SOFTWARE PROTECTION IN BRAZIL: COPYRIGHT OR PATENTS? AN ANALYSIS OF PROTECTION METHODS AND THEIR USABILITY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202412091637
Maria Fernanda Sousa Rodrigues1
Orientador: Alcian Pereira de Souza2
RESUMO
Este estudo tem como objetivo investigar de maneira científica os mecanismos que garantem a proteção dos softwares no Brasil, focando particularmente nas instituições de propriedade intelectual, como os direitos autorais, que incluem o registro de software, e os direitos de patente, que se referem a invenções desenvolvidas com o uso de software. Para isso, utilizando o método dedutivo e realizando uma revisão bibliográfica de obras e estudos, esta pesquisa indica que os mecanismos de proteção disponíveis em nossa legislação podem coexistir e proporcionar uma proteção eficaz aos programas de computador.
Palavras-chave: Software. Programas de Computador. Propriedade Intelectual. Patentes.
ABSTRACT
This study aims to investigate in a scientific way the mechanisms that guarantee the protection of software in Brazil, focusing particularly on intellectual property institutions, such as copyright, which includes software registration, and patent rights, which refer to inventions developed using software. To this end, using the deductive method and carrying out a bibliographical review of works and studies, this research indicates that the protection mechanisms available in our legislation can coexist and provide effective protection to computer programs.
Keywords: Software. Computer Programs. Intellectual Property. Patents.
Introdução
A sociedade vive em um contexto de revoluções tecnológicas que diariamente rompem com as estruturas jurídicas já consolidadas no meio antropológico, que, cada vez mais, imerge no ambiente digital a rotina de toda uma população. Destarte, consequente a tais evoluções, é necessário que as ciências jurídicas e as lides, enquanto instrumentos reguladores das interações sociais, devam ser atualizadas de forma a acompanhar suas transformações e o exercício de suas funções. Disserta Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2015, p.10), que:
[…] As sociedades estão em transformação e a complexidade do mundo está exigindo novas formas de manifestações do fenômeno jurídico. É possível que, não tão distantemente no futuro, essa forma compacta do direito instrumentalizado, uniformizado e generalizado sob a forma estatal de organização venha a implodir, recuperando-se, em manifestações espontâneas e localizadas, um direito de muitas faces, peculiar aos grupos e às pessoas que os compõem. […] Por isso tudo, a consciência da nossa circunstância não deve ser entendida como um momento final, mas como um ponto de partida. Afinal, a ciência não nos libera porque nos torna mais sábios, mas é porque nos tornamos mais sábios que a ciência nos libera. […] pensar o direito, refletir sobre suas formas hodiernas de atuação, encontrar-lhe um sentido, para então vivê-lo com prudência, esta marca virtuosa do jurista […].
Haja vista tais evoluções, o Direito de Informática, para Liliana Paesani (2001), que abrange a figura da Propriedade Intelectual, e dos Direitos Autorais, podem ser observados como a forma de proteção aos direitos advindos de esforços e engenhos intelectuais, em suas distintas formas, a depender do que se pretende proteger.
Os softwares, para Leonardo Poli (2003), são tratados como a parte intelectual para um sistema informático, que há de funcionar como um amontoado de instruções repassadas a um computador, para, assim, que ele execute uma tarefa. Portanto, para o desenvolvimento deste trabalho, que terá como base a proteção jurídica destes bens jurídicos imateriais, softwares e programas de computadores serão utilizados como sinônimos.
É imprescindível citar a importância do desenvolvimento de softwares para o aprimoramento do desenvolvimento tecnológico para o mercado econômico. Conforme disserta Heloisa Medeiros, (2017, p. 232): O software, ao ser inserido na realidade do comércio global transfronteiriço, necessita de proteção internacional. Porém, apesar de, de forma categórica as legislações nacionais ao dissertarem sobre a propriedade intelectual, estarem padronizadas por meio de tratados internacionais, é de responsabilidade de cada estado de direito a definição e o estabelecimento interno sobre tais direitos.
Conciliar a exigência de salvaguardar o software com o estímulo à inovação e o acesso da sociedade à informação e ao conhecimento não é uma tarefa simples3. Portanto, é fundamental entendermos a maneira como a matéria é regulamentada em nível global e como isso afeta a legislação nacional, a fim de termos uma perspectiva abrangente sobre a proteção de softwares no Brasil.
