REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102412272235
Chesil Batista Silva
Daniela Pereira Palmeira dos Santos
Lorrana Oliveira Belo
Jhonathan Pinheiro Ferreira
Sabrine Ariel de Lima de Azevedo
RESUMO
O aumento da pobreza na América Latina, expõe desigualdades econômicas, políticas e sociais profundas. A incapacidade de uma parcela da sociedade de conseguir acesso a necessidades básicas essenciais como alimentação, saneamento, educação, saúde e bens materiais. O objetivo geral deste trabalho será o de analisar a percepção de desigualdade dos brasileiros a partir dos dados levantados na pesquisa da OXFAM Brasil 2022, com o intuito de compreender se os programas de transferência são eficientes para o combate à pobreza. Este trabalho irá adotar uma abordagem qualitativa, em termos de objetivo, esta pesquisa será exploratória e em relação aos procedimentos técnicos essa pesquisa terá modalidade bibliográfica e documental, dessa forma, a pesquisa bibliográfica será fundamental para construção do referencial teórico deste trabalho e a pesquisa documental será utilizada na análise dos dados da OXFAM. Conclui-se que, os programas de transferencia de renda além de proporcionar oportunidades, eles também abrem novas perspectivas de vida. No entanto, essa intervenção, quando aplicada de forma isolada, possui limitações para transformar desigualdades estruturais persistentes.
Palavras-chave: Política social. Transferência de renda. Pobreza. Administração pública.
INCOME TRANSFER AS A PLANNED INTERVENTION STRATEGY IN SOCIAL SITUATIONS TO COMBAT POVERTY
ABSTRACT
The rise in poverty, especially in Latin American countries, reflects economic, political and social inequalities. The inability of a significant part of the population to be able to self-sustain and cover their basic needs leads to inaccessibility to essential basic services such as housing, food, sanitation, education, health and material goods. The general objective of this work will be to analyze Brazilians’ perception of inequality based on data collected in the OXFAM Brazil 2022 survey, with the aim of understanding whether transfer programs are efficient in combating poverty. This work will adopt a qualitative approach, in terms of objective, this research will be exploratory and in relation to technical procedures this research will have a bibliographic and documentary modality, thus, bibliographic research will be fundamental for building the theoretical framework of this work and documentary research will be used in the analysis of OXFAM data. It is concluded that income transfer programs, in addition to providing opportunities, also open up new life perspectives. However, this intervention, when applied in isolation, has limitations in transforming persistent structural inequalities.
Keywords: Social policy. Income transfer. Poverty. Public administration.
- INTRODUÇÃO
O aumento do nível da pobreza, principalmente nos países da América Latina, eleva as desigualdades econômicas, políticas e sociais. Impossibilitando grande parte da população de se auto sustentar e dificultando o acesso à serviços básicos, como moradia, alimentação, saúde, educação, saneamento, segurança e bens materiais.
De acordo com a CEPAL (2022), a pobreza na América Latina atinge 45,4% da população com menos de dezoito anos, taxa esta que corresponde 13,3 pontos percentuais acima da média total da população. Dentro desse cenário, a pobreza extrema atinge 18% da população de pessoas menores de 18 anos, esse dado é preocupante, pois esse grupo enfrenta um risco significativamente maior de sofrer com a fome permanente ou transitória, vivendo em famílias sem capacidade financeira para cobrir os custos de uma cesta básica. Por isso é importante a compreensão do processo holístico quando o assunto é pobreza, não existe uma única forma de defini-la. A pobreza não se trata apenas de insuficiência de renda, vai além da garantia de estabilidade financeira de uma família. Sendo assim necessário levar em consideração pontos relacionados às necessidades básicas do ser humano, como água potável, energia elétrica, saúde, educação, acesso à informação, saneamento básico e acessibilidade aos serviços públicos (Souza et al., 2019).
A compreensão da pobreza e da desigualdade varia ao longo do tempo e em diferentes contextos geográficos e culturais. Existe uma necessidade de compreendê-los para apurar as medidas que devem ser tomadas ou possíveis negligências, caso contrário as medidas podem ser mal direcionadas ou insuficientes. Nesse contexto, o primeiro ponto a se considerar “refere-se à complexidade e à diversidade das questões que cercam o processo de reconhecimento da pobreza como um problema dotado de relevância social e legitimado no debate político” (Cardoso Jr; Jaccoud, 2009, p. 184). Outro ponto importante é avaliar até que ponto os objetivos de políticas de equidade e inclusão realmente consideram todas as dimensões da pobreza.
