UMA NOVA PERSPECTIVA DA CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITO CREDITÓRIO NO ÂMBITO DA  RECUPERAÇÃO JUDICIAL 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202411250929


Caio Almeida Souza1;
Orientadora: Rita de Cassia Dias de Farias


RESUMO 

O presente artigo visa elucidar a tratativa dada, pela doutrina e jurisprudência, a  cessão fiduciária no âmbito da recuperação judicial. Previamente traz breve digressão  histórica do fenômeno da inadimplência. Em seguida, apresenta a Lei 11.101 de 2005,  também chamada LFRE, em que trata da Falência e Recuperação Judicial, sendo  este último o enfoque do artigo. Ainda, aborda a propriedade fiduciária, mencionada  no art. 49 § 3º da LFRE, revela seu funcionamento e porque pode travar a recuperação.  
A posteriori adentra no objetivo geral, que é analisar se a cessão fiduciária está sujeita  ao mecanismo de reorganização da empresa contemplado na Lei 11.101/2005. Expor,  como objetivo específico, os argumentos favoráveis à não sujeição do crédito fiduciário ao regime de recuperação, levando em conta principalmente o texto legal e  a segurança jurídica. Demonstrar, as justificativas favoráveis à empresa devedora,  como uma forma de destravar os haveres dados em garantia no contrato de cessão  fiduciária de direito creditório, alicerçados no Princípio da Manutenção da Fonte  Produtora. Ainda, apresentar uma perspectiva que dialoga com os dois entendimentos  anteriores e visa equilibrar os interesses para solucionar o conflito fortemente  judicializado. Justifica-se a relevância por ser um tema de natureza jurídica de Direito  Privado, mas que impacta o mercado como um todo. Por isso se questiona quais  aspectos devem ser considerados da propriedade fiduciária, no âmbito da  recuperação judicial, para determinar sua sujeição ou não à sistemática da  recuperação judicial. Para tanto faz uso da pesquisa bibliográfica em matérias como  legislação, doutrina, jurisprudência e artigos científicos. 

PALAVRAS-CHAVE: Recuperação Judicial; Cessão Fiduciária; Nova perspectiva.

ABSTRACT 

The present article aims to elucidate the negotiation given by the doctrine and  jurisprudence, the fiduciary assignment in the scope of judicial recovery. Previously, it  provides a brief tour of the history of the default event. It then presents Law 11,101 of  2005, also called LFRE, which deals with Bankruptcy and Judicial Recovery, the latter  being the focus of the article. Also, it addresses the fiduciary property, mentioned in  art. 49 § 3 of the LFRE, shows its operation and can be recovered. Subsequent to the  general objective, which is analyzed in the fiduciary assignment, is subordinated to the  reorganization mechanism of the company contemplated by Law 11,101 / 2005. The  specific purpose, the arguments favoring non-adherence to the fiduciary credit to the  recovery regime, the adoption of a rule of law and legal certainty. Demonstrate, as  favorable justifications for the debtor company, a way of unlocking the data promised  in any fiduciary assignment agreement of credit right, based on the Principle of  Maintaining the Producing Source. Also, present a perspective that dialogues with the  two previous understandings and aims at balancing the interests to resolve the conflict  highly judicialized. Information is justified because it is a legal issue of private law, but  it impacts the market as a whole. Why question the patrimonial situation, judicial,  judicial, judicial, judicial, district, judicial or judicial. For more information on  bibliographical consultation in legislation, legislation, jurisprudence and articles. 

KEY WORDS: Judicial Recovery; Fiduciary Assignment; New Perspective. 

INTRODUÇÃO 

A cessão fiduciária, como forma de garantia, se tornou um dos negócios  jurídicos mais usados pelas instituições financeiras. Isso se deve em razão da segurança no pagamento, tendo em vista a tratativa que o legislador lhe conferiu  através, principalmente, da Lei 4.728 de 1965 e da Lei 11.101/2005. A primeira lei  regulamenta as relações do mercado de capitais, a outra disciplina a recuperação  judicial, extrajudicial, e a falência dos empresários e sociedade empresária2.  

