REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411302250
Angela Maria Raposo Cidade
Orientador: Profa. Ma. Jennifer Alves Rates Gomes
Resumo : Este artigo tem como objetivo apresentar as mudanças mais importantes e significativas na legislação que visam ajudar as pessoas em questões financeiras e administrativas. Desde o início do Código de Defesa do Consumidor e leis de falência até as mais recentes orientações do ordenamento jurídico, será abordado como a legislação evoluiu para proteger o consumidor e ajudá-lo em momentos de crise financeira. Infelizmente, a pandemia do COVID-19 agravou a situação financeira de muitas pessoas, resultando em um aumento significativo do superendividamento. Mais de 70% das famílias brasileiras enfrentam essa situação, o que destaca a necessidade de uma legislação atualizada que possa atender às necessidades financeiras do povo brasileiro.
Palavras-chaves: Código de Defesa do Consumidor, Superendividamento, Repactuação, Legislação, Subsistência.
Abstract: This article is entitled to present the biggest and most changes in legislation that seek to assist individuals in financial administrative demands, alluding from the beginning of the Consumer Protection Code, to the most modern legislation and guidance of the legal system. After the most serious part of the COVID-19 pandemic, there is a very significant increase in the over-indebtedness of the individual, with the approximate percentage of more than 70% of Brazilian families in a situation of over-indebtedness, highlighting the need for legislation that suits the new reality of the Brazilian.
Keywords: Consumer Defense Code, Over-Indebtedness, Repricing.
1. INTRODUÇÃO
O superendividamento é um problema cada vez mais comum na sociedade moderna, afetando pessoas de todas as idades e classes sociais. Quando uma pessoa se encontra superendividada, ela tem dificuldades em honrar seus compromissos financeiros e pode acabar entrando em um ciclo de dívidas cada vez maiores. Diante dessa realidade, torna-se importante analisar o impacto socioeconômico da proteção ao consumidor superendividado.
Nos tempos atuais, o consumismo é uma das principais forças que impulsionam a sociedade. Com o aumento da renda das pessoas e a produção em massa de bens de consumo, o protagonismo do consumo se faz sentir de forma cada vez mais intensa. No entanto, essa tendência tem trazido consigo algumas consequências preocupantes, como o superendividamento das famílias.
Para compreender melhor essa nova realidade, é preciso entender a evolução histórica do consumo e como a legislação de proteção ao consumidor tem se desenvolvido ao longo do tempo. É necessário sensibilizar as pessoas para um consumo mais consciente e também resgatar aqueles que se encontram em situação de ruína financeira.
Um dos principais desafios na proteção ao consumidor superendividado é garantir que o crédito seja concedido de forma responsável e que as instituições financeiras não se enriqueçam às custas do consumidor. Para isso, são necessárias alternativas legislativas que visem proteger o consumidor e equilibrar as relações de consumo.
A Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, trouxe algumas alterações importantes ao Código de Defesa do Consumidor, visando aprimorar a proteção ao consumidor e estimular a prática do crédito responsável. Essas mudanças são um passo importante na direção de uma maior justiça nas relações de consumo.
Por fim, é preciso estabelecer novos padrões nas relações de consumo, com a inserção do princípio do crédito responsável e a prática da ética por ambas as partes. Somente assim será possível evitar o superendividamento e garantir que as pessoas possam consumir de forma consciente e equilibrada, sem comprometer sua saúde financeira. Este é um trabalho fundamental que deve ser encarado como uma prioridade para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equilibrada.
2. ASPECTOS HISTÓRICOS DO SUPERENDIVIDAMENTO – CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS
Quando se trata da organização social, o consumo emerge como um fenômeno essencial que molda e define os parâmetros econômicos e financeiros contemporâneos, fruto de uma longa trajetória de transformações ao longo dos séculos. A prática de negociar, comprar, vender, trocar ou permutar, junto com os variados desdobramentos das interações comerciais entre indivíduos, tem sido uma constante em todas as sociedades humanas. No entanto, como apontam os registros históricos, o entendimento moderno do ato de consumir encontra suas raízes em um momento histórico específico: a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX, que consolidou a produção em massa como uma nova dinâmica econômica.
A Revolução Industrial, ocorrida inicialmente na Inglaterra ao final do século XVIII, seguida por uma segunda fase no século XIX, marcou um ponto de inflexão no desenvolvimento tecnológico, impulsionando a criação do sistema capitalista como estrutura dominante das relações econômicas. Esse marco histórico não apenas transformou as formas de comércio, mas reconfigurou profundamente as interações sociais e interpessoais, alterando as dinâmicas que estruturavam a vida em sociedade.
Com o avanço das máquinas, o trabalho manual foi progressivamente substituído por processos mecanizados, o que resultou em transformações drásticas nas relações laborais. Entre as consequências mais notáveis estavam a redução dos salários, as condições insalubres nas fábricas e a exploração massiva dos trabalhadores, submetidos a longas jornadas extenuantes. Nesse cenário, o tecido social se dividia entre uma classe trabalhadora extenuada e uma camada emergente da sociedade que, ao contrário, começava a desenvolver novos padrões de consumo e estilos de vida.
O período pós-Revolução Industrial, com o crescimento da produção e a proliferação de mercadorias, trouxe consigo a disseminação de um ideal consumista, no qual o ato de adquirir bens e serviços passou a ser visto como uma forma de preencher lacunas existenciais. Esse novo paradigma social associava o consumo à realização pessoal e à felicidade, uma percepção que, longe de ser uma invenção contemporânea, já havia sido enraizada nas estruturas da sociedade moderna. A publicidade, por sua vez, desempenhou um papel crucial ao reforçar a ideia de que quanto maior o consumo, maior a satisfação pessoal, solidificando o consumo como medida do valor individual.
Ao adentrar a discussão sobre a sociedade de consumo, torna-se inevitável mencionar as reflexões de Zygmunt Bauman, um dos mais proeminentes sociólogos da contemporaneidade. Para Bauman (2008, p. 73), a sociedade de consumo se configura como aquela que não apenas incentiva, mas promove e institucionaliza a escolha de um estilo de vida consumista, marginalizando qualquer alternativa cultural. Ele ainda acrescenta que, nesse contexto, o indivíduo não pode se constituir como sujeito sem antes ser transformado em mercadoria (BAUMAN, 2008, p. 20).
Seguindo o raciocínio de Bauman, estamos inseridos na chamada modernidade líquida, um estágio caracterizado pela fluidez e volatilidade das relações e comportamentos. Nesse cenário, as estruturas sociais tornaram-se frágeis e sujeitas a constantes reconfigurações, o que dificulta a consolidação de normas e padrões de conduta duradouros.Apresenta o sociólogo:
Para resumir a história: esse mundo líquido moderno, sempre nos surpreende; o que hoje parece correto e apropriado amanhã pode muito bem se tornar fútil, fantasioso ou lamentavelmente equivocado. Suspeitamos que isso possa acontecer e pensamos que, tal como o mundo que é nosso lar, nós, seus moradores, planejadores, atores, usuários e vítimas, devemos estar sempre prontos a mudar: todos precisam ser, como diz a palavra da moda, flexíveis. (BAUMAN, 2011, p. 8)
A reestruturação da sociedade de consumo trouxe mudanças significativas nos papéis dos indivíduos no mercado financeiro e promoveu valores sociais distintos daqueles encontrados em sociedades menos favorecidas financeiramente. O consumo assumiu um papel central e deixou de ser secundário, tornando-se um protagonista importante na sociedade. O consumo de necessidades básicas superou o consumo de desejos supérfluos, e o poder de compra e consumo se tornou a principal fonte de aceitação e pertencimento em grupos sociais.
No entanto, a percepção de aceitação baseada em potencial financeiro não é mais exclusiva de uma elite, e o consumo agora é visto como uma ferramenta de inclusão social para indivíduos de diversas camadas da sociedade. Esse cuidado com as relações de consumo já era observado desde o Egito Antigo, onde existiam exigências para a comercialização de produtos e serviços que se adequassem aos usos e costumes locais, além de direitos e deveres claros para a execução desses produtos e serviços.
