A PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO: O IMPACTO SOCIOECONÔMICO NA DEFESA DOS INTERESSES DO INDIVÍDUO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411302250


Angela Maria Raposo Cidade
Orientador: Profa. Ma. Jennifer Alves Rates Gomes


Resumo :  Este  artigo  tem  como  objetivo  apresentar  as  mudanças  mais  importantes  e  significativas  na  legislação  que  visam  ajudar  as  pessoas  em  questões  financeiras  e  administrativas.  Desde  o  início  do  Código  de  Defesa  do  Consumidor  e  leis  de  falência  até  as  mais  recentes  orientações  do  ordenamento  jurídico,  será  abordado  como  a  legislação  evoluiu  para  proteger  o  consumidor  e  ajudá-lo  em  momentos  de  crise  financeira.  Infelizmente,  a  pandemia  do  COVID-19  agravou  a  situação  financeira  de  muitas  pessoas,  resultando  em  um  aumento  significativo  do  superendividamento.  Mais  de  70%  das  famílias  brasileiras  enfrentam  essa  situação,  o  que  destaca  a  necessidade  de  uma  legislação  atualizada  que  possa  atender às necessidades financeiras do povo brasileiro.

 Palavras-chaves:  Código  de  Defesa  do  Consumidor,  Superendividamento,  Repactuação,  Legislação, Subsistência.

 Abstract:  This  article  is  entitled  to  present  the  biggest  and  most  changes  in  legislation  that  seek  to  assist  individuals  in  financial  administrative  demands,  alluding  from  the  beginning  of  the  Consumer  Protection  Code,  to  the  most  modern  legislation  and  guidance  of  the  legal  system.  After  the  most  serious  part  of  the  COVID-19  pandemic,  there  is  a  very  significant  increase  in  the  over-indebtedness  of  the  individual,  with  the  approximate  percentage  of  more  than  70%  of  Brazilian  families  in  a  situation  of  over-indebtedness,  highlighting  the  need  for  legislation that suits the new reality of the Brazilian.

 Keywords:  Consumer Defense Code, Over-Indebtedness, Repricing.

 1. INTRODUÇÃO

 O  superendividamento  é  um  problema  cada  vez  mais  comum  na  sociedade  moderna,  afetando  pessoas  de  todas  as  idades  e  classes  sociais.  Quando  uma  pessoa  se  encontra  superendividada,  ela  tem  dificuldades  em  honrar  seus  compromissos  financeiros  e  pode  acabar  entrando  em  um  ciclo  de  dívidas  cada  vez  maiores.  Diante  dessa  realidade,  torna-se  importante  analisar  o  impacto socioeconômico da proteção ao consumidor superendividado.

Nos  tempos atuais,  o  consumismo  é  uma  das  principais  forças  que  impulsionam  a  sociedade.  Com  o  aumento  da  renda  das  pessoas  e  a  produção  em  massa  de  bens  de  consumo,  o  protagonismo  do  consumo  se  faz  sentir  de  forma  cada  vez  mais  intensa.  No  entanto,  essa  tendência  tem  trazido  consigo  algumas  consequências  preocupantes,  como  o  superendividamento das famílias.

 Para  compreender  melhor  essa  nova  realidade,  é  preciso  entender  a  evolução  histórica  do  consumo  e  como  a  legislação  de  proteção  ao  consumidor  tem  se  desenvolvido  ao  longo  do  tempo.  É  necessário  sensibilizar  as  pessoas  para  um  consumo  mais  consciente  e  também  resgatar aqueles que se encontram em situação de ruína financeira.

 Um  dos  principais  desafios  na  proteção  ao  consumidor  superendividado  é  garantir  que  o  crédito  seja  concedido  de  forma  responsável  e  que  as  instituições  financeiras  não  se  enriqueçam  às  custas  do  consumidor.  Para  isso,  são  necessárias  alternativas  legislativas  que  visem proteger o consumidor e equilibrar as relações de consumo.

 A  Lei  nº  14.181,  de  1º  de  julho  de  2021,  trouxe  algumas  alterações  importantes  ao  Código  de  Defesa  do  Consumidor,  visando  aprimorar  a  proteção  ao  consumidor  e  estimular  a  prática  do  crédito  responsável.  Essas  mudanças  são  um  passo  importante  na  direção  de  uma  maior  justiça nas relações de consumo.

 Por  fim,  é  preciso  estabelecer  novos  padrões  nas  relações  de  consumo,  com  a  inserção  do  princípio  do  crédito  responsável  e  a  prática  da  ética  por  ambas  as  partes.  Somente  assim  será  possível  evitar  o  superendividamento  e  garantir  que  as  pessoas  possam  consumir  de  forma  consciente  e  equilibrada,  sem  comprometer  sua  saúde  financeira.  Este  é  um  trabalho  fundamental  que  deve  ser  encarado  como  uma  prioridade  para  o  desenvolvimento  de  uma  sociedade mais justa e equilibrada.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS DO SUPERENDIVIDAMENTO – CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

 Quando  se  trata  da  organização  social,  o  consumo  emerge  como  um  fenômeno  essencial  que  molda  e  define  os  parâmetros  econômicos  e  financeiros  contemporâneos,  fruto  de  uma  longa  trajetória  de  transformações  ao  longo  dos  séculos.  A  prática  de  negociar,  comprar,  vender,  trocar  ou  permutar,  junto  com  os  variados  desdobramentos  das  interações  comerciais  entre  indivíduos,  tem  sido  uma  constante  em  todas  as  sociedades  humanas.  No  entanto,  como apontam  os registros históricos,  o  entendimento  moderno  do  ato  de  consumir  encontra  suas  raízes  em  um  momento  histórico  específico:  a  Revolução  Industrial  dos  séculos  XVIII  e  XIX,  que consolidou a produção em massa como uma nova dinâmica econômica.

 A  Revolução  Industrial,  ocorrida  inicialmente  na  Inglaterra  ao  final  do  século  XVIII,  seguida  por  uma  segunda  fase  no  século  XIX,  marcou  um  ponto  de  inflexão  no  desenvolvimento  tecnológico,  impulsionando  a  criação  do  sistema  capitalista  como  estrutura  dominante  das  relações  econômicas.  Esse  marco  histórico  não  apenas  transformou  as  formas  de  comércio,  mas  reconfigurou  profundamente  as  interações  sociais  e  interpessoais,  alterando  as  dinâmicas  que estruturavam a vida em sociedade.

 Com  o  avanço  das  máquinas,  o  trabalho  manual  foi  progressivamente  substituído  por  processos  mecanizados,  o  que  resultou  em  transformações  drásticas  nas  relações  laborais.  Entre  as  consequências  mais  notáveis  estavam  a  redução  dos  salários,  as  condições  insalubres  nas  fábricas  e  a  exploração  massiva  dos  trabalhadores,  submetidos  a  longas  jornadas  extenuantes.  Nesse  cenário,  o  tecido  social  se  dividia  entre  uma  classe  trabalhadora  extenuada  e  uma  camada  emergente  da  sociedade  que,  ao  contrário,  começava  a  desenvolver  novos  padrões de consumo e estilos de vida.

 O  período  pós-Revolução  Industrial,  com  o  crescimento  da  produção  e  a  proliferação  de  mercadorias,  trouxe  consigo  a  disseminação  de  um  ideal  consumista,  no  qual  o  ato  de  adquirir  bens  e  serviços  passou  a  ser  visto  como  uma  forma  de  preencher  lacunas  existenciais.  Esse  novo  paradigma  social  associava  o  consumo  à  realização  pessoal  e  à  felicidade,  uma  percepção  que,  longe  de  ser  uma  invenção  contemporânea,  já  havia  sido  enraizada  nas  estruturas  da  sociedade  moderna.  A  publicidade,  por  sua  vez,  desempenhou  um  papel  crucial  ao  reforçar  a  ideia  de  que  quanto  maior  o  consumo,  maior  a  satisfação  pessoal,  solidificando  o  consumo como medida do valor individual.

 Ao  adentrar  a  discussão  sobre  a  sociedade  de  consumo,  torna-se  inevitável  mencionar  as  reflexões  de  Zygmunt  Bauman,  um  dos  mais  proeminentes  sociólogos  da  contemporaneidade.  Para  Bauman  (2008,  p.  73),  a  sociedade  de  consumo  se  configura  como  aquela  que  não  apenas  incentiva,  mas  promove  e  institucionaliza  a  escolha  de  um  estilo  de  vida  consumista,  marginalizando  qualquer  alternativa  cultural.  Ele  ainda  acrescenta  que,  nesse  contexto,  o  indivíduo  não  pode  se  constituir  como  sujeito  sem  antes  ser  transformado  em  mercadoria  (BAUMAN, 2008, p. 20).

Seguindo  o raciocínio  de  Bauman,  estamos  inseridos  na  chamada  modernidade  líquida,  um  estágio  caracterizado  pela  fluidez  e  volatilidade  das  relações  e  comportamentos.  Nesse  cenário,  as  estruturas  sociais  tornaram-se  frágeis  e  sujeitas  a  constantes  reconfigurações,  o  que  dificulta  a  consolidação  de  normas  e  padrões  de  conduta  duradouros.Apresenta  o  sociólogo:

 Para  resumir  a  história:  esse  mundo  líquido  moderno,  sempre  nos  surpreende;  o  que  hoje  parece  correto  e  apropriado  amanhã  pode  muito  bem  se  tornar  fútil,  fantasioso  ou  lamentavelmente  equivocado.  Suspeitamos  que  isso  possa  acontecer  e  pensamos  que,  tal  como  o  mundo  que  é  nosso  lar,  nós,  seus  moradores,  planejadores,  atores,  usuários  e  vítimas,  devemos  estar  sempre  prontos  a  mudar:  todos  precisam  ser,  como  diz a palavra da moda, flexíveis. (BAUMAN, 2011, p. 8)

 A  reestruturação  da  sociedade  de  consumo  trouxe  mudanças  significativas  nos  papéis  dos  indivíduos  no  mercado  financeiro  e  promoveu  valores  sociais  distintos  daqueles  encontrados  em  sociedades  menos  favorecidas  financeiramente.  O  consumo  assumiu  um  papel  central  e  deixou  de  ser  secundário,  tornando-se  um  protagonista  importante  na  sociedade.  O  consumo  de  necessidades  básicas  superou  o  consumo  de  desejos  supérfluos,  e  o  poder  de  compra  e  consumo se tornou a principal fonte de aceitação e pertencimento em grupos sociais.

 No  entanto,  a  percepção  de  aceitação  baseada  em  potencial  financeiro  não  é  mais  exclusiva  de  uma  elite,  e  o  consumo  agora  é  visto  como  uma  ferramenta  de  inclusão  social  para  indivíduos  de  diversas  camadas  da  sociedade.  Esse  cuidado  com  as  relações  de  consumo  já  era  observado  desde  o  Egito  Antigo,  onde  existiam  exigências  para  a  comercialização  de  produtos  e  serviços  que  se  adequassem  aos  usos  e  costumes  locais,  além  de  direitos  e  deveres  claros  para  a  execução desses produtos e serviços.

