IMPUNIDADE E BANALIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA ANIMAIS UMA REFLEXÃO SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DE MENORES

IMPUNITY AND NONSENSE OF CRIMES AGAINST ANIMALS A REFLECTION ON THE CRIMINAL RESPONSIBILITY OF MINORS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412142305


Marcus Vinicíus Reis de Souza ¹
Vitorya Maia Costa Silva ²
Orientador: João Lucas Bispo Lino Vasconcelos ³


RESUMO

Este artigo aborda a violência contra os animais no contexto jurídico e social brasileiro, destacando a insuficiência da legislação atual, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em lidar com atos de crueldade cometidos por menores. A pesquisa analisa como a falta de responsabilização e de medidas específicas para esses crimes resulta em punições inadequadas, além de explorar a importância da intervenção precoce e da educação familiar no desenvolvimento da empatia nas crianças. O papel de organizações de proteção animal e o papel das políticas públicas para promover a conscientização e prevenção também são discutidos. O estudo propõe alternativas, como programas educativos obrigatórios e avaliações psicológicas, para a reabilitação de jovens infratores e para o fortalecimento da proteção aos animais.

Palavras-chave: violência contra animais, Estatuto da Criança e do Adolescente, crueldade, educação familiar, intervenção precoce, reabilitação, políticas públicas.

ABSTRACT

This article addresses animal cruelty within the Brazilian legal and social context, highlighting the insufficiency of current legislation, such as the Statute of Children and Adolescents (ECA), in dealing with acts of cruelty committed by minors. The research analyzes how the lack of accountability and specific measures for these crimes leads to inadequate punishments, and explores the importance of early intervention and family education in the development of empathy in children. The role of animal protection organizations and public policies aimed at raising awareness and preventing such abuses are also discussed. The study proposes alternatives, such as mandatory educational programs and psychological evaluations, for the rehabilitation of young offenders and the strengthening of animal protection.

Keywords: animal cruelty, Statute of Children and Adolescents, violence, family education, early intervention, rehabilitation, public policies

1 INTRODUÇÃO

A violência contra os animais é uma questão que transcende o campo ético, alcançando esferas jurídicas, sociais e psicológicas. No Brasil, país que ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de animais domiciliados, estima-se que 60% desses seres vivos tenham sido vítimas de maus-tratos, negligência ou abandono. Essa estatística alarmante expõe uma realidade em que avanços na legislação, como a Lei Sansão e a Lei de Crimes Ambientais, ainda não conseguem eliminar a banalização de atos de crueldade contra os animais.

Entre os desafios desse cenário está a questão da impunidade, especialmente quando os autores desses atos são menores de idade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), embora fundamental para garantir a proteção e o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, mostra-se limitado em situações de extrema violência contra animais. Em muitos casos, a abordagem prioriza a reabilitação e minimiza a gravidade dos atos cometidos, criando uma percepção de impunidade que pode perpetuar comportamentos violentos e comprometer o desenvolvimento ético e moral dos jovens envolvidos.

Um exemplo marcante é o caso de um menino de 9 anos que massacrou brutalmente 23 animais em um hospital veterinário no Paraná. O episódio chocou a sociedade, não apenas pela violência dos atos, mas também pela falta de responsabilização do agressor, devido à inimputabilidade penal prevista no ECA. Este caso traz à tona questões cruciais sobre os limites da legislação brasileira, a necessidade de medidas preventivas mais robustas e a importância da intervenção precoce para prevenir reincidências e escaladas de violência.

Diante disso, este trabalho busca não apenas analisar as lacunas do sistema atual, mas também propor alternativas que aliem a proteção integral do menor à responsabilização proporcional, considerando as implicações éticas, sociais e psicológicas desses atos. A partir de uma abordagem integrada, o estudo ressalta a importância de políticas públicas eficazes, educação ética e o papel das famílias e comunidades na construção de uma cultura de respeito à vida, seja ela humana ou animal.

2   O BRASIL E A POPULAÇÃO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS

          O Brasil está em terceiro lugar no ranking de animais domiciliados, de acordo com o censo feito pelo Instituto Pet Brasil (IPB) em 2021, com um total de 149,6 milhões de animais domiciliados. Esses dados revelam uma realidade crescente de convivência entre seres humanos e animais, que reflete o aumento do afeto e da responsabilidade dos brasileiros em relação aos seus animais de estimação.

No entanto, por trás desses números significativos, existe uma triste realidade: cerca de 60%, ou seja, mais de 89 milhões de seres vivos, foram vítimas de maus-tratos, seja por negligência, violência física ou emocional, ou mesmo pela falta de cuidados básicos.

Nesse contexto, é fundamental destacar a posição do Conselho Federal de Medicina Veterinária, por meio da Resolução CFMV nº 1.236/2018, em seu Art 5º apresenta a classificação de maus-tratos, onde são definidas uma série de práticas proibidas para assegurar o bem-estar animal. Essas condutas estão divididas em categorias relacionadas à negligência, crueldade e abusos físicos ou psicológicos, incluindo:

