RELATOS DE EXPERIÊNCIA NO ENSINO DE CIÊNCIAS: PRÁTICAS E REFLEXÕES

REPORTS OF EXPERIENCE IN TEACHING BIOLOGICAL SCIENCES: practices and reflections

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412111222


Maria Socorro dos Santos Portela1
Elielson Borges da Rocha2


RESUMO

O ensino de Ciências é essencial para o desenvolvimento do pensamento crítico e científico dos alunos, além de abordar temas como meio ambiente, saúde e sustentabilidade. No entanto, o modelo tradicional de ensino, focado na transmissão expositiva de conteúdos, muitas vezes não proporciona uma aprendizagem significativa. Assim, o presente trabalho teve como objetivo relatar a experiência de estágio supervisionado em uma turma do Ensino Fundamental II, na disciplina de Ciências, com foco no uso de metodologias ativas como estratégia de ensino. A metodologia utilizada envolveu a observação participante, planejamento e aplicação de aulas práticas, além da coleta de dados por meio de registros em diário de campo e feedbacks informais dos alunos. Constatou-se que a metodologia expositiva, embora estruturada, restringe a participação ativa dos alunos, enquanto o trabalho em duplas, realizado na turma do 6º ano, demonstrou potencial para fortalecer a cooperação e o aprendizado conjunto, mesmo com falta de recursos. Na turma do 9º ano, a utilização de um questionário imediato ao final da aula proporcionou um feedback essencial, facilitando a identificação de lacunas no aprendizado. O estudo conclui que a diversidade de metodologias, aliada ao uso de materiais complementares, pode enriquecer o ensino de Ciências e atender às diferentes necessidades dos alunos, apesar dos desafios estruturais enfrentados nas escolas.

Palavras-chave: Aprendizagem Significativa. Ensino Fundamental. Práticas Pedagógicas.

1 Introdução

O ensino de Ciências ocupa um papel de destaque na educação básica, pois abrange temas que são essenciais para a formação de cidadãos conscientes sobre o meio ambiente, a saúde e os seres vivos que os cercam. Além disso, essa área do conhecimento é crucial para o desenvolvimento do pensamento crítico e científico, preparando os alunos para lidar com questões globais, como mudanças climáticas, sustentabilidade e avanços biotecnológicos. No entanto, ensinar Ciências de forma significativa e envolvente apresenta inúmeros desafios, especialmente devido à complexidade dos conteúdos e à necessidade de articulação entre teoria e prática (Hofstatter et al., 2023)

O estudo de Garcez et al. (2023) pontua que uma das principais dificuldades enfrentadas por professores de Ciências é a manutenção do interesse e do engajamento dos alunos, principalmente em um cenário onde as novas tecnologias e fontes de distração são abundantes. Os autores comentam ainda que a forma tradicional de ensino, baseada predominantemente em aulas expositivas, muitas vezes não consegue despertar a curiosidade e o entusiasmo dos estudantes. Nesse sentido, novas abordagens pedagógicas que envolvem metodologias ativas e práticas experimentais podem ser fundamentais para criar uma conexão mais próxima entre os alunos e os conteúdos biológicos (Garcez et al., 2023).

O relato de estágio realizado neste trabalho foi uma oportunidade de refletir sobre a prática pedagógica e explorar estratégias inovadoras para o ensino de Ciências. A experiência em sala de aula forneceu subsídios para compreender os desafios cotidianos da docência e como diferentes metodologias podem impactar o processo de ensino-aprendizagem (Saviani, 2013; Falkenberg et. al, 2014).