A pobreza extrema se manifesta pela incapacidade ou grande dificuldade de sustentar a si mesmo ou à família, levando a situações como fome, doenças, estigmatização social, desemprego, falta de moradia ou residências em áreas de risco, entre outros. Contudo, similar à pobreza, a pobreza extrema não se resume apenas à falta de recursos financeiros. Ela também engloba insegurança alimentar e nutricional, baixa ou inexistente qualificação profissional, níveis baixos de escolaridade, dificuldade para entrar no mercado de trabalho, acesso precário ou inexistente a energia elétrica, água, saneamento básico, moradia e serviços de saúde. Trata-se de “um fenômeno que ganha forma, percepção e significados a partir das relações sociais” (Ruckert, 2019, p. 317).
Outro ponto relevante a se destacar é que existe uma divergência de opinião sobre as causas da pobreza e extrema pobreza entre os estudiosos e pesquisadores de diferentes vertentes e, por consequência, diferentes propostas de políticas. Para os liberais a pobreza não é resultado de fenômenos estruturais ou privilégios hereditários. Eles defendem que a pobreza pode ser reduzida com pouca intervenção do governo, por meio da criação de um livre mercado, a ideia é que a abertura do mercado atrairia investidores e capital internacional, promovendo crescimento econômico e geração de empregos, o que reduziria os níveis de pobreza. No entanto, essa visão não se sustentou em análises feitas em países com economias periféricas, como o Brasil, mesmo com crescimento econômico, esses países continuaram apresentando altos índices de pobreza. O exemplo do Brasil durante o período do “milagre econômico” é frequentemente citado para ilustrar isso, onde o crescimento econômico não levou a uma redução da pobreza. Indicando que a estrutura socioeconômica em muitos países foi construída de maneira desigual e por isso, se faz necessário uma intervenção do Estado para mudar essa situação e realmente combater a pobreza de maneira eficaz.
Encarando a situação atual da América Latina como um todo, evidencia-se que, a região enfrenta inúmeros desafios em ofertar proteção social universalizada e desenvolvimento das capacidades de sua população. O que pode implicar em perdas cumulativas do bem-estar da população com impactos a longo prazo, como aumento da desigualdade, pobreza e dificuldades econômicas persistentes.
Governos e estudiosos acreditam que a pobreza e as desigualdades sociais são os maiores desafios críticos a serem superados, na atualidade. Tratando-se de questões complexas e com múltiplas causas e interpretações, com isso, encontrar soluções para esses problemas é constantemente difícil. A compreensão da pobreza e da desigualdade varia ao longo do tempo e em diferentes lugares. Isso significa que compreendê-las é fundamental para analisar tanto as negligências quanto as ações tomadas para enfrentá-las (Levin et al., 2012). Nesse contexto, surge a seguinte questão de pesquisa: os programas de transferência de renda podem ser estratégias eficazes de intervenção planejada de forma isolada para combater a pobreza em situações sociais? Assim, o objetivo geral deste trabalho é analisar a percepção de desigualdade dos brasileiros com base nos dados da pesquisa OXFAM Brasil 2022, buscando entender se os programas de transferência de renda são eficientes no combate à pobreza.
Os programas de transferência de renda são vistos como uma compensação financeira fornecida à população mais pobre, esta compensação é uma resposta às limitações e dificuldades que essas pessoas enfrentam em seu cotidiano, com o objetivo principal de promover o desenvolvimento a longo prazo e sustentável, buscando contrabalançar a falta histórica de acesso a políticas públicas e sociais que as populações pobres enfrentam por meio de uma compensação financeira imediata (Cabrera, 2015). Refere-se a um investimento em capital humano, ajudando essas pessoas a terem acesso a serviços públicos básicos, como educação e saúde, e promovem o desenvolvimento social, por intermédio de um alívio imediato da pobreza (Cecchini E Madariaga, 2011).