  • PROCEDIMENTOS INADEQUADOS: realizar ou permitir cirurgias e procedimentos invasivos sem cuidados técnicos, higiênicos ou por pessoas não qualificadas.
  • AGRESSÕES: causar intencionalmente dor, sofrimento, dano físico ou psicológico aos animais.
  • NEGLIGÊNCIA EM CUIDADOS: abandonar animais ou omitir assistência médico-veterinária necessária.
  • CLAUSURA INADEQUADA: manter animais em condições de confinamento que os exponham a desconforto, medo ou agressões de outros animais, ou sem minimizar sofrimento.
  • CONDIÇÕES DE VIDA INADEQUADAS: privar animais de acesso à água, alimento, abrigo, ventilação e luz adequados, ou mantê-los em locais sujos e insalubres.
  • TRABALHO EXCESSIVO: submeter animais a esforço físico ou psicológico excessivo sem descanso, alimentação ou cuidados apropriados.
  • ABANDONO E TRANSPORTE INADEQUADO: transportar animais em condições que causem dor ou sofrimento, ou em desacordo com normas técnicas.
  • MÉTODOS CRUÉIS: utilizar práticas dolorosas ou não autorizadas para abate, controle populacional ou adestramento.
  • EXPOSIÇÃO E ENTRETENIMENTO: submeter animais a eventos, competições ou exibições sem preparo físico e emocional adequados, ou que causem estresse e sofrimento.
  • USO INDEVIDO DE AGENTES QUÍMICOS: empregar substâncias para modificar o comportamento ou desempenho dos animais em atividades esportivas, entretenimento ou trabalho.
  • PRÁTICAS PROIBIDAS ESPECÍFICAS: estímulo a lutas entre animais, abuso sexual, acasalamentos de alto risco para a saúde da prole ou progenitores, mutilações sem justificativa médica e alimentação forçada fora de contexto terapêutico.

A classificação precisa dos maus-tratos contida no Artigo 5º deixa claro que as responsabilidades não se limitam apenas àqueles que cometem atos de violência direta. O simples fato de negligenciar os cuidados necessários, de permitir que um animal viva em condições inadequadas ou de utilizar práticas que causem sofrimento psicológico ou físico, também configura maus-tratos. 

A resolução aponta diversas formas de maus-tratos, como procedimentos invasivos ou cirúrgicos sem os cuidados adequados ou cometidos de formas irregulares, o abandono de animais também entra em pauta, assim como negligenciar cuidados médicos essenciais, submeter animais a condições de clausura inadequadas e utilizar métodos cruéis para o treinamento, entretenimento ou trabalho dos animais. Além disso, práticas diversas quanto a mutilação injustificada, o uso de agentes químicos para alterar o comportamento de um animal, a alimentação forçada e até a prática de abusos sexuais envolvendo animais.  

Com base nessa classificação detalhada, fica evidente que combater os maus-tratos aos animais é, de fato, um dever de todos, como bem destaca a Resolução do CFMV. Esse compromisso coletivo é fundamental para que possamos garantir que os animais, sejam eles de estimação ou de trabalho, possam viver com dignidade, saúde e bem-estar, livres de abusos e crueldades.

3 DESAFIOS E LIMITES DAS SANÇÕES POR MAUS-TRATOS

A violência contra os animais no Brasil tem se tornado uma preocupação crescente, embora tenhamos uma vasta legislação, dentre elas a criação da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/2018), a Lei de Proteção Animal (Lei nº 11.794/2008), e a mais recente criação da Lei Sansão que aumentou as penas do crime de maus-tratos contra cães e gatos. A lei que ficou conhecida como Lei Sansão (Lei nº 14.064/2020), em homenagem a um pitbull que teve as suas patas traseiras decepadas por um homem em Confins/MG. A Lei 14.064/2020, acrescentou um parágrafo ao art. 32 prevendo uma qualificadora para os maus-tratos contra cães e gatos, com a seguinte redação

Art. 32 (…)

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.

Mesmo assim, a legislação atual não abrange todos os aspectos da violência contra animais. Como por exemplo, muitos casos de maus-tratos podem ser tratados como contravenções penais, que são nada mais nada menos que, infrações de menor potencial ofensivo, passíveis de penalidade. A  Lei nº 9.605/1998, prevê sanções penais e administrativas, com penas que variam de três meses a um ano de detenção, além de multa. Para maus-tratos a cães e gatos, a Lei nº 14.064/2020 aumenta a pena para reclusão de dois a cinco anos. Lembrando que as penas para contravenção penal são: 

Art. 5º As penas principais são:

   I – prisão simples.

   II – multa.

E que a duração da pena de prisão simples não pode ultrapassar o limite máximo de 5 (cinco) anos: 

Art. 10. A duração da pena de prisão simples não pode, em caso algum, ser superior a cinco anos, nem a importância das multas ultrapassar cinquenta contos.

Não podemos deixar de nos questionar, se talvez essa falta de rigor penal não seja a responsável pela sensação de impunidade, e que pode levar aos incentivos da prática desses atos violentos, perpetuando a sensação de que a vida dos animais é menos valiosa. 

Além disso, a banalização da violência contra os animais é constantemente refletida na cultura popular, onde imagens de crueldade e desrespeito em filmes, séries e até mesmo em redes sociais podem contribuir para a dessensibilização da sociedade. Quando atos de violência se tornam comuns ou são tratados como entretenimento, a percepção sobre o sofrimento animal se torna distorcida, e a empatia pode ser comprometida. 

4 CRUELDADE ANIMAL E INFÂNCIA: UM CASO ALARMANTE E SUAS IMPLICAÇÕES

No dia 12 de outubro de 2024, um menino de 9 (nove) anos participou da inauguração de uma fazendinha localizada dentro de um hospital veterinário, no dia seguinte, 13/10, o menino retornou ao local, invadindo o hospital, e massacrou 23 (vinte e três) animais durante 40 (quarenta) minutos. Alguns bichos foram arremessados contra a parede, tiveram as patas arrancadas e foram esquartejados. Eram vinte coelhos e três porquinhos-da-índia.