Com o desenvolvimento da sociedade civil e o aumento dos impulsos de consumo, economistas na década de 1920 observaram uma guinada nas liberações de crédito e na superprodução de bens de consumo, sem regulamentação para controlar os gastos da população. Em 1927, foi instituído o Pure Food Drug Insecticide Administration , que iniciou uma campanha para orientar os consumidores a comparar produtos e serviços e gastar de forma racional. Nessa época, já se estudavam os riscos do consumo excessivo e da produção constante pelas indústrias.
A medida em que a sociedade civil ia se desenvolvendo e os impulsos de consumo se tornaram cada vez mais evidentes, onde o luxo e o status se tornaram o objetivo de vida de muitos, foi observado pelos economistas da época, por volta do ano de 1920, uma guinada nas liberações de crédito para empréstimos pessoais ou financiamentos de qualquer natureza, na superprodução de bens de consumo, na constante expansão do comércio, sem nenhum tipo de regulamentação que refreasse incentivos ao contínuo crescimento de gastos da população.
Em 1929, ocorreu a maior crise financeira da história dos EUA, a Grande Depressão, que devastou o país por uma década. A euforia com o desenvolvimento econômico, a ampliação desenfreada de crédito, o consumo inconsciente, o surgimento de novas empresas e fábricas, os investimentos na bolsa de valores e as mercadorias estagnadas nos estoques culminaram na queda da bolsa de valores de Nova Iorque.
A população, sindicatos, militantes e oposição estavam desesperados para que o presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, tomasse medidas para minimizar os efeitos da crise que se instaurou. Nesse contexto, foi criado o National Industrial Recovery Act (Ato de Recuperação Industrial Nacional, ou NIRA) em 1933 e 1934 pelo Congresso americano, com o objetivo de promover a organização e manutenção das empresas, visando permitir que as empresas devedoras se recuperassem financeiramente por meio de planos de pagamento de seus credores, sem comprometer sua subsistência como pessoa jurídica. Além disso, o NIRA incentivava a criação de novos empregos por meio de um fundo governamental, a fim de restabelecer o poder de compra da população.
No ano de 1978 , ocorreu a primeira revisão significativa da lei de falências, que resultou na criação do atual Código de Falência, conhecido como Bankruptcy Code . Este código entrou em vigor em 1º de outubro de 1978 e incluiu novos capítulos que permitiram a recuperação judicial tanto de pessoas jurídicas como de pessoas físicas. Além disso, o código concedeu certa autonomia aos credores, possibilitando que eles iniciassem o processo de recuperação judicial involuntária do devedor, desde que cumprissem algumas exigências. Conforme a legislação foi sendo moldada, as disposições legais foram estendidas aos produtores rurais e adaptadas de acordo com o poder aquisitivo e o tamanho da empresa devedora
Apesar de a legislação de 1978 trazer um grande número de direitos e garantias tanto para credores quanto para devedores, alguns pontos de evolução em relação ao Ato anterior podem ser observados, como destacado pelo autor Paulo Sergio Restiffe em sua obra sobre Jorge Lobo:
Jorge Lobo (98, p.26) destaca alguns pontos importantes acerca da legislação falimentar norte-americana: supressão dos atos de bancarrota; transformação dos antigos referees in bankruptcy , que eram juízes auxiliares, em juízes monocráticos responsáveis pelo procedimento; eleição do síndico pelos credores; nomeação do agente fiduciário pelo procurador geral; e ênfase à reorganização da empresa.
Ao analisar sucintamente a legislação falimentar dos Estados Unidos, é possível constatar que o Capítulo 7 é o mais significativo, já que trata diretamente da falência em si, sendo denominado como “liquidação”.
Hoje em dia, a recuperação ou falência pessoal é tão comum e aceita nos Estados Unidos que, segundo estudiosos, se tornou um temor para os grandes empresários investirem maciçamente no país. Em 2008, mais de 1,35 milhão de pedidos de falência pessoal foram registrados nos EUA, como resultado da crise causada pelo pedido de falência de uma das maiores instituições financeiras e bancos de investimento do mundo, o LEHMAN BROTHERS. Essa crise começou em meados de setembro de 2008, depois que o banco britânico Barclays se recusou a adquirir o LEHMAN BROTHERS sem a ajuda do governo norte-americano.
Foi iniciada uma campanha por repartições e entidades públicas para sensibilizar a população sobre as vantagens e desvantagens de se valerem da personal bankruptcy , devido à perspectiva temerária do crescimento de pedidos de falência pessoal.
Ao contextualizar a dinâmica do consumo nos dias atuais, observa-se que ele transcende as noções tradicionais de necessidade. Não se busca mais adquirir apenas o essencial para a sobrevivência ou bem-estar básico. O ato de consumir passou a ser guiado por um desejo de prestígio social e ostentação, alimentado pelas transformações tecnológicas e por uma sociedade cada vez mais orientada pela valorização da imagem pública. Nesse contexto, o consumo moderno está vinculado a desejos e luxos individuais, muitas vezes dissociados da realidade financeira.
O que se almeja é uma representação simbólica perante a sociedade, independentemente das implicações econômicas, como evidenciado no presente estudo, incluindo a geração contínua de dívidas. Há uma cobrança implícita da “comunidade de consumo” que exige dos indivíduos a posse de itens considerados símbolos de normalidade e status, como o carro do ano, o celular de última geração e um estilo de vida que frequentemente ultrapassa os limites dos rendimentos obtidos.
A democratização do acesso ao crédito surge como um dos principais catalisadores desse comportamento consumista exacerbado, contribuindo para a escalada das taxas de endividamento. Entre 2003 e 2012, o setor creditício brasileiro passou por uma transformação significativa, inicialmente com a ampliação do crédito para pessoas físicas e, em um segundo momento, com a inclusão de pessoas jurídicas. Nesse processo, bancos e instituições financeiras desempenharam um papel central, facilitando o acesso ao crédito e estimulando o consumo além das capacidades financeiras dos indivíduos.
O Sistema Financeiro Nacional (SFN) foi determinante nessa expansão, ao aumentar a oferta de crédito, particularmente através de modalidades como o crédito pessoal, financiamentos e empréstimos consignados. Conforme aponta a economista Monica Mora em seu estudo sobre a evolução das políticas monetária, cambial e do mercado de crédito no Brasil, conduzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o volume de crédito no país aumentou de 26,0 pontos percentuais (p.p.) do Produto Interno Bruto (PIB) em dezembro de 2002 para 53,8 p.p. em dezembro de 2012. Nesse período, a oferta de crédito por bancos privados cresceu de 16,3 p.p. do PIB para 28,0 p.p., enquanto o sistema financeiro público também contribuiu significativamente, ampliando o crédito em 16 p.p. do PIB.
No entanto, a crise financeira internacional de 2008 impôs um desafio significativo à economia brasileira, que foi impactada pela desvalorização abrupta do real. Como resposta, o governo adotou medidas expansionistas, tanto em termos de gastos quanto de crédito, visando mitigar os efeitos contracionistas da crise sobre a confiança e a atividade econômica. Segundo Nóbrega e Ribeiro (2016 , p. 194) , essas medidas, incluindo a ampliação da oferta de crédito pelos bancos federais, foram essenciais para atenuar as consequências da crise global sobre a economia nacional, conforme detalhado por Mora.
Esse ciclo de facilitação do crédito, embora tenha promovido uma expansão do consumo, também revelou um padrão perigoso de endividamento, onde o desejo de manter um status social elevado muitas vezes não encontra respaldo nas capacidades financeiras individuais, perpetuando um ciclo de consumo insustentável.