 Com  o  desenvolvimento  da  sociedade  civil  e  o  aumento  dos  impulsos  de  consumo,  economistas  na  década  de  1920  observaram  uma  guinada  nas  liberações  de  crédito  e  na  superprodução  de  bens  de  consumo,  sem  regulamentação  para  controlar  os  gastos  da  população.  Em  1927,  foi  instituído  o  Pure  Food  Drug  Insecticide  Administration ,  que  iniciou  uma  campanha  para  orientar  os  consumidores  a  comparar  produtos  e  serviços  e  gastar  de  forma  racional.  Nessa  época,  já  se  estudavam  os  riscos  do  consumo  excessivo  e  da  produção  constante pelas indústrias.

 A  medida  em  que  a  sociedade  civil  ia  se  desenvolvendo  e  os  impulsos  de  consumo  se  tornaram  cada  vez  mais  evidentes,  onde  o  luxo  e  o  status  se  tornaram  o  objetivo  de  vida  de  muitos,  foi  observado  pelos  economistas  da  época,  por  volta  do  ano  de  1920,  uma  guinada  nas liberações  de  crédito para  empréstimos  pessoais  ou  financiamentos  de  qualquer  natureza,  na  superprodução  de  bens  de  consumo,  na  constante  expansão  do  comércio,  sem  nenhum  tipo  de  regulamentação que refreasse incentivos ao contínuo crescimento de gastos da população.

 Em  1929,  ocorreu  a  maior  crise  financeira  da  história  dos  EUA,  a  Grande  Depressão,  que  devastou  o  país  por  uma  década.  A  euforia  com  o  desenvolvimento  econômico,  a  ampliação  desenfreada  de  crédito,  o  consumo  inconsciente,  o  surgimento  de  novas  empresas  e  fábricas,  os  investimentos  na  bolsa  de  valores  e  as  mercadorias  estagnadas  nos  estoques  culminaram  na  queda da bolsa de valores de Nova Iorque.

 A  população,  sindicatos,  militantes  e  oposição  estavam  desesperados  para  que  o  presidente  dos  EUA,  Franklin  D.  Roosevelt,  tomasse  medidas  para  minimizar  os  efeitos  da  crise  que  se  instaurou.  Nesse  contexto,  foi  criado  o  National  Industrial  Recovery  Act  (Ato  de  Recuperação  Industrial  Nacional,  ou  NIRA)  em  1933  e  1934  pelo  Congresso  americano,  com  o  objetivo  de  promover  a  organização  e  manutenção  das  empresas,  visando  permitir  que  as  empresas  devedoras  se  recuperassem  financeiramente  por  meio  de  planos  de  pagamento  de  seus  credores,  sem  comprometer  sua  subsistência  como  pessoa  jurídica.  Além  disso,  o  NIRA  incentivava  a  criação  de  novos  empregos  por  meio  de  um  fundo  governamental,  a  fim  de  restabelecer o poder de compra da população.

 No  ano  de 1978 ,  ocorreu  a  primeira  revisão  significativa  da  lei  de  falências,  que  resultou  na  criação  do  atual  Código  de  Falência,  conhecido  como  Bankruptcy  Code .  Este  código  entrou  em  vigor  em  1º  de  outubro  de  1978  e  incluiu  novos  capítulos  que  permitiram  a  recuperação  judicial  tanto  de  pessoas  jurídicas  como  de  pessoas  físicas.  Além  disso,  o  código  concedeu  certa  autonomia  aos  credores,  possibilitando  que  eles  iniciassem  o  processo  de  recuperação  judicial  involuntária  do  devedor,  desde  que  cumprissem  algumas  exigências.  Conforme  a  legislação  foi  sendo  moldada,  as  disposições  legais  foram  estendidas  aos  produtores  rurais  e  adaptadas de acordo com o poder aquisitivo e o tamanho da empresa devedora

 Apesar  de  a  legislação  de  1978  trazer  um  grande  número  de  direitos  e  garantias  tanto  para  credores  quanto  para  devedores,  alguns  pontos  de  evolução  em  relação  ao  Ato  anterior  podem  ser  observados,  como  destacado  pelo  autor  Paulo  Sergio  Restiffe  em  sua  obra  sobre  Jorge  Lobo:

 Jorge  Lobo  (98,  p.26)  destaca  alguns  pontos  importantes  acerca  da  legislação  falimentar  norte-americana:  supressão  dos  atos  de  bancarrota;  transformação  dos  antigos  referees  in  bankruptcy ,  que  eram  juízes  auxiliares,  em  juízes  monocráticos  responsáveis  pelo  procedimento;  eleição  do  síndico  pelos  credores;  nomeação  do  agente fiduciário pelo procurador geral; e ênfase à reorganização da empresa.

 Ao  analisar  sucintamente  a  legislação  falimentar  dos  Estados  Unidos,  é  possível  constatar  que  o  Capítulo  7  é  o  mais  significativo,  já  que  trata  diretamente  da  falência  em  si,  sendo  denominado como “liquidação”.

 Hoje  em  dia,  a  recuperação  ou  falência  pessoal  é  tão  comum  e  aceita  nos  Estados  Unidos  que,  segundo  estudiosos,  se  tornou  um  temor  para  os  grandes  empresários  investirem  maciçamente  no  país.  Em  2008,  mais  de  1,35  milhão  de  pedidos  de  falência  pessoal  foram  registrados  nos  EUA,  como  resultado  da  crise  causada  pelo  pedido  de  falência  de  uma  das  maiores  instituições  financeiras  e  bancos  de  investimento  do  mundo,  o  LEHMAN  BROTHERS.  Essa  crise  começou  em  meados  de  setembro  de  2008,  depois  que  o  banco  britânico  Barclays  se  recusou a adquirir o LEHMAN BROTHERS sem a ajuda do governo norte-americano.

 Foi  iniciada  uma  campanha  por  repartições  e  entidades  públicas  para  sensibilizar  a  população  sobre  as  vantagens  e  desvantagens  de  se  valerem  da  personal  bankruptcy ,  devido  à  perspectiva temerária do crescimento de pedidos de falência pessoal.

 Ao  contextualizar  a  dinâmica  do  consumo  nos  dias  atuais,  observa-se  que  ele  transcende  as  noções  tradicionais  de  necessidade.  Não  se  busca  mais  adquirir  apenas  o  essencial  para  a  sobrevivência  ou  bem-estar  básico.  O  ato  de  consumir  passou  a  ser  guiado  por  um  desejo  de  prestígio  social  e  ostentação,  alimentado  pelas  transformações  tecnológicas  e  por  uma  sociedade  cada  vez  mais  orientada  pela  valorização  da  imagem  pública.  Nesse  contexto,  o  consumo  moderno  está  vinculado  a  desejos  e  luxos  individuais,  muitas  vezes  dissociados  da  realidade financeira.

 O  que  se  almeja  é  uma  representação  simbólica  perante  a  sociedade,  independentemente  das  implicações  econômicas,  como  evidenciado  no  presente  estudo,  incluindo  a  geração  contínua  de  dívidas.  Há  uma  cobrança  implícita  da  “comunidade  de  consumo”  que  exige  dos  indivíduos  a  posse  de  itens  considerados  símbolos  de  normalidade  e  status,  como  o  carro  do  ano,  o  celular  de  última  geração  e  um  estilo  de  vida  que  frequentemente  ultrapassa  os  limites  dos rendimentos obtidos.

 A  democratização  do  acesso  ao  crédito  surge  como  um  dos  principais  catalisadores  desse  comportamento  consumista  exacerbado,  contribuindo  para  a  escalada  das  taxas  de endividamento.  Entre 2003  e  2012,  o  setor  creditício  brasileiro  passou  por  uma  transformação  significativa,  inicialmente  com  a  ampliação  do  crédito  para  pessoas  físicas  e,  em  um  segundo  momento,  com  a  inclusão  de  pessoas  jurídicas.  Nesse  processo,  bancos  e  instituições  financeiras  desempenharam  um  papel  central,  facilitando  o  acesso  ao  crédito  e  estimulando  o  consumo além das capacidades financeiras dos indivíduos.

 O  Sistema  Financeiro  Nacional  (SFN)  foi  determinante  nessa  expansão,  ao  aumentar  a  oferta  de  crédito,  particularmente  através  de  modalidades  como  o  crédito  pessoal,  financiamentos  e  empréstimos  consignados.  Conforme  aponta  a  economista  Monica  Mora  em  seu  estudo  sobre  a  evolução  das  políticas  monetária,  cambial  e  do  mercado  de  crédito  no  Brasil,  conduzido  pelo  Instituto  de  Pesquisa  Econômica  Aplicada  (IPEA),  o  volume  de  crédito  no  país  aumentou  de  26,0  pontos  percentuais  (p.p.)  do  Produto  Interno  Bruto  (PIB)  em  dezembro  de  2002  para  53,8  p.p.  em  dezembro  de  2012.  Nesse  período,  a  oferta  de  crédito  por  bancos  privados  cresceu  de  16,3  p.p.  do  PIB  para  28,0  p.p.,  enquanto  o  sistema  financeiro  público  também contribuiu significativamente, ampliando o crédito em 16 p.p. do PIB.

 No  entanto,  a  crise  financeira  internacional  de  2008  impôs  um  desafio  significativo  à  economia  brasileira,  que  foi  impactada  pela  desvalorização  abrupta  do  real.  Como  resposta,  o  governo  adotou  medidas  expansionistas,  tanto  em  termos  de  gastos  quanto  de  crédito,  visando  mitigar  os  efeitos  contracionistas  da  crise  sobre  a  confiança  e  a  atividade  econômica.  Segundo  Nóbrega  e  Ribeiro (2016 ,  p. 194) ,  essas  medidas,  incluindo  a  ampliação  da  oferta  de  crédito  pelos  bancos  federais,  foram  essenciais  para  atenuar  as  consequências  da  crise  global  sobre  a  economia nacional, conforme detalhado por Mora.

 Esse  ciclo  de  facilitação  do  crédito,  embora  tenha  promovido  uma  expansão  do  consumo,  também  revelou  um  padrão  perigoso  de  endividamento,  onde  o  desejo  de  manter  um  status  social  elevado  muitas  vezes  não  encontra  respaldo  nas  capacidades  financeiras  individuais,  perpetuando um ciclo de consumo insustentável.