A Polícia Civil do Paraná (PCPR) informou que a criança não será punida, “como uma criança de 9 anos é a autora, não há implicações criminais”. 

Esse caso específico, que envolveu uma criança de 9 anos que foi capaz de praticar atos de extrema crueldade, traz à tona questões alarmantes sobre os impactos sociais, psicológicos e legais associados a comportamentos violentos praticados por crianças e adolescentes. 

Do ponto de vista psicológico, a prática de crueldade contra animais com tão pouca idade pode ser um indicador de traços de agressividade e distúrbios de comportamento, que se manifestam como uma falta de empatia e uma dificuldade de se colocar no lugar do outro. Estudos de várias épocas afirmaram que a crueldade contra os animais e a crueldade contra os humanos estão inter-relacionadas, NASSARO (NASSARO, 2013, p.16 e p.20) consta dizer a respeito da Teoria do Link – ou Elo – que é uma teoria desenvolvida por pesquisadores norte-americanos que associaram os maus-tratos contra animais a uma propensão ou risco elevado de haver violência também contra a pessoa no futuro. 

Tenhamos como exemplo: É bem conhecida a posição de J. Locke (1693/1989) que, em finais do século dezessete, num ensaio sobre a educação, afirmava o seguinte: 

“(…) atormentar ou matar animais irá pouco a pouco endurecer a sua mente contra os humanos; e os que se divertem com o sofrimento e com a destruição de criaturas inferiores não conseguirão manifestar grande compaixão nem grande bondade para com os da sua própria espécie”

Para diversos estudiosos, a crueldade contra animais é interpretada como um indício de um caráter insensível ou desumano, com disposição para provocar sofrimento desnecessário a seres mais frágeis e indefesos, frequentemente próximos ao agressor. Em outras palavras, a violência contra animais foi, durante muito tempo, analisada sob uma ótica moral ou filosófica, com a resolução voltada para uma educação que, desde cedo, ensine a criança a distinguir o certo do errado e a desenvolver sentimentos morais fundamentais para a convivência social, como empatia, culpa e vergonha.

Além disso, o impacto legal desse caso é complexo e desafiador, visto que o agressor é uma criança, que pela legislação vigente, está abaixo da idade de responsabilidade penal. Isso limita as medidas jurídicas imediatas, mas levanta a necessidade de se refletir sobre os mecanismos legais e de proteção social que possam atender tanto aos interesses da criança envolvida quanto da sociedade como um todo. As leis de proteção à criança e ao adolescente precisam ser adequadas para lidar com situações de extrema violência.

Por fim, o impacto social desse evento é imenso, pois não envolve somente o hospital veterinário e os animais afetados, mas a sociedade como um todo, que ao ver um ato de extrema violência ser cometido por uma criança que deveria ser “inocente”, sente-se profundamente insegura, pois esse comportamento desafia a ideia da infância como uma fase de inocência e empatia, gerando dúvidas sobre as falhas na educação e no desenvolvimento emocional dos jovens. Esse medo coletivo questiona a capacidade de proteção e exige políticas públicas mais robustas e levanta preocupações sobre o futuro e a eficácia das intervenções sociais e psicológicas, já que crianças estão fora da responsabilidade penal, o que limita as respostas legais.

A escolha deste tema é justificada pela relevância de discutir a impunidade em casos de violência, especialmente quando envolvem menores de idade, e os impactos que isso tem na formação de valores e ética na sociedade. A ausência de responsabilização legal efetiva para crianças e adolescentes que praticam atos de crueldade, como a violência contra animais, levanta questões profundas sobre as lacunas no sistema de proteção social e educacional. Esse debate é essencial para entender como a impunidade pode influenciar a percepção de consequências e limites éticos entre os jovens, e até mesmo em adultos, já que atitudes violentas sem intervenção adequada podem comprometer o desenvolvimento de valores como respeito, empatia e responsabilidade. Trazer esse tema à tona ajuda a sociedade a repensar estratégias de prevenção e educação, visando não só corrigir comportamentos problemáticos, mas também construir uma base ética sólida que contribua para a convivência harmoniosa e segura.

5     DA BANALIZAÇÃO E IMPUNIDADE EM CASOS ENVOLVENDO MENORES DE IDADE

A violência contra animais, particularmente quando praticada por menores de idade, tem se consolidado como um fenômeno preocupante que além de afetar diretamente o bem-estar dos seres não-humanos, pode gerar repercussões sociais e psicológicas para os próprios infratores. Nesse contexto, a percepção de impunidade é um dos principais fatores que contribui para a banalização desses atos violentos, levando a perpetuação e ampliação do problema em gerações futuras.

O conceito de “percepção de impunidade” refere-se à ideia de que os infratores acreditam que suas ações não resultarão em punições severas ou significativas. Em relação á violência contra animais cometida por menores, essa percepção é alimentada por um sistema jurídico e educacional que por muitas vezes, trata esses casos de forma menos rigorosa do que aqueles envolvendo crimes contra seres humanos. (SHEFFER, 2019, p. 34). 

O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), por exemplo, privilegia medidas de reintegração e educação para adolescentes infratores, mas há sempre uma efetiva punição ou intervenção preventiva para os casos de maus-tratos a animais. 