Este estudo concentrou-se em relatar e analisar experiências vivenciadas durante o estágio supervisionado em uma turma de Ensino Fundamental II, no município de Vitória do Jari, Amapá, localizada na área urbana do município. Tendo como foco diferentes práticas pedagógicas, uma vez que influenciam a aprendizagem dos estudantes e identificar quais metodologias são mais eficazes na promoção de uma aprendizagem significativa. A reflexão sobre essas práticas foi realizada à luz de teorias educacionais e com base na observação e interação com os alunos.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O Ensino de Ciências no Ensino Fundamental II

O ensino de Ciências no Ensino Fundamental II tem uma importância enorme na formação dos alunos, pois ajuda a desenvolver um olhar mais crítico sobre o mundo ao seu redor, além de despertar o interesse pela natureza e os fenômenos naturais. Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o ensino de Ciências deve estimular a curiosidade dos estudantes e aproximá-los de uma visão investigativa sobre o mundo, promovendo o desenvolvimento de habilidades científicas essenciais, como a observação, a formulação de hipóteses e a análise crítica (BRASIL, 2018). Para isso, o conteúdo não pode se limitar a conceitos abstratos; é necessário que seja conectado ao cotidiano dos alunos.

De acordo com Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011), o ensino de Ciências no Brasil muitas vezes foi caracterizado pela memorização de informações e pouca contextualização com a realidade dos alunos. Esse modelo tradicional, muito focado na repetição de conteúdos, acaba afastando o interesse dos estudantes, que não conseguem ver sentido prático no que aprendem. Isso torna o aprendizado mais difícil e menos significativo.

Carvalho (2013) observa que, para que o aprendizado de Ciências seja realmente significativo, é preciso que os alunos participem ativamente das aulas, através de atividades práticas e interativas. Quando eles experimentam, discutem e aplicam o que estão aprendendo, conseguem construir um entendimento mais sólido e contextualizado dos conceitos científicos. As aulas expositivas ainda são importantes, mas é a combinação com atividades práticas que faz a diferença.

O ensino de Ciências também tem um papel essencial na construção de uma consciência ambiental e social entre os alunos. Mendonça e Giordan (2017) defendem que as aulas de Ciências devem ir além do conteúdo científico e envolver reflexões sobre temas globais, como o impacto das ações humanas no meio ambiente e questões de saúde pública. Assim, os alunos são levados a pensar criticamente sobre o seu papel no mundo e a tomar decisões mais responsáveis em relação ao uso dos recursos naturais.

Um ponto essencial é a variedade de estratégias didáticas utilizadas para tornar o aprendizado mais interessante e acessível. Faria e Laburú (2018) destacam que o uso de experimentos práticos, visitas a museus, recursos audiovisuais e tecnologias digitais contribui significativamente para o processo de aprendizagem. Essas ferramentas tornam o conteúdo mais concreto e palpável, facilitando a compreensão dos alunos sobre temas abstratos, como genética ou ecossistemas.

A aprendizagem, como afirmava Piaget (1976), se dá através da interação entre o indivíduo e o ambiente. Isso significa que a experimentação e a prática são cruciais para a construção do conhecimento. No ensino de Ciências, isso pode ser feito através de experiências simples, que permitam aos alunos testarem hipóteses, observar os resultados e entender como os conceitos científicos funcionam na prática.

Além das atividades práticas, o ensino de Ciências pode se beneficiar de uma abordagem interdisciplinar. Delizoicov e Angotti (2011) argumentam que, ao conectar os conteúdos de Ciências com outras áreas do conhecimento, como Matemática e Geografia, os alunos conseguem ter uma visão mais ampla e integrada dos fenômenos naturais. Essa conexão torna o aprendizado mais significativo, pois mostra como os diferentes saberes se interligam.

Uma estratégia que pode ser muito eficaz no ensino de Ciências é o uso de projetos investigativos. Macedo (2000) sugere que, ao investigar problemas reais, os alunos não apenas aprendem o conteúdo científico, mas também desenvolvem habilidades importantes, como a pesquisa, a análise crítica e a comunicação. Isso torna o aprendizado mais ativo e menos dependente da repetição de informações.

Portanto, o papel do professor é fundamental para garantir que essas práticas se concretizem. Freire (1996) nos lembra que o professor não deve ser apenas um transmissor de conteúdo, mas sim um facilitador, alguém que guia os alunos no processo de descoberta e construção do conhecimento. Essa postura ativa e reflexiva é essencial para que o ensino de Ciências seja verdadeiramente eficaz.