A economista explica ainda que:
Nesse contexto, a estratégia do governo para lidar com a crise contemplou o uso dos bancos públicos para sustentar a oferta de crédito com recursos livres, além do uso intensivo de recursos direcionados. Este processo contribuiu para a recuperação da economia brasileira no período imediatamente pós-crise. O crescimento do PIB, superior a 5% ao ano (a.a.), em 2010, e o aumento das concessões de crédito em alguns segmentos específicos levaram o BCB (Banco Central do Brasil) a adotar medidas macroprudenciais, com a intenção de afastar o risco de aumento da vulnerabilidade do setor financeiro. (IPEA, 2014, p. 340)
Destarte, é possível entender as duas faces do acesso ao crédito: assim como este foi e continua a ser fator expoente para a melhora na qualidade de vida das pessoas e acesso a itens mais básicos, também é vilão, pois traz consigo diversos agentes prejudiciais à sociedade, como a falta de responsabilidade financeira, a marginalização social e o superendividamento. Como defende Bruno Miragem, o avanço econômico é fruto da correlação entre a concessão facilitada de crédito e a massificação do mercado:
A rigor, a massificação do crédito em meados do século passado, fazendo surgir a modalidade de crédito para o consumo, caracterizou-se como inequívoco avanço, uma vez que permitiu o acesso dos consumidores a bens de consumo de maior valor que se – não houvesse a possibilidade de financiamento – não poderiam de outro modo ser adquiridos (MIRAGEM, 2016, p. 436)
Não se pode atribuir exclusivamente às transformações históricas do consumo e à democratização do crédito a gênese da classe dos endividados e superendividados, ainda que esses fatores desempenhem um papel relevante. A compreensão das dinâmicas subjetivas impostas pelos ritmos acelerados do consumismo individualista permite um entendimento mais profundo do fenômeno do superendividamento. A forma como o comportamento de consumo afeta as decisões financeiras e os hábitos dos indivíduos oferece um contexto crucial para a análise desse estado econômico.
É necessário, contudo, estabelecer uma distinção clara entre endividamento e superendividamento. O primeiro, caracterizado pela presença de débitos que ainda se encontram dentro dos limites da normalidade, é uma condição amplamente disseminada entre a população. O endividamento, nesse sentido, representa uma situação em que as obrigações financeiras, embora presentes, não ultrapassam a capacidade de pagamento com base nos rendimentos mensais regulares do indivíduo.
Por outro lado, o superendividamento transgride essas fronteiras normativas. Ele atinge os pilares fundamentais da sustentabilidade econômica pessoal, mergulhando o consumidor em uma realidade em que as dívidas excedem significativamente sua capacidade de quitação, levando-o a uma luta não apenas contra juros abusivos ou parcelas impossíveis de pagar, mas também contra a precariedade financeira que compromete sua sobrevivência. Nesse estágio, o superendividado não enfrenta apenas a pressão do serviço da dívida, mas a necessidade de subsistir com os escassos recursos que sobram após o cumprimento das obrigações financeiras, muitas vezes irreparavelmente agravadas pelo acúmulo de parcelamentos e juros desproporcionais.
No decorrer deste trabalho, o conceito trazido pela lei será abordado em suas especificidades, mas o que se pondera, neste momento, é que até 2021, não se tinha um cuidado maior com o tema. A legislação, de forma inovadora, trouxe seus 13 aspectos gerais e consequentes desdobramentos, visando uma maior aplicabilidade aos consumidores que se encontram neste estágio de marginalização do crédito.
3. LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO – PRINCIPAIS MUDANÇAS ADVINDAS COM A LEI N. 14.181/21
3.1 . Contexto de elaboração e promulgação da lei do superendividamento no Brasil
O contexto da criação de normas sobre superendividamento no Brasil está ligado às transformações políticas e econômicas do país após o fim do Regime Militar e a promulgação da Constituição Federal de 1988. A nova Constituição impulsionou a criação de leis, como o Código de Defesa do Consumidor (CDC), com o objetivo de proteger consumidores, especialmente os mais vulneráveis. Contudo, o CDC, promulgado em 1990, não previu as mudanças trazidas pela era digital e o comércio eletrônico, o que expôs suas limitações diante do fenômeno do superendividamento.
Com o avanço tecnológico e o acesso facilitado ao crédito, novas formas de consumo e endividamento surgiram, exigindo ajustes legais. Em 2012, foi proposto o Projeto de Lei n° 283, de autoria do senador José Sarney, para atualizar o CDC, aprimorando as normas sobre crédito ao consumidor e prevenindo o superendividamento. O projeto evoluiu para o PL n° 3.515/2015, que buscava tratar de forma mais ampla essas questões, destacando a necessidade de proteger os consumidores diante do crédito fácil e dos novos desafios econômicos.O próprio relatório de elaboração do projeto na Câmara expôs a importância do tratamento destes consumidores naquele momento histórico:
Uma área que inegavelmente carece de novas soluções legislativas guarda pertinência com a questão do superendividamento. O acesso fácil ao crédito é algo relativamente novo para a sociedade brasileira. Apenas depois da estabilização da economia e da evolução de nosso mercado de consumo, o País começou a ostentar níveis de rendimento familiar e de disponibilidade de bens capazes de assegurar uma expansão efetiva da oferta de crédito. Junto com os inegáveis benefícios da ampliação do crédito, entretanto, o País passou a experimentar um dos seus mais perigosos inconvenientes: o endividamento excessivo dos consumidores. A associação da pouca familiaridade com o crédito e da precária educação financeira de nossa população, por um lado, e as eficientes – e nem sempre transparentes – ferramentas de marketing do setor financeiro, por outro, redundam frequentemente em contratações irrefletidas, cujos custos restam, infelizmente, por sobrecarregar a capacidade econômica dos devedores e por colocar em risco a subsistência de muitas famílias.
Após um longo trâmite legislativo iniciado em 2015 e agravado pelos impactos financeiros globais decorrentes da pandemia de 2020, a promulgação da Lei nº 14.181, em maio de 2021, e sua entrada em vigor em julho do mesmo ano, representou uma resposta jurídica há muito aguardada para os desafios do superendividamento no Brasil. A aprovação desta legislação introduziu inovações significativas no ordenamento jurídico, suscitando debates e divergências quanto à eficácia e ao alcance dos novos mecanismos de proteção ao consumidor endividado. Assim, torna-se imperativo realizar uma análise minuciosa dos dispositivos inaugurados por essa norma, visando compreender plenamente seus efeitos práticos e teóricos no contexto econômico contemporâneo.
3.2 . Mecanismos jurídicos provenientes da Lei n°14.181/2021
Para uma análise mais aprofundada das inovações trazidas pela Lei nº 14.181/2021, é crucial compreender que essa norma não opera de forma autônoma, mas visa reformar disposições da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), com o intuito de aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e estabelecer diretrizes para a prevenção e tratamento do superendividamento. Esse movimento legislativo representa uma adaptação necessária frente às transformações sociais e econômicas recentes.
A primeira inovação observada no texto da Lei nº 14.181/2021 consiste na adição de dois novos princípios ao artigo 4º do CDC, que trata da Política Nacional das Relações de Consumo. Essa política visa atender, de maneira abrangente, as necessidades dos consumidores em diversos aspectos. Os novos princípios, introduzidos pelos incisos IX e X, evidenciam a preocupação do legislador com a promoção da educação financeira e com a criação de mecanismos para a prevenção e tratamento do superendividamento, visando evitar a exclusão social decorrente do excesso de dívidas.
Além dessas novas orientações de caráter principiológico, o artigo 5º do CDC também sofreu alterações significativas. Foram instituídos novos instrumentos voltados à implementação efetiva da Política Nacional das Relações de Consumo, como a criação de mecanismos para a prevenção e tratamento judicial e extrajudicial do superendividamento, além da instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos relacionados ao crédito (art. 5º, incisos VI e VII da Lei nº 14.181/2021).
A lei também ampliou os direitos dos consumidores, prevendo, no artigo 5º do CDC, a garantia de práticas de crédito responsável e de educação financeira (inciso XI), a preservação do mínimo existencial (inciso XII) e o direito à informação clara sobre os preços dos produtos por unidade de medida (inciso XIII). Essas adições refletem um esforço para proteger os consumidores de práticas abusivas no mercado de crédito e assegurar que possam manter sua dignidade financeira.