          Como se observa a própria entidade estabelece em seu Art.103, o ato infracional como sendo uma conduta descrita como crime ou contravenção penal, mas praticada por criança ou adolescente. Quando se trata de menores com menos de 12 anos, a lei não considera suas ações como crimes, mas como atos infracionais, e aplica medidas socioeducativas que priorizam a orientação e o tratamento e o complemento vem no artigo 105 do ECA que descreve as medidas que podem ser aplicadas nesses casos, como o encaminhamento aos pais ou responsáveis, apoio psicológico, matrícula em instituições educacionais e, em casos mais graves, a inclusão em programas de acolhimento institucional ou familiar.  Esse cenário pode levar o infrator juvenil a acreditar que suas ações não são suficientemente graves para implicar sanções significativas, o que gera um ambiente de permissividade para tais comportamentos (SHEFFER, 2019).

O recente caso do garoto de 9 anos invadiu a área externa de um hospital veterinário que possuía uma “fazendinha” com animais e praticou atos de extrema violência contra eles, resultando na morte de 20 coelhos e três porquinhos-da-índia. É um exemplo claro, pois apesar s responsáveis legais pelo menor (os pais) poderem ser responsabilizados na esfera cível, caso o dono dos animais decida buscar reparação pelos danos materiais e morais causados pela violência do menor a gravidade dos atos, o garoto, por ser menor de 12 anos, não será responsabilizado criminalmente, pois, segundo a legislação brasileira, menores de 12 anos são inimputáveis, ou seja, não podem ser considerados culpáveis por crimes. 

A prior, o estudo aqui em si, não visa a punição dos menores, apenas demonstrar que a ausência de punição eficaz em casos de violência contra animais comumente resulta em uma sensação de impunidade que, segundo a criminologia, funciona como um “reforço positivo” para os agressores, que não percebem as consequências de suas ações. Isso pode gerar um ciclo em que o infrator juvenil, ao não ser responsabilizado adequadamente, pode sentir que está “acima da lei”, desenvolvendo uma maior propensão a cometer outros atos de violência, não apenas contra os animais, mas também contra outros seres humanos. Pesquisas realizadas por Kellert e Felthous (1985) demonstram que os menores que praticam atos de crueldade contra os animais são, muitas vezes, mais propensos a exibir comportamentos agressivos na vida adulta, o que reforça a importância de uma intervenção eficaz desde a infância para evitar a continuidade dessa violência. 

De acordo com Agnew (1998), o abuso animal pode ser um fator preditivo para comportamentos violentos no futuro. Isso significa que, além da responsabilização do menor, é crucial que medidas preventivas, como programas de conscientização e educação ética, sejam implementadas.

6   O FATOR DA CRUELDADE CONTRA ANIMAIS NA INFÂNCIA 

A conexão entre abusos cometidos contra animais por crianças e o desenvolvimento de outras formas de violência, sugerem em primeira ordem, que essas atitudes podem ser um reflexo de comportamentos mais amplos e de questões psicológicas subjacentes. 

          O recente caso de Nova Fátima reacende o debate sobre as causas que levam uma criança a se envolver em atos de crueldade contra animais. O episódio traz à tona a urgência de se entender os mecanismos que levam a essa violência, de modo a prevenir a repetição desses comportamentos e abordar suas raízes de maneira eficaz.

Primeiramente é de se esclarecer que o contexto social na qual se encontra o indivíduo menor de idade. É de conhecimento de todos que ambientes de desenvolvimento e acolhimento, principalmente com a convivência harmônica com animais, tem uma probabilidade maior de gerar indivíduos de boas índoles, por outro lado, ambientes precários e de muito stress, e abusivos, tendem a gerar com maior probabilidade pessoas violentas. Em seu poema “nunca aposte sua cabeça com o diabo”, Edgar Allan Poe cita:

 “O mundo gira da direita pra esquerda. De nada adianta bater em uma criança da esquerda para direita. Se cada golpe na direção certa expulsa uma tendência para o mal, cada pancada na direção contrária incute no castigo uma dose extra de perversidade” (POE, E. A., 2024.)

Essa citação destaca a relação direta entre os métodos de disciplina e os efeitos que eles podem ter sobre o comportamento da criança. Em vez de educar ou corrigir, a violência por muitas vezes gera mais violência, aprofundando comportamentos destrutivos e perversos. Ou seja, o castigo mal aplicado reforça a crueldade criando um espiral de violência.

Crianças em ambientes violentos podem expressar sua raiva e frustração por meio da violência contra animais, uma vez que se tornam vítimas mais vulneráveis. Por outro lado, o abuso e maus-tratos contra animais podem refletir um padrão comportamental apreendido, onde a agressão é vista como uma forma aceitável de lidar com emoções, quase que um aspecto cultural daquele ambiente. 

O ponto em que se estabelece essa Teoria do Elo de Frank Ascione e Phil Arkow que propõe uma ponte entre os maus-tratos a animais, o abuso infantil e a violência doméstica, sugerindo que a violência contra os animais pode ser um indicativo de outros tipos de abuso na dinâmica familiar. Eles perceberam que, muitas vezes, o sofrimento animal não é um ato isolado, mas um reflexo de padrões de abuso mais amplos dentro do ambiente doméstico. Essa teoria aborda e alerta para a interdependência das formas de violência e como elas podem se manifestar em múltiplas direções, afetando crianças, mulheres e animais de uma mesma família.  (Ascione,1999).

Estudos demonstram que essa conexão não é apenas teórica, mas uma realidade com consequências graves. Como McEwen e colaboradores (2014) revelam que 27,1% de adultos que, na infância, foram vítimas de violência doméstica também se tornaram agressores de animais, e 93% dos agressores de animais possuem histórico de cometerem outras infrações penais esse dado evidencia como o abuso, muitas vezes, pode criar um ciclo vicioso de violência, onde os indivíduos que experimentam a dor e o sofrimento podem, mais tarde, replicar essas agressões em outros seres vivos. (McEwen,2014).