Desta forma, o Marco Teórico inicialmente surge com a promulgação da Lei do Direito Autoral, Lei de nº 9.610/98, e a Lei de Programas de Computador, Lei nº 9.609/98, agindo de forma subsidiária.
A título de exemplo, o art. 7º da Lei de Direitos Autorais como demonstrado a seguir:
São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III – as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V – as composições musicais, tenham ou não letra;
VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII – os programas de computador;
XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
(BRASIL, 1998) (Grifo nosso)
Estes atos normativos são consequência direta dos acontecimentos internacionais à sua época, mais necessariamente ao Acordo TRIPS, que ocorrera em 1994, pois, seria a primeira vez que o Estado brasileiro iria se deparar com a obrigação da elaboração visando a regulamentação de proteção de softwares em âmbito nacional. Consequente ao posicionamento que o legislador brasileiro teve ao promulgar tais normas, a Lei nº 9.279/96, Lei de Propriedade Industrial, estrutura ainda mais a não possibilidade de proteção patentária para possíveis “soluções digitais” ou, como é de enfoque deste trabalho, os “programas de computadores em si”.
Portanto, essa proteção abrange especificamente, o código-fonte, o código objeto, e suas documentações associadas, não incluindo, porém, ideias, métodos, conceitos ou algoritmos, conforme exposto a seguir:
Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II – concepções puramente abstratas;
III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
V – programas de computador em si;
VI – apresentação de informações;
VII – regras de jogo;
VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e
IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.
(BRASIL, 1996) (Grifo nosso)
Entretanto, como exposto no parágrafo anterior, divergindo-se de outros países, o Brasil não permite o patenteamento de softwares de maneira “per se”, ou seja, de si mesmo, havendo a necessidade de patentear softwares quando estes estão integrados a uma invenção que utiliza tecnologia computacional. O sistema de proteção à propriedade intelectual por patentes difere-se dos direitos autorais, pois exige-se que o bem protegido possa ser inserido em um processo industrial, e porque são garantidores de mais direitos aos autores da proteção. Logo, se não está inserido em um processo industrial, não há possibilidade de ser patenteado.
Dessa forma, há de se avaliar acerca dos impactos sobre cada modelo de proteção e seus respectivos resultados, utilizando de análise comparativa entre os modelos, além da exposição dos limites da proteção de cada um.
Marco Teórico
Ao contrário do que era disposto na Constituição de 1946, a Carta Magna de 1988 não dispõe de alternativas à proteção de propriedades intelectuais e tecnológicas, se não o seu patenteamento, tornando-o exclusivo. Porém, da mesma forma em que a Constituição se posiciona nesse sentido, a tutela da concorrência é um princípio constitucional.
Art. 1º – A República (…) tem como fundamentos: (…)
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)
IV – livre concorrência; (…)
Dessa forma, percebemos que a propriedade intelectual se fixa nesse berço constitucional como sendo um princípio. A base teórica da propriedade intelectual em relação aos direitos autorais está alinhada com acordos internacionais, como a Convenção de Berna, assinada em 1886, que define uma proteção mínima para criações artísticas e literárias nos países que a ratificam.
No Estado brasileiro, a legislação nº 9.279/1996, da Lei de Propriedade Industrial, estabelece normas referentes a patentes e marcas. O fundamento central dessa legislação é garantir que os inventores possuam o direito exclusivo de explorar suas criações, prevenindo a reprodução ou o uso impróprio por outras pessoas.
No cenário global, o Acordo TRIPS (Aspectos do Comércio Relacionados aos Direitos de Propriedade Intelectual), firmado sob a Organização Mundial do Comércio (OMC), define critérios para a salvaguarda da propriedade intelectual, unificando regulamentações em diversas nações. Nesse contexto, a propriedade intelectual é percebida como uma ferramenta que assegura tanto a defesa do autor quanto o acesso da sociedade, equilibrando os interesses individuais e comunitários.
Em dispositivos autônomos, como para os direitos autorais e para a propriedade intelectual, os preceitos de proteção são estabelecidos os bens e investimentos da PI, que se contrapõem em sua essência à tutela de livre concorrência. O referencial teórico das legislações relacionadas aos direitos autorais, à propriedade intelectual e à proteção de softwares fundamenta-se em princípios e diretrizes que buscam harmonizar os direitos dos autores e as necessidades da sociedade. Essas normas têm a finalidade de fomentar a inovação, assegurar a proteção das obras criativas e facilitar o acesso a produtos culturais e tecnológicos.