 A economista explica ainda que:

 Nesse  contexto,  a  estratégia  do  governo  para  lidar  com  a  crise  contemplou  o  uso  dos  bancos  públicos  para  sustentar  a  oferta  de  crédito  com  recursos  livres,  além  do  uso  intensivo  de  recursos  direcionados.  Este  processo  contribuiu  para  a  recuperação  da  economia  brasileira  no  período  imediatamente  pós-crise.  O  crescimento  do  PIB,  superior  a  5%  ao  ano  (a.a.),  em  2010,  e  o  aumento  das  concessões  de  crédito  em  alguns  segmentos  específicos  levaram  o  BCB  (Banco  Central  do  Brasil)  a  adotar  medidas  macroprudenciais,  com  a  intenção  de  afastar  o  risco de aumento da vulnerabilidade do setor financeiro. (IPEA, 2014, p. 340)

 Destarte,  é  possível  entender  as  duas  faces  do  acesso  ao  crédito:  assim  como  este  foi  e  continua  a  ser  fator  expoente  para  a  melhora  na  qualidade  de  vida  das  pessoas  e  acesso  a  itens  mais  básicos,  também  é  vilão,  pois  traz  consigo  diversos  agentes  prejudiciais  à  sociedade,  como  a  falta  de  responsabilidade  financeira,  a  marginalização  social  e  o  superendividamento.  Como  defende  Bruno  Miragem,  o  avanço  econômico  é  fruto  da  correlação  entre  a  concessão  facilitada de crédito e a massificação do mercado:

 A  rigor,  a  massificação  do  crédito  em  meados  do  século  passado,  fazendo  surgir  a  modalidade  de  crédito  para  o  consumo,  caracterizou-se  como  inequívoco  avanço,  uma  vez  que  permitiu  o  acesso  dos  consumidores  a  bens  de  consumo  de  maior  valor que  se  –  não  houvesse  a  possibilidade  de  financiamento  –  não  poderiam  de  outro  modo ser adquiridos (MIRAGEM, 2016, p. 436)

 Não  se  pode  atribuir  exclusivamente  às  transformações  históricas  do  consumo  e  à  democratização  do  crédito  a  gênese  da  classe  dos  endividados  e  superendividados,  ainda  que  esses  fatores  desempenhem  um  papel  relevante.  A  compreensão  das  dinâmicas  subjetivas  impostas  pelos  ritmos  acelerados  do  consumismo  individualista  permite  um  entendimento  mais  profundo  do  fenômeno  do  superendividamento.  A  forma  como  o  comportamento  de  consumo  afeta  as  decisões  financeiras  e  os  hábitos  dos  indivíduos  oferece  um  contexto  crucial  para a análise desse estado econômico.

 É  necessário,  contudo,  estabelecer  uma  distinção  clara  entre  endividamento  e  superendividamento.  O  primeiro,  caracterizado  pela  presença  de  débitos  que  ainda  se  encontram  dentro  dos  limites  da  normalidade,  é  uma  condição  amplamente  disseminada  entre  a  população.  O  endividamento,  nesse  sentido,  representa  uma  situação  em  que  as  obrigações  financeiras,  embora  presentes,  não  ultrapassam  a  capacidade  de  pagamento  com  base  nos  rendimentos mensais regulares do indivíduo.

 Por  outro  lado,  o  superendividamento  transgride  essas  fronteiras  normativas.  Ele  atinge  os  pilares  fundamentais  da  sustentabilidade  econômica  pessoal,  mergulhando  o  consumidor  em  uma  realidade  em  que  as  dívidas  excedem  significativamente  sua  capacidade  de  quitação,  levando-o  a  uma  luta  não  apenas  contra  juros  abusivos  ou  parcelas  impossíveis  de  pagar,  mas  também  contra  a  precariedade  financeira  que  compromete  sua  sobrevivência.  Nesse  estágio,  o  superendividado  não  enfrenta  apenas  a  pressão  do  serviço  da  dívida,  mas  a  necessidade  de  subsistir  com  os  escassos  recursos  que  sobram  após  o  cumprimento  das  obrigações financeiras,  muitas  vezes  irreparavelmente  agravadas  pelo  acúmulo  de  parcelamentos  e  juros  desproporcionais.

 No  decorrer  deste  trabalho,  o  conceito  trazido  pela  lei  será  abordado  em  suas  especificidades,  mas  o  que  se  pondera,  neste  momento,  é  que  até  2021,  não  se  tinha  um  cuidado  maior  com  o  tema.  A  legislação,  de  forma  inovadora,  trouxe  seus  13  aspectos  gerais  e  consequentes  desdobramentos,  visando  uma  maior  aplicabilidade  aos  consumidores  que  se  encontram  neste  estágio de marginalização do crédito.

 3.  LEI  DO  SUPERENDIVIDAMENTO  –  PRINCIPAIS  MUDANÇAS  ADVINDAS  COM  A LEI N. 14.181/21

3.1  . Contexto de elaboração e promulgação da lei do superendividamento no Brasil

 O  contexto  da  criação  de  normas  sobre  superendividamento  no  Brasil  está  ligado  às  transformações  políticas  e  econômicas  do  país  após  o  fim  do  Regime  Militar  e  a  promulgação  da  Constituição  Federal  de  1988.  A  nova  Constituição  impulsionou  a  criação  de  leis,  como  o  Código  de  Defesa  do  Consumidor  (CDC),  com  o  objetivo  de  proteger  consumidores,  especialmente  os  mais  vulneráveis.  Contudo,  o  CDC,  promulgado  em  1990,  não  previu  as  mudanças  trazidas  pela  era  digital  e  o  comércio  eletrônico,  o  que  expôs  suas  limitações  diante  do fenômeno do superendividamento.

 Com  o  avanço  tecnológico  e  o  acesso  facilitado  ao  crédito,  novas  formas  de  consumo  e  endividamento  surgiram,  exigindo  ajustes  legais.  Em  2012,  foi  proposto  o  Projeto  de  Lei  n°  283,  de  autoria  do  senador  José  Sarney,  para  atualizar  o  CDC,  aprimorando  as  normas  sobre  crédito  ao  consumidor  e  prevenindo  o  superendividamento.  O  projeto  evoluiu  para  o  PL  n°  3.515/2015,  que  buscava  tratar  de  forma  mais  ampla  essas  questões,  destacando  a  necessidade  de  proteger  os  consumidores  diante  do  crédito  fácil  e  dos  novos  desafios  econômicos.O  próprio  relatório  de  elaboração  do  projeto  na  Câmara  expôs  a  importância  do  tratamento  destes consumidores naquele momento histórico:

 Uma  área  que  inegavelmente  carece  de  novas  soluções  legislativas  guarda  pertinência  com  a  questão  do  superendividamento.  O  acesso  fácil  ao  crédito  é  algo  relativamente  novo  para  a  sociedade  brasileira.  Apenas  depois  da  estabilização  da  economia  e  da  evolução  de  nosso  mercado  de  consumo,  o  País  começou  a  ostentar  níveis  de  rendimento  familiar  e  de  disponibilidade  de  bens  capazes  de  assegurar  uma  expansão  efetiva  da  oferta  de  crédito.  Junto  com  os  inegáveis  benefícios  da  ampliação  do  crédito,  entretanto,  o  País  passou  a  experimentar  um  dos  seus  mais  perigosos  inconvenientes:  o  endividamento  excessivo  dos  consumidores.  A  associação  da  pouca  familiaridade  com  o  crédito  e  da  precária  educação  financeira  de  nossa  população,  por  um  lado,  e  as  eficientes  –  e  nem  sempre  transparentes  –  ferramentas  de  marketing  do  setor  financeiro,  por  outro,  redundam  frequentemente  em  contratações  irrefletidas,  cujos  custos  restam,  infelizmente,  por  sobrecarregar  a  capacidade  econômica  dos  devedores  e  por  colocar  em  risco  a  subsistência  de  muitas  famílias.

 Após  um  longo  trâmite  legislativo  iniciado  em  2015  e  agravado  pelos  impactos  financeiros  globais  decorrentes  da  pandemia  de  2020,  a  promulgação  da  Lei  nº  14.181,  em  maio  de  2021,  e  sua  entrada  em  vigor  em  julho  do  mesmo  ano,  representou  uma  resposta  jurídica  há  muito  aguardada  para  os  desafios  do  superendividamento  no  Brasil.  A  aprovação  desta  legislação  introduziu  inovações  significativas  no  ordenamento  jurídico,  suscitando  debates  e  divergências  quanto  à  eficácia  e  ao  alcance  dos  novos  mecanismos  de  proteção  ao  consumidor  endividado.  Assim,  torna-se  imperativo  realizar  uma  análise  minuciosa  dos  dispositivos  inaugurados  por  essa  norma,  visando  compreender  plenamente  seus  efeitos  práticos  e  teóricos  no contexto econômico contemporâneo.

3.2 . Mecanismos jurídicos provenientes da Lei n°14.181/2021

 Para  uma  análise  mais  aprofundada  das  inovações  trazidas  pela  Lei  nº  14.181/2021,  é  crucial  compreender  que  essa  norma  não  opera  de  forma  autônoma,  mas  visa  reformar  disposições  da  Lei  nº  8.078/1990  (Código  de  Defesa  do  Consumidor)  e  da  Lei  nº  10.741/2003  (Estatuto  do  Idoso),  com  o  intuito  de  aperfeiçoar  a  disciplina  do  crédito  ao  consumidor  e  estabelecer  diretrizes  para  a  prevenção  e  tratamento  do  superendividamento.  Esse  movimento  legislativo  representa uma adaptação necessária frente às transformações sociais e econômicas recentes.

 A  primeira  inovação  observada  no  texto  da  Lei  nº  14.181/2021  consiste  na  adição  de  dois  novos  princípios  ao  artigo  4º  do  CDC,  que  trata  da  Política  Nacional  das  Relações  de  Consumo.  Essa  política  visa  atender,  de  maneira  abrangente,  as  necessidades  dos  consumidores  em  diversos  aspectos.  Os  novos  princípios,  introduzidos  pelos  incisos  IX  e  X,  evidenciam  a  preocupação  do  legislador  com  a  promoção  da  educação  financeira  e  com  a  criação  de  mecanismos  para  a  prevenção  e  tratamento  do  superendividamento,  visando  evitar  a exclusão social decorrente do excesso de dívidas.

 Além  dessas  novas  orientações  de  caráter  principiológico,  o  artigo  5º  do  CDC  também  sofreu  alterações  significativas.  Foram  instituídos  novos  instrumentos  voltados  à  implementação  efetiva  da  Política  Nacional  das  Relações  de  Consumo,  como  a  criação  de  mecanismos  para  a  prevenção  e  tratamento  judicial  e  extrajudicial  do  superendividamento,  além  da  instituição  de núcleos  de  conciliação  e  mediação  de  conflitos  relacionados  ao  crédito  (art.  5º,  incisos  VI  e  VII da Lei nº 14.181/2021).

 A  lei  também  ampliou  os  direitos  dos  consumidores,  prevendo,  no  artigo  5º  do  CDC,  a  garantia  de  práticas  de  crédito  responsável  e  de  educação  financeira  (inciso  XI),  a  preservação  do  mínimo  existencial  (inciso  XII)  e  o  direito  à  informação  clara  sobre  os  preços  dos  produtos  por  unidade  de  medida  (inciso  XIII).  Essas  adições  refletem  um  esforço  para  proteger  os  consumidores  de  práticas  abusivas  no  mercado  de  crédito  e  assegurar  que  possam  manter  sua  dignidade financeira.

 Outro  ponto  de  destaque  nas  alterações  trazidas  pela  Lei  nº  14.181/2021  diz  respeito  à  nulidade  de  pleno  direito  das  cláusulas  contratuais  que  restrinjam  o  acesso  dos  consumidores  ao  Poder  Judiciário  ou  que  imponham  prazos  de  carência  desproporcionais,  impedindo  o  restabelecimento  dos  direitos  do  consumidor  mediante  o  pagamento  da  dívida  ou  acordo  com  os credores (art. 51, incisos XVII e XVIII).