Esses números nos forçam a refletir sobre a necessidade urgente de intervenção precoce e da construção de políticas públicas que não apenas protejam as vítimas humanas, mas também os animais. Quando os profissionais identificam sinais de crueldade animal, como no caso de crianças que cometem abusos contra animais, é crucial considerar essas ações dentro de um contexto mais amplo de abuso familiar. A falta de empatia, muitas vezes expressa em atitudes violentas, pode ser um sinal de que o ambiente familiar é tóxico e precisa ser tratado.

O ciclo de violência que se perpetua ao longo das gerações exige, portanto, uma abordagem integrada. A prevenção não pode ser limitada a ações punitivas, mas deve envolver um trabalho de conscientização, educação e apoio psicológico para as vítimas, sejam elas crianças, mulheres ou animais. É vital que se crie uma rede de proteção que perceba as múltiplas faces da violência e promova a ruptura desse ciclo, oferecendo não apenas acolhimento, mas também ferramentas para a transformação de comportamentos violentos e destrutivos.

Nesse contexto, o papel dos pais como educadores no combate à violência contra os animais desde a infância é fundamental, pois é no ambiente familiar que as primeiras lições de empatia, respeito e cuidado com os outros seres vivos são aprendidas.

A empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro e compreender suas emoções e sofrimentos, é uma habilidade essencial para a convivência harmoniosa, tanto entre seres humanos quanto em relação aos animais. A empatia também está diretamente ligada ao desenvolvimento emocional da criança. O desenvolvimento da empatia começa de forma muito precoce, mesmo antes de aprender a falar, entre os 6 e 12 meses, os bebês já demonstram reações a expressões de emoções, como chorar ao ouvir outros bebês chorando ou se sentindo desconfortáveis quando veem alguém em apuros. Esses sinais iniciais de empatia acontecem de forma intuitiva, pois os bebês começam a reconhecer e reagir ao sofrimento e ao bem-estar de outras pessoas ao seu redor. 

Ensinar uma criança a lidar com suas emoções de forma saudável é uma das formas mais eficazes de prevenir comportamentos violentos. Crianças que têm dificuldades para expressar ou controlar suas emoções, como raiva, frustração ou medo, podem acabar direcionando esses sentimentos para os animais ou para os outros membros da família. 

A criança deve aprender a cuidar de um animal, a perceber suas necessidades, seus sentimentos e sua dependência, é uma forma eficaz de educá-la para o respeito à vida e à dignidade de todos os seres vivos.

7      RESPONSABILIDADE PENAL DE MENORES: ASPECTOS LEGAIS E LIMITES NORMATIVOS

A responsabilização penal de crianças e adolescentes no Brasil é limitada pela inimputabilidade, que é a impossibilidade de serem considerados culpados por cometerem crimes. 

De acordo com Karyna Batista Sposato (2013, p.40), a conduta de um adolescente será considerada ato infracional somente se atender aos mesmos critérios que caracterizam uma infração penal. Dessa forma, a pena criminal é o parâmetro para identificar fatos de relevância infracional, e a definição de ato infracional está diretamente vinculada ao Princípio da Legalidade. 

Nesse sentido, um adolescente não pode ser responsabilizado por uma conduta que não seja tipificada como crime ou contravenção penal. Já no caso das crianças, classificadas como indivíduos com até 12 (doze) anos incompletos, caso cometam um ato infracional, serão aplicadas as medidas de proteção previstas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, como: Encaminhamento aos pais ou responsáveis com assinatura de termo de responsabilidade, orientação, apoio e acompanhamento temporários, matrícula e frequência obrigatória no ensino fundamental em instituição oficial, inclusão em serviços ou programas comunitários e oficiais de apoio à família, à criança e ao adolescente, requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, seja ambulatorial ou hospitalar, participação em programas de auxílio, orientação e tratamento para alcoólatras e dependentes químicos, acolhimento institucional, inserção em programa de acolhimento familiar e colocação em família substituta. Ou seja, crianças que cometem atos infracionais não são submetidas a medidas socioeducativas, mas a medidas de proteção.

Dessa forma, embora o ECA assegure direitos e estabeleça limites claros para a responsabilização de menores, há desafios relacionados à implementação prática dessas medidas. Problemas estruturais, como a falta de vagas adequadas em unidades socioeducativas, o estigma social e a reincidência, ainda limitam a eficácia do sistema socioeducativo. 

Alyrio Cavallieri, em seu livro Falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente, publicado pela Editora Forense em 1995, criticou principalmente a falta de infraestrutura nas instituições responsáveis pelas medidas socioeducativas, Cavallieri aponta que muitas dessas instituições, especialmente aquelas destinadas a internação, carece de recursos e condições adequadas para cumprir com os objetivos pedagógicos e reabilitadores definidos pelo ECA. Essa precariedade compromete a eficácia das medidas e contribui para a reincidência, enfraquecendo o propósito reabilitador do sistema. (CAVALLIERI. 1995). 

Outro ponto analisado é a generalização das medidas de proteção aplicadas às crianças que cometem atos infracionais. Segundo Cavallieri, essas medidas frequentemente desconsideram as particularidades de cada caso, resultando em respostas inadequadas às necessidades específicas de proteção e correção. Essa abordagem genérica, em casos mais graves, pode gerar a sensação de impunidade, tanto para os envolvidos quanto para a sociedade, enfraquecendo a credibilidade das intervenções do Estado. (CAVALLIERI. 1995). 