2.2 Metodologias Ativas no Ensino de Ciências

As metodologias ativas de ensino, que colocam o aluno no centro do processo de aprendizagem, têm se mostrado extremamente eficazes no ensino de Ciências. Essas práticas buscam envolver os alunos de maneira mais direta e participativa, promovendo a autonomia, a colaboração e o pensamento crítico. Segundo Morán (2015), as metodologias ativas transformam a dinâmica da sala de aula, tirando o foco exclusivo do professor e colocando o aluno como protagonista do seu próprio processo de aprendizagem.

Uma das metodologias ativas mais utilizadas no ensino de Ciências é a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Barrows (1986) descreve a ABP como uma estratégia onde os alunos são confrontados com problemas reais que precisam resolver usando o conhecimento científico. No ensino de Ciências, essa metodologia pode ser aplicada em questões relacionadas à saúde, ao meio ambiente ou à biodiversidade, por exemplo. Isso estimula o aluno a buscar soluções e aplicar os conceitos aprendidos em situações concretas.

Outra metodologia muito eficaz é o ensino por investigação, que envolve os alunos na formulação de hipóteses e na condução de experimentos para responder a perguntas científicas. O estudo de Carvalho (2013) explica que esse método estimula a curiosidade natural dos alunos e os aproxima do método científico, pois eles passam a vivenciar o processo de pesquisa na prática. No ensino de Ciências, essa abordagem é especialmente útil para que os alunos compreendam como o conhecimento científico é construído.

Os projetos colaborativos são outra estratégia importante no ensino de Ciências. Johnson e Johnson (1999) defendem que o trabalho em grupo permite que os alunos compartilhem conhecimentos, troquem ideias e aprendam uns com os outros. Em Ciências, esses projetos podem envolver a análise de ecossistemas locais, por exemplo, incentivando os alunos a aplicarem o conhecimento teórico na prática. A colaboração promove o desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas que são essenciais para a vida acadêmica e profissional.

O uso de tecnologias digitais também vem ganhando destaque como uma ferramenta poderosa no ensino de Ciências. Prensky (2011) sugere que as tecnologias, como simuladores, jogos educativos e plataformas interativas, podem tornar o ensino mais atrativo e dinâmico. No ensino de Ciências, essas ferramentas permitem que os alunos visualizem e interajam com conteúdo complexos, como o funcionamento do corpo humano ou os ciclos ecológicos, de maneira mais envolvente.

As metodologias ativas também estão alinhadas com os princípios da aprendizagem significativa. Ausubel (2000) defende que, para que o aprendizado seja realmente eficaz, o aluno precisa relacionar os novos conhecimentos com aqueles que já possui. As metodologias ativas facilitam esse processo ao promover a interação, a prática e a aplicação dos conhecimentos em situações reais, permitindo que o aluno construa sentido e relevância para o que aprende.

De acordo com Zabala (1998), as metodologias ativas exigem que o professor planeje cuidadosamente as atividades, criando ambientes que incentivem a participação ativa dos alunos. No ensino de Ciências, isso pode ser feito com a organização de experiências práticas, debates e discussões sobre temas científicos atuais, além de projetos que conectem a ciência com a realidade dos alunos.

Entretanto, a implementação dessas metodologias nem sempre é fácil. Mizukami (1986) destaca que, em muitas escolas, a falta de laboratórios adequados e materiais didáticos pode limitar a aplicação de atividades experimentais. No entanto, o autor aponta que os professores podem encontrar formas criativas de contornar essas dificuldades, utilizando materiais simples e experimentos que não exigem grandes recursos.

Outro desafio é a resistência de alguns professores à mudança de metodologias. Garcia (2013) observa que muitos docentes ainda preferem as aulas expositivas, por serem mais controláveis e previsíveis. Para que as metodologias ativas sejam mais amplamente adotadas, é necessário que os professores recebam formação continuada e apoio institucional, além de incentivos para inovar nas suas práticas pedagógicas.