- METODOLOGIA
Neste estudo, optou-se por uma metodologia qualitativa que, conforme Gil (2021), não busca quantificar ou classificar os fenômenos examinados nem realizar análises estatísticas dos dados, mas sim “[…] ressalta a construção social da realidade, a conexão próxima entre o pesquisador e o objeto de estudo, além das limitações contextuais que influenciam a pesquisa.” (Gil, 2021, p. 2).
De acordo com Gil (2002), a classificação dos estudos pode ser feita com base em suas finalidades e nas técnicas empregadas. Com respeito ao objetivo, esta investigação é de natureza exploratória, buscando oferecer uma compreensão mais abrangente do tema e esclarecer aspectos relevantes. No que diz respeito às técnicas, o estudo se caracteriza como bibliográfico e documental.
Uma das principais características da revisão da literatura é abordar as teorias fundamentais que orientam a pesquisa científica, possibilitando ao pesquisador explorar uma variedade de fenômenos muito mais extensa do que a que poderia investigar diretamente (Gil, 2002, p. 45). Embora a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica sejam parecidas, a diferença essencial reside nas fontes utilizadas: a pesquisa bibliográfica se baseia nas obras de diversos autores acerca de um determinado tema, enquanto a pesquisa documental trabalha com materiais que ainda não passaram por uma análise prévia (Gil).
Em 2002, a pesquisa bibliográfica desempenhou um papel crucial na elaboração do referencial teórico deste artigo, enquanto a análise dos dados da OXFAM foi realizada por meio de pesquisa documental.
- RESULTADOS E DISCUSSÃO
A urgência em estabelecer Estados de bem-estar na América Latina é amplamente reconhecida, especialmente diante da crise social prolongada que a região enfrenta. Essa situação acentua a necessidade de fortalecer a estrutura social, lidar com as desigualdades profundas e aprimorar as instituições sociais, para garantir que elas possam proporcionar serviços e proteção social mais eficazes à população. É essencial, para atingir esses objetivos, ter em mente a sustentabilidade financeira, que está atrelada ao interesse político, à elaboração de um planejamento adequado e à formação de acordos sociais e fiscais, visando promover um desenvolvimento social mais inclusivo (CEPAL, 2022).
A noção de bem-estar social é composta por um conjunto de elementos que influenciam a qualidade de vida das pessoas. Esses elementos englobam fatores socioeconômicos, como a distribuição de renda e a disponibilidade de serviços públicos adequados, que servem como mecanismos para enfrentar as desigualdades sociais. Entretanto, a impossibilidade de participar ativamente da vida em sociedade por motivos como pobreza, insegurança, fome e escassez de oportunidades — o que se conhece como privação de bem-estar — resulta em uma realidade em que os indivíduos não têm acesso aos recursos e oportunidades essenciais para levar uma vida digna e saudável (Draibe, 2007).
A aplicação de recursos em políticas sociais é um componente crucial da estrutura social, referindo-se às instituições e sistemas que sustentam a sociedade. Essas iniciativas são vitais para o progresso e a prosperidade das nações. Assim, ao considerar o investimento social, a eficácia dos gastos sociais está atrelada à qualidade desses investimentos; em outras palavras, não se trata apenas da quantia de recursos alocados, mas também da forma como esses recursos são empregados (Rocha et al., 2023). É fundamental que os investimentos sejam realizados de maneira a otimizar seus efeitos benéficos, assegurando eficiência, transparência, sustentabilidade e eficácia. Programas sociais bem executados devem fomentar a confiança da sociedade e reforçar a cidadania (Felix e Silva, 2023).
Uma pesquisa conduzida pela OXFAM Brasil em 2022 revelou que 83% da população brasileira considera que é dever do governo assegurar a disponibilidade de recursos para programas de assistência social e transferência de renda, priorizando aqueles que mais precisam, mas também abrangendo a sociedade como um todo, sem deixar ninguém de fora. Além disso, outros 13% dos entrevistados expressaram um apoio parcial à ideia de que o governo deve assumir essa responsabilidade, mostrando que a maioria tem uma visão positiva sobre a intervenção estatal nesse aspecto. O estudo ainda destacou que 71% dos brasileiros acreditam que o governo federal deveria destinar mais recursos para os estados com os piores indicadores do país, com o objetivo de promover uma maior igualdade e aprimorar a qualidade dos serviços em regiões mais necessitadas.