Por fim, o autor critica ainda a ambiguidade na responsabilização de adolescente. Ele argumenta que as medidas socioeducativas exclusivas para infratores menores de idade são insuficientes diante de atos de maior gravidade, como homicídios e outros crimes violentos. A limitação das respostas legais, baseada exclusivamente no sistema socioeducativo, alimenta debates sobre a adequação do ECA para lidar com situações que demandam respostas mais rigorosas e diferenciadas, sem deixar de lado a função pedagógica e reabilitadora. (CAVALLIERI. 1995). 

Essas críticas evidenciam desafios significativos na implementação do ECA e geram debates sobre possíveis ajustes que conciliem a proteção integral com a necessidade de responsabilização proporcional às gravidades dos atos infracionais.

A brutalidade do caso do garoto de 9 anos que invadiu a área externa do hospital veterinário que possuía uma “fazendinha” com animais e praticou atos de extrema violência contra eles, resultando na morte de 20 coelhos e três porquinhos-da-índia, expõe a necessidade de rever e adaptar algumas disposições do ECA para atender de forma mais adequada situações que vão além do esperado comportamento infracional. 

O ECA não apresenta diretrizes especificas para lidar com atos infracionais que envolvam crueldade contra animais, deixando esses casos sob as medidas gerais aplicadas a outros atos infracionais. Isso pode resultar em sanções inadequadas que não refletem a gravidade ou as particularidades do comportamento violento.  

Além disso, como já foi explanado, casos de extrema violência contra animais frequentemente indicam problemas psicológicos subjacentes, como a ausência de empatia ou sinais de transtornos comportamentais. O estatuto não prevê medidas específicas voltadas para o diagnóstico e tratamento desses fatores, o que compromete a prevenção de reincidências e possíveis escaladas para atos de violência contra humanos.  

Casos de violência extrema contra animais cometidos por menores, como o mencionado, desafiam o ECA a ser mais responsivo às nuances de atos infracionais que refletem comportamentos profundamente preocupantes. A revisão de suas disposições deve buscar um equilíbrio entre proteção, responsabilização e reabilitação, garantindo respostas proporcionais que previnam tanto a reincidência quanto a escalada para crimes mais graves.

8 DOS OLHARES PRÓXIMOS AOS MAUS-TRATOS  

A luta contra a violência e os abusos cometidos contra os animais tem ganhado força graças ao trabalho incansável de ONGs e projetos sociais que atuam na defesa dos direitos dos animais. Essas iniciativas desempenham um papel essencial na conscientização da sociedade, incentivando uma transformação nos hábitos e atitudes das pessoas em relação aos seres não humanos. Ao promoverem ações de resgates, cuidados médicos e, principalmente, educação sobre o respeito à vida animal, essas organizações não só atuam em benefício dos animais, mas também nas comunidades, estimulando a empatia e o reconhecimento de que os direitos dos animais devem ser preservados de forma integral.

A ONG O Guia do Bem, localizada em Campo Formoso, é um exemplo claro da força e importância dessas ações. Criada em 2016, a organização tem se dedicado a proteger os animais e proporcionar um futuro melhor para aqueles que sofrem com maus-tratos. Seu trabalho vai além do resgate: envolve parcerias com veterinários locais, realização de tratamentos, cirurgias e acompanhamento contínuo de animais que chegam em estado crítico, vítimas de violência, negligência ou abandono. Além disso, a ONG conta com o auxílio de um grupo de voluntários que se dedica ao cuidado dos animais, trabalhando arduamente para resgatar aqueles que se encontram em situações extremas de sofrimento.

Um dos casos mais emblemáticos dessa atuação aconteceu em 2022 com uma cadela que foi resgatada após denúncias de abusos sexuais cometidos por um morador da zona rural. Quando a equipe de voluntários chegou ao local, se deparou com uma situação chocante: a cadela estava em estado crítico e sofria de sequelas físicas e psicológicas graves devido ao abuso. O agressor, ao ser questionado, justificou suas ações de maneira ainda mais absurda, dizendo que a cadela era sua “esposa”, o que revela a crueldade e distorção de valores presentes em algumas mentalidades. Este tipo de violência, que é muitas vezes difícil de compreender, é uma das manifestações mais extremas de abuso animal e, infelizmente, acontece com frequência em muitas regiões.(@guiadobemcf)

O trabalho da ONG O Guia do Bem foi essencial para salvar a vida da cadela, que recebeu tratamento médico adequado e foi posteriormente encaminhada para um novo lar, onde agora vive em segurança e bem-estar. No entanto, o fato de o agressor ter sido liberado sem punição é um reflexo das lacunas na legislação e da falta de rigor nas punições aos criminosos que cometem abusos contra os animais. Esse episódio ilustra, de forma pungente, como a proteção legal aos direitos dos animais ainda é um desafio no Brasil e como é fundamental reforçar a luta por um sistema de justiça que garanta a punição dos responsáveis por maus-tratos.

A atuação de organizações como o Guia do Bem é um exemplo de como, com dedicação e apoio comunitário, é possível transformar a realidade dos animais em situação de vulnerabilidade. Além de oferecer cuidados médicos e um futuro mais digno aos animais resgatados, essas ONGs também contribuem de maneira significativa para a formação de uma cultura de respeito e responsabilidade no trato com os animais. A conscientização de que os animais têm direito a uma vida livre de abusos, dor e sofrimento é um passo essencial para a construção de uma sociedade mais justa e compassiva.