Por fim, a avaliação do desempenho dos alunos também precisa ser ajustada quando se utilizam metodologias ativas. Luckesi (2011) sugere que a avaliação deve ser contínua e processual, levando em consideração o desenvolvimento do aluno ao longo das atividades. Avaliar apenas com provas tradicionais pode não captar todo o aprendizado que ocorre em metodologias ativas, onde o processo é tão importante quanto o resultado.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 Contexto da Pesquisa

A pesquisa foi realizada durante o estágio supervisionado na disciplina de Ciências, em 3 turmas de Ensino Fundamental II, composta por alunos com idades entre 11 e 14 anos, em uma escola pública localizada no município de Vitória do Jari. O estágio supervisionado teve uma duração total de 15 semanas, com uma carga horária semanal de 10 horas de aulas observadas e ministradas. O foco do estágio foi o desenvolvimento de aulas que integrem diferentes metodologias de ensino para avaliar suas contribuições no processo de aprendizagem dos alunos.

3.2 Tipo de Pesquisa

O estudo baseou-se em um relato de experiência com abordagem qualitativa, baseado na observação participante. De acordo com Prodanov e Freitas (2013, p. 70) “[…] há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números”, justificando assim a observação-participante da pesquisadora. Ressalta-se ainda que a professora-estagiária esteve diretamente envolvida no planejamento e condução das aulas, ao mesmo tempo em que observou as interações dos alunos, seus comportamentos e respostas às estratégias pedagógicas aplicadas.

3.3 Observação e Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada por meio de observação participante durante as aulas. A professora-estagiária registrou em um diário de campo suas impressões sobre a interação dos alunos com os conteúdos e metodologias propostas. Foram observados: Nível de participação e engajamento dos alunos durante as atividades; Compreensão e desempenho nas atividades práticas; Dificuldades enfrentadas pelos alunos em relação aos conteúdos abordados e às metodologias aplicadas.

Além da observação direta, ao final de cada aula, foi solicitado um feedback informal dos alunos, por meio de discussões abertas.

3.4 Análise dos Dados

Os dados coletados a partir das observações e feedbacks dos alunos foram analisados de forma qualitativa, com base em uma análise de conteúdo. Segundo Moraes (1999, p. 2) “a análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda sorte de comunicações”.

4 RESULTADOS E REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA EM SALA DE AULA

4.1 Observações na turma do 7º ano do ensino fundamental II

A primeira turma que foi observada durante o período do estágio foi a turma do 7º ano, com 15 estudantes e as aulas acontecem no turno vespertino. A professora-regente utilizava como principal metodologia de ensino apenas a escrita em quadro branco, um método tradicional do ensino. O estudo de Krüger e Ensslin (2013) aponta que o uso do quadro branco é bastante comum no cenário educacional brasileiro, sendo considerado como um dos primeiros métodos de ensino.

A aula abordada pela professora regente era baseada no conteúdo características da vida, buscando alcançar a habilidade EF07CI07 da Base Nacional Comum Curricular, que busca caracterizar ecossistemas brasileiros (Brasil, 2017). Esse conteúdo programático tem como principal foco fazer com que os estudantes compreendam o que os torna organismos vivos e como essas características são essenciais para a sobrevivência e perpetuação das espécies (Costa Júnior et al., 2023).

A metodologia empregada apresenta algumas limitações, como à interação com os alunos. Estudos indicam que aulas expositivas são eficazes para transmissão de informações de maneira estruturada, mas, isoladamente, tendem a limitar o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico e engajamento ativo (Freeman et al., 2014). No contexto observado, a ausência de atividades participativas resultou em uma aula mais passiva, o que pode ter comprometido o envolvimento dos alunos no aprendizado das “Características da Vida”.