 Especificamente  no  que  tange  às  inovações  relacionadas  ao  tratamento  do  superendividamento,  a  nova  legislação  acrescentou  dois  capítulos  ao  CDC.  O  Capítulo  VI-A,  composto  pelos  artigos  54-A  a  54-G,  e  o  Capítulo  V,  com  os  artigos  104-A  a  104-C,  concentram-se  na  prevenção  e  no  tratamento  do  superendividamento,  refletindo  o  objetivo  primordial  da  norma  de  promover  uma  mudança  na  cultura  de  endividamento.  Como  salientado  pelas  organizadoras  Cláudia  Lima  Marques  e  Andréia  Fernandes  de  Almeida  Rangel  nos  Estudos  da  I  e  II  Jornada  de  Pesquisa  do  CDEA  (2022,  p.  4),  a  nova  legislação  visa,  de  forma  preventiva,  modificar  as  práticas  de  consumo,  estimulando  uma  conscientização  crítica  sobre  a  utilização  do  crédito,  a  fim  de  evitar  o  ciclo  destrutivo  do  endividamento excessivo.

 “[…]  mudar  da  cultura  da  dívida  e  da  exclusão  dos  milhões  de  consumidores  superendividados  de  boa-fé,  para  a  cultura  do  pagamento  e  da  preservação  do  mínimo  existencial,  dando  nova  ordem  e  mais  tempo  aos  consumidores  no  pós-pandemia,  mas  com  um  plano  de  pagamento  para  saldar  as  dívidas  e  reforçar  a  educação financeira no Brasil”

 Seguindo  este  sentido,  o  art.  54-A,  trata  sobre  a  prevenção  e  o  tratamento  do  superendividamento,  já  prevendo,  de  início,  o  conceito  do  instituto  e  quais  dívidas  destinam-se  ao trâmite da lei e quais não:

 Art.  54-A.  Este  Capítulo  dispõe  sobre  a  prevenção  do  superendividamento  da  pessoa  natural,  sobre  o  crédito  responsável  e  sobre  a  educação  financeira  do  consumidor.  §  1º  Entende-se  por  superendividamento  a  impossibilidade  manifesta  de  o  consumidor  pessoa  natural,  de  boa-fé,  pagar  a  totalidade  de  suas  dívidas  de  consumo,  exigíveis  e  vincendas,  sem  comprometer  seu  mínimo  existencial,  nos  termos  da  regulamentação.  §  2º  As  dívidas  referidas  no  §  1º  deste  artigo  englobam  quaisquer  compromissos  financeiros  assumidos  decorrentes  de  relação  de  consumo,  inclusive  operações  de  crédito,  compras  a  prazo  e  serviços  de  prestação  continuada.  §  3º  O  disposto  neste  Capítulo  não  se  aplica  ao  consumidor  cujas  dívidas  tenham  sido  contraídas  mediante  fraude  ou  má-fé,  sejam  oriundas  de  contratos  celebrados  dolosamente  com  o  propósito  de  não  realizar  o  pagamento  ou  decorram  da  aquisição  ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor

 O  conceito  introduzido  pela  nova  legislação  revela  de  forma  inequívoca  a  profundidade  e  a  abrangência  do  instituto  do  superendividamento,  ao  delinear  seus  parâmetros  e  finalidades.  Ao  se  dirigir  à  pessoa  natural,  de  boa-fé,  e  ao  primar  pela  preservação  do  mínimo  existencial,  a  norma  estabelece,  desde  o  seu  princípio,  um  caráter  profundamente  humanizado,  focado  na  proteção  da  dignidade  do  consumidor.  Esse  enfoque  se  reforça  pela  exclusão  explícita  de  determinadas  obrigações,  como  dívidas  decorrentes  de  má-fé  ou  contraídas  para  a  aquisição  de  produtos  de  luxo,  conforme  o  disposto  no  art.  54-A,  §3º.  Tais  exclusões  visam  alinhar  o  espírito  da  lei  com  a  responsabilidade  ética  e  social,  afastando  situações  que  desvirtuem  sua  finalidade protetiva.

 O  art.  54-B,  por  sua  vez,  centra-se  na  necessidade  de  garantir  ao  consumidor  não  apenas  o  acesso,  mas  a  plena  compreensão  das  informações  pertinentes  a  qualquer  compromisso  financeiro  que  esteja  prestes  a  firmar.  A  nova  redação  amplia  o  dever  de  informação  previsto  no  art. 52   do  CDC,  exigindo  que  o  consumidor  seja  previamente  esclarecido  de  forma  clara  e  adequada  sobre  o  custo  efetivo  total  da  transação,  bem  como  sobre  a  composição  detalhada  da  oferta.  Essa  ampliação  de  escopo  busca  assegurar  que  o  consumidor  tenha  total  consciência  das  condições  envolvidas,  como  a  taxa  efetiva  mensal  de  juros,  os  juros  de  mora  e  quaisquer  outros encargos que possam incidir em caso de inadimplência.

 Adicionalmente,  o  §1º  do  art.  54-B  impõe  que  essas  informações  sejam  apresentadas  de  maneira  clara,  resumida  e  acessível,  devendo  constar  no  próprio  contrato  ou  em  outro  documento  de  fácil  consulta.  Essa  exigência  visa  evitar  ambiguidades  ou  omissões  que  possam  prejudicar  o  consumidor  no  momento  de  tomar  uma  decisão  informada,  reforçando  o  princípio  da  transparência  nas  relações  de  consumo.  Com  isso,  a  norma  não  apenas  promove  a  proteção  do  consumidor,  mas  também  induz  a  uma  maior  responsabilidade  por  parte  dos  fornecedores, contribuindo para um ambiente de crédito mais equilibrado e justo.

 Explica  Marília  de  Ávila  e  Silva  Sampaio,  acerca  da  importância  do  acesso  efetivo  e  consciente das informações de produtos e serviços contratados pelo consumidor:

 A  principal  estratégia  de  prevenção  do  superendividamento  é  a  informação  de  todos  os  dados  atinentes  à  contratação,  para  que  o  consumidor  possa  avaliar  sua  escolha  da  maneira  que  mais  lhe  atenda  aos  interesses  e  à  sua  capacidade  financeira.  O  dever  de  informação  como  um  direito  básico  do  consumidor  é  previsto  no  CDC  de  forma  expressa,  sendo  que  o  art.  6º,  III,  determina  que  a  informação  seja  adequada  e  clara  sobre os diferentes serviços e produtos (SAMPAIO, 2018, p. 54)

 Em  continuidade,  as  atenções  foram  voltadas  no  art.  54-C  para  a  integridade  e  responsabilidade  na  oferta  de  crédito  e  realização  do  marketing.  O  artigo  proíbe,  expressa  ou  implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não:

 […]  II  –  indicar  que  a  operação  de  crédito  poderá  ser  concluída  sem  consulta  a  serviços  de  proteção  ao  crédito  ou  sem  avaliação  da  situação  financeira  do  consumidor;  III  –  ocultar  ou  dificultar  a  compreensão  sobre  os  ônus  e  os  riscos  da  contratação  do  crédito  ou  da  venda  a  prazo;  IV  –  assediar  ou  pressionar  o  consumidor  para  contratar  o  fornecimento  de  produto,  serviço  ou  crédito,  principalmente  se  se  tratar  de  consumidor  idoso,  analfabeto,  doente  ou  em  estado  de  vulnerabilidade  agravada  ou  se  a  contratação  envolver  prêmio;  V  –  condicionar  o  atendimento  de  pretensões  do  consumidor  ou  o  início  de  tratativas  à  renúncia  ou  à  desistência  de  demandas  judiciais,  ao  pagamento  de  honorários  advocatícios  ou  a  depósitos judiciais.

 Uma  das  inovações  legislativas  mais  impactantes,  com  potencial  de  provocar  uma  verdadeira  transformação  social,  encontra-se  no  art.  54-C.  A  sociedade  contemporânea,  há  tempos,  enfrenta  os  desafios  impostos  pelo  marketing  desonesto  e  pela  publicidade  agressiva,  que  tanto  opera  de  maneira  ostensiva  e  manipuladora,  quanto  utiliza  mensagens  subliminares,  penetrando  os  espaços  mais  íntimos  da  mente  do  consumidor.  Este  cenário  é  agravado  pelo  uso  de  estratégias  psicológicas  que  visam  moldar  os  desejos  e  as  decisões  de  compra,  comprometendo  a  autonomia  do  indivíduo.  A  inovação  trazida  pelo  artigo  em  questão  tem  por  objetivo  proteger,  sobretudo,  as  pessoas  mais  vulneráveis  (conforme  disposto  no  inciso  III),  contra  o  oferecimento  de  crédito  de  forma  irresponsável,  sem  qualquer  atenção  aos  ditames  da  dignidade humana e aos princípios éticos fundamentais.

 O  inciso  I  deste  artigo  representa  um  marco  crucial  no  combate  a  práticas  abusivas.  Até  então,  era  comum  a  proliferação  de  propagandas  que  ofereciam  cartões  de  crédito  e  empréstimos  sem  a  devida  análise  do  histórico  financeiro  dos  consumidores,  o  que  resultava  em  compromissos  excessivamente  onerosos.  Essa  ausência  de  critério  na  concessão  de  crédito  muitas  vezes  conduzia  indivíduos,  desprovidos  de  plena  consciência  financeira,  a  situações  de  endividamento  insustentável,  exacerbadas  pelos  altos  encargos  econômicos  impostos  pelas  instituições  financeiras.  Assim,  a  disposição  do  inciso  I  visa  combater  diretamente  essas  práticas, estabelecendo um novo paradigma de responsabilidade no oferecimento de crédito.

Esse  aspecto  do  novo  regime  legal  guarda  uma  profunda  relação  com  a  teoria  do  “Duty  to  Mitigate  the  Loss” ,  que,  como  bem  elucidou  o  Ministro  Vasco  Della  Giustina,  Desembargador  convocado  do  TJ/RS,  no  Recurso  Especial  Nº  758.518  –  PR  (2005/0096775-4),  refere-se  à  responsabilidade  que  recai  sobre  as  partes,  especialmente  as  mais  bem  informadas  ou  com  maior  poder  econômico,  de  agir  de  forma  a  mitigar  os  danos  potenciais  em  uma  relação  contratual.  Nesse  sentido,  a  norma  busca  responsabilizar  as  instituições  financeiras,  exigindo  delas  um  comportamento  ético  e  prudente,  que  evite  a  imposição  de  obrigações  desproporcionais  e  que  contribua  para  a  proteção  dos  consumidores  contra  o  superendividamento.