Por meio do trabalho dessas organizações, as comunidades começam a perceber a importância da empatia e da solidariedade com os animais, que, assim como os seres humanos, merecem proteção e respeito. Além disso, essas iniciativas também incentivam a reflexão sobre o papel que cada indivíduo tem na sociedade, incentivando uma mudança de mentalidade em relação à forma como tratamos os seres vivos ao nosso redor. A luta pela proteção animal é, portanto, uma causa que ultrapassa o cuidado com os animais em si e se conecta com a transformação de nossa própria sociedade, rumo a uma convivência mais harmônica e humanitária.

9 PROPOSTAS DE ALTERNATIVAS 

9.1.   Criação de Medidas Especificas para Atos de Crueldade Contra Animais

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa avançar no reconhecimento da gravidade dos atos de crueldade contra animais, estabelecendo medidas especificas que abordem essas infrações de forma pedagógica, preventiva e restaurativa. A inclusão de programas obrigatórios de conscientização sobre o bem-estar animal pode servir como uma ferramenta educativa essencial.  Essas iniciativas poderiam ser realizadas parcerias com ONGs e instituições de proteção animal, promovendo atividades que sensibilizem o adolescente quanto ao valor da vida animal e a interconexão entre todas as formas de existência. Além disso, seria recomendável que os adolescentes participassem de ações comunitárias, como cuidados em abrigos de animais ou em projetos educativos, reforçando a compreensão de suas responsabilidades éticas e sociais. 

9.2.   Incorporação de Avaliações Psicológicas Obrigatórias

Casos de violência contra animais, sobretudo os mais brutais, muitas vezes refletem problemas psicológicos mais profundo, como fora explicado previamente, esses problemas precisam ser avaliados e tratados de maneira especializada. Assim, o ECA deveria prever avaliações psicológicas e psiquiátricas obrigatórias em todos os casos de extrema violência, realizadas por profissionais capacitados e de forma contínua. Além do diagnóstico, o adolescente deveria ser inserido em plano terapêutico que inclua tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, com foco na reabilitação emocional e comportamental. Essa medida é essencial para prevenir a progressão de comportamentos violentos que, segundo estudos, podem se estender futuramente a outros seres vivos, inclusive seres humanos. 

9.3.   Aperfeiçoamento do Acompanhamento das Medidas

A efetividade das medidas socioeducativas depende diretamente de sua correta aplicação e acompanhamento. É necessário que haja um monitoramento rigoroso, que inclui visitas regulares de profissionais às instituições onde o adolescente está inserido, além de relatórios éticos. Também seria valiosa a integração com organizações de proteção animal e educadores especializados, que podem oferecer uma perspectiva prática e educativa ao processo de reabilitação. Para evitar a reincidência, seria necessário um sistema de transição após o cumprimento das medidas, auxiliando o adolescente a retornar ao convívio social com maior compreensão sobre as implicações de suas ações.

9.4.   Ampliação do Debate Sobre Responsabilização

Embora o ECA tenha como princípio a proteção integral da criança e do adolescente, a gravidade de alguns atos infracionais, como os relacionados a violência contra animais, demanda reflexões mais amplas sobre os limites e possibilidades do sistema atual. É importante que a sociedade e o legislador discutam a possibilidade de criar sanções mais robustas e específicas para infrações graves, respeitando os limites constitucionais e o princípio da pedagogia das medidas socioeducativas. Essas sanções podem incluir restrições de direitos ou a intensificação de medidas educativas, que busquem um equilíbrio entre proteção, responsabilização e prevenção. 

10 CONCLUSÃO

Casos como o do menino de 9 anos que assassinou brutalmente 23 animais são um alerta urgente para a necessidade de reavaliar o sistema de responsabilização de menores no Brasil. O episódio evidencia lacunas no ECA no que diz respeito à abordagem de atos de extrema violência e reforça a importância de políticas que sejam ao mesmo tempo educativas, preventivas e restaurativas.

Um sistema mais eficiente e rigoroso é necessário não apenas para proteger os animais, mas também para contribuir na formação ética e cidadã das novas gerações. A violência contra animais não é apenas um problema de proteção ambiental, é também um reflexo de questões sociais, psicológicas e cultuais que precisam ser tratadas de forma abrangente e integrada. 

Portanto, além de reavaliar a legislação, é indispensável fomentar uma cultura de respeito e empatia, que deve ser construída desde a infância. A prevenção sempre é o caminho mais eficaz para evitar que atos de crueldade se perpetuem. Assim, a revisão do ECA, aliada à educação e ao engajamento da sociedade, pode ser a chave para um futuro onde a violência contra animais seja trata com seriedade e a responsabilidade que merece.

Os casos de violência extrema contra animais praticados por menores representam mais do que um problema jurídico ou social; eles revelam falhas profundas na formação ética e emocional de nossa sociedade. Esses atos não podem ser ignorados ou tratados de maneira superficial, pois possuem implicações que transcendem o sofrimento dos animais e afetam diretamente os próprios infratores, suas famílias e a coletividade.

O episódio do menino de 9 anos que assassinou 23 animais não é apenas um sinal de alerta sobre a eficácia do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também uma oportunidade para reavaliar como o Brasil lida com questões tão sensíveis e complexas. A legislação atual, embora orientada pelo princípio da proteção integral, precisa ser aprimorada para incluir medidas específicas e eficazes que abordem atos de extrema violência contra animais. Isso implica não apenas em responsabilização proporcional, mas também em estratégias preventivas, como a obrigatoriedade de avaliações psicológicas e a implementação de programas educativos focados na empatia e no respeito à vida.