Outro ponto de destaque nas alterações trazidas pela Lei nº 14.181/2021 diz respeito à nulidade de pleno direito das cláusulas contratuais que restrinjam o acesso dos consumidores ao Poder Judiciário ou que imponham prazos de carência desproporcionais, impedindo o restabelecimento dos direitos do consumidor mediante o pagamento da dívida ou acordo com os credores (art. 51, incisos XVII e XVIII).
Especificamente no que tange às inovações relacionadas ao tratamento do superendividamento, a nova legislação acrescentou dois capítulos ao CDC. O Capítulo VI-A, composto pelos artigos 54-A a 54-G, e o Capítulo V, com os artigos 104-A a 104-C, concentram-se na prevenção e no tratamento do superendividamento, refletindo o objetivo primordial da norma de promover uma mudança na cultura de endividamento. Como salientado pelas organizadoras Cláudia Lima Marques e Andréia Fernandes de Almeida Rangel nos Estudos da I e II Jornada de Pesquisa do CDEA (2022, p. 4), a nova legislação visa, de forma preventiva, modificar as práticas de consumo, estimulando uma conscientização crítica sobre a utilização do crédito, a fim de evitar o ciclo destrutivo do endividamento excessivo.
“[…] mudar da cultura da dívida e da exclusão dos milhões de consumidores superendividados de boa-fé, para a cultura do pagamento e da preservação do mínimo existencial, dando nova ordem e mais tempo aos consumidores no pós-pandemia, mas com um plano de pagamento para saldar as dívidas e reforçar a educação financeira no Brasil”
Seguindo este sentido, o art. 54-A, trata sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento, já prevendo, de início, o conceito do instituto e quais dívidas destinam-se ao trâmite da lei e quais não:
Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor. § 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação. § 2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada. § 3º O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor
O conceito introduzido pela nova legislação revela de forma inequívoca a profundidade e a abrangência do instituto do superendividamento, ao delinear seus parâmetros e finalidades. Ao se dirigir à pessoa natural, de boa-fé, e ao primar pela preservação do mínimo existencial, a norma estabelece, desde o seu princípio, um caráter profundamente humanizado, focado na proteção da dignidade do consumidor. Esse enfoque se reforça pela exclusão explícita de determinadas obrigações, como dívidas decorrentes de má-fé ou contraídas para a aquisição de produtos de luxo, conforme o disposto no art. 54-A, §3º. Tais exclusões visam alinhar o espírito da lei com a responsabilidade ética e social, afastando situações que desvirtuem sua finalidade protetiva.
O art. 54-B, por sua vez, centra-se na necessidade de garantir ao consumidor não apenas o acesso, mas a plena compreensão das informações pertinentes a qualquer compromisso financeiro que esteja prestes a firmar. A nova redação amplia o dever de informação previsto no art. 52 do CDC, exigindo que o consumidor seja previamente esclarecido de forma clara e adequada sobre o custo efetivo total da transação, bem como sobre a composição detalhada da oferta. Essa ampliação de escopo busca assegurar que o consumidor tenha total consciência das condições envolvidas, como a taxa efetiva mensal de juros, os juros de mora e quaisquer outros encargos que possam incidir em caso de inadimplência.
Adicionalmente, o §1º do art. 54-B impõe que essas informações sejam apresentadas de maneira clara, resumida e acessível, devendo constar no próprio contrato ou em outro documento de fácil consulta. Essa exigência visa evitar ambiguidades ou omissões que possam prejudicar o consumidor no momento de tomar uma decisão informada, reforçando o princípio da transparência nas relações de consumo. Com isso, a norma não apenas promove a proteção do consumidor, mas também induz a uma maior responsabilidade por parte dos fornecedores, contribuindo para um ambiente de crédito mais equilibrado e justo.
Explica Marília de Ávila e Silva Sampaio, acerca da importância do acesso efetivo e consciente das informações de produtos e serviços contratados pelo consumidor:
A principal estratégia de prevenção do superendividamento é a informação de todos os dados atinentes à contratação, para que o consumidor possa avaliar sua escolha da maneira que mais lhe atenda aos interesses e à sua capacidade financeira. O dever de informação como um direito básico do consumidor é previsto no CDC de forma expressa, sendo que o art. 6º, III, determina que a informação seja adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos (SAMPAIO, 2018, p. 54)
Em continuidade, as atenções foram voltadas no art. 54-C para a integridade e responsabilidade na oferta de crédito e realização do marketing. O artigo proíbe, expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não:
[…] II – indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor; III – ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo; IV – assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio; V – condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais.
Uma das inovações legislativas mais impactantes, com potencial de provocar uma verdadeira transformação social, encontra-se no art. 54-C. A sociedade contemporânea, há tempos, enfrenta os desafios impostos pelo marketing desonesto e pela publicidade agressiva, que tanto opera de maneira ostensiva e manipuladora, quanto utiliza mensagens subliminares, penetrando os espaços mais íntimos da mente do consumidor. Este cenário é agravado pelo uso de estratégias psicológicas que visam moldar os desejos e as decisões de compra, comprometendo a autonomia do indivíduo. A inovação trazida pelo artigo em questão tem por objetivo proteger, sobretudo, as pessoas mais vulneráveis (conforme disposto no inciso III), contra o oferecimento de crédito de forma irresponsável, sem qualquer atenção aos ditames da dignidade humana e aos princípios éticos fundamentais.
O inciso I deste artigo representa um marco crucial no combate a práticas abusivas. Até então, era comum a proliferação de propagandas que ofereciam cartões de crédito e empréstimos sem a devida análise do histórico financeiro dos consumidores, o que resultava em compromissos excessivamente onerosos. Essa ausência de critério na concessão de crédito muitas vezes conduzia indivíduos, desprovidos de plena consciência financeira, a situações de endividamento insustentável, exacerbadas pelos altos encargos econômicos impostos pelas instituições financeiras. Assim, a disposição do inciso I visa combater diretamente essas práticas, estabelecendo um novo paradigma de responsabilidade no oferecimento de crédito.
Esse aspecto do novo regime legal guarda uma profunda relação com a teoria do “Duty to Mitigate the Loss” , que, como bem elucidou o Ministro Vasco Della Giustina, Desembargador convocado do TJ/RS, no Recurso Especial Nº 758.518 – PR (2005/0096775-4), refere-se à responsabilidade que recai sobre as partes, especialmente as mais bem informadas ou com maior poder econômico, de agir de forma a mitigar os danos potenciais em uma relação contratual. Nesse sentido, a norma busca responsabilizar as instituições financeiras, exigindo delas um comportamento ético e prudente, que evite a imposição de obrigações desproporcionais e que contribua para a proteção dos consumidores contra o superendividamento.
O Enunciado n. 169 do Conselho da Justiça Federal, na III Jornada de Direito Civil também aduz sobre a questão: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo
O duty to mitigate the loss evidencia que o fornecedor do crédito deve buscar oferecer propostas reais e que podem ser adimplidas pelo consumidor, sempre pautando sua conduta na boa-fé e na honestidade negocial. Contudo, a teoria também abarca a importância de o destinatário final ser responsável no momento de obrigar-se financeiramente e minimizar as suas próprias perdas. Ainda no art. 54-C, o inciso IV apresenta um outro tópico que causa efeitos nefastos na sociedade é imprescindível a sua tratativa, que é o assédio de consumo. 44 Atingir desrespeitosamente as vontades de uma pessoa, utilizando-se das mais variadas estratégias (como a coação), infelizmente é uma postura que muitos fornecedores de crédito adotam no mercado. MARILIA E AVILA (2018, p. 86):
“Coibir o assédio ao consumo, sem sombra de dúvidas é fundamental para a prevenção do superendividamento, principalmente em relação ao hipervulneráveis. O mercado de consumo tem muito a ganhar com a concessão de crédito consciente e a proteção do consumidor em relação às pressões dos fornecedores em especial aos idosos, analfabetos e todos os indivíduos que possuem um estado de vulnerabilidade agravada”
As narrativas que se apresentam hoje demonstram que não basta que o crédito seja fornecido. As questões são muito mais complexas e demandam uma análise muito mais criteriosa. A informação deve ser clara e adequada, de fácil entendimento e capaz de sanar dúvidas. O atendimento ao consumidor pautado na boa-fé deve ser adotado antes, durante e após as tratativas comerciais. Além disso, o consumidor deve a todo momento entender que, caso algo não aparente estar correto ou legal, poderá ter acesso à justiça e debater no Judiciário sobre seus questionamentos contratuais.