 O  Enunciado  n.  169  do  Conselho  da  Justiça  Federal,  na  III  Jornada  de  Direito  Civil  também  aduz  sobre  a  questão:  O  princípio  da  boa-fé  objetiva  deve  levar  o  credor  a  evitar  o  agravamento do próprio prejuízo

 O  duty  to  mitigate  the  loss  evidencia  que  o  fornecedor  do  crédito  deve  buscar  oferecer  propostas  reais  e  que  podem  ser  adimplidas  pelo  consumidor,  sempre  pautando  sua  conduta  na  boa-fé  e  na  honestidade  negocial.  Contudo,  a  teoria  também  abarca  a  importância  de  o  destinatário  final  ser  responsável  no  momento  de  obrigar-se  financeiramente  e  minimizar  as  suas  próprias  perdas.  Ainda  no  art.  54-C,  o  inciso  IV  apresenta  um  outro  tópico  que  causa  efeitos  nefastos  na  sociedade  é imprescindível  a  sua  tratativa,  que  é  o  assédio  de  consumo. 44   Atingir  desrespeitosamente  as  vontades  de  uma  pessoa,  utilizando-se  das  mais  variadas  estratégias  (como  a  coação),  infelizmente  é  uma  postura  que  muitos  fornecedores  de  crédito  adotam no mercado. MARILIA E AVILA (2018, p. 86):

 “Coibir  o  assédio  ao  consumo,  sem  sombra  de  dúvidas  é  fundamental  para  a  prevenção  do  superendividamento,  principalmente  em  relação  ao  hipervulneráveis.  O  mercado  de  consumo  tem  muito  a  ganhar  com  a  concessão  de  crédito  consciente  e  a  proteção  do  consumidor  em  relação  às  pressões  dos  fornecedores  em  especial  aos  idosos,  analfabetos  e  todos  os  indivíduos  que  possuem  um  estado  de  vulnerabilidade  agravada”

 As  narrativas  que  se  apresentam  hoje  demonstram  que  não  basta  que  o  crédito  seja  fornecido.  As  questões  são  muito  mais  complexas  e  demandam  uma  análise  muito  mais  criteriosa.  A  informação  deve  ser  clara  e  adequada,  de  fácil  entendimento  e  capaz  de  sanar  dúvidas.  O  atendimento  ao  consumidor  pautado  na  boa-fé  deve  ser  adotado  antes,  durante  e  após  as  tratativas  comerciais.  Além  disso,  o  consumidor  deve  a  todo  momento  entender  que,  caso algo  não  aparente  estar  correto  ou  legal,  poderá  ter  acesso  à  justiça e  debater  no  Judiciário  sobre seus questionamentos contratuais.

 Por  fim,  neste  viés  da  prevenção,  ressalta-se  o  art.  54-G,  que  prevê  outras  práticas  vedadas  nas relações consumeristas, como:

 I  –  realizar  ou  proceder  à  cobrança  ou  ao  débito  em  conta  de  qualquer  quantia  que  houver  sido  contestada  pelo  consumidor  em  compra  realizada  com  cartão  de  crédito  ou  similar,  enquanto  não  for  adequadamente  solucionada  a  controvérsia,  desde  que  o  consumidor  haja  notificado  a  administradora  do  cartão  com  antecedência  de  pelo  menos  10  (dez)  dias  contados  da  data  de  vencimento  da  fatura,  vedada  a  manutenção  do  valor  na  fatura  seguinte  e  assegurado  ao  consumidor  o  direito  de  deduzir  do  total  da  fatura  o  valor  em  disputa  e  efetuar  o  pagamento  da  parte  não  contestada,  podendo  o  emissor  lançar  como  crédito  em  confiança  o  valor  idêntico  ao  da  transação  contestada  que  tenha  sido  cobrada,  enquanto  não  encerrada  a  apuração  da  contestação;  II  –  recusar  ou  não  entregar  ao  consumidor,  ao  garante  e  aos  outros  coobrigados  cópia  da  minuta  do  contrato  principal  de  consumo  ou  do  contrato  de  crédito,  em  papel  ou  outro  suporte  duradouro,  disponível  e  acessível,  e,  após  a  conclusão,  cópia  do  contrato;  III  –  impedir  ou  dificultar,  em  caso  de  utilização  fraudulenta  do  cartão  de  crédito  ou  similar,  que  o  consumidor  peça  e  obtenha,  quando  aplicável,  a  anulação  ou  o  imediato  bloqueio  do  pagamento,  ou  ainda  a  restituição  dos  valores  indevidamente  recebidos.  §  1º  Sem  prejuízo  do  dever  de  informação  e  esclarecimento  do  consumidor  e  de  entrega  da  minuta  do  contrato,  no  empréstimo  cuja  liquidação  seja  feita  mediante  consignação  em  folha  de  pagamento,  a  formalização  e  a  entrega  da  cópia  do  contrato  ou  do  instrumento  de  contratação  ocorrerão  após  o  fornecedor  do  crédito  obter  da  fonte  pagadora  a  indicação  sobre  a  existência  de  margem  consignável.  §  2º  Nos  contratos  de  adesão,  o  fornecedor  deve  prestar  ao  consumidor,  previamente,  as  informações  de  que  tratam  o  art.  52  e  o  caput  do  art. 54- B  deste  Código,  além  de  outras  porventura  determinadas  na  legislação  em  vigor,  e  fica  obrigado  a  entregar  ao  consumidor  cópia  do  contrato,  após  a  sua  conclusão.

 É  imperativo  destacar  o  §1º  relativo  à  margem  consignável,  que,  conforme  definido  pelo  Banco  Central,  refere-se  ao  montante  máximo  que  pode  ser  descontado  de  salários,  benefícios  ou  pensões  para  o  pagamento  de  empréstimos  consignados.  A  Lei  14.509/2022  estabelece  um  limite  de  45%  para  essa  margem,  sendo  5%  reservados  exclusivamente  para  a  amortização  de  dívidas  contraídas  por  meio  de  cartões  consignados  de  benefício  ou  para  saques  utilizando  esses cartões, conforme o inciso II do art. 2º da referida legislação.

 Para  servidores  públicos  federais,  o  Banco  Central  detalha  que  a  divisão  da  margem  consignável  é  de  35%  para  empréstimos  consignados,  5%  para  cartões  de  crédito  consignados  e  5%  para  cartões  consignados  de  benefício.  Esses  percentuais,  conforme  a  Lei  14.431/2022,  aplicam-se  a  empregados  regidos  pela  Consolidação  das  Leis  do  Trabalho,  segurados  do  regime  próprio  de  previdência  social,  servidores  públicos  federais  e  beneficiários  de  programas federais de transferência de renda.

A  reserva da  margem  consignável,  frequentemente  utilizada  por servidores  públicos,  é  calculada  com  base  nos  rendimentos  mensais  fixos  e  líquidos,  excluindo  bonificações  extraordinárias.  Embora  vista  como  um  obstáculo  por  muitos  devedores,  essa  reserva  é  essencial  para  proteger  aqueles  que  não  controlam  adequadamente  suas  finanças,  funcionando  como  um  mecanismo  de  contenção  diante  de  novas  dívidas.  Adicionalmente,  essa  estrutura  oferece  vantagens,  uma  vez  que  os  juros  tendem  a  ser  menores,  dado  que  os  valores  são  garantidos por descontos diretos na folha de pagamento.

 Como  a  todo  momento  perceptível  do  espírito  da  norma,  o  objetivo  basilar  da  norma  é  proporcionar  o  acesso  ao  crédito  responsável  e  garantir  a  estes  consumidores  hipervulneráveis  uma  maior  proteção  por  já  estarem  em  condição  de  superendividamento.  A  ideia  é  prevenir  que  estas  pessoas  fiquem  em  uma  situação  financeira  ainda  mais  difícil  que  já  se  encontram.

 Desta feita, o intuito é proteção e não exclusão

3.2.1 . O crédito responsável enquanto princípio

 A  proteção  aos  consumidores  em  situação  de  superendividamento  pode  ter  consequências  importantes  na  sociedade  e  na  economia.  Em  primeiro  lugar,  essa  proteção  pode  prevenir  que  as  pessoas  sofram  danos  à  sua  saúde  física  e  mental,  uma  vez  que  a  pressão  financeira  pode  levar  a  problemas  de  saúde,  como  ansiedade  e  depressão.  Além  disso,  a  proteção  aos  consumidores  superendividados  pode  evitar  a  perda  de  patrimônio,  já  que  muitas  pessoas  acabam perdendo seus bens e imóveis para pagar suas dívidas.

 A  proteção  ao  consumidor  superendividado  tem  um  impacto  significativo  na  sociedade  e  na  economia,  pois  pode  contribuir  para  evitar  que  pessoas  sofram  danos  em  sua  saúde  física  e  mental  devido  à  pressão  financeira.  Além  disso,  a  proteção  pode  impedir  a  perda  de  patrimônio, uma vez que muitas pessoas perdem seus bens e imóveis para pagar suas dívidas.  Outro  impacto  importante  da  proteção  ao  consumidor  superendividado  é  a  promoção  da  estabilidade  econômica.  A  implementação  de  medidas  que  protegem  o  consumidor  ajuda  a  prever  melhor  os  fluxos  de  caixa  das  empresas,  o  que  reduz  o  risco  de  insolvência  e  falência.  Além  disso,  a  proteção  pode  aumentar  a  confiança  do  consumidor  no  mercado,  levando  a  um  aumento no consumo e no investimento.

 Por  último,  a  proteção  ao  consumidor  superendividado  pode  ter  efeitos  positivos  na  justiça  social.  Como  o  superendividamento  afeta  frequentemente  as  pessoas  mais  vulneráveis  da  sociedade,  a  adoção  de  medidas  protetivas  pode  ajudar  a  reduzir  a  desigualdade  social.  Além disso,  a  proteção  ao  consumidor  pode  aumentar  a transparência  e  a equidade  nos  contratos  financeiros, prevenindo abusos por parte de empresas e instituições financeiras.

 Considerando  as  mudanças  sociais  em  relação  à  inclusão  e  aceitação  do  indivíduo  com  base  em  seu  poder  aquisitivo  e  potencial  de  consumo,  fica  claro  que  aqueles  que  se  endividaram  excessivamente  e  perdem  seu  poder  de  compra  serão  marginalizados  na  sociedade  consumista  e  excluídos  socialmente.  Apesar  da  existência  de  um  sistema  de  defesa  do  consumidor,  é  evidente  a  necessidade  de  regulamentação  mais  moderna  para  abordar  a  ineficácia  do  Código  de Defesa do Consumidor em relação às relações de consumo e concessão de crédito.

 O  crédito,  que  antes  era  visto  como  uma  opção  para  emergências  e  imprevistos,  se  tornou  uma  extensão  da  renda  do  indivíduo  devido  à  falta  de  regulamentação  para  controlar  sua  concessão  e  disseminação.  A  liberação  de  crédito  atingiu  proporções  tão  grandes  que  a  legislação  não  possui  mais  meios  para  lidar  com  a  complexidade  das  relações  de  consumo,  o  que  torna  questionável  a  eficácia  da  proteção  dos  direitos  do  consumidor.  Infelizmente,  essa  situação  tem  levado  muitos  indivíduos  à  ruína  financeira,  já  que  buscam  no  consumo  uma  forma  de  inserção social.

 A  ausência  de  educação  financeira  e  as  estratégias  de  marketing  agressivas  da  indústria  de  crédito  resultam  em  um  crescente  número  de  pessoas  endividadas.  Essa  indústria  promove  um  estilo  de  vida  consumista  como  única  opção  viável,  sem  considerar  se  o  indivíduo  tem  ou  não  condições  de  arcar  com  os  custos,  tendências  e  novidades  que  surgem  no  mercado.  Consequentemente,  à  medida  que  o  consumo  impulsivo  e  a  concessão  irresponsável  de  crédito  aumentam,  o  superendividamento  torna-se  uma  realidade  para  muitas  famílias  brasileiras.

