A PENSÃO PARA FILHOS DE VÍTIMAS DE FEMINICÍDIO COMO GARANTIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA LEI 14.717/2023

PENSION FOR CHILDREN OF VICTIMS OF FEMINICIDE AS A GUARANTEE OF FUNDAMENTAL RIGHTS: CONSTITUTIONAL ANALYSIS OF LAW 14.717/2023

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202412092257


Kennedy Yago Cardoso da Silva1
Mariana Barbosa Miranda2


RESUMO:

O tema analisa a recente legislação sancionada em 2023 pelo presidente Lula, que estabelece o pagamento de pensão para filhos de mulheres vítimas de feminicídio. A nova lei é uma resposta constitucional e social para assegurar direitos fundamentais, como a dignidade humana e a proteção integral da criança e do adolescente, previstas na Constituição Federal. Este estudo examina como a medida visa mitigar os impactos da violência de gênero, garantindo amparo financeiro às vítimas indiretas dessa violência. Além disso, aborda os desafios constitucionais e práticos para a efetiva implementação da pensão, bem como a relevância dessa política pública no fortalecimento da proteção à família e no combate à violência contra a mulher.

PALAVRAS-CHAVES: Pensão por Feminicídio. Direitos fundamentais. Proteção à Família. Violência de Gênero.

ABSTRACT:

The theme analyzes the recent legislation sanctioned in 2023 by President Lula, which establishes the payment of a pension for children of women who are victims of femicide. The new law is a constitutional and social response to ensure fundamental rights, such as human dignity and the full protection of children and adolescents, as provided for in the Federal Constitution. This study examines how the measure aims to mitigate the impacts of gender-based violence, guaranteeing financial support to indirect victims of this violence. In addition, it addresses the constitutional and practical challenges for the effective implementation of the pension, as well as the relevance of this public policy in strengthening family protection and combating violence against women.

1. INTRODUÇÃO

A violência de gênero, em especial o feminicídio, representa uma das mais graves e persistentes violações dos direitos humanos, com consequências devastadoras para as famílias e a sociedade. O feminicídio, caracterizado pelo assassinato de uma mulher em decorrência de sua condição de gênero, tem sido uma realidade trágica que afeta milhares de famílias no Brasil e em diversos países. Esta forma extrema de violência, além de destruir vidas, gera impactos profundos nos filhos das vítimas, que muitas vezes se tornam órfãos e se veem subitamente expostos à vulnerabilidade social, econômica e emocional. Esse cenário desolador impõe ao Estado e à sociedade um questionamento urgente sobre a necessidade de políticas públicas que não apenas previnam a violência, mas também ofereçam suporte adequado aos familiares das vítimas. Foi nesse contexto que, em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que estabelece o pagamento de pensão aos filhos de mulheres vítimas de feminicídio, como um reconhecimento formal da responsabilidade do Estado em assegurar amparo a essas crianças e adolescentes.

A nova lei, além de seu valor prático, tem um caráter simbólico relevante, uma vez que reforça o compromisso do Estado com a proteção das vítimas indiretas da violência de gênero. Sob a ótica do Direito Constitucional, essa medida encontra fundamento nos princípios fundamentais da dignidade humana, da proteção integral à criança e ao adolescente e da garantia dos direitos sociais, todos consagrados na Constituição Federal de 1988. A concessão de pensão aos filhos de vítimas de feminicídio reflete uma tentativa de reparação do Estado frente ao desamparo a que muitas famílias são submetidas, buscando atenuar as consequências socioeconômicas que a violência de gênero impõe aos seus herdeiros mais vulneráveis. Nesse sentido, a presente pesquisa propõe uma análise aprofundada dessa legislação à luz dos direitos fundamentais e da função protetiva da Constituição, além de uma reflexão sobre a importância dessa política pública para a promoção da justiça social.