A utilização de dinâmicas ou atividades mais interativas poderia potencializar a aprendizagem nessa turma. De acordo com Chi e Wylie (2014), estratégias que envolvem os alunos ativamente na construção do conhecimento, como discussões e trabalhos em grupo, são mais eficazes em promover a retenção e aplicação de conceitos científicos. Esse tipo de abordagem permite a criação de uma maior motivação dos estudantes, como cita Peacock (1997, p. 144-153),

A motivação em sala de aula é maior quando as tarefas são diversificadas, autênticas, retomam habilidades já adquiridas, promovem o desafio, apresentam conteúdos significativos e relevantes, demonstram a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos e incentivam a participação dos alunos na sua realização.

Nota-se então que aulas voltadas para atividades mais dinâmicas e interativas contribuem significativamente para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, além de permitir com que o estudante seja colocado no centro do processo. Essa modificação de comportamento é percebida por Santos et al. (2023) ao ter uma abordagem centralizada na interação dos estudantes em atividades expositivas, tal mecanismo colaborou para aumentar a participação durante a aula.

4.2 Observações na turma do 6º ano do ensino fundamental II

Essa turma era composta por 18 estudantes, turno vespertino. O conteúdo programático abordado na sala de aula foi o sistema solar, com base na habilidade EF06CI14, movimentos da Terra e Sol (Brasil, 2017).

Nesta turma, a professora-estagiária buscou implementar uma metodologia diferente da que foi abordada na turma anterior. Para isso a professora-estagiária buscou auxílio nos livros didáticos que fazem parte do material escolar dos estudantes. Porém, para que fosse possível a participação de todos os estudantes foi necessária que a turma fosse dividida em duplas, tendo em vista a falta de livros para todos os alunos. Essa falta de livros não é algo intrínseco apenas da escola em estudo, segundo o Censo Escolar (INEP, 2021), cerca de 40% das escolas públicas relatam dificuldades de acesso a materiais básicos de ensino, incluindo livros.

Apesar disso, o método colaborativo de trabalho em duplas permitiu maior interação entre os alunos, tendo impacto positivo para o aprendizado. Estudos mostram que o trabalho em pares pode estimular habilidades sociais e facilitar a compreensão do conteúdo, já que os alunos explicam um ao outro os conceitos (Johnson;  Johnson; Stanne, 2013).

Na literatura, percebe-se que o uso bem planejado do livro didático pode ampliar o entendimento dos alunos quando combinado com outras metodologias. Ele pode servir como uma base de consulta e um apoio ao ensino, enquanto o professor explora outras formas de engajar os estudantes (Rosa; Mohr, 2016; Martins; Garcia, 2017; Rosa, 2018).

Uma das vantagens do livro didático é a possibilidade de consulta posterior, permitindo que os alunos revisitem o conteúdo fora da sala de aula. Para muitos estudantes, o livro funciona como uma espécie de “guia de estudo”, algo que eles podem consultar ao longo do ano letivo (Rosa, 2018). Com isso, ele contribui para a construção da autonomia no aprendizado, ajudando os alunos a se organizarem e a revisarem os temas abordados em aula. Em uma pesquisa de Cunha e Oliveira (2016), os estudantes mencionaram que o livro didático facilita a revisão do conteúdo para provas, pois proporciona uma visão ampla e organizada dos tópicos da disciplina.

Ressalta-se também que o uso do livro didático ainda é um método tradicional de ensino, que apesar de sua relevância ainda tem suas limitações. Tal fato é corroborado por Rosa e Artuso (2019, p. 721) argumentam que o uso exclusivo do livro didático “pode desencorajar práticas de ensino mais criativas e exploratórias”, já que muitos livros trazem uma sequência fixa de temas que nem sempre se ajusta ao ritmo da turma.

Em síntese, o livro didático continua sendo uma ferramenta essencial em sala de aula, especialmente em contextos em que outros recursos são escassos. No entanto, é importante que o professor o utilize de forma estratégica, complementando-o com atividades práticas e recursos que possam enriquecer o aprendizado. Isso não só diversifica as aulas, como também ajuda a engajar os alunos em uma aprendizagem mais significativa e contextualizada (Sobrinho Junior; Mesquita, 2022).