Por fim, neste viés da prevenção, ressalta-se o art. 54-G, que prevê outras práticas vedadas nas relações consumeristas, como:
I – realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos 10 (dez) dias contados da data de vencimento da fatura, vedada a manutenção do valor na fatura seguinte e assegurado ao consumidor o direito de deduzir do total da fatura o valor em disputa e efetuar o pagamento da parte não contestada, podendo o emissor lançar como crédito em confiança o valor idêntico ao da transação contestada que tenha sido cobrada, enquanto não encerrada a apuração da contestação; II – recusar ou não entregar ao consumidor, ao garante e aos outros coobrigados cópia da minuta do contrato principal de consumo ou do contrato de crédito, em papel ou outro suporte duradouro, disponível e acessível, e, após a conclusão, cópia do contrato; III – impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que o consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos. § 1º Sem prejuízo do dever de informação e esclarecimento do consumidor e de entrega da minuta do contrato, no empréstimo cuja liquidação seja feita mediante consignação em folha de pagamento, a formalização e a entrega da cópia do contrato ou do instrumento de contratação ocorrerão após o fornecedor do crédito obter da fonte pagadora a indicação sobre a existência de margem consignável. § 2º Nos contratos de adesão, o fornecedor deve prestar ao consumidor, previamente, as informações de que tratam o art. 52 e o caput do art. 54- B deste Código, além de outras porventura determinadas na legislação em vigor, e fica obrigado a entregar ao consumidor cópia do contrato, após a sua conclusão.
É imperativo destacar o §1º relativo à margem consignável, que, conforme definido pelo Banco Central, refere-se ao montante máximo que pode ser descontado de salários, benefícios ou pensões para o pagamento de empréstimos consignados. A Lei 14.509/2022 estabelece um limite de 45% para essa margem, sendo 5% reservados exclusivamente para a amortização de dívidas contraídas por meio de cartões consignados de benefício ou para saques utilizando esses cartões, conforme o inciso II do art. 2º da referida legislação.
Para servidores públicos federais, o Banco Central detalha que a divisão da margem consignável é de 35% para empréstimos consignados, 5% para cartões de crédito consignados e 5% para cartões consignados de benefício. Esses percentuais, conforme a Lei 14.431/2022, aplicam-se a empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, segurados do regime próprio de previdência social, servidores públicos federais e beneficiários de programas federais de transferência de renda.
A reserva da margem consignável, frequentemente utilizada por servidores públicos, é calculada com base nos rendimentos mensais fixos e líquidos, excluindo bonificações extraordinárias. Embora vista como um obstáculo por muitos devedores, essa reserva é essencial para proteger aqueles que não controlam adequadamente suas finanças, funcionando como um mecanismo de contenção diante de novas dívidas. Adicionalmente, essa estrutura oferece vantagens, uma vez que os juros tendem a ser menores, dado que os valores são garantidos por descontos diretos na folha de pagamento.
Como a todo momento perceptível do espírito da norma, o objetivo basilar da norma é proporcionar o acesso ao crédito responsável e garantir a estes consumidores hipervulneráveis uma maior proteção por já estarem em condição de superendividamento. A ideia é prevenir que estas pessoas fiquem em uma situação financeira ainda mais difícil que já se encontram.
Desta feita, o intuito é proteção e não exclusão
3.2.1 . O crédito responsável enquanto princípio
A proteção aos consumidores em situação de superendividamento pode ter consequências importantes na sociedade e na economia. Em primeiro lugar, essa proteção pode prevenir que as pessoas sofram danos à sua saúde física e mental, uma vez que a pressão financeira pode levar a problemas de saúde, como ansiedade e depressão. Além disso, a proteção aos consumidores superendividados pode evitar a perda de patrimônio, já que muitas pessoas acabam perdendo seus bens e imóveis para pagar suas dívidas.
A proteção ao consumidor superendividado tem um impacto significativo na sociedade e na economia, pois pode contribuir para evitar que pessoas sofram danos em sua saúde física e mental devido à pressão financeira. Além disso, a proteção pode impedir a perda de patrimônio, uma vez que muitas pessoas perdem seus bens e imóveis para pagar suas dívidas. Outro impacto importante da proteção ao consumidor superendividado é a promoção da estabilidade econômica. A implementação de medidas que protegem o consumidor ajuda a prever melhor os fluxos de caixa das empresas, o que reduz o risco de insolvência e falência. Além disso, a proteção pode aumentar a confiança do consumidor no mercado, levando a um aumento no consumo e no investimento.
Por último, a proteção ao consumidor superendividado pode ter efeitos positivos na justiça social. Como o superendividamento afeta frequentemente as pessoas mais vulneráveis da sociedade, a adoção de medidas protetivas pode ajudar a reduzir a desigualdade social. Além disso, a proteção ao consumidor pode aumentar a transparência e a equidade nos contratos financeiros, prevenindo abusos por parte de empresas e instituições financeiras.
Considerando as mudanças sociais em relação à inclusão e aceitação do indivíduo com base em seu poder aquisitivo e potencial de consumo, fica claro que aqueles que se endividaram excessivamente e perdem seu poder de compra serão marginalizados na sociedade consumista e excluídos socialmente. Apesar da existência de um sistema de defesa do consumidor, é evidente a necessidade de regulamentação mais moderna para abordar a ineficácia do Código de Defesa do Consumidor em relação às relações de consumo e concessão de crédito.
O crédito, que antes era visto como uma opção para emergências e imprevistos, se tornou uma extensão da renda do indivíduo devido à falta de regulamentação para controlar sua concessão e disseminação. A liberação de crédito atingiu proporções tão grandes que a legislação não possui mais meios para lidar com a complexidade das relações de consumo, o que torna questionável a eficácia da proteção dos direitos do consumidor. Infelizmente, essa situação tem levado muitos indivíduos à ruína financeira, já que buscam no consumo uma forma de inserção social.
A ausência de educação financeira e as estratégias de marketing agressivas da indústria de crédito resultam em um crescente número de pessoas endividadas. Essa indústria promove um estilo de vida consumista como única opção viável, sem considerar se o indivíduo tem ou não condições de arcar com os custos, tendências e novidades que surgem no mercado. Consequentemente, à medida que o consumo impulsivo e a concessão irresponsável de crédito aumentam, o superendividamento torna-se uma realidade para muitas famílias brasileiras.
No primeiro trimestre de 2021, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) realizou uma pesquisa que revelou que, dos cerca de 210 milhões de brasileiros, 60 milhões estão endividados e 30 milhões estão superendividados. Esses números são preocupantes, pois demonstram a falta de efetividade na regulação do mercado de consumo. Muitos brasileiros não conseguem mais manter-se financeiramente com seus rendimentos regulares, o que acaba comprometendo o acesso a um “mínimo existencial” para grande parte da população.
Diante dessa perspectiva, fica cada vez mais evidente a necessidade de regulamentação adequada para proteger efetivamente os direitos dos consumidores em situações de alta complexidade e modernização das relações de consumo, o que não tem ocorrido com as leis de proteção ao consumidor. Nesse sentido, o acesso ao crédito como um direito fundamental é reafirmado pelo desenvolvimento social, que alcançou seu ponto máximo em relação ao mercado de consumo, onde a capacidade econômica de cada indivíduo tornou-se um critério para sua aceitação e reconhecimento social.
O princípio do crédito responsável é um importante conceito que deve ser aplicado em todas as relações de consumo que envolvam a concessão de crédito. Trata-se da ideia de que os fornecedores de serviços de crédito devem agir de forma ética e responsável, buscando não apenas o lucro, mas também a proteção e o bem-estar financeiro do consumidor. Isso implica em avaliar cuidadosamente a capacidade financeira do consumidor antes de conceder o crédito, informando claramente sobre os termos e condições do contrato, e oferecendo opções de renegociação em caso de inadimplência.