Em continuidade ao relatório da OXFAM Brasil (2022), uma pesquisa revelou que 71% da população brasileira considera que os governos têm a obrigação de diminuir as disparidades entre as classes mais pobres e as mais ricas. Além disso, em um resultado parecido, mas focando nas desigualdades regionais, 75% dos participantes da pesquisa acreditam que seria fundamental para os governos trabalhar para tornar as regiões do país mais justas, o que compreende a diminuição das desigualdades entre as diversas áreas e a ampliação das oportunidades para todos, especialmente nas regiões mais necessitadas.
A situação de pobreza e desigualdade enfrentada pelas mulheres se agrava ainda mais, tanto no Brasil quanto em outros países da América Latina, onde elas estão no centro da exclusão social, em grande parte devido ao acesso desigual a oportunidades sociais e econômicas (Lisboa, 2008). Em 2022, uma pesquisa indicou que 7% dos brasileiros consideram que a única função das mulheres deve ser cuidar do lar e dos filhos, sem sair para trabalhar. Além disso, outros 5% concordam parcialmente com essa opinião, o que demonstra que uma parte da população ainda possui visões tradicionais sobre o papel feminino na sociedade.Em contrapartida, 51% dos participantes da pesquisa acreditam que as mulheres recebem salários inferiores aos dos homens, evidenciando a percepção de desigualdade salarial entre os sexos (OXFAM Brasil, 2022). As possibilidades de alcançar bem-estar variam de acordo com a estrutura familiar. Famílias grandes, que são lideradas ou compostas por mulheres, têm uma probabilidade maior de enfrentar ou continuar em situações de vulnerabilidade. Em oposição, lares formados por homens solteiros tendem a ter mais oportunidades de escapar dessa condição (Medeiros, 2000).
Pesquisadores como Ribas et al. (2011) e Lucena et al. (2021) descrevem, respectivamente, as características da pobreza crônica e transitória e como elas se manifestam no Brasil. A pobreza crônica refere-se à condição de pobreza persistente e de longo prazo que apresenta localização periférica, composição demográfica do domicílio, baixo nível de capital humano, baixa remuneração do trabalho e escassez de ativos físicos como desvantagens intrínsecas. Os aspectos de pobreza crônica estão interligados, criando um ciclo de pobreza difícil de quebrar, a baixa escolaridade reduz a capacidade de produção e oportunidades resultando em baixos rendimentos e limitando a saída da pobreza. Já a pobreza transitória se caracteriza por uma condição temporária, de curto prazo, a transitoriedade da pobreza deve-se a fatores como: sazonalidade de atividades econômicas, migração, tamanho da família, eventos de ciclo de vida e programas de transferência de renda. Pessoas transitoriamente pobres podem entrar e sair da pobreza rapidamente, dependendo de sua capacidade de consumo (Ribas et al., 2011). A divisão da pobreza entre os estados brasileiros no período de 1976 a 2014, a maior parte de pessoas pobres no Brasil eram cronicamente pobres, a situação é ainda mais grave nos estados da região Nordeste, que têm a maior proporção de pobreza crônica. Nesse cenário, aspectos sociais como educação, saúde e criminalidade precisam ser levados em conta na criação de políticas públicas voltadas para o enfrentamento da pobreza (Lucena et al., 2021).