 No  primeiro  trimestre  de  2021,  o  Instituto  Brasileiro  de  Defesa  do  Consumidor  (Idec)  realizou  uma  pesquisa  que  revelou  que,  dos  cerca  de  210  milhões  de  brasileiros,  60  milhões  estão  endividados  e  30  milhões  estão  superendividados.  Esses  números  são  preocupantes,  pois  demonstram  a  falta  de  efetividade  na  regulação  do  mercado  de  consumo.  Muitos  brasileiros  não  conseguem  mais  manter-se  financeiramente  com  seus  rendimentos  regulares,  o  que  acaba  comprometendo o acesso a um “mínimo existencial” para grande parte da população.

 Diante  dessa  perspectiva,  fica  cada  vez  mais  evidente  a  necessidade  de  regulamentação  adequada  para  proteger  efetivamente  os  direitos  dos  consumidores  em  situações  de  alta  complexidade  e  modernização  das  relações  de  consumo,  o  que  não  tem  ocorrido  com  as  leis de  proteção ao  consumidor.  Nesse sentido,  o  acesso ao  crédito  como  um  direito  fundamental  é  reafirmado  pelo  desenvolvimento  social,  que  alcançou  seu  ponto  máximo  em  relação  ao  mercado  de  consumo,  onde  a  capacidade  econômica  de  cada  indivíduo  tornou-se  um  critério  para sua aceitação e reconhecimento social.

 O  princípio  do  crédito  responsável  é  um  importante  conceito  que  deve  ser  aplicado  em  todas  as  relações  de  consumo  que  envolvam  a  concessão  de  crédito.  Trata-se  da  ideia  de  que  os  fornecedores  de  serviços  de  crédito  devem  agir  de  forma  ética  e  responsável,  buscando  não  apenas  o  lucro,  mas  também  a  proteção  e  o  bem-estar  financeiro  do  consumidor.  Isso  implica  em  avaliar  cuidadosamente  a  capacidade  financeira  do  consumidor  antes  de  conceder  o  crédito,  informando  claramente  sobre  os  termos  e  condições  do  contrato,  e  oferecendo  opções  de renegociação em caso de inadimplência.

 Além  disso,  também  é  importante  para  prevenir  o  superendividamento  dos  consumidores,  uma  vez  que  a  concessão  indiscriminada  de  crédito  pode  levar  a  uma  situação  insustentável  de  dívidas.  Nesse  sentido,  é  fundamental  que  os  fornecedores  de  serviços  de  crédito  trabalhem  em  conjunto  com  o  Poder  Público  para  estabelecer  regulamentações  que  assegurem  a  proteção  dos  consumidores  e  a  sustentabilidade  do  mercado  financeiro  como  um  todo.  Em  suma,  o  princípio  do  crédito  responsável  é  essencial  para  garantir  que  as  relações  de  consumo  sejam  pautadas  pela  ética,  transparência  e  responsabilidade,  visando  o  bem-estar  tanto  dos  fornecedores quanto dos consumidores.

 O  tal  princípio  busca  corrigir  as  falhas  na  legislação  ao  permitir  que  os  consumidores  superendividados  tenham,  em  casos  excepcionais,  acesso  a  uma  margem  de  crédito  razoável  para  suprir  suas  despesas  cotidianas  ou  gerenciar  seus  rendimentos  adequadamente.  Desse  modo,  o  direito  fundamental  de  acesso  ao  crédito  é  fundamental  para  garantir  que  os  superendividados  não  sejam  marginalizados  e  possam  sustentar-se  financeiramente,  quando  o  auxílio do Estado não é viável.

 É  importante  ressaltar  que  o  objetivo  não  é  defender  uma  política  neoliberal  de  concessão  de  crédito  a  pessoas  endividadas  ou  superendividadas,  mas  sim  incentivar  a  educação  financeira  e  a  administração  responsável  dos  próprios  recursos.  Infelizmente,  não  existem  políticas  públicas  efetivas  para  construir  uma  sociedade  financeiramente  instruída,  como  evidenciado  pela  ausência  de  ensino  financeiro  na  grade  curricular  do  ensino  fundamental  II  e  médio,  fases em  que  os indivíduos  já  entendem  a importância do  dinheiro  e do  crédito,  mas  não  sabem  como eles funcionam.

 Para  acabar  com  essa  falta  de  conhecimento,  é  importante  que  as  instituições  percebam  que  os  jovens  adultos,  em  sua  maioria,  não  terão  tempo  exclusivo  para  aprender  sobre  administração  financeira  após  saírem  da  escola,  seja  por  abandono  ou  conclusão.  A  melhor  oportunidade  para  transmitir  esses  conhecimentos  é  durante  o  ensino  regular  nas  escolas.  É  evidente  que  essa  ideia  não  é  impraticável  ou  inoportuna,  pelo  contrário,  é  uma  oportunidade  para  que  todos possam entender melhor como gerenciar suas finanças pessoais.

 Segundo  Macedo  Junior,  o  consumo  em  massa  é  frequentemente  um  fator  que  contribui  para  a  falta  de  orientação  e  autoconfiança,  levando  à  passividade  e  dependência.  Em  outras  palavras,  o  crédito  é  visto  como  um  meio  rápido  de  satisfação  para  indivíduos  imersos  nessa  cultura  de  consumo  acelerado,  onde  a  necessidade  de  se  manter  atualizado  e  a  busca  por  crédito para financiar esse estilo de vida acabam levando o consumidor à ruína financeira.

 Assim,  a  concessão  de  crédito  não  apenas  impulsionou  o  consumo  de  bens  e  serviços,  mas  também  evidenciou  a  importância  dos  contratos  de  empréstimo,  incluindo  crédito  pessoal,  consignado  e  até  mesmo  cartão  de  crédito  consignado  (categoria  peculiar).  Tais  contratos  estão  sujeitos  a  diversos  riscos  financeiros,  tanto  para  as  instituições  financeiras  que  concedem  o  crédito,  quanto  para  os  tomadores,  uma  vez  que  o  não  cumprimento  das  obrigações  contratuais  pode  resultar  em  pesadas  penalidades  pecuniárias  para  os  consumidores  finais,  incluindo  juros  extremamente  elevados.  Para  os  credores,  por  sua  vez,  os  prejuízos  podem  decorrer  da  perda  de  receitas  previstas  ou  do  custo  de  cobrança  do  valor  devido, que em muitos casos envolve o ajuizamento de ações judiciais.

 Assim,  diante  desse  cenário,  torna-se  necessário  garantir  mecanismos  de  proteção  em  favor  da  parte  mais  vulnerável  da  relação,  conforme  estabelecido  no  artigo  4º,  inciso  I,  do  Código  de  Defesa  do  Consumidor,  com  o  objetivo  de  evitar  a  desigualdade  de  poder  aquisitivo  entre  as  partes  envolvidas.  Nesse  sentido,  surge  o  princípio  do  crédito  responsável  como  uma  proposta  para  estabelecer  novas  formas  de  relação  contratual  no  que  se  refere  à  concessão  e  obtenção  de crédito.

 Compreender  e  aceitar  o  atual  contexto  socioeconômico  é  crucial  para  reconhecer  a  importância  de  regulamentar  o  uso  do  crédito  e  implementar  alternativas,  ferramentas  e  mecanismos  de  controle  por  meio  do  princípio  do  crédito  responsável.  Dessa  forma,  é necessário estabelecer  diretrizes que garantam  a proteção  dos consumidores  vulneráveis,  levando  em  consideração  seu  poder  aquisitivo,  a  fim  de  estabelecer  relações  comerciais  saudáveis  que  incluam  ética  e  responsabilidade  nos  contratos  de  concessão  de  crédito.  Como  salientou  a  Dra.  Juliana  Oliveira  Domingues,  da  Secretaria  Nacional  do  Consumidor ( SENACON):

 “O  que  queremos  combater  é  o  superendividamento,  a  impossibilidade  manifesta  do  consumidor,  pessoa  física  natural  e  de  boa-fé  a  pagar  a  totalidade  das  suas  dívidas  de  consumo  que  são  exigíveis  vencidas  e  vincendas,  sem  comprometer  seu  mínimo  existencial.”

 Assim,  o  princípio  do  crédito  responsável  busca  assegurar  o  direito  fundamental  do  indivíduo  ao  mínimo  existencial,  impedindo  que  a  falta  de  acesso  ao  crédito  o  exclua  socialmente  e  o  prejudique  em  situações  emergenciais.  Além  disso,  é  dever  do  fornecedor  de  crédito  agir  com  responsabilidade,  não  concedendo  crédito  sabendo  que  o  consumidor  não  terá  condições  de  cumprir  as  obrigações  financeiras,  apenas  visando  seus  próprios  lucros.  Por  fim,  esse  princípio  também  incentiva  tanto  os  consumidores  quanto  o  Estado  a  investir  tempo  e  recursos na busca por capacidade racional e instrução financeira adequada.

 4. DESAFIOS RELACIONADOS À NOVA LEI

 4.1. Desafios dos NAS (Núcleo de Atendimento ao Superendividado)

 Considerando  que  a  legislação  recente  está  sendo  adaptada  às  situações  concretas  e  que  as  solicitações  de  renegociação  de  dívidas  pelos  devedores  ainda  estão  em  estágio  inicial,  as  Defensorias  Públicas  têm  desempenhado  um  papel  crucial  na  ajuda  à  população  para  uma  renegociação efetiva das dívidas.

 Assim,  considerando  que  as  Defensorias  Públicas  possuem  a  estrutura  física  e  técnica  adequadas  para  lidar  com  as  demandas  de  repactuação,  elas  têm  sido  pioneiras  na  implementação  do  NAS  e,  portanto,  as  primeiras  a  enfrentar  os  desafios  concretos  na  aplicação da Lei nº 14.181/21.

 4.1.1. Exigências das propostas de negociação segundo a nova lei

 É  claro  que  alguns  dos  critérios  estabelecidos  pela  legislação  precisam  ser  cumpridos  de  uma  forma  específica  e  dentro  de  um  prazo  determinado  para  que  ela  possa  ser  plenamente  eficaz.  Por  isso,  o  sistema  utilizado  pelos  núcleos  de  atendimento  ao  consumidor  superendividado  para  realizar  essas  renegociações  exige  que  a  proposta  de  pagamento  parcelado,  que  deve incluir  pelo menos  a  dívida  principal atualizada  do devedor,  seja feita  em  até  60  meses  e que  as parcelas não prejudiquem a subsistência mínima do indivíduo.

 Apesar  de  parecer  uma  solução  promissora  para  cumprir  com  as  obrigações  financeiras  existentes,  o  relato  do  Defensor  Público  e  Vice-Coordenador  da  CONDEGE,  Dr.  Antônio  Carlos  Cintra  (2021),  apresenta  uma  realidade  diferente  das  expectativas  que  foram  geradas  durante  a  elaboração  da  nova  legislação.  Durante  a  8ª  Semana  Nacional  de  Educação  Financeira,  ele  afirmou  que  “ a  maioria  dos  casos  de  superendividamento  que  atendemos  não se encaixa nessas possibilidades (da nova legislação), não conseguimos aplicá-las    “.