Além disso, também é importante para prevenir o superendividamento dos consumidores, uma vez que a concessão indiscriminada de crédito pode levar a uma situação insustentável de dívidas. Nesse sentido, é fundamental que os fornecedores de serviços de crédito trabalhem em conjunto com o Poder Público para estabelecer regulamentações que assegurem a proteção dos consumidores e a sustentabilidade do mercado financeiro como um todo. Em suma, o princípio do crédito responsável é essencial para garantir que as relações de consumo sejam pautadas pela ética, transparência e responsabilidade, visando o bem-estar tanto dos fornecedores quanto dos consumidores.
O tal princípio busca corrigir as falhas na legislação ao permitir que os consumidores superendividados tenham, em casos excepcionais, acesso a uma margem de crédito razoável para suprir suas despesas cotidianas ou gerenciar seus rendimentos adequadamente. Desse modo, o direito fundamental de acesso ao crédito é fundamental para garantir que os superendividados não sejam marginalizados e possam sustentar-se financeiramente, quando o auxílio do Estado não é viável.
É importante ressaltar que o objetivo não é defender uma política neoliberal de concessão de crédito a pessoas endividadas ou superendividadas, mas sim incentivar a educação financeira e a administração responsável dos próprios recursos. Infelizmente, não existem políticas públicas efetivas para construir uma sociedade financeiramente instruída, como evidenciado pela ausência de ensino financeiro na grade curricular do ensino fundamental II e médio, fases em que os indivíduos já entendem a importância do dinheiro e do crédito, mas não sabem como eles funcionam.
Para acabar com essa falta de conhecimento, é importante que as instituições percebam que os jovens adultos, em sua maioria, não terão tempo exclusivo para aprender sobre administração financeira após saírem da escola, seja por abandono ou conclusão. A melhor oportunidade para transmitir esses conhecimentos é durante o ensino regular nas escolas. É evidente que essa ideia não é impraticável ou inoportuna, pelo contrário, é uma oportunidade para que todos possam entender melhor como gerenciar suas finanças pessoais.
Segundo Macedo Junior, o consumo em massa é frequentemente um fator que contribui para a falta de orientação e autoconfiança, levando à passividade e dependência. Em outras palavras, o crédito é visto como um meio rápido de satisfação para indivíduos imersos nessa cultura de consumo acelerado, onde a necessidade de se manter atualizado e a busca por crédito para financiar esse estilo de vida acabam levando o consumidor à ruína financeira.
Assim, a concessão de crédito não apenas impulsionou o consumo de bens e serviços, mas também evidenciou a importância dos contratos de empréstimo, incluindo crédito pessoal, consignado e até mesmo cartão de crédito consignado (categoria peculiar). Tais contratos estão sujeitos a diversos riscos financeiros, tanto para as instituições financeiras que concedem o crédito, quanto para os tomadores, uma vez que o não cumprimento das obrigações contratuais pode resultar em pesadas penalidades pecuniárias para os consumidores finais, incluindo juros extremamente elevados. Para os credores, por sua vez, os prejuízos podem decorrer da perda de receitas previstas ou do custo de cobrança do valor devido, que em muitos casos envolve o ajuizamento de ações judiciais.
Assim, diante desse cenário, torna-se necessário garantir mecanismos de proteção em favor da parte mais vulnerável da relação, conforme estabelecido no artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de evitar a desigualdade de poder aquisitivo entre as partes envolvidas. Nesse sentido, surge o princípio do crédito responsável como uma proposta para estabelecer novas formas de relação contratual no que se refere à concessão e obtenção de crédito.
Compreender e aceitar o atual contexto socioeconômico é crucial para reconhecer a importância de regulamentar o uso do crédito e implementar alternativas, ferramentas e mecanismos de controle por meio do princípio do crédito responsável. Dessa forma, é necessário estabelecer diretrizes que garantam a proteção dos consumidores vulneráveis, levando em consideração seu poder aquisitivo, a fim de estabelecer relações comerciais saudáveis que incluam ética e responsabilidade nos contratos de concessão de crédito. Como salientou a Dra. Juliana Oliveira Domingues, da Secretaria Nacional do Consumidor ( SENACON):
“O que queremos combater é o superendividamento, a impossibilidade manifesta do consumidor, pessoa física natural e de boa-fé a pagar a totalidade das suas dívidas de consumo que são exigíveis vencidas e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial.”
Assim, o princípio do crédito responsável busca assegurar o direito fundamental do indivíduo ao mínimo existencial, impedindo que a falta de acesso ao crédito o exclua socialmente e o prejudique em situações emergenciais. Além disso, é dever do fornecedor de crédito agir com responsabilidade, não concedendo crédito sabendo que o consumidor não terá condições de cumprir as obrigações financeiras, apenas visando seus próprios lucros. Por fim, esse princípio também incentiva tanto os consumidores quanto o Estado a investir tempo e recursos na busca por capacidade racional e instrução financeira adequada.
4. DESAFIOS RELACIONADOS À NOVA LEI
4.1. Desafios dos NAS (Núcleo de Atendimento ao Superendividado)
Considerando que a legislação recente está sendo adaptada às situações concretas e que as solicitações de renegociação de dívidas pelos devedores ainda estão em estágio inicial, as Defensorias Públicas têm desempenhado um papel crucial na ajuda à população para uma renegociação efetiva das dívidas.
Assim, considerando que as Defensorias Públicas possuem a estrutura física e técnica adequadas para lidar com as demandas de repactuação, elas têm sido pioneiras na implementação do NAS e, portanto, as primeiras a enfrentar os desafios concretos na aplicação da Lei nº 14.181/21.
4.1.1. Exigências das propostas de negociação segundo a nova lei
É claro que alguns dos critérios estabelecidos pela legislação precisam ser cumpridos de uma forma específica e dentro de um prazo determinado para que ela possa ser plenamente eficaz. Por isso, o sistema utilizado pelos núcleos de atendimento ao consumidor superendividado para realizar essas renegociações exige que a proposta de pagamento parcelado, que deve incluir pelo menos a dívida principal atualizada do devedor, seja feita em até 60 meses e que as parcelas não prejudiquem a subsistência mínima do indivíduo.
Apesar de parecer uma solução promissora para cumprir com as obrigações financeiras existentes, o relato do Defensor Público e Vice-Coordenador da CONDEGE, Dr. Antônio Carlos Cintra (2021), apresenta uma realidade diferente das expectativas que foram geradas durante a elaboração da nova legislação. Durante a 8ª Semana Nacional de Educação Financeira, ele afirmou que “ a maioria dos casos de superendividamento que atendemos não se encaixa nessas possibilidades (da nova legislação), não conseguimos aplicá-las “.
A afirmação do Vice-Coordenador da CONDEGE reflete a realidade dos brasileiros superendividados, já que, mesmo com as novas facilidades trazidas pela legislação, é ineficaz para muitos casos, uma vez que é impossível respeitar o mínimo existencial e pagar pelo menos o valor principal atualizado da dívida dentro de 60 meses. Isso ocorre porque a renda declarada dos superendividados não é suficiente para atender às suas necessidades básicas, tornando ainda mais difícil quitar dívidas dentro dos critérios legais.
4.1.2. Insolvência civil como alternativa para a repactuação dos débitos
Durante a 8ª Semana Nacional de Educação Financeira, o Dr. Antônio Carlos Cintra, Vice-Coordenador da CONDEGE, destacou que devido às inúmeras barreiras impostas pelas exigências legais para a renegociação de dívidas e à grande vulnerabilidade financeira da maioria dos superendividados, a judicialização por meio da insolvência civil tem sido uma das poucas opções disponíveis para essa população em particular.