A propriedade intelectual abrange diversas áreas, sendo o direito autoral uma das mais importantes. Esse ramo legal se encarrega de assegurar a proteção de criações originais, incluindo livros, músicas, filmes e obras artísticas. A fundamentação teórica do direito autoral repousa nos conceitos de originalidade e proteção automática. No Brasil, a Lei nº 9.610/1998 serve como a principal norma, estabelecendo que o autor detém tanto direitos morais quanto patrimoniais sobre suas criações.
A legislação que regulamenta a proteção dos programas de computador no Brasil é a Lei nº 9.609/1998, comumente referida como Lei do Software. Essa norma estabelece que o software é considerado uma obra intelectual, protegida pela legislação de direitos autorais, embora com algumas especificidades.
Os softwares são resguardados pelas leis de direitos autorais no que diz respeito ao seu código-fonte, porém, existem normas específicas em relação à exclusividade de utilização e venda. A legislação determina que o proprietário do software possui o direito exclusivo de reproduzir, distribuir e alterar o programa, assim como de fornecer licenças de uso. Esta proteção é válida por um período de 50 anos, começando a contagem a partir do primeiro dia do ano seguinte à sua divulgação.
A fundamentação teórica da Lei de Software também está conectada a convenções globais, como o Acordo TRIPS, que estabelece diretrizes para a proteção de softwares, além da Convenção de Paris, que aborda questões mais abrangentes relacionadas à propriedade intelectual.
Os referenciais teóricos relacionados ao direito autoral, à propriedade intelectual e à proteção de softwares possuem fundamentos comuns, como a promoção da criatividade, o estímulo à inovação e a busca por um equilíbrio entre interesses individuais e sociais. Contudo, cada sistema legal apresenta características únicas que evidenciam as singularidades das obras que visam proteger.
Assim é que prescreve a Carta de 1988, no tocante à Propriedade Industrial:
Art. 5º. ……
…….
XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
E, por sua vez, quanto aos direitos autorais:
Art. 5º. – : (…)
XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII- são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas.
Esses pontos destacados também salientam a relevância da unificação internacional, assegurando que as obras intelectuais tenham proteção além das fronteiras nacionais. Tal proteção é fundamental em um mundo globalizado, onde produções literárias, artísticas, inovações e programas de computador são amplamente compartilhados entre as nações.
O problema específico do softwares
Diante do exposto, como litigar com eficácia e eficiência diante da tensão entre tais preceitos constitucionais relativos à liberdade de concorrência e à limitação da concorrência com a proteção dos softwares?
A legislação de direitos autorais ou copyright foi a que mais se mostrou eficaz para a proteção do software. O elemento central da ideia de software é o programa de computador, cuja definição jurídica está estabelecida no parágrafo único do Artigo 1º da Lei 9.609/98. Ao escolher uma abordagem mais analítica em relação à legislação americana4, a norma brasileira mantém a conformidade com os princípios da Lei Tipo da OMPI5. Em quase a totalidade dos países onde se admite a proteção, essa foi a forma admitida. Contudo, desde o início, com os primeiros pedidos, surgiram vários opositores com fortes argumentos que merecem ser analisados.
Entretanto, a academia nega que os programas de computador possam ser protegidos por direitos autorais. Segundo o ilustre jurista, os mesmos não constituem uma expressão que possa ser sentida pelo homem. Um texto, por exemplo, é perfeitamente sentido pelo homem na medida em que pode ser lido e há a transmissão de uma mensagem; uma pintura, da mesma forma, pode ser percebida, utilizando-se os sentidos da visão, isto não aconteceria com os programas de computador que constituem um conjunto de símbolos inteligíveis e, muitas vezes não perceptíveis ao olho humano, já que estão em disquetes, fitas etc.