Pesquisas adicionais indicam que determinados segmentos da população, devido a suas características distintas e heranças históricas, apresentam uma maior vulnerabilidade à pobreza. De acordo com Yaqub (2003), indivíduos mais velhos têm menor propensão a se encontrar em situação de pobreza, desde que outras variáveis importantes sejam consideradas. A raça é um elemento crucial para compreender tanto as causas originais quanto a persistência da pobreza. O gênero feminino enfrenta uma probabilidade mais alta de continuar em estado de pobreza e uma menor chance de se livrar dessa condição em relação ao gênero masculino. Embora a educação não tenha um papel tão decisivo na configuração inicial da pobreza, sua influência é relevante nas transições e permanências nesse estado. Isso indica que, apesar de a falta de instrução não ser o fator primordial da pobreza, ela desempenha um papel significativo nas dificuldades para superá-la. O autor argumenta que a pobreza no Brasil é predominantemente de caráter crônico, evidenciando que muitos indivíduos lidam com a pobreza de forma prolongada, enfrentando obstáculos persistentes que são complicados de superar. Indivíduos que vivem em condições de pobreza monetária enfrentam uma escassez de recursos financeiros que os impede de alcançar um nível satisfatório de bem-estar. Essas pessoas encontram barreiras significativas que dificultam sua plena participação na vida social, sendo muitas vezes despojadas de dignidade e direitos de cidadania (IBGE, 2019). A vulnerabilidade social refere-se à suscetibilidade a riscos econômicos e sociais, como a ausência de fontes de renda, o que pode afetar negativamente o desenvolvimento humano e restringir as habilidades e opções dos indivíduos. Este conceito de vulnerabilidade é multifacetado, abrangendo desde rendimentos instáveis e baixos até questões de insegurança pessoal e limitações à liberdade individual (PNUD, 2014). Para enfrentar a pobreza e as desigualdades, é fundamental desenvolver estratégias e implementar intervenções cuidadosamente planejadas, uma vez que a crença de que o mercado resolverá essas questões de forma automática é alarmante e inadequada (IBGE, 2019).A CEPAL (2022) aponta que a qualidade de vida tem se deteriorado em lares mais suscetíveis na América Latina. Vários países ampliaram os programas de transferência de renda já existentes e aumentaram os valores alocados a essas iniciativas. Durante a pandemia, foram implementados novos programas emergenciais de transferência de dinheiro, visando mitigar a queda da renda familiar provocada pelo aumento dos preços e pela deterioração do consumo. No pós-pandemia, existe um alto risco de fragmentação dos sistemas de proteção social que dependem de programas de renda. Por isso, é crucial criar mecanismos que assegurem uma renda estável, independentemente de crises temporárias. Uma abordagem para isso seria reforçar a ligação entre os programas de transferência de renda e as iniciativas que promovem a inclusão no mercado de trabalho formal, promovendo assim a estabilidade e a inclusão econômica (Salazar-Xirinachs, 2022).Suplicy (2003) afirma que é dever do Estado garantir a proteção da cidadania, priorizando a promoção da união entre todos os integrantes da sociedade. Ele defende a implementação de uma renda básica universal para todos os cidadãos, independentemente de sua atividade laboral, comparando essa renda ao acesso à água e ao ar, essenciais para a liberdade e dignidade humana. Em complemento a essa ideia, Rocha (2013) argumenta que a pobreza não é consequência da escassez de recursos públicos, mas sim da elevada concentração de riqueza em um pequeno número de pessoas. Ele aponta que a pobreza não deve ser medida somente pelo parâmetro da renda per capita, uma vez que a distribuição desigual oculta a verdadeira magnitude da desigualdade. Piketty (2014) destaca que o crescimento da concentração de renda amplifica os efeitos adversos das desigualdades sociais.
Na elaboração do relatório da OXFAM Brasil (2022), foram coletados dados sobre como as pessoas percebem sua própria renda. Os entrevistados foram indagados se se viam como “pobres” ou “ricos” e qual seria a renda mensal média que os faria se considerar ricos. Os resultados revelaram uma diferença marcante: para os que pertencem às classes com maior poder aquisitivo, a renda média necessária para se sentir rico era de R$50.000,00, enquanto para aqueles das classes menos favorecidas, esse valor caía para R$5.000,00. Essas disparidades demonstram que a percepção de riqueza é extremamente relativa. Esse cenário levanta questões cruciais sobre as implicações sociais de grandes concentrações de riqueza nas camadas mais altas e as oportunidades de mobilidade social para os grupos mais pobres, cujas aspirações são consideravelmente mais baixas em relação às das classes abastadas. A influência e o poder que a elite econômica detém sobre recursos e posições privilegiadas, tanto no setor privado quanto no público, fazem com que a literatura sobre pobreza e desigualdade muitas vezes priorize a visão da elite, especialmente no que se refere à distribuição da riqueza. Isso gera uma perspectiva que tendencialmente beneficia esses grupos, conferindo-lhes vantagens sistemáticas (Reis, 2000).
Moore e Hossain (2005) corroboram ao consideram que as elites:
Têm atitudes ambíguas em relação à redução da pobreza e da desigualdade e têm interesse nela. Por um lado, eles podem se beneficiar de serem poderosos e ricos no meio da pobreza, e temer as consequências de qualquer mudança significativa. Por outro lado, eles podem frequentemente perceber a pobreza como um problema e uma ameaça ao bem-estar de ‘pessoas como elas’ ou à prosperidade, segurança ou dignidade de uma comunidade política e moral (nacional) maior com a qual eles se identificam (Moore; Hossain, 2005, p. 208).