Previamente se faz indispensável entender como funciona a recuperação  judicial, seus efeitos, e por que a classificação da propriedade fiduciária, como não  sujeita a este seguimento, é alvo de tantas discussões judiciais e doutrinárias. Sendo  pertinente também conceituar a cessão fiduciária e exemplificar seu funcionamento. 

Adentra-se na discussão a partir do art. 66-B, especialmente no § 3º da Lei de  Mercado de Capitais, em que se regulamenta a cessão fiduciária de direitos e títulos,  como instrumento de garantia que transfere a posse direta e indireta do bem para o  credor. Isto mostra, em consequência prática, que crédito poderá ser vendido a  terceiro em caso de inadimplemento. 

 Já na Lei de Recuperação Judicial e Falência, destaca-se o art. 49 § 3º em que  se estabelece que o titular de posição fiduciária, na qual a cessão fiduciária está  inserida, como credor não sujeito ao sistema recuperacional. Deste modo, tendo a  empresa grande fluxo de contratos com os bancos, por meio de cessão fiduciária, e  estes não se sujeitam ao plano de reestruturação, podem travar todo sistema. É por  isso surge a expressão “trava bancária”. 

Assim, problematiza-se, quais aspectos devem ser considerados na trava  bancária, dentro do sistema de reestruturação judicial da empresa, tendo em vista que  há dois lados a serem apreciados, das empresas e dos bancos? Por isso, torna-se  objetivo analisar a disposição legal da não sujeição desses créditos aos efeitos da  reordenação da empresa e ainda confrontar a expressa previsão legal com as normas princípios que norteiam. 

Por tais razões, mesmo tendo natureza jurídica de Direito Privado, impacta na  esfera pública social. Justifica-se, portanto, a importância jurídica por conta dos  grandes debates entorno do tema para que se aplique a norma ou os princípios. Assim  contribui para sociedade na busca por solução ao dilema em que não ocorra uma  reação em cadeia pelo fechamento da empresa ou a falta de segurança jurídica no  mercado financeiro, sendo esta também a justificativa pessoal. 

Ademais, o presente artigo foi desenvolvido mediante a pesquisa bibliográfica,  tendo como principais fontes a legislação pátria, princípios, doutrinas, entendimentos  dos Tribunais, artigos científicos, revistas indexadas, periódicos e jornais, com objetivo  de demonstrar os argumentos usados favoravelmente e contrariamente à sujeição da trava bancária à recuperação judicial. 

Tendo ainda explanação sobre uma nova perspectiva abordada no Superior  Tribunal de Justiça e na doutrina, ainda que de forma tímida, mas bastante promissora,  com intento de equilibrar os interesses e dar melhor solução ao conflito instaurado.  

Desse modo, para se chegar ao objetivo, é imperioso discorrer sobre o nexo  entre o instituto da cessão fiduciária e o mecanismo da recuperação judicial. 

1 O CREDOR TITULAR DE POSIÇÃO FIDUCIÁRIA NÃO SE SUJEITA A  RECUPERAÇÃO JUDICIAL  

A necessidade em fazer circular o crédito é essencial para sociedade capitalista,  e para o crescimento das empresas, sendo o empréstimo bancário a forma mais  conhecida. Contudo, se os empresários e as sociedades empresárias buscam o  crédito, os bancos ao ceder um empréstimo, visam sempre a garantia da restituição  do valor cedido. 

Dentro dessa ótica, para que as instituições financeiras ofereçam crédito a juros  menores, é necessário diminuir o risco de inadimplência. É o chamado Principio da  Redução do Custo de Crédito, em que preconiza a necessidade de dar garantias,  através de normas, às instituições detentoras do capital. Assim incentiva a liberação  de recursos a custo menor e estimula a economia. Neste sentido, a cessão fiduciária  vem sendo utilizados como forma de satisfazer a pretensão de juros menores por uma  garantia maior.  

No entanto, este negócio jurídico realizado através de cessão fiduciária está  em constantes debates judiciais por conta do artigo 49 § 3º da Lei de Falência e  Recuperação Judicial Nº 11.101/2005 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos  existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. 
[…] 
§ 3 º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário  fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil,  de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos  respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou  irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de  proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu  crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e  prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as  condições contratuais, observada a legislação respectiva, não  se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se  refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do  estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a  sua atividade empresarial. (BRASIL, 2019) 

Tal dispositivo legal dimensiona quais tipos de créditos não se submetem aos  efeitos de recuperação judicial. Dentre eles, destaca-se aquele detentor da posição  de proprietário fiduciário, objeto deste estudo. 