Contudo, é importante esclarecer que, de modo geral, os juízes entendem que a insolvência civil é uma alternativa para a repactuação de débitos apenas quando há um processo judicial prévio para cobrança da dívida pelo credor, e não é razoável usar a Lei nº 14.181/21 nessas circunstâncias. Além disso, é necessário calcular o valor do débito principal, o que pode ser complexo, considerando os valores já pagos e os que ainda estão por vencer, bem como o tempo que as instituições financeiras credoras levam para fornecer o saldo devedor, levando em conta o período de atraso.
Assim sendo, além da impossibilidade de aplicação da nova legislação diante da fragilidade financeira do devedor, a tendência à judicialização surge quando a única opção viável para a repactuação do débito, dentro de condições acessíveis ao devedor, encontra-se na lei antiga, ou seja, na insolvência civil. Em outras palavras, embora a intenção da nova legislação seja louvável e busque facilitar a recuperação do poder de compra do devedor no mercado financeiro, na maioria dos casos concretos, as soluções para o cumprimento dessas obrigações ainda se baseiam na legislação anterior.
4.2 . Democratização do acesso ao crédito como risco econômico
O endividamento excessivo de indivíduos em razão de dívidas de consumo, conhecido como superendividamento, é resultado da ampliação do acesso ao crédito juntamente com a falta de responsabilidade financeira. Essa situação é agravada por incentivos ao consumo excessivo e políticas de concessão de crédito imprudentes. Nesse contexto, é importante abordar a questão do superendividamento e discutir a Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, que trata desse tema.
A exploração frequente e óbvia do mercado de crédito ao consumo pode levar os consumidores à dívida e, consequentemente, à perda de certas liberdades protegidas pela Constituição. Isso ocorre não por meio de sanções explícitas, mas sim pela ausência de margem de crédito ou pela falta do mínimo existencial, deixando-os vulneráveis financeiramente e insolventes, o que resulta na falta de acesso a qualquer possível credor legal.
Diante disso, é possível compreender melhor o conceito de superendividamento como a aquisição de bens ou serviços por meio de parcelamentos ou comprometimento de parte do rendimento, sem considerar a possibilidade de cumprir as obrigações futuras assumidas. Como já mencionado, a falsa sensação de renda proporcionada pelo crédito tem sido vista como uma extensão do rendimento regular do indivíduo, levando-o a crer que possui um poder aquisitivo maior do que realmente tem.
Para combater o superendividamento, é necessário adotar medidas de políticas públicas que se concentrem principalmente na prevenção, não apenas quando o indivíduo já está em situação de insolvência absoluta. É evidente que o conhecimento prévio de finanças é a melhor maneira de prevenir o superendividamento, mas para aqueles que já estão endividados, a melhor abordagem é a reeducação financeira para que não voltem a se superendividar no futuro.
Existem modelos maduros e viáveis de abordagem para a reeducação financeira, como por exemplo a “Política do Novo Recomeço” ( Fresh Start Policy ), amplamente utilizada nos Estados Unidos da América. Essa modalidade de tratamento do superendividamento se baseia no perdão parcial ou total das dívidas, o que significa que o indivíduo só terá que pagar suas dívidas até o limite de seu patrimônio atual. Em outras palavras, os fornecedores de crédito que concedem empréstimos cientes da possibilidade de insolvência absoluta por parte do devedor serão responsabilizados de forma mitigada em relação ao devedor, já que toda atividade comercial envolve riscos inerentes à sua atividade econômica.
O superendividamento não pode ser atribuído somente ao excesso de concessão de crédito ao consumo, uma vez que existem outros fatores que contribuem para essa situação. Por exemplo, o Código de Consumo Francês, em seu artigo L330-1, define uma das situações de superendividamento como a impossibilidade manifesta de um devedor de boa-fé quitar todas as suas dívidas não profissionais, sejam elas exigíveis ou vincendas. Portanto, o superendividamento pode ser decorrente de outras causas além da exploração comercial ou do consumo supérfluo.
De acordo com a perspectiva de Marques e Frade, o superendividamento, também chamado de falência ou insolvência das pessoas físicas, engloba situações em que as famílias não conseguem pagar uma ou mais dívidas. Em outras palavras, o superendividamento não se refere apenas ao não pagamento das obrigações, mas sim à grande dificuldade das famílias em cumprir regularmente suas dívidas e, ao mesmo tempo, manter sua subsistência.
No entanto, a ampliação do acesso ao crédito não deve ser vista como a raiz do problema do endividamento excessivo das famílias e indivíduos. É como uma faca afiada ou o fogo – se utilizados sem habilidade ou de forma imprudente, podem causar danos irreparáveis. Portanto, a melhor maneira de usar o crédito, que é um recurso valioso e acessível a todos, é de maneira responsável. Isso requer que os fornecedores entendam sua responsabilidade social e que os consumidores sejam instruídos sobre como usar esses recursos financeiros de maneira adequada para evitar prejuízos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora o consumo seja essencial para a subsistência humana e atualmente seja considerado até mesmo um aspecto central das relações sociais, não se pode negar que o consumo irresponsável tem sido um fator determinante para a existência de pessoas inadimplentes, independentemente de sua posição social ou econômica, já que muitos têm sido vítimas de suas próprias ambições.
É importante ressaltar a importância de as empresas de crédito utilizarem suas estratégias de marketing não de forma abusiva ou invasiva, mas sim como uma oportunidade para que o próprio consumidor faça uma avaliação financeira. Isso significa que, além dos benefícios de se contratar o crédito de um determinado fornecedor, o consumidor deve ser informado sobre as limitações de comprometimento de renda para evitar situações de superendividamento.
Para cumprir sua função social, os fornecedores precisam não apenas informar os consumidores sobre as limitações financeiras que possam comprometer sua capacidade de pagamento, mas também restringir o acesso ao crédito daqueles com alto risco de inadimplência. É inaceitável que os fornecedores busquem lucro às custas da ruína financeira de seus clientes, e é essencial que haja penalidades para aqueles que não cumprem essas obrigações.
Apesar de o cenário de superendividamento de consumidores de boa-fé ser considerado um risco para o mercado de consumo, especialmente quando ocorre em larga escala, é importante analisar a exploração financeira desse mercado. Muitas vezes, o crédito é concedido a pessoas que não possuem capacidade financeira para arcar com as dívidas ou mesmo habilidades para administrar seus rendimentos, o que deve ser objeto de análise crítica.
É notório que a falta de regulamentação que restrinja as práticas abusivas dos provedores de serviços de crédito é ineficaz ou até mesmo inexistente. O Estado é responsável por garantir um tratamento especial aos consumidores superendividados, devido à sua extrema vulnerabilidade financeira, não podendo ser considerados iguais aos demais consumidores. Esse cenário de fragilidade afasta o indivíduo da condição mínima para a sua sobrevivência, tornando necessária a atuação do Estado na prevenção de tal turbulência.
A Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, foi criada como uma alternativa para a renegociação de dívidas sem a necessidade de recorrer à justiça. No entanto, é importante ressaltar que ela não é perfeita e pode não se aplicar a todos os casos. Para que ela seja viável, é fundamental que haja uma colaboração efetiva entre os credores e as instituições financeiras para resolver as demandas de renegociação. Além disso, é necessário punir aqueles credores que concedem crédito mesmo sabendo dos riscos de insolvência do indivíduo e que não possuem capacidade financeira para honrar as dívidas. Por fim, a colaboração entre os órgãos governamentais também pode ajudar a acelerar o processo de renegociação de dívidas.
Por fim, é necessário que o princípio do crédito responsável seja incorporado socialmente como guia para as relações de consumo, e que a ética seja considerada indispensável em todos os aspectos das relações entre consumidores e fornecedores. Além disso, o Poder Público deve adotar medidas urgentes para proteger a população, uma vez que a demora na criação de regulamentações adequadas pode resultar na ruína financeira de muitos consumidores e, consequentemente, no risco de colapso no mercado financeiro. É essencial valorizar o princípio do crédito responsável..
6 . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Leonardo Pinto Andrade de. A recuperação judicial na lei brasileira e na lei americana. 2014. Tese (Bacharelado). Curso de Direito. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/37774/90.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: 23 ago. 2021.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 19.