O desenvolvimento atual da tecnologia não permite a criação de softwares completamente elaborados em linguagem natural. A termos de definição, nesse trabalho utilizaremos a definição de Helena de Medeiros Caseli, que define o Processamento de Linguagem Natural (PLN) como sendo um campo de pesquisa que objetiva investigar e propor métodos e sistemas de processamento computacional da linguagem humana. Assim, em algum nível de desenvolvimento, o programa é essencialmente utilizado em máquinas, ou seja, não pode ser utilizado de outra forma senão como um instrumento eficaz para fazer com que determinadas máquinas atuem de maneira específica e para propósitos determinados. Se a criação intelectual perdesse essa conexão indispensável, seu caráter técnico poderia ser regulado pelas normas comuns de direitos autorais.
Propostas de Melhorias para o modelo brasileiro
As patentes são proteções legais e temporárias, que são concedidas pelo Estado ao inventor ou ao titular, de modo que este possui o direito de exclusividade sobre seu uso, produção e comercialização, que pode ser cedido mediante sua autorização (OLIVEIRA, et al, 2005).
Destarte das tensões específicas dos litígios causados pela livre concorrência, há a necessidade de se resolver tais conflitos em inúmeras maneiras, sejam estes de maneira Erga omnes ou, a valer da necessidade, Inter partes. Quando se há um litígio em que se oponham dois direitos constitucionais igualmente valiosos, é necessário sempre se impor-se a regra da razoabilidade6.
Para Canotilho7,
“a ponderação ou balancing ad hoc é a forma característica de alocação do direito sempre que estejam em causa normas que revistam a natureza de princípios” E, detalhando a técnica: “As idéias de ponderação (Abwägung) ou de balanceamento (balancing) surge em todo o lado onde haja necessidade de “encontrar o Direito” para resolver “casos de tensão” (Ossenbühl) entre bens juridicamente protegidos.
(…)
Quando é que, afinal, se impõe a ponderação ou o balanceamento ad hoc para obter uma solução dos conflitos de bens constitucionais? Os pressupostos básicos são os seguintes. Em primeiro lugar, a existência de, pelo menos, dois bens ou direitos reentrantes no âmbito de proteção de duas normas jurídicas que, tendo em conta as circunstâncias do caso, não podem ser “realizadas” ou “optimizadas” em todas as suas potencialidades. Concomitantemente, pressupõe a inexistência de regras abstratas de prevalência, pois neste caso o conflito deve ser resolvido segundo o balanceamento abstrato feito pela norma constitucional (…). Finalmente, é indispensável a justificação e motivação da regra de prevalência da regra de prevalência parcial assente na ponderação, devendo ter-se em conta sobretudo os princípios constitucionais da igualdade, da justiça e da segurança jurídica”.
Dessa maneira, o legislador brasileiro fora muito impositivo no sentido de se preponderar as técnicas de balanceamento em casos de litígios. Carlos Roberto de Siqueira Castro lembra que, desde a Carta de 1988, há um requisito intrínseco de razoabilidade das normas estatais, no art. 5º., LIV, da CF/88:
“(….) a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, onde o instituto do devido processo legal, e, em seu bojo, o da “razoabilidade” dos atos do Poder Público, são alçados em princípios da organização política e em direitos constitucionais dos administrados oponíveis ao Estado e seus agentes”7
O software é um componente das Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs) e se integra à dinâmica da sociedade do conhecimento. Porém, sua proteção ainda se baseia em modelos cartesianos que pertencem à era industrial, desconsiderando as propriedades intelectuais de natureza híbrida (MEDEIROS, 2017). Essa abordagem resulta em uma inadequação das informações resguardadas no que diz respeito ao desenvolvimento dos programas de computador, acarretando uma ineficiência na realização dos objetivos da proteção da propriedade intelectual.
A perspectiva restritiva sobre a propriedade intelectual no contexto do software implica que a proteção oferecida pelos direitos autorais não é capaz de cobrir certas informações vinculadas aos programas de computador. Isso resulta em uma combinação de dois tipos de direitos: direitos autorais e patentes. No Brasil, conforme discutido ao longo deste trabalho, há várias concessões de registros de software que garantem proteção aos seus componentes literários.
Segundo Marcos Wachowicz, Para uma tutela efetiva do bem informático que é o software, a sua proteção deve objetivar alcançá-lo no meio tecnológico que lhe é inerente, ao qual se refere: o ambiente de seu desenvolvimento; as possibilidades de inovações tecnológicas; as suas formas de uso e comercialização; os modos de transferência de tecnologia; e as possibilidades de cooperação. Com efeito, a proteção da propriedade intelectual do software não pode ser vista de forma isolada, dissociada da Revolução Tecnológica da Sociedade da Informação, ou ainda, de forma simplista reduzir o software a mero instrumento separado da tecnologia que o criou e que irá utilizá-lo. (WACHOWICZ, 2010, p. 203-204 apud MEDEIROS, 2017, p.300).