A legislação é clara em dizer que este tipo de crédito não se sujeita a  recuperação judicial, todavia se faz necessário entender as pretensões da  recuperação judicial, bem como o que vem a ser a propriedade fiduciária, se é  sinônimo de cessão fiduciária, esclarecer melhor as ideias conflitantes atinentes ao  tema e assim pontuar as interferências entre elas.  

1.1 A recuperação judicial 

A legislação que hoje trata da recuperação judicial, como instrumento de sanear  a inadimplência, e a falência, que retira do mercado a empresa sem condições de  saneamento de falência é fruto de uma evolução histórica em busca da melhor forma  de lhe dar com o inadimplemento das obrigações pactuadas. 

A insolvência3tinha caráter apenas punitivista, o devedor inadimplente era visto  como desonesto, trapaceiro, por isso surge à nomenclatura falência, de origem do  verbo latim fallere4 que expressava exatamente estas características. 

Com passar dos anos e a evolução social, econômica, foi surgindo à necessidade de rever o conceito da falência como ato de desonestidade. Entendeu se que era intrínseca a atividade empresarial o risco do insucesso, da quebra. 

A partir disso que se verificou os feitos desastrosos que o fechamento de uma  empresa pode trazer a sociedade. Isto fez com que as legislações fossem alteradas  com intuito de salvar alguns desses agentes econômicos que geram emprego e renda,  e que movimenta à economia, ou seja, surge a concepção da função social da  empresa (CRUZ, 2018. p. 758). 

Desta forma, as crises globais, as oscilações do mercado se tornaram  frequentes, e foi necessário encarar de outra forma a falência. Buscou-se meios, não  só punitivos, mas também para sanear a crise das empresas, pois as consequências  do encerramento das atividades podiam ser mais gravosas do que a permanecia das  atividades. 

No Brasil, esse processo histórico teve início por legislações portuguesas, que  perderam espaço a partir da proclamação de Independência, onde se cresceu a sede por uma legislação nacional. 

Foi então que surgiu o Código Comercial onde havia uma parte que se dedicava  exclusivamente “das quebras”, como bem explica TEIXEIRA (2018). 

O Código Comercial de 1850, na sua Parte Terceira, tratava “Das  quebras”, arts. 797 a 911, cuja parte processual foi  regulamentada pelo Decreto n. 738/1850. Mais tarde, surgiu o Decreto n. 917/1890 derrogando as  disposições anteriores, uma vez que estas não atendiam às  condições do comércio brasileiro à época. Além disso, outras normas vigoraram sobre a matéria até o  surgimento do Decreto-lei n. 7.661/45, que foi um importante  marco para o Direito Falimentar brasileiro. (TEIXEIRA, 2018, p.  514). 

Nota-se o esforço legislativo em regular a matéria. Destas legislações,  destacam-se dois grandes marcos, antes da atual legislação, o próprio Código  Comercial, por ser o primeiro a dedicar uma parte de seu conteúdo, e o Decreto-lei  7.661/45 que regulamentava a falência e a concordata.  

O instituto da concordata anteviu a recuperação judicial, e dentre as inúmeras  diferenças entre os mecanismos, frisa-se a abrangência dos tipos de créditos que  estariam sujeitos de um ao outro. 

Dentro da concordata, apenas os créditos quirografários5 estavam obrigados a  se sujeitar ao regime, como se denota do art. 147 do Decreto-lei 7.661/456. Ao passo  que na recuperação judicial a abrangência de créditos é mais extensa. 

A concordata existia em duas modalidades, preventiva e suspensiva. A primeira  modalidade, disciplinas no art. 156 e seguintes, do diploma legal supracitado, tinha  como objetivo evitar a falência e devia ser proposta antes que algum credor pleiteasse  a falência do devedor. 