4.3 Observações na turma do 9º ano do ensino fundamental II

A aula observada na turma do 9° ano, contou com a presença de 21 estudantes e teve como tema os átomos, abordando tanto a constituição quanto a evolução histórica desse conceito, focada na habilidade EF09CI03, modelos de estrutura da matéria (Brasil, 2017). A metodologia utilizada pela professora-estagiária combinou uma explanação teórica com cópias impressas e um questionário avaliativo ao final da aula. Esse formato é interessante porque oferece aos alunos a oportunidade de fixar o conteúdo ao responder perguntas sobre o tema, consolidando o aprendizado por meio da reflexão. Segundo Hattie e Timperley (2007), o feedback imediato, como o obtido por meio de questionários, é essencial para o aprendizado, pois ajuda o aluno a identificar lacunas no seu processo de aprendizagem, ajustando seu entendimento de maneira mais precisa.

A escolha de fornecer cópias impressas foi estratégica, pois permitiu que os alunos tivessem um material de apoio concreto para consulta durante e após a aula. Esse tipo de recurso é valioso, especialmente em uma escola onde o acesso a outras ferramentas didáticas podem ser limitadas. Como apontam Lima e Freitas (2019), materiais impressos estruturados são particularmente úteis para organizar e orientar o aprendizado dos estudantes, servindo como uma referência para o conteúdo abordado em aula. O material impresso permite que os alunos revisitem o material, o que pode ser fundamental para a compreensão de um conceito complexo como a estrutura atômica.

Estudos sugerem que o ensino de ciências se beneficia de métodos que promovem uma aprendizagem mais ativa e experimental. Bybee (2015), por exemplo, aponta que o ensino baseado em práticas investigativas e em atividades experimentais permite que os estudantes explorem conceitos científicos de forma prática e concreta, o que aumenta a retenção e a compreensão do conteúdo.

Outro ponto interessante seria a inclusão de tecnologias digitais ou recursos visuais para ilustrar a composição e o funcionamento dos átomos. Atualmente, há diversos simuladores e vídeos que representam os modelos atômicos e suas partes, o que poderia complementar a aula teórica. Segundo Mayer (2009), a combinação de múltiplas mídias de ensino pode ajudar alunos com diferentes estilos de aprendizado, pois oferece mais de um caminho para a compreensão do conteúdo. Em um estudo sobre o uso de tecnologias digitais na educação, Cunha (2016) destaca que essas ferramentas tornam os conteúdos mais acessíveis e despertam o interesse dos alunos, facilitando o aprendizado de temas abstratos, como é o caso da estrutura atômica.

A utilização de um questionário avaliativo ao final da aula foi uma escolha importante, pois permitiu medir de forma prática a compreensão dos alunos sobre o conteúdo. Questionários imediatos não só reforçam o aprendizado como também proporcionam ao professor uma noção mais clara de quais conceitos foram compreendidos e quais precisam de reforço, como pontua Teixeira (2019). Como sugerem Hattie e Timperley (2007), avaliações formativas, como questionários aplicados logo após a exposição do conteúdo, podem fornecer feedback valioso para o professor ajustar suas próximas aulas conforme as necessidades da turma.

No geral, a aula observada no 9° ano demonstra um esforço da professora-estagiária em adaptar-se às condições disponíveis e em utilizar estratégias pedagógicas diversificadas. No entanto, a combinação da abordagem teórica com mais elementos práticos e visuais poderia potencializar ainda mais o aprendizado dos alunos. A implementação de práticas investigativas e o uso de tecnologias acessíveis, mesmo que de forma complementar, pode enriquecer a experiência de aprendizagem e atender a diferentes necessidades dos alunos, promovendo uma compreensão mais abrangente do conteúdo sobre átomos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as observações feitas nas três turmas, o estágio supervisionado oferece uma visão ampla dos desafios e possibilidades no ensino de Ciências dentro da sala de aula. Cada turma trouxe à tona diferentes aspectos do processo de ensino-aprendizagem, desde a importância de metodologias interativas até a necessidade de adaptação às limitações de recursos, como a falta de livros didáticos e tecnologias mais avançadas. A experiência demonstrou que o professor, ao lidar com esses desafios, adapta-se de maneira criativa, buscando métodos que promovam o aprendizado mesmo quando há restrições estruturais.