 A  afirmação  do  Vice-Coordenador  da  CONDEGE  reflete  a  realidade  dos  brasileiros  superendividados,  já  que,  mesmo  com  as  novas  facilidades  trazidas  pela  legislação,  é  ineficaz  para  muitos  casos,  uma  vez  que  é  impossível  respeitar  o  mínimo  existencial  e  pagar  pelo  menos  o  valor  principal  atualizado  da  dívida  dentro  de  60  meses.  Isso  ocorre  porque  a  renda  declarada  dos  superendividados  não  é  suficiente  para  atender  às  suas  necessidades  básicas,  tornando ainda mais difícil quitar dívidas dentro dos critérios legais.

 4.1.2. Insolvência civil como alternativa para a repactuação dos débitos

 Durante  a  8ª  Semana  Nacional  de  Educação  Financeira,  o  Dr.  Antônio  Carlos  Cintra,  Vice-Coordenador  da  CONDEGE,  destacou  que  devido  às  inúmeras  barreiras  impostas  pelas  exigências  legais  para  a  renegociação  de  dívidas  e  à  grande  vulnerabilidade  financeira  da  maioria  dos  superendividados,  a  judicialização  por  meio  da  insolvência  civil  tem  sido  uma  das poucas opções disponíveis para essa população em particular.

 Contudo,  é  importante  esclarecer  que,  de  modo  geral,  os  juízes  entendem  que  a  insolvência  civil  é  uma  alternativa  para  a  repactuação  de  débitos  apenas  quando  há  um  processo  judicial  prévio  para  cobrança  da  dívida  pelo  credor,  e  não  é  razoável  usar  a  Lei  nº  14.181/21  nessas  circunstâncias.  Além  disso,  é  necessário  calcular  o  valor  do  débito  principal,  o  que  pode  ser  complexo,  considerando  os  valores  já  pagos  e  os  que  ainda  estão  por  vencer,  bem  como  o  tempo  que  as  instituições  financeiras  credoras  levam  para  fornecer  o  saldo  devedor,  levando  em conta o período de atraso.

 Assim  sendo,  além  da  impossibilidade  de  aplicação  da  nova  legislação  diante  da  fragilidade  financeira  do  devedor,  a  tendência  à  judicialização  surge  quando  a  única  opção  viável  para  a  repactuação  do  débito,  dentro  de  condições  acessíveis  ao  devedor,  encontra-se  na  lei  antiga, ou  seja,  na insolvência  civil.  Em outras  palavras,  embora  a  intenção  da  nova  legislação seja  louvável  e  busque  facilitar  a  recuperação  do  poder  de  compra  do  devedor  no  mercado  financeiro,  na  maioria  dos  casos  concretos,  as  soluções  para  o  cumprimento  dessas  obrigações  ainda se baseiam na legislação anterior.

4.2 . Democratização do acesso ao crédito como risco econômico

 O  endividamento  excessivo  de  indivíduos  em  razão  de  dívidas  de  consumo,  conhecido  como  superendividamento,  é  resultado  da  ampliação  do  acesso  ao  crédito  juntamente  com  a  falta  de  responsabilidade  financeira.  Essa  situação  é  agravada  por  incentivos  ao  consumo  excessivo  e  políticas  de  concessão  de  crédito  imprudentes.  Nesse  contexto,  é  importante  abordar  a  questão  do  superendividamento  e  discutir  a  Lei  nº  14.181,  de  1º  de  julho  de  2021,  que  trata  desse  tema.

 A  exploração  frequente  e  óbvia  do  mercado  de  crédito  ao  consumo  pode  levar  os  consumidores  à  dívida  e,  consequentemente,  à  perda  de  certas  liberdades  protegidas  pela  Constituição.  Isso  ocorre  não  por  meio  de  sanções  explícitas,  mas  sim  pela  ausência  de  margem  de  crédito  ou  pela  falta  do  mínimo  existencial,  deixando-os  vulneráveis  financeiramente  e  insolventes,  o  que  resulta  na  falta  de  acesso  a  qualquer  possível  credor  legal.

 Diante  disso,  é  possível  compreender  melhor  o  conceito  de  superendividamento  como  a  aquisição  de  bens  ou  serviços  por  meio  de  parcelamentos  ou  comprometimento  de  parte  do  rendimento,  sem  considerar  a  possibilidade  de  cumprir  as  obrigações  futuras  assumidas.  Como  já  mencionado,  a  falsa  sensação  de  renda  proporcionada  pelo  crédito  tem  sido  vista  como  uma  extensão  do  rendimento  regular  do  indivíduo,  levando-o  a  crer  que  possui  um  poder aquisitivo maior do que realmente tem.

 Para  combater  o  superendividamento,  é  necessário  adotar  medidas  de  políticas  públicas  que  se  concentrem  principalmente  na  prevenção,  não  apenas  quando  o  indivíduo  já  está  em  situação  de  insolvência  absoluta.  É  evidente  que  o  conhecimento  prévio  de  finanças  é  a  melhor  maneira  de  prevenir  o  superendividamento,  mas  para  aqueles  que  já  estão  endividados,  a  melhor  abordagem  é  a  reeducação  financeira  para  que  não  voltem  a  se  superendividar  no  futuro.

Existem  modelos  maduros  e  viáveis  de  abordagem  para  a  reeducação  financeira,  como por  exemplo  a  “Política  do  Novo  Recomeço”  ( Fresh  Start  Policy ),  amplamente  utilizada  nos  Estados  Unidos  da  América.  Essa  modalidade  de  tratamento  do  superendividamento  se  baseia  no  perdão  parcial  ou  total  das  dívidas,  o  que  significa  que  o  indivíduo  só  terá  que  pagar  suas  dívidas  até  o  limite  de  seu  patrimônio  atual.  Em  outras  palavras,  os  fornecedores  de  crédito  que  concedem  empréstimos  cientes  da  possibilidade  de  insolvência  absoluta  por  parte  do  devedor  serão  responsabilizados  de  forma  mitigada  em  relação  ao  devedor,  já  que  toda  atividade comercial envolve riscos inerentes à sua atividade econômica.

 O  superendividamento  não  pode  ser  atribuído  somente  ao  excesso  de  concessão  de  crédito  ao  consumo,  uma  vez  que  existem  outros  fatores  que  contribuem  para  essa  situação.  Por  exemplo,  o  Código  de  Consumo  Francês,  em  seu  artigo  L330-1,  define  uma  das  situações  de  superendividamento  como  a  impossibilidade  manifesta  de  um  devedor  de  boa-fé  quitar  todas  as  suas  dívidas  não  profissionais,  sejam  elas  exigíveis  ou  vincendas.  Portanto,  o  superendividamento  pode  ser  decorrente  de  outras  causas  além  da  exploração  comercial  ou  do  consumo supérfluo.

 De  acordo  com  a  perspectiva  de  Marques  e  Frade,  o  superendividamento,  também  chamado  de  falência  ou  insolvência  das  pessoas  físicas,  engloba  situações  em  que  as  famílias  não  conseguem  pagar  uma  ou  mais  dívidas.  Em  outras  palavras,  o  superendividamento  não  se  refere  apenas  ao  não  pagamento  das  obrigações,  mas  sim  à  grande  dificuldade  das  famílias  em  cumprir regularmente suas dívidas e, ao mesmo tempo, manter sua subsistência.

 No  entanto,  a  ampliação  do  acesso  ao  crédito  não  deve  ser  vista  como  a  raiz  do  problema  do  endividamento  excessivo  das  famílias  e  indivíduos.  É  como  uma  faca  afiada  ou  o  fogo  –  se  utilizados  sem  habilidade  ou  de  forma  imprudente,  podem  causar  danos  irreparáveis.  Portanto,  a  melhor  maneira  de  usar  o  crédito,  que  é  um  recurso  valioso  e  acessível  a  todos,  é  de  maneira  responsável.  Isso  requer  que  os  fornecedores  entendam  sua  responsabilidade  social  e  que  os  consumidores  sejam  instruídos  sobre  como  usar  esses  recursos  financeiros  de  maneira adequada para evitar prejuízos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Embora  o  consumo  seja  essencial  para  a  subsistência  humana  e  atualmente  seja  considerado  até  mesmo  um  aspecto  central  das  relações  sociais,  não  se  pode  negar  que  o  consumo  irresponsável  tem  sido  um  fator  determinante  para  a  existência  de  pessoas  inadimplentes, independentemente  de  sua  posição  social  ou  econômica,  já  que  muitos  têm  sido  vítimas  de  suas próprias ambições.

 É  importante  ressaltar  a  importância  de  as  empresas  de  crédito  utilizarem  suas  estratégias  de  marketing  não  de  forma  abusiva  ou  invasiva,  mas  sim  como  uma  oportunidade  para  que  o  próprio  consumidor  faça  uma  avaliação  financeira.  Isso  significa  que,  além  dos  benefícios  de  se  contratar  o  crédito  de  um  determinado  fornecedor,  o  consumidor  deve  ser  informado  sobre  as limitações de comprometimento de renda para evitar situações de superendividamento.

 Para  cumprir  sua  função  social,  os  fornecedores  precisam  não  apenas  informar  os  consumidores  sobre  as  limitações  financeiras  que  possam  comprometer  sua  capacidade  de  pagamento,  mas  também  restringir  o  acesso  ao  crédito  daqueles  com  alto  risco  de  inadimplência.  É  inaceitável  que  os  fornecedores  busquem  lucro  às  custas  da  ruína  financeira  de  seus  clientes,  e  é  essencial  que  haja  penalidades  para  aqueles  que  não  cumprem  essas  obrigações.

 Apesar  de  o  cenário  de  superendividamento  de  consumidores  de  boa-fé  ser  considerado  um  risco  para  o  mercado  de  consumo,  especialmente  quando  ocorre  em  larga  escala,  é  importante  analisar  a  exploração  financeira  desse  mercado.  Muitas  vezes,  o  crédito  é  concedido  a  pessoas  que  não  possuem  capacidade  financeira  para  arcar  com  as  dívidas  ou  mesmo  habilidades  para  administrar seus rendimentos, o que deve ser objeto de análise crítica.

 É  notório  que  a  falta  de  regulamentação  que  restrinja  as  práticas  abusivas  dos  provedores  de  serviços  de  crédito  é  ineficaz  ou  até  mesmo  inexistente.  O  Estado  é  responsável  por  garantir  um  tratamento  especial  aos  consumidores  superendividados,  devido  à  sua  extrema  vulnerabilidade  financeira,  não  podendo  ser  considerados  iguais  aos  demais  consumidores.  Esse  cenário  de  fragilidade  afasta  o  indivíduo  da  condição  mínima  para  a  sua  sobrevivência,  tornando necessária a atuação do Estado na prevenção de tal turbulência.