Pode-se notar que a proteção de um bem imaterial é realizada por diversos regimes dentro da esfera da propriedade intelectual. Segundo Medeiros (2017), essa não é a abordagem ideal, pois apresenta falhas que geram conflitos e danos tanto para criadores e inventores quanto para a sociedade. Contudo, a autora reconhece as circunstâncias atuais, apontando que vivemos um período de transição nas Tecnologias da Informação e Comunicação, o que torna difíceis mudanças drásticas nas normas de proteção do software. Assim, é necessário buscar alternativas dentro dessas normas para estabelecer limites e equilibrar os direitos de propriedade sobre os programas de computador.
A convivência de diferentes formas de proteção em relação a um mesmo objeto traz um questionamento crucial: há pontos em comum entre os regimes de proteção? No que diz respeito às proteções conferidas por direitos autorais e patentes aos softwares, teoricamente, não. O direito autoral protege a expressão ou a codificação do software, enquanto a patente se refere à sua funcionalidade. No entanto, na prática, conforme aponta Medeiros (2017, p. 326), “as regras de um regime podem impactar as permissões e proibições do outro regime”.8 Isso ocorre porque, embora essas proteções sejam distintas, o software não existe isoladamente em uma máquina, assim como a máquina não funciona sem o software, o que faz com que ambos dependam um do outro. Para Medeiros (2017, p. 327), “(…) o direito autoral e a patente geram uma convergência tanto simétrica quanto negativa, criando situações de sobreposição simultânea, sobreposição negativa e sobreposição subsequente, tanto na modalidade sobreposição objetiva quanto sobreposição subjetiva”.
Conclusão
Existem hoje diversas formas de proteção aos softwares. No setor da informática, as mais utilizadas são os direitos autorais e as patentes, sendo que alguns países utilizam formas sui generis, mas que também têm como base a legislação de direitos autorais. Porém, a ideia de que o software é apenas uma forma de expressão artística e, consequentemente, poderia ser amparado pela legislação de direitos autorais é, na verdade, um equívoco jurídico, conforme aponta Shamnad Basheer (citado por Medeiros, 2017). Isso se deve ao fato de que o propósito dos softwares é a execução de funções específicas, e não a exibição de habilidades literárias.
Portanto muitos são os pontos controversos, uma vez que se utiliza de uma forma de proteção inicialmente formulada para obras literárias, no intuito de proteger um ramo do conhecimento, completamente distinto. Desse modo, os intérpretes da lei têm de criar mecanismos de avaliação, até então inexistentes, visando praticar a equidade. Esta varia de país para país, conforme seu nível de desenvolvimento e os anseios da sociedade.
Por essa razão, é difícil estabelecer limites entre os direitos autorais e as patentes, especialmente ao levar em conta que os direitos autorais também abrangem as manifestações não literárias dos programas de computador, incluindo a maneira de expressão do criador e não apenas as palavras que ele utiliza. Conforme destaca Medeiros (2017, p. 331), “protegendo-se, dessa forma, certos aspectos funcionais do software sob a égide dos direitos autorais, como se se tratasse de uma patente”.
No direito pátrio, vigora uma legislação sui generis, mas que tem como base de sustentação os direitos autorais. O patenteamento de programas de computador é expressamente proibido, nesse sentido cremos que o ordenamento brasileiro está entre as formas de proteção mais avançadas do mundo.
A discussão sobre o modelo mais adequado para a proteção de softwares teve início no século XX, surgindo primeiramente em países da União Europeia e nos Estados Unidos. Na União Europeia, cada nação possui sua própria legislação referente aos softwares, mas, de forma geral, a proteção é centrada no autor, sendo garantida através do direito autoral, com uma maior resistência à concessão de patentes para programas de computador.
Por outro lado, nos Estados Unidos, a proteção se concentra mais na obra em si, resultando em uma abordagem mais ampla e maior aceitação de patentes para softwares. No Brasil, a proteção dos softwares sempre esteve alinhada com as discussões internacionais, baseando-se nos tratados internacionais dos quais é signatário, como a Convenção de Berna, a Convenção da União de Paris e o Acordo TRIPS. Assim, a legislação brasileira reconhece o software como parte dos direitos autorais, conforme a Lei de Direitos Autorais (9.610/98) e a Lei do Software (9.609/98).