BEZERRA, Oswaldo Vasconcelos. Artigo – Regulamentação da Falência Individual: saída da crise econômica. O Impacto. 5 ago. 2019. Disponível em: <https://oimpacto.com.br/2019/08/05/artigo-regulamentacao-da-falencia-individual-saida-da- crise-economica/>. Acesso em: 23 ago. 2021.
BRASIL. Lei nº 12.414, de 9 de junho de 2011. Disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito. Brasília, DF: palácio do Planalto, 2011. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12414.htm>. Acesso em: 9 out. 2021.
BRASIL. Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Brasília, DF: palácio do Planalto, 2021. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14181.htm>. Acesso em: 9 out. 2021.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: palácio do Planalto, 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em: 9 out. 2021.
BRASIL. Banco Central do Brasil. Empréstimos Consignados. Brasília: Banco Central do Brasil, 2023. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/meubc/faqs/p/o-quee-margem-consignavel. Acesso em: 22 mar. 2024.
BRASIL. Banco Central do Brasil. Estatísticas Monetárias e de Crédito. Brasília: Banco Central do Brasil, 2024. Disponível em: . Acesso em: 02 mar. 2024. BRASIL. Banco Central do Brasil. Taxas de juros básicas – Histórico. Brasília: Banco Central do Brasil, 2024. Disponível em: . Acesso em: 09 mar. 2024.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3515, de 04 de novembro 2015. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e o art. 96 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do 74 Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Brasília/DF: 2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=205249 0#:~:text=PL%203515%2F2015%20Inteiro%20teor,Projeto%20de%20Lei&text=Alter a%20a%20Lei%20n%C2%BA%208.078,e%20o%20tratamento%20do%20superendi vidamento. Acesso em: 29 mar. 2024. BRASIL. Decreto nº 11.567, de 19 de junho de 2023. Altera o Decreto nº 11.150, de 26 de julho de 2022, que regulamenta a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial para fins de prevenção, tratamento e conciliação de situações de superendividamento em dívidas de consumo, nos termos do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor, e dispõe sobre os mutirões para a repactuação de dívidas para a prevenção e o tratamento do superendividamento por dívidas de consumo. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 de junho 2023. BRASIL. Enunciado n. 169 da III Jornada de Direito Civil. Conselho Federal de Justiça. Disponível em: < https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/300> Acesso em 01 abr. 2024. BRASIL. Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021. Dispõe sobre o superendividamento do consumidor pessoa natural, altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969 , e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 2 jul. 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14181.htm . Acesso em: 10 dez. 2023.
BRASIL. Lei nº 14.431, de 3 de agosto de 2022. Altera as Leis nºs 10.820, de 17 de dezembro de 2003, 8.213, de 24 de julho de 1991, e 8.112, de 11 de dezembro de 1990, para ampliar a margem de crédito consignado aos empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, aos segurados do regime próprio de previdência social dos servidores públicos federais, aos servidores públicos federais e aos segurados do Regime Geral de Previdência Social e para autorizar a realização de empréstimos e financiamentos mediante crédito consignado para beneficiários do benefício de prestação continuada e de programas federais de transferência de renda, a Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019, para dispor sobre a restituição de valores aos cofres públicos, e a Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021, para alterar procedimentos relativos à concessão do Auxílio Inclusão Produtiva Urbana. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 4 de agosto 2022.
BRASIL. Lei nº 14.509, de 27 de dezembro de 2022. Dispõe sobre o percentual máximo aplicado para a contratação de operações de crédito com desconto automático em folha de pagamento por servidores públicos federais. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 27 de dezembro. 2022.
BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília/DF: Diário Oficial da União, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 05 jan. 2024.
BRASIL. Recomendação nº 125, de 24 de dezembro de 2021. Dispõe sobre os mecanismos de prevenção e tratamento do superendividamento e a instituição de Núcleos de Conciliação e Mediação de conflitos oriundos de 75 superendividamento, previstos na Lei n o 14.181/2021. Brasília/DF: 2021. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original1456372022010761d854a59e2f5.pdf > Acesso em 01 abr. 2024.
BRASIL. Senado Federal. Comissão Especial para o Projeto de Lei 3515/15 – Superendividamento do Consumidor. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e o art. 96 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 ( Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Brasília/DF: 2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1864184. Acesso em: 29 mar. 2024.
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 283, de 2012. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção do superendividamento. Brasília/DF: 2012. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106773. Acesso em: 29 mar. 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 758.518 – PR (2005/0096775-4) 313060 /SP. DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico. 3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade. 4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiria a extensão do dano.5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento). 6. Recurso improvido. Recorrente:
Muretama Edificações E Empreendimentos Ltda. Recorrido: Sérgio Meca De Lima. Relatora:
Min. Vasco Della Giustina, 17 de junho de 2010. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2024.
CARLA, Joyce. O que é e como funciona a Serasa? Serasa Ensina. Disponível em:<https://www.serasa.com.br/ensina/seu-nome-limpo/como-serasa-funciona/>. Acesso em: 9 out. 2021.
FALÊNCIA – uma nova oportunidade em sua vida. Apsan Law Offices, LLC. Disponível em:< http://www.apsanlaw.com/mlaw-383.Falencia—uma-nova-oportunidade-em-sua-vida.html>. Acesso em: 23 ago. 2021.
FRANÇA, República Francesa. Loi n° 93-949 du 26 juillet 1993 relative au Code de la Consommation (partie Législative). Disponível em: https: https://www.legifrance.gouv.fr/jorf/id/JORFTEXT000000529228/. Acesso em: 25 jan. 2024
GONÇALVES, Fábio Antunes. GARANTIA ECONÔMICA: Lei americana consegue preservar empresas da falência. Consultor Jurídico. 11 jul. 2008. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-jul-11/lei_americana_preserva_empresas_falencia>. Acesso em: 23 ago. 2021.
GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 28.
GUGLINSKI, Vitor. Breve histórico do Direito do Consumidor e origens do Código de Defesa do Consumidor. Meu Site Jurídico. 8 mai. 2019. Disponível em: <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/05/08/breve-historico-direito-consumi dor-e-origens-codigo-de-defesa-consumidor/#:~:text=Na%20Fran%C3%A7a%2C%20a%20le gisla%C3%A7%C3%A3o%20consumerista%20%C3%A9%20vasta.&text=Criou%2Dse%20 ainda%2C%20em%201978,abusividade%20nas%20rela%C3%A7%C3%B5es%20de%20con sumo.>. Acesso em: 23 ago. 2021.
HISTÓRIA dos Estados Unidos (1918-1945). Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_dos_Estados_Unidos_(1918-1945)>. Acesso em: 23 ago. 2021.
LENZA, Pedro. Esquematizado: Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553619306/>. Acesso em: 16 out. 2021.
MARQUES, Maria Manuel Leitão; FRADE, Catarina. O endividamento dos consumidores em Portugal: questões principais. Notas Económicas nº 14 (Actas) . Coimbra: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2000.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Lei do Superendividamento. Youtube, 9 nov. 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pb4ZkS_-4F0&t=3512s>. Acesso em: 23 nov. 2021.
Renegociação de dívidas: tudo o que você precisa saber – Núcleo de acesso ao crédito. Núcleo de acesso ao crédito, 2019. Disponível em: < https://nac.cni.com.br/blog/renegociacao-de-dividas/>. Acesso em: 9 out. 2021.
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 110
SILVA, Daniel Neves. Crise de 1929. Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/crise29.htm>. Acesso em: 23 ago. 2021.
VUONO, Natasha de. Insolvência civil vs. personal bankruptcy nos Estados Unidos. Migalhas. 11 dez. 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/316778/insolvencia-civil-vs–personal-bankruptcy-nos -estados-unidos>. Acesso em: 23 ago. 2021.
[1] No orginal: La situation de surendettement des personnes physiques est caractérisée par l’impossibilité manifeste pour le débiteur de bonne foi de faire face à l’ensemble de ses dettes non professionnelles exigibles et à échoir. […]. Code de la consommation.