Um dos principais aspectos a ser abordado neste estudo é a compatibilidade da nova lei com o ordenamento jurídico e os princípios constitucionais vigentes no Brasil. A Constituição Federal de 1988 estabelece um compromisso inalienável com a dignidade humana e a proteção integral dos cidadãos, especialmente das crianças e adolescentes, os quais têm o direito de serem protegidos pelo Estado contra quaisquer formas de violência e negligência. A pensão concedida pela nova lei emerge, assim, como uma política pública que visa assegurar esse direito, oferecendo amparo financeiro e estabilidade aos filhos de mulheres vítimas de feminicídio, para que possam ter suas necessidades básicas garantidas, evitando a exclusão social e mitigando as adversidades resultantes da perda da mãe. O estudo investigará como essa lei dialoga com o princípio da proteção integral e em que medida ela concretiza os direitos previstos na Constituição, especialmente no que diz respeito ao direito à família e à dignidade.

Outro ponto relevante que será examinado é o impacto social e econômico da pensão para filhos de vítimas de feminicídio. A medida, ao garantir recursos financeiros às crianças e adolescentes, têm o potencial de reduzir as desigualdades e promover inclusão, sendo uma resposta concreta do Estado para minimizar as consequências devastadoras do feminicídio na vida das vítimas indiretas. Nesse sentido, a pesquisa irá explorar de que forma a pensão pode contribuir para a segurança social das famílias afetadas, evitando que esses jovens caiam em situações de extrema vulnerabilidade. Além disso, serão abordados os desafios econômicos e operacionais que a implementação da lei pode enfrentar, como a alocação de recursos e a efetividade dos mecanismos de concessão e fiscalização dos benefícios.

Para uma compreensão mais ampla da eficácia dessa política pública, será feito um estudo comparativo com políticas de proteção a vítimas de violência de gênero em outros países, destacando as práticas internacionais que têm se mostrado eficientes na proteção de crianças e adolescentes em situações semelhantes. Essa análise comparativa será útil para identificar pontos de convergência e possíveis melhorias que possam ser implementadas na legislação brasileira, fortalecendo o compromisso do Estado com a segurança e o bem-estar dos seus cidadãos mais vulneráveis.

A metodologia adotada neste trabalho é de natureza qualitativa e exploratória, fundamentada em pesquisa bibliográfica e documental. Foram analisadas doutrinas jurídicas, artigos científicos e legislações relevantes sobre feminicídio, violência de gênero e a lei de pensão para filhos de vítimas de feminicídio. A abordagem visa compreender e contextualizar os aspectos constitucionais e sociais envolvidos, enfatizando os direitos fundamentais e a proteção integral. Este estudo se concentra na análise crítica dos dispositivos legais e na investigação dos impactos sociais e jurídicos, com vistas a fornecer uma reflexão aprofundada sobre a eficácia e os desafios da legislação no amparo às vítimas e seus familiares.

Este trabalho está estruturado de forma a proporcionar uma visão detalhada e crítica sobre a pensão para filhos de vítimas de feminicídio, incluindo desde o contexto social e jurídico da violência de gênero no Brasil até os impactos constitucionais e sociais da nova lei. A pesquisa objetiva, portanto, não apenas compreender a legislação sob o prisma jurídico, mas também avaliar sua importância prática e seu papel na construção de uma sociedade mais justa e menos tolerante à violência. Ao final, espera-se que o estudo contribua para o debate sobre o papel do Estado na proteção das vítimas indiretas de feminicídio e ofereça subsídios para a melhoria e fortalecimento das políticas públicas voltadas à proteção das famílias e à garantia dos direitos fundamentais.

Contextualização sobre o Feminicídio e Violência de Gênero

A violência de gênero é um fenômeno social complexo e multifacetado que se manifesta de diversas formas, refletindo desigualdades históricas e culturais entre homens e mulheres (Lima, 2020). O feminicídio, por sua vez, é a forma mais extrema dessa violência, caracterizado pelo assassinato de mulheres em razão de sua condição de gênero (Lima, 2020). No Brasil, essa problemática tem ganhado crescente visibilidade nas últimas décadas, impulsionada pela mobilização da sociedade civil e pela luta de movimentos feministas que buscam a promoção da igualdade de gênero e a proteção dos direitos das mulheres (Lima, 2020). A partir de uma análise crítica, é possível perceber que o feminicídio não é um evento isolado, mas sim um desdobramento de uma cultura de violência que permeia as relações sociais, expressando uma sociedade que ainda vê as mulheres como inferiores e, em muitos casos, como propriedades a serem possuídas.

No contexto brasileiro, o feminicídio se insere em um quadro alarmante de violência contra a mulher, que inclui agressões físicas, psicológicas, sexuais e patrimoniais.