Embora não exista uma legislação específica que trate da patenteabilidade de softwares, é possível a concessão de patentes pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, desde que os softwares apresentem elementos que atendam aos critérios de patenteabilidade. A proteção pelo direito autoral não depende de registro, sendo suficiente que as obras atendam aos requisitos de originalidade relativa, utilidade e a manifestação da ideia. Entretanto, o registro do código fonte no INPI proporciona maior segurança jurídica ao titular, principalmente em casos de litígios. No Brasil, a maioria dos registros é realizada por instituições públicas, seguidas por empresas de Tecnologia da Informação, e, devido ao princípio da reciprocidade, há poucos registros por estrangeiros.
No que diz respeito às patentes, embora a legislação de Propriedade Industrial proíba a concessão de patentes para softwares em si, patentes podem ser obtidas para invenções que utilizam software, desde que cumpram os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. O pedido de patente deve incluir um requerimento, um relatório descritivo, reivindicações, um resumo e desenhos do objeto a ser patenteado. As reivindicações contêm as informações protegidas pela patente. Ao contrário do registro de software, a maior parte das patentes de softwares no Brasil são solicitadas por países estrangeiros, com os Estados Unidos como principal solicitante.
Observa-se também que muitos dos pedidos referem-se a softwares embarcados, que são componentes essenciais para o funcionamento de um hardware.
Por fim, procurou-se compreender como ocorrem simultaneamente as duas formas de proteção (patente e direito autoral) e a sobreposição de direitos resultante dessas.
Os direitos concedidos por ambos os mecanismos não são completamente distintos e, em algumas circunstâncias, protegem a mesma informação de um mesmo objeto. Isso ocorre porque um software não existe isoladamente em uma máquina, da mesma forma que uma máquina não pode operar sem um software, criando assim uma interdependência entre eles.
Considerando tudo isso, é possível concluir que os atuais mecanismos de proteção de software no Brasil, especificamente o direito autoral e a patente, são compatíveis e eficazes. Contudo, é necessário que se adaptem aos novos paradigmas da sociedade, em razão dos avanços tecnológicos, e que proporcionem maior clareza sobre quais informações cada instituto protege, buscando equilibrar o incentivo à inovação e o acesso à informação pela população.
3De acordo com Heloisa Medeiros (2017, p. 232): O software, inserido na realidade do comércio global transfronteiriço, necessita de sua proteção internacional. Tal proteção ocorre de forma a harmonizar e, em alguns casos, unificar minimamente as legislações de países que desejem integrar-se economicamente. Apesar das legislações nacionais sobre propriedade intelectual estarem em certa medida padronizadas por meio de tratados internacionais, cabe a cada jurisdição nacional definir e estabelecer a legislação interna sobre tais direitos.
4A definição legal é a da Seção 101 do título 17 do United States Code (alterado pela Public Law 96517 de 12.12.80): “A computer programs is a set of statements or instructions to be used directly or indirectly in a computer in order to bring about a certain result”
5Segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, “programa de computador era definido na Lei tipo (artigo 1.i) como “un ensemble d’instructions pouvant, une fois transposé sur un support échiffrable par machine, faire indiquer, indiquer, faire accomplir ou faire obtenir une fonction, une tâche ou un résultat particulier par une machine capable de faire du traitement de l’information”
6“o princípio que se chamou, na Alemanha, da `proporcionalidade’ e, nos Estados Unidos da América, da `razoabilidade”. JSTF – Volume 183 – Página 290). “HABEAS CORPUS” Nº 69.912-0 – RS. Tribunal Pleno (DJ, 26.11.1993). Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence.
7O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil, Forense, 1989, p. 388
8“From a different theoretical angle, two regimes create two distinctively separate objects of protection, but in practice one right may constitute a barrier to the free use of the object although the other right intentionally reserves that use for the free domain. The result is overlap” (QUAEDVLIEG, 2009, p. 485).
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1Graduando do Curso de Direito da Universidade do Estado do Amazonas – UEA.
2Professor e orientador do Curso de Direito da Universidade do Estado do Amazonas – UEA.