ação de prestação de contas no judiciário revela-se como uma importante salvaguarda para proteger os interesses dos filhos em casos de possível abuso de poder na administração dos bens dos menores. Sob essa perspectiva, Larissa Manoela encontrou respaldo jurídico para buscar transparência e responsabilidade na gestão de seus recursos. O prazo prescricional de 10 anos estabelecido pelo STJ oferece um período adequado para que os filhos possam exercer esse direito, resguardando seus interesses mesmo após atingirem a maioridade.
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) regula, no artigo 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, o tribunal facilita a solução de demandas que se repetem na Justiça brasileira.
A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações
No caso específico, o início do prazo decenal para solicitar a prestação de contas foi estabelecido no momento em que completou 18 anos. Esta interpretação jurídica, ao considerar o momento em que a menor atinge a maioridade como marco inicial para a contagem do prazo, proporciona uma proteção mais efetiva aos direitos dos filhos. Assim, mesmo que o abuso de poder na administração dos bens não tenha sido percebido imediatamente, a legislação oferece um tempo razoável para que sejam tomadas as medidas cabíveis.
Portanto, o entendimento jurisprudencial representa um avanço significativo na garantia dos direitos dos filhos em relação à administração de seus bens, reforçando a importância da transparência e da prestação de contas por parte dos responsáveis legais. Esta jurisprudência não apenas oferece amparo jurídico a casos individuais como o de Larissa Manoela, mas também contribui para o fortalecimento da justiça e da equidade nas relações familiares e patrimoniais.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Isto posto, o caso em tela, ilustra os desafios e as complexidades envolvidas na administração dos bens de diversos menores de idade e a proteção de seus direitos patrimoniais.
É imperiosa a proteção do patrimônio de crianças e jovens, pois a maneira como os recursos em questão serão distribuídos impacta diretamente no seu bem estar, presente e futuro, objetivando o seu melhor interesse.
Como observado, o usufruto e administração dos bens pelos genitores não se trata de faculdade absoluta. Contudo, ante falta de regramento específico, somente em caráter excepcional é possível o ajuizamento, pelos filhos, de ação de prestação de contas.
Logo, um dos principais desafios reside na ausência de mecanismos robustos de prestação de contas e fiscalização, que acabam por viabilizar abusos de direito por parte dos responsáveis legais. Além disso, questões como conflitos de interesse, má administração e negligência podem comprometer a segurança financeira do menor, e vulnerabilizá-lo ainda mais.
Em última análise, o caso Larissa Manoela evidencia a necessidade premente de uma abordagem mais criteriosa, no que tange a salvaguarda dos direitos das crianças e adolescentes, no âmbito do entretenimento e dos esportes. É necessário que a legislação avance para garantir a transparência, responsabilidade e proteção adequadas a estes, de modo a prevenir arbitrariedades, assim como fomentar um meio auspicioso ao seu crescimento e desenvolvimento saudáveis.
REFERÊNCIAS
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