A luta contra o feminicídio e a violência de gênero deve, portanto, ser compreendida dentro de um contexto mais amplo de direitos humanos e dignidade. O combate à violência de gênero requer a implementação de políticas públicas eficazes, que considerem as especificidades das mulheres e as desigualdades estruturais presentes na sociedade. Além disso, é essencial promover uma mudança cultural que desnaturalize a violência e desafie os estereótipos de gênero. Nesse sentido, é fundamental que o Estado atue não apenas na repressão à violência, mas também na promoção de ações educativas e preventivas que busquem desconstruir as normas sociais que perpetuam a desigualdade de gênero. Dessa forma, a sociedade poderá avançar na construção de um ambiente mais seguro e igualitário para todas as mulheres (PINHEIRO, 2021).

Conceito de Feminicídio e Características Jurídicas

O feminicídio, como conceito jurídico, refere-se ao homicídio de mulheres motivado por uma desigualdade de gênero, em que o crime é cometido em contexto de violência de gênero, seja por questões de posse, controle ou poder sobre a mulher (Marques, 2021). A tipificação do feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro ocorreu com a Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, que alterou o Código Penal para incluir o feminicídio como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio. Segundo a legislação, o feminicídio é caracterizado pelo assassinato de uma mulher por razões da condição de sexo feminino, incluindo aspectos como violência doméstica e familiar ou menosprezo à condição da mulher.

As características jurídicas do feminicídio envolvem não apenas o ato em si, mas também as motivações subjacentes ao crime, que muitas vezes estão enraizadas em relações de poder desiguais e na objetificação das mulheres. A inclusão do feminicídio como crime específico no Código Penal é um reconhecimento da necessidade de uma resposta jurídica mais contundente e sensível às particularidades da violência de gênero. Essa tipificação visa, entre outros objetivos, proporcionar um tratamento diferenciado no âmbito do sistema de justiça criminal, que muitas vezes falha em compreender a gravidade e a especificidade da violência contra as mulheres. O reconhecimento do feminicídio como um crime específico é um passo importante na luta contra a impunidade e na busca por justiça para as vítimas e suas famílias, refletindo uma mudança significativa na abordagem do Estado frente à violência de gênero (BARBOSA, 2020).

Impactos Sociais do Feminicídio no Brasil

Os impactos sociais do feminicídio no Brasil são profundos e abrangem não apenas as vítimas diretas, mas também suas famílias, comunidades e a sociedade como um todo. O assassinato de mulheres por razões de gênero não apenas resulta na perda de vidas, mas também desestrutura famílias, gera traumas e perpetua um ciclo de violência que pode afetar gerações. As crianças que ficam órfãs em decorrência do feminicídio frequentemente enfrentam desafios significativos, como a vulnerabilidade econômica, a falta de suporte emocional e a possibilidade de serem vítimas de violência ou exploração em contextos de desamparo (Marques, 2021).

Além disso, o feminicídio contribui para a perpetuação de uma cultura de medo e insegurança nas comunidades, afetando a convivência social e a saúde mental das mulheres. Esse clima de violência pode levar à diminuição da participação feminina em espaços públicos, ao aumento da mobilização de grupos de mulheres e a uma maior demanda por políticas públicas que visem a proteção e a promoção dos direitos das mulheres (Costa, 2019).

Por outro lado, as consequências do feminicídio podem engendrar uma maior conscientização sobre a necessidade de mudanças estruturais na sociedade, incluindo a educação para a igualdade de gênero e a promoção de ambientes seguros para todas as mulheres.

Portanto, o feminicídio não é apenas uma questão individual, mas um fenômeno que tem repercussões sociais vastas e complexas. O enfrentamento do feminicídio exige, portanto, um comprometimento coletivo e uma ação integrada que envolva a sociedade civil, o Estado e as instituições de justiça. É fundamental que as políticas públicas não apenas se concentrem na punição dos agressores, mas também implementem medidas de prevenção que abordem as causas da violência de gênero e promovam um ambiente mais igualitário (MELO, 2018).