A aula no 7° ano evidenciou a limitação das metodologias expositivas tradicionais, que embora organizem o conteúdo de forma estruturada, deixam pouco espaço para a participação ativa dos alunos. Estudos reforçam que a interação e a participação são essenciais para que os alunos se sintam parte do aprendizado e consigam assimilar melhor os conteúdos apresentados. No caso do 6° ano, onde houve um trabalho em duplas devido à falta de livros, observou-se que o trabalho colaborativo foi uma solução eficaz. Embora o uso exclusivo do livro didático tenha limitado a diversidade de recursos, a experiência mostrou que é possível, com simples adaptações, proporcionar um aprendizado significativo, reforçando a importância da flexibilidade na prática pedagógica.

A intervenção no 9° ano, que incluiu o uso de material impresso e uma avaliação final, destacou a importância de variar as estratégias de ensino e de incluir práticas que ofereçam um retorno imediato sobre a compreensão dos alunos. A aplicação do questionário foi valiosa, pois ajudou a professora a medir o entendimento do conteúdo pelos alunos e deu uma ideia clara dos pontos que poderiam ser trabalhados em aulas futuras. Essa experiência reforça a importância das avaliações formativas e do feedback no desenvolvimento das habilidades dos alunos, especialmente em temas abstratos como a estrutura atômica.

De maneira geral, o estudo evidencia a necessidade de investir em recursos didáticos mais variados e de incentivar práticas de ensino que levem em conta as diferentes formas de aprendizado dos alunos. No entanto, a realidade de muitas escolas brasileiras ainda impõe barreiras que tornam desafiadora a inclusão de tecnologias e métodos mais inovadores. Esse contexto exige do professor uma capacidade de adaptação e uma busca constante por alternativas que possam enriquecer o aprendizado, mesmo em condições menos ideais.

A prática observada nas três turmas também aponta para a relevância de uma formação continuada do docente, que contemple a atualização sobre novas metodologias e sobre as possibilidades de integração entre teoria e prática. A inclusão de atividades experimentais, o uso de ferramentas visuais e a aplicação de metodologias ativas podem representar um avanço significativo para o ensino de Ciências, oferecendo aos alunos uma experiência mais completa e envolvente.

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ABSTRACT

The teaching of Biological Sciences is essential for the development of students’ critical and scientific thinking, in addition to addressing topics such as the environment, health and sustainability. However, the traditional teaching model, focused on the expository transmission of content, often does not provide meaningful learning. Thus, the present work aimed to report the supervised internship experience in a Elementary School II class in the Biological Sciences discipline, focusing on the use of active methodologies as a teaching strategy. The methodology used involved participant observation, planning and implementation of practical classes, in addition to data collection through field diary records and informal feedback from students. It was found that the expository methodology, although structured, restricts the active participation of students, while work in pairs, carried out in the 6th year class, demonstrated the potential to strengthen cooperation and joint learning, even with a lack of resources. In the 9th grade class, the use of an immediate questionnaire at the end of the class provided essential feedback, facilitating the identification of gaps in learning. The study concludes that the diversity of methodologies, combined with the use of complementary materials, can enrich Science teaching and meet the different needs of students, despite the structural challenges faced in schools.

Keywords: Meaningful Learning. Elementary Education. Pedagogical Practices.


[1] Discente do Curso Superior de Licenciatura em Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá, Campus Laranjal do Jari. E-mail: portelasocorro13@gmail.com

2 Docente do Curso Superior de Licenciatura em Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá, Campus Laranjal do Jari. E-mail: elielson.rocha@ifap.edu.br