O relatório da OXFAM Brasil (2022) indica que uma significativa proporção dos consultados (86%) defende que iniciativas de transferência de renda, como o encerrado Auxílio Brasil, deveriam ser destinadas a todas as pessoas em situação de pobreza. Além disso, 83% dos participantes acreditam que é dever do governo assegurar fundos para esses programas. A pesquisa abrangeu indivíduos de diversas classes sociais, evidenciando um suporte expressivo às iniciativas de transferência de renda tanto entre os mais abastados quanto entre os menos favorecidos. No entanto, ao serem questionados sobre a forma mais eficaz de reduzir a desigualdade, a resposta mais comum foi “combater a corrupção”. A ideia de aumentar impostos para os mais ricos foi a penúltima alternativa mencionada, enquanto a redistribuição de renda ou capital não foi citada.
Há duas abordagens distintas a respeito dos programas de transferência de renda, fundamentadas em diferentes convicções políticas. Na perspectiva progressista, a universalização da renda é considerada um direito social fundamental para garantir a inclusão, apresentando um caráter redistributivo. Por outro lado, a visão liberal entende os programas de transferência de renda como ações compensatórias, mais ligadas à política socioeconômica, com ênfase em impulsionar o consumo e o acesso a serviços, ao invés de favorecer uma redistribuição de riqueza (Cabrera, 2015).
Os programas de transferência de renda podem ser estruturados de duas maneiras: de forma universal ou com condições específicas. Conforme afirmam Moraes et al. (2018), o modelo com condições especificadas disponibiliza um auxílio financeiro para famílias que enfrentam a pobreza ou a extrema pobreza, com o objetivo de mitigar as dificuldades dessas famílias. Entretanto, a participação é limitada às famílias que satisfazem critérios determinados e que aderem às responsabilizações conjuntas, frequentemente ligadas às áreas de saúde e educação, podendo variar de acordo com cada iniciativa. Por outro lado, o modelo universal não aplica condicionantes ou restrições. De acordo com Van Parijis e Vanderborght (2018), ele se distingue por proporcionar pagamentos regulares e individuais a todos os cidadãos, sem considerar renda, histórico profissional ou contribuições passadas ao governo.
Embora as políticas de transferência de renda possam contribuir para a diminuição da pobreza, seu efeito é limitado quando são implementadas de forma isolada. Essas iniciativas raramente enfrentam as desigualdades estruturais que permanecem ao longo do tempo (Costa, 2015).
4. CONCLUSÕES
A perspectiva que caracteriza a pobreza como a carência de necessidades essenciais destaca a fome e a desnutrição como os principais sinais. No entanto, é igualmente importante levar em conta aspectos ligados à qualidade de vida e à habilidade de obter realização pessoal. Assim, há diversas desigualdades que impõem barreiras ao progresso e complicam a busca pelo bem-estar social para populações vulneráveis. Portanto, as desigualdades sociais dizem respeito às variações nas oportunidades individuais de acesso e posse de recursos considerados valiosos pela sociedade.
Embora a classe alta veja a pobreza e a desigualdade como desafios significativos que exigem ações para melhorar a economia e a sociedade do país, acredita que a solução para tais questões é dever do governo, que aparenta desinteresse em abordá-las. A elite não se considera uma parte crucial desse cenário, demonstrando indiferença ou falta de compreensão de que a concentração de riqueza é a origem dos problemas sociais e a principal causa das disparidades entre as pessoas.
Os programas de transferência de renda atuam como ferramentas para redistribuir recursos e fomentar a equidade. É possível afirmar que, além de criar oportunidades, eles também introduzem novas possibilidades de vida. Entretanto, essa abordagem, se implementada de forma isolada, apresenta limitações na transformação de desigualdades estruturais que persistem ao longo do tempo. É fundamental integrá-la com outras iniciativas, sobretudo aquelas voltadas para a saúde e a educação de qualidade, a fim de garantir verdadeiras chances de mobilidade social. A transferência de renda pode funcionar como uma solução imediata, enquanto outras políticas públicas trabalham para promover o desenvolvimento da cidadania e a dignidade ao longo prazo.
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