A legislação brasileira tem avançado nos últimos anos em resposta à crescente preocupação com a violência de gênero e ao feminicídio. Além da tipificação do feminicídio como crime no Código Penal, outras leis e políticas públicas foram implementadas com o objetivo de proteger as mulheres e prevenir a violência. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é um marco importante nesse contexto, estabelecendo medidas para a prevenção e o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa legislação não apenas proporciona proteção às vítimas, mas também institui mecanismos para a responsabilização dos agressores e a criação de políticas públicas voltadas para a promoção dos direitos das mulheres.

Adicionalmente, o Brasil é signatário de diversos tratados e convenções internacionais que visam à proteção dos direitos das mulheres e à erradicação da violência de gênero, como a Convenção de Belém do Pará e a Plataforma de Ação de Pequim. Essas diretrizes internacionais influenciam as políticas e legislações nacionais, promovendo um compromisso do Estado em garantir um ambiente seguro e igualitário para todas as mulheres.

Entretanto, apesar dos avanços legislativos, a implementação efetiva dessas leis ainda enfrenta desafios significativos. A falta de recursos, a escassez de serviços de apoio e a resistência cultural em relação à questão da violência de gênero dificultam o alcance dos objetivos propostos. Para que as leis e políticas públicas se traduzam em ações concretas e eficazes, é imprescindível que haja um esforço contínuo para a formação de profissionais, a sensibilização da sociedade e a fiscalização das medidas estabelecidas. Assim, o combate à violência de gênero e ao feminicídio deve ser visto como uma prioridade nacional, exigindo a mobilização de todos os setores da sociedade para promover mudanças efetivas e duradouras (ALVES, 2012).

Direitos Fundamentais e Proteção Integral no Brasil

A Constituição Federal de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, representou um marco na história do Brasil, consolidando um novo paradigma de direitos e garantias fundamentais. Nesse contexto, os direitos fundamentais são entendidos como aqueles que asseguram a dignidade humana, a liberdade, a igualdade e a justiça, servindo como pilares para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Os direitos fundamentais estão não apenas consagrados no texto constitucional, mas também orientam a interpretação e aplicação das normas jurídicas em todos os níveis do Estado. A proteção integral, especialmente voltada a crianças e adolescentes, é um dos aspectos mais destacados dessa proteção.

A abordagem dos direitos fundamentais no Brasil é ampla e diversificada, incluindo direitos civis, políticos, sociais, culturais e ambientais, refletindo o compromisso do Estado com a promoção da dignidade humana e a redução das desigualdades. Nesse sentido, a Constituição estabelece um sistema de proteção que busca garantir o pleno exercício da cidadania, protegendo os indivíduos contra abusos e violações por parte do Estado e de terceiros. Assim, a efetividade dos direitos fundamentais é um dos principais desafios da sociedade brasileira, exigindo uma atuação contínua e articulada entre diferentes instituições e setores da sociedade (Brasil, 1988).

O Princípio da Dignidade Humana

O princípio da dignidade humana é um dos fundamentos basilares da Constituição Federal e serve como eixo central na interpretação e aplicação dos direitos fundamentais. Previsto no artigo 1º, inciso III, a dignidade humana não apenas reconhece o valor intrínseco de cada indivíduo, mas também impõe ao Estado e à sociedade a responsabilidade de garantir condições mínimas para a sua realização. Esse princípio é essencial para a construção de uma sociedade justa e solidária, onde todos possam exercer plenamente seus direitos e liberdades.

A dignidade humana é uma noção ampla que permeia diversas áreas do direito, incluindo direitos civis, políticos e sociais. A sua proteção requer ações concretas por parte do Estado, como a implementação de políticas públicas que visem a inclusão social, a promoção da igualdade e a eliminação de discriminações. A dignidade humana também está intimamente ligada ao reconhecimento e à valorização da diversidade, o que implica no respeito às diferenças e na promoção de uma cultura de paz e diálogo (Oliveira, 2007).

No contexto da violência de gênero e do feminicídio, o princípio da dignidade humana ganha ainda mais relevância. A proteção das mulheres e a promoção de seus direitos são fundamentais para garantir que possam viver livres de violência e discriminação. Assim, a luta pela dignidade das mulheres e o combate à violência de gênero devem ser entendidos como parte integrante da defesa dos direitos humanos e da construção de uma sociedade mais equitativa e respeitosa (NASCIMENTO, 2020).