Além disso, é fundamental entender que a violência contra animais é muitas vezes um reflexo de problemas maiores, como ambientes familiares disfuncionais, negligência emocional e ausência de suporte educacional. Por isso, a resposta a esses casos deve ir além da esfera jurídica, englobando ações integradas de educação, assistência psicológica e engajamento comunitário. É necessário criar uma rede de proteção que não apenas combata os atos de violência, mas que também promova a conscientização e a transformação cultural, estimulando valores éticos desde a infância.

A sociedade, por sua vez, tem um papel crucial nesse processo. Ações individuais e coletivas, como o apoio a ONGs de proteção animal, a denúncia de casos de maus-tratos e a promoção de debates sobre o tema, são passos essenciais para construir uma cultura de empatia e respeito. Mais do que punir, é preciso educar, prevenir e transformar, garantindo que os erros do presente não sejam replicados no futuro.

Portanto, a violência contra animais deve ser tratada com a seriedade que merece, não apenas como um problema isolado, mas como um sintoma de questões mais profundas que afetam a sociedade como um todo. É por meio de uma abordagem integrada – que combine legislação aprimorada, educação ética e políticas públicas eficazes – que será possível construir um futuro onde a proteção dos animais seja não apenas uma responsabilidade legal, mas também um compromisso moral de todos. Essa transformação começa com a conscientização de que todos os seres vivos merecem viver com dignidade, e que cada ação em prol disso contribui para uma sociedade mais justa, compassiva e equilibrada.

REFERÊNCIAS:

AGNEW, Robert. Pressured into Crime: An Overview of General Strain Theory. 1998.

ASCIONE, F. R. Child abuse, domestic violence, and animal abuse : linking the circles of compassion for prevention and intervention. West Lafayette: Purdue University Press, 1999. 

ARAÚJO, C. Combater os maus-tratos aos animais é um dever de todos. Disponível em: <https://www.crmvrn.gov.br/2023/05/09/combater-os-maus-tratos-aos-animais-e-um-dever-de-todos-2/>. Acesso em: 18 nov. 2024.

BRASIL tem quase 185 mil animais resgatados por ONGs: Cerca de 60% deles foram salvos de situações de maus-tratos. CNN BRASIL , Rio de Janeiro, p. 01, 8 ago. 2022. DOI https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil-tem-quase-185-mil-animais-resgatados-por-ongs-diz-instituto/. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil-tem-quase-185-mil-animais-resgatados-por-ongs-diz-instituto/. Acesso em: 28 out. 2024.

Camargo, I., Fernandes, M. N., Yakuwa, M., Carvalho, A. M., Santos, P., Gherardi-Donato, E., & Mello, D. (2018). Resiliência em crianças e adolescentes vítimas de estresse precoce e maus-tratos na infância. SMAD Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas, 13(3), 156-166. DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v13i3p156-166. Disponível em: Revistas USP. Acesso em: 12 dez. 2018

CAVALLIERI, A. Falhas do Estatuto da criança e do adolescente: 395 objeções. 1995. 

ESTRELA, G. Criança que massacrou 23 animais disse que não foi a primeira vez. Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/crianca-que-massacrou-23-animais-disse-que-nao-foi-a-primeira-vez>.

Guia do Bem (@guiadobemcf) • fotos e vídeos do Instagram. Disponível em: <https://www.instagram.com/guiadobemcf/?hl=pt>. Acesso em: 25 nov. 2024.

Lei 14.064/2020: aumenta a pena do crime de maus-tratos contra cães e gatos (Lei Sansão). Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2020/09/lei-140642020-aumenta-pena-do-crime-de.html>. Acesso em: 18 nov. 2024.

KELLERT, Stephen R.; FELTHOUS, Alan. Childhood Cruelty toward Animals Among Criminals and Noncriminals. 1985.

Locke, J. (1989). Some thoughts concerning education (5ed. – J.W. & J.S. Yolton,      eds). Oxford: Clarendon Press (Trabalho originalmente publicado em 1693).

MELLOR, D.J. REID, C.S.W. Concepts of animal well-being and predicting theimpact of procedures on experimental animals. 1994. Disponível em:<http://org.uib.no/dyreavd/harmbenefit/Concepts%20of%20animal%20wellbeing%20and%20predicting>. Acesso em: 18 Nov de 2021 > acesso em 28 out.2024

    POE, E. A. Nunca Aposte sua Cabeça com o Diabo. [s.l.] SAMPI Books, 2024.

TEORIA DO ELO? TEORIA DO ELO? TEORIA DO ELO? . [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://vet.ufmg.br/wp-content/uploads/2023/03/vOCE-JA-OUVIUFALAREMTEORIA.pdf>.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DOUTORADO EM DIREITO PÚBLICO KARYNA BATISTA SPOSATO ELEMENTOS PARA UMA TEORIA DA RESPONSABILIDADE PENAL DE ADOLESCENTES. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/15283/1/Tese%20-%20Karyna%20Batista%20Sposato.pdf>.

SHEFFER, Gisele Kronhardt. A Criminologia e os Maus-Tratos a Animais: Abordagens, Causas e Efeitos Sociais. 2019.


¹ Bacharelando no curso de Direito da Faculdade AGES, Campus Senhor do Bonfim. E-mail: marcusvix15@gmail.com
² Bacharelando no curso de Direito da Faculdade AGES, Campus Senhor do Bonfim. E-mail: Vitoryamaiaadv@gmail.com
³ Advogado, Bacharel em Direito pela Facape, e especialista em Direito Eleitoral pela PUC-MG. E-mail: joao17lucas2012@outlook.com