 A  Lei  nº  14.181,  de  1º  de  julho  de  2021,  foi  criada  como  uma  alternativa  para  a  renegociação  de  dívidas  sem  a  necessidade  de  recorrer  à  justiça.  No  entanto,  é  importante  ressaltar  que  ela  não  é  perfeita  e  pode  não  se  aplicar  a  todos  os  casos.  Para  que  ela  seja  viável,  é  fundamental  que  haja  uma  colaboração  efetiva  entre  os  credores  e  as  instituições  financeiras  para  resolver  as  demandas  de  renegociação.  Além  disso,  é  necessário  punir  aqueles  credores  que  concedem  crédito  mesmo  sabendo  dos  riscos  de  insolvência  do  indivíduo  e  que  não  possuem  capacidade financeira  para  honrar  as  dívidas.  Por  fim,  a  colaboração  entre  os  órgãos  governamentais  também pode ajudar a acelerar o processo de renegociação de dívidas.

 Por  fim,  é  necessário  que  o  princípio  do  crédito  responsável  seja  incorporado  socialmente  como  guia  para  as  relações  de  consumo,  e  que  a  ética  seja  considerada  indispensável  em  todos  os  aspectos  das  relações  entre  consumidores  e  fornecedores.  Além  disso,  o  Poder  Público  deve  adotar  medidas  urgentes  para  proteger  a  população,  uma  vez  que  a  demora  na  criação  de  regulamentações  adequadas  pode  resultar  na  ruína  financeira  de  muitos  consumidores  e,  consequentemente,  no  risco  de  colapso  no  mercado  financeiro.  É  essencial  valorizar  o  princípio do crédito responsável..

6 . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 ABREU, Leonardo Pinto Andrade de. A recuperação judicial na lei brasileira e na lei  americana. 2014. Tese (Bacharelado). Curso de Direito. Universidade Federal do Paraná,  Curitiba, 2014. Disponível em:  <https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/37774/90.pdf?sequence=1&isAllowed=y  >. Acesso em: 23 ago. 2021.

 BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio  de Janeiro: Zahar, 2008. p. 19.

 BEZERRA, Oswaldo Vasconcelos. Artigo – Regulamentação da Falência Individual: saída da  crise econômica. O Impacto. 5 ago. 2019. Disponível em:  <https://oimpacto.com.br/2019/08/05/artigo-regulamentacao-da-falencia-individual-saida-da-  crise-economica/>. Acesso em: 23 ago. 2021.

 BRASIL. Lei nº 12.414, de 9 de junho de 2011. Disciplina a formação e consulta a bancos de  dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para  formação de histórico de crédito. Brasília, DF: palácio do Planalto, 2011. Disponível em: <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12414.htm>. Acesso em: 9 out. 2021.

 BRASIL. Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003  (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a  prevenção e o tratamento do superendividamento. Brasília, DF: palácio do Planalto, 2021. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14181.htm>. Acesso em: 9  out. 2021.

 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e  dá outras providências. Brasília, DF: palácio do Planalto, 1990. Disponível em: <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em: 9 out. 2021.

 BRASIL. Banco Central do Brasil. Empréstimos Consignados. Brasília: Banco Central do  Brasil, 2023. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/meubc/faqs/p/o-quee-margem-consignavel. Acesso em: 22 mar. 2024.

 BRASIL. Banco Central do Brasil. Estatísticas Monetárias e de Crédito. Brasília: Banco  Central do Brasil, 2024. Disponível em: . Acesso em: 02 mar. 2024. BRASIL. Banco Central  do Brasil. Taxas de juros básicas – Histórico. Brasília: Banco Central do Brasil, 2024.  Disponível em: . Acesso em: 09 mar. 2024.

 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3515, de 04 de novembro 2015. Altera a  Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e o art. 96 da  Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do 74 Idoso), para aperfeiçoar a disciplina  do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Brasília/DF: 2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=205249  0#:~:text=PL%203515%2F2015%20Inteiro%20teor,Projeto%20de%20Lei&text=Alter  a%20a%20Lei%20n%C2%BA%208.078,e%20o%20tratamento%20do%20superendi  vidamento. Acesso em: 29 mar. 2024. BRASIL. Decreto nº 11.567, de 19 de junho de 2023.  Altera o Decreto nº 11.150, de 26 de julho de 2022, que regulamenta a preservação e o não  comprometimento do mínimo existencial para fins de prevenção, tratamento e conciliação de  situações de superendividamento em dívidas de consumo, nos termos do disposto na Lei nº  8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor, e dispõe sobre os  mutirões para a repactuação de dívidas para a prevenção e o tratamento do  superendividamento por dívidas de consumo. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 de  junho 2023. BRASIL. Enunciado n. 169 da III Jornada de Direito Civil. Conselho Federal de  Justiça. Disponível em: < https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/300> Acesso em 01  abr. 2024. BRASIL. Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021. Dispõe sobre o superendividamento do consumidor pessoa natural, altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro  de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969 , e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 2 jul. 2021. Disponível  em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14181.htm . Acesso em: 10  dez. 2023.

 BRASIL. Lei nº 14.431, de 3 de agosto de 2022. Altera as Leis nºs 10.820, de 17 de dezembro  de 2003, 8.213, de 24 de julho de 1991, e 8.112, de 11 de dezembro de 1990, para ampliar a  margem de crédito consignado aos empregados regidos pela Consolidação das Leis do  Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, aos segurados do  regime próprio de previdência social dos servidores públicos federais, aos servidores públicos  federais e aos segurados do Regime Geral de Previdência Social e para autorizar a realização  de empréstimos e financiamentos mediante crédito consignado para beneficiários do benefício  de prestação continuada e de programas federais de transferência de renda, a Lei nº 13.846, de 18    de junho de 2019, para dispor sobre a restituição de valores aos cofres públicos, e a Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021, para alterar procedimentos relativos à concessão do  Auxílio Inclusão Produtiva Urbana. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 4 de agosto 2022.

BRASIL. Lei nº 14.509, de 27 de dezembro de 2022. Dispõe sobre o percentual máximo  aplicado para a contratação de operações de crédito com desconto automático em folha de  pagamento por servidores públicos federais. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 27 de  dezembro. 2022.

BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e  dá outras providências. Brasília/DF: Diário Oficial da União, 1990. Disponível em:  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 05 jan. 2024.

BRASIL. Recomendação nº 125, de 24 de dezembro de 2021. Dispõe sobre os mecanismos  de prevenção e tratamento do superendividamento e a instituição de Núcleos de Conciliação e  Mediação de conflitos oriundos de 75 superendividamento, previstos na Lei n o 14.181/2021.  Brasília/DF: 2021. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original1456372022010761d854a59e2f5.pdf > Acesso em 01 abr. 2024.

 BRASIL. Senado Federal. Comissão Especial para o Projeto de Lei 3515/15 –  Superendividamento do Consumidor. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e o art. 96 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 ( Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a  prevenção e o tratamento do superendividamento. Brasília/DF: 2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1864184. Acesso  em: 29 mar. 2024.

 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 283, de 2012. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de  setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina do crédito  ao consumidor e dispor sobre a prevenção do superendividamento. Brasília/DF: 2012. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106773.  Acesso em: 29 mar. 2024.

 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 758.518 – PR (2005/0096775-4) 313060 /SP. DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO  PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO  CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico.  Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade,  cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos  direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos  éticos insertos no ordenamento jurídico. 3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to  mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as  medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda  aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do  prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade. 4.  Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o  prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos,  sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao  contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o  consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos  atos de defesa possessória diminuiria a extensão do dano.5. Violação ao princípio da boa-fé  objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela  Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento). 6. Recurso improvido. Recorrente:

Muretama Edificações E Empreendimentos Ltda. Recorrido: Sérgio Meca De Lima. Relatora:

 Min. Vasco Della Giustina, 17 de junho de 2010. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2024.

 CARLA, Joyce. O que é e como funciona a Serasa? Serasa Ensina. Disponível em:<https://www.serasa.com.br/ensina/seu-nome-limpo/como-serasa-funciona/>. Acesso em: 9  out. 2021.

 FALÊNCIA – uma nova oportunidade em sua vida. Apsan Law Offices, LLC. Disponível em:< http://www.apsanlaw.com/mlaw-383.Falencia—uma-nova-oportunidade-em-sua-vida.html>. Acesso em: 23 ago. 2021.

 FRANÇA, República Francesa. Loi n° 93-949 du 26 juillet 1993 relative au Code de la  Consommation (partie Législative). Disponível em: https:  https://www.legifrance.gouv.fr/jorf/id/JORFTEXT000000529228/. Acesso em: 25 jan. 2024

 GONÇALVES, Fábio Antunes. GARANTIA ECONÔMICA:  Lei americana consegue  preservar empresas da falência.  Consultor Jurídico. 11 jul. 2008. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-jul-11/lei_americana_preserva_empresas_falencia>. Acesso em: 23 ago. 2021.

 GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São  Paulo: Vida Nova, 2008. p. 28.

 GUGLINSKI, Vitor. Breve histórico do Direito do Consumidor e origens do Código de  Defesa do Consumidor. Meu Site Jurídico. 8 mai. 2019. Disponível em:  <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/05/08/breve-historico-direito-consumi  dor-e-origens-codigo-de-defesa-consumidor/#:~:text=Na%20Fran%C3%A7a%2C%20a%20le  gisla%C3%A7%C3%A3o%20consumerista%20%C3%A9%20vasta.&text=Criou%2Dse%20  ainda%2C%20em%201978,abusividade%20nas%20rela%C3%A7%C3%B5es%20de%20con  sumo.>. Acesso em: 23 ago. 2021.

 HISTÓRIA dos Estados Unidos (1918-1945). Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_dos_Estados_Unidos_(1918-1945)>. Acesso  em: 23 ago. 2021.

 LENZA, Pedro. Esquematizado: Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2020.  Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553619306/>. Acesso  em: 16 out. 2021.

 MARQUES, Maria Manuel Leitão; FRADE, Catarina. O endividamento dos consumidores  em Portugal: questões principais. Notas Económicas nº 14 (Actas)  . Coimbra:  Faculdade de  Economia da Universidade de Coimbra, 2000.

 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Lei do Superendividamento. Youtube, 9 nov. 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pb4ZkS_-4F0&t=3512s>. Acesso em: 23 nov. 2021.

 Renegociação de dívidas: tudo o que você precisa saber – Núcleo de acesso ao crédito. Núcleo  de acesso ao crédito, 2019. Disponível em: < https://nac.cni.com.br/blog/renegociacao-de-dividas/>. Acesso em: 9 out. 2021.

 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.  8 ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 110

 SILVA, Daniel Neves. Crise de 1929. Brasil Escola. Disponível em:  <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/crise29.htm>. Acesso em: 23 ago. 2021.

 VUONO, Natasha de. Insolvência civil vs. personal bankruptcy nos Estados Unidos. Migalhas. 11 dez. 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/316778/insolvencia-civil-vs–personal-bankruptcy-nos  -estados-unidos>. Acesso em: 23 ago. 2021.


 [1]  No  orginal:  La  situation  de  surendettement  des  personnes  physiques  est  caractérisée  par  l’impossibilité  manifeste  pour  le  débiteur  de  bonne  foi  de  faire  face  à  l’ensemble  de  ses  dettes  non professionnelles exigibles et à échoir. […]. Code de la consommation.