O Direito à Proteção Integral de Crianças e Adolescentes

O direito à proteção integral de crianças e adolescentes é consagrado pela Constituição Federal de 1988 e reforçado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece que crianças e adolescentes têm direito a um tratamento especial e prioritário por parte do Estado, da família e da sociedade. Essa proteção deve ser garantida em todas as dimensões da vida, incluindo o direito à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, além da proteção contra qualquer forma de violência e exploração.

O ECA, instituído pela Lei nº 8.069/1990, é um marco importante na promoção e proteção dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil. Ele estabelece uma série de diretrizes e políticas que visam assegurar o desenvolvimento pleno e saudável de crianças e adolescentes, reconhecendo-os como sujeitos de direitos e não como meros objetos de proteção. Além disso, o ECA destaca a importância da participação de crianças e adolescentes nas decisões que afetam suas vidas, promovendo sua autonomia e protagonismo (Brasil, 1990).

É imprescindível que o Estado garanta a proteção e o acolhimento das vítimas, promovendo a responsabilização dos agressores e a reparação dos danos causados. Dessa forma, o direito à proteção integral deve ser constantemente reafirmado e fortalecido, visando à construção de um ambiente seguro e acolhedor para todas as crianças e adolescentes. Entretanto, a efetividade do direito à proteção integral enfrenta diversos desafios, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. A violência contra crianças e adolescentes, que pode se manifestar de diversas formas, incluindo abuso físico, sexual e emocional, exige uma resposta articulada e integrada por parte das instituições e políticas públicas. (SILVA, 2018).

O Papel do Estado na Proteção à Família e às Vítimas de Violência

O Estado tem um papel fundamental na proteção à família e às vítimas de violência, sendo responsável por garantir a implementação de políticas públicas que promovam a segurança e o bem-estar de todos os seus membros. Essa proteção deve se manifestar em diversas frentes, incluindo a criação de serviços de acolhimento, assistência social, apoio psicológico e jurídico, bem como a promoção de campanhas de conscientização sobre os direitos e recursos disponíveis para as vítimas de violência. A Lei Maria da Penha, por exemplo, é um marco importante no combate à violência doméstica e familiar, estabelecendo medidas de proteção às mulheres e criando mecanismos para a sua efetiva defesa (Brasil, 2006).

Essa legislação prevê, entre outras coisas, a criação de serviços especializados de atendimento às vítimas, a implementação de políticas de prevenção e o fortalecimento da rede de apoio. A atuação do Estado deve, portanto, ser articulada e integrada, visando não apenas à repressão da violência, mas também à promoção de um ambiente seguro e acolhedor para as famílias.

Além disso, o Estado deve se comprometer a trabalhar em parceria com a sociedade civil e as organizações não governamentais, promovendo um diálogo constante e a construção conjunta de estratégias para o enfrentamento da violência. A formação e a capacitação de profissionais que lidam com vítimas de violência, como policiais, assistentes sociais e educadores, são essenciais para garantir um atendimento humanizado e eficaz. Assim, o fortalecimento da proteção à família e às vítimas de violência é uma responsabilidade compartilhada que exige a mobilização de toda a sociedade (COSTA, 2019).

Análise da Lei de Pensão para Filhos de Vítimas de Feminicídio

A recente sanção da lei que institui a pensão para filhos de mulheres vítimas de feminicídio marca um importante avanço nas políticas públicas de proteção às vítimas de violência de gênero no Brasil. Essa legislação surge em um contexto de crescente reconhecimento da necessidade de ações efetivas que não apenas responsabilizam os agressores, mas também oferecem suporte às famílias que sofrem com a perda de entes queridos em decorrência da violência. A análise dessa lei é essencial para compreender suas implicações legais, sociais e constitucionais, assim como para avaliar seu potencial de promover uma mudança significativa na proteção às vítimas de feminicídio e seus filhos.

O histórico da lei que prevê a pensão para filhos de vítimas de feminicídio é marcado por um crescente reconhecimento da gravidade da violência de gênero no Brasil. A sanção presidencial da lei representa a culminação de um longo processo de mobilização social e política, que envolveu ativistas, organizações não governamentais e a sociedade civil em geral. Essa mobilização destacou a necessidade urgente de medidas que garantam a proteção e a assistência às crianças que ficam desamparadas após a morte de suas mães em decorrência da violência (Cunha, 2022).

A lei sancionada reflete um compromisso do Estado em reconhecer a dor e a injustiça vividas por essas famílias, oferecendo um amparo financeiro que visa assegurar a dignidade das crianças que perderam suas mães de forma tão trágica. Essa ação não apenas representa um avanço na proteção dos direitos das vítimas, mas também é um sinal de que o Estado está disposto a enfrentar a cultura de violência de gênero que ainda permeia a sociedade brasileira (BARBOSA, 2021).

Objetivos e Dispositivos Legais da Lei

Os principais objetivos da lei são proporcionar assistência financeira aos filhos de mulheres vítimas de feminicídio e garantir que esses jovens tenham condições mínimas de sobrevivência e desenvolvimento. Os dispositivos legais estabelecem que a pensão será concedida de forma vitalícia, assegurando assim uma proteção contínua e abrangente (Brasil, 2023).

A lei também prevê que o valor da pensão será equivalente a um salário mínimo, o que representa um passo significativo para garantir a segurança financeira das crianças e adolescentes afetados. Além disso, a legislação estabelece procedimentos claros para a concessão da pensão, facilitando o acesso ao benefício para as famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade após a perda de suas mães. Essa estrutura legal busca garantir que a assistência não seja apenas um ato simbólico, mas uma medida efetiva de proteção e amparo (COSTA, 2022).

Natureza Jurídica da Pensão e Questões Constitucionais

A natureza jurídica da pensão prevista pela lei é um aspecto central a ser analisado. Essa pensão é considerada uma prestação assistencial, o que implica que sua concessão está vinculada à proteção de direitos sociais fundamentais. A legislação, ao assegurar a pensão como um direito das crianças, coloca em evidência a responsabilidade do Estado em garantir a proteção e a dignidade dos menores em situações de vulnerabilidade (Fernandes, 2022).

Além disso, a lei deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais, especialmente os que garantem a proteção da família, a dignidade da pessoa humana e os direitos das crianças e adolescentes. A Constituição Brasileira, em seu artigo 227, afirma que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (Brasil, 1988).

Nesse sentido, a pensão para filhos de vítimas de feminicídio se insere em uma lógica de promoção e proteção desses direitos, reforçando o papel do Estado como garantidor da dignidade e do bem-estar da população mais vulnerável (ALMEIDA, 2020).

Os beneficiários da pensão são os filhos de mulheres vítimas de feminicídio, sendo essencial que a lei estabeleça critérios claros para a sua concessão. A inclusão de todos os filhos, independentemente da idade ou do estado civil, é uma medida importante para garantir que nenhuma criança fique desamparada (Brasil, 2023).

Além disso, a lei deve garantir que o processo de concessão seja simplificado e acessível, de modo a facilitar o acesso ao benefício para as famílias que enfrentam situações de extrema vulnerabilidade. O processo de concessão da pensão deve ser conduzido com celeridade, considerando a urgência das necessidades das crianças afetadas. A legislação também prevê que a pensão seja revisada periodicamente, garantindo que o valor se mantenha compatível com as necessidades e com as condições econômicas da sociedade. Dessa forma, a pensão para filhos de vítimas de feminicídio não apenas busca assegurar um suporte financeiro, mas também reflete um compromisso do Estado com a proteção dos direitos das crianças e a promoção de sua dignidade e bem-estar (SILVA, 2021).

Compatibilidade da Lei com os Princípios Constitucionais: A representatividade da pensão

A compatibilidade da lei de pensão com os princípios constitucionais é um dos aspectos mais relevantes para a sua análise. A Constituição Brasileira consagra uma série de direitos e garantias que visam assegurar a dignidade da pessoa humana e a proteção das crianças e adolescentes. Nesse sentido, a pensão para filhos de vítimas de feminicídio se alinha aos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta dos direitos das crianças, conforme estabelecido no artigo 227 da Constituição (Brasil, 1988).

A pensão, ao ser direcionada especificamente para os filhos de vítimas de feminicídio, busca promover uma forma de reparação e proteção a essas crianças, reconhecendo a gravidade da situação que enfrentam e a necessidade de um suporte contínuo. Portanto, a lei não apenas se coaduna com os princípios constitucionais, mas também fortalece o compromisso do Estado em combater a violência de gênero e promover a igualdade (OLIVEIRA, 2022).

A promoção da dignidade está diretamente ligada ao direito à proteção e ao cuidado, aspectos fundamentais para o desenvolvimento saudável e seguro das crianças. A pensão, portanto, não se limita a uma simples assistência financeira; ela representa uma afirmação do valor da vida e da dignidade das vítimas e de seus filhos, proporcionando um caminho para a reconstrução de suas vidas em meio ao trauma e à dor (Mello, 2022).

Além disso, essa medida também contribui para a conscientização sobre a gravidade do feminicídio e da violência de gênero, gerando um espaço para a discussão e a reflexão sobre a necessidade de uma mudança cultural e social (FERREIRA, 2021).

Proteção à Família e à Criança no Contexto de Violência de Gênero

O contexto de violência de gênero demanda uma resposta contundente e integrada por parte do Estado e da sociedade. A pensão para filhos de vítimas de feminicídio se insere em um conjunto mais amplo de políticas de proteção à família e à criança, reconhecendo que a violência não afeta apenas a vítima direta, mas também impacta profundamente os filhos e outros membros da família. Nesse sentido, é essencial que a legislação não apenas preveja a concessão da pensão, mas que também promova a criação de redes de apoio e serviços que garantam a proteção e o acolhimento das vítimas.

A atuação do Estado deve ser abrangente, contemplando não apenas a assistência financeira, mas também o acesso a serviços de saúde, apoio psicológico e social, e a promoção da educação e da inclusão social. A criação de um ambiente seguro e acolhedor é fundamental para que as crianças possam superar o trauma e desenvolver seu potencial. Assim, a pensão se torna uma parte de um esforço mais amplo para proteger as vítimas de violência de gênero e garantir que as crianças possam viver em um ambiente que promova seus direitos e dignidade (MARTINS, 2020).

Considerações Finais

A conclusão deste trabalho sintetiza as principais descobertas em relação à lei de pensão para filhos de vítimas de feminicídio, avaliando sua eficácia e destacando as áreas que necessitam de melhorias. A pesquisa confirma a relevância da legislação como um passo importante para a proteção das crianças em situação de vulnerabilidade, mas também evidencia que a sua implementação deve ser acompanhada por um conjunto de políticas públicas que garantam uma proteção integral.

À luz das reflexões apresentadas, é evidente que a lei de pensão para filhos de vítimas de feminicídio é um avanço significativo nas políticas públicas brasileiras. Entretanto, para que a lei alcance seu potencial máximo, é crucial que sejam realizadas avaliações contínuas de sua aplicação e impacto nas vidas das crianças beneficiárias. Estudos futuros podem investigar a eficácia da implementação da lei, analisando dados sobre a concessão de pensões, as dificuldades enfrentadas pelas famílias e a adequação dos valores estabelecidos.

Além disso, pesquisas adicionais podem explorar a interseção entre essa lei e outras políticas de proteção à infância e à família, buscando criar um sistema coeso que promova não apenas a assistência financeira, mas também o suporte psicossocial e educacional. A análise da experiência das crianças e de suas famílias é essencial para identificar lacunas e aprimorar os serviços prestados.

Por fim, recomenda-se que futuras investigações abordem as vozes e experiências das próprias crianças afetadas, contribuindo para a construção de um conhecimento que não apenas reconheça a complexidade do fenômeno do feminicídio, mas também valorize a perspectiva das vítimas, que são frequentemente silenciadas. Somente através de um entendimento abrangente e empático das realidades enfrentadas por essas crianças será possível construir políticas públicas mais eficazes e justas, garantindo a proteção integral a que todos têm direito (FERREIRA, 2021).

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1Acadêmico do curso de Direito da Faculdade Ages Senhor do Bonfim. E-mail: e . Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Ages. 2023.
2Mestre em Dinâmicas de Desenvolvimento do semiárido pela UNIVASF. Pós Graduada em Processo Civil ela faculdade Estácio de Sá e Graduada em Direito pela Facape, Advogada inscrita na OAB/BA. Professora em Jornada TI AGES. Professora do Ensino Superior da graduação da AGES e demais IES do Ecossistema Anima Educação.