O outro mecanismo tinha ideia adversa, podia ser proposto no curso da falência,  e isto suspendia o processo falimentar, por isso seu nome, concordata suspensiva.  Era necessário o preenchimento de alguns requisitos previstos no art. 177 e seguintes,  da mesma norma. 

Acontece que o instituto começou a ser usado de forma indevida, como um  meio de protelar a falência, e muitas vezes de fraudar os credores. Acabou se  tornando ultrapassado, ainda mais com advento da Constituição Federal de 1988. 

A Carta Magna de 1988 propõe os princípios norteadores da atividade  econômica, dentre eles, ressalta-se a Livre Iniciativa e principalmente a Função Social  da Empresa. Por isso, assim como o movimento global, a legislação pátria caminhou  para a preservação da empresa e manutenção da fonte produtora. 

Neste fervor, surge a Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, já conhecida como  Lei de Recuperação de Empresa (LFRE), que revogou por completo o escrito legal  anterior. Apesar disso, o instituto da falência contínua a ser usado, com suas devidas  alterações. Já a concordata foi abolida, em ambas as modalidades, e deu espaço para  Recuperação Judicial e Extrajudicial. 

Fábio Ulhoa Coelha (2016) conceitua este mecanismo, como uma possibilidade  de superação da crise enfrentada por empresários ou sociedade empresária, uma  forma de se reorganizar. 

Já a natureza jurídica encontra divergência doutrinaria, alguns acreditam ser  de Direito Público, outros do Direito Privado, filia-se ao pensamento do professor  Jorge Lobo apud VIANA (2014) em que afirma ser a recuperação judicial “um ‘ato  complexo’, podendo ser analisada sob várias óticas, abrangendo um ato coletivo  processual, um ‘favor legal’ e uma obrigação ex lege.” 

Desta forma, sendo um ato coletivo deve ser iniciada com uma petição  inaugural, proposta pelo devedor, e precisa ser submetido à apreciação dos credores.  É um favor legal, pois a lei concede meios através dos quais visem a superação da  crise. Ainda, se diz ex lege por ser obrigações, decorrentes da lei, que vinculam tanto  o devedor quanto o credor, ao plano recuperacional.  

Além do conceito e da natureza jurídica, há outras novidades trazidas com o  favor legal da recuperação judicial, bem observadas por BORGES (2014) ao dizer que  houve uma clara expansão dos efeitos com relação a concordata, pois este apenas  abrangia os credores quirografários, enquanto aquele, inclui, além do quirografário, o  credor trabalhista, o detentor de garantia real e ainda os com privilégios especiais ou  gerais e os subordinados. 

Portanto, a não abrangência dos créditos oriundos de propriedade fiduciária,  imposta pelo art. 49 § 3º da LFRE, trazido no início deste artigo, não é uma redução  dos efeitos, trata-se na verdade de uma ampliação, em comparação ao instrumento  anterior. 

Uma das consequências da não sujeição a este plano é que não há  necessidade de submeter o crédito ao stay period, previsto no art. 6º § 4º da Lei 11.101  de 2005, em que determina a suspensão das execuções que correm contra o devedor,  pelo prazo de 180 dias, improrrogáveis. 

Ocorre que este prazo de 180 dias, apesar da sua manifesta improrrogabilidade,  o STJ pacificou entendimento7 que o decurso do prazo não retoma automaticamente  a execução. E existem entendidos que em alguns casos este prazo pode sim ser  prorrogado. 

Ademais, o art. 50 da LFRE prevê os meios em que se possa realizar a recuperação da empresa. Lembra-se que os meios ali listados são numerus apertus,  ou seja, são exemplificativos e não se esgotam no texto legal. 

Dentre eles enfatiza o inciso I, do mencionado dispositivo, em que prevê  “concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações  vencidas ou vincendas”. O que importa na renegociação da dívida.  

E, além disto, no art. 59 do mesmo diploma legal estabelece a novação dos  débitos anteriores ao pedido de recuperacional. A diferença da novação prevista no  Código Civil de 2002 para esta é que na recuperação judicial as garantias dos créditos  não são afetadas. 

Entendido o que é a recuperação judicial e seus principais efeitos, agora se faz  pertinente entender a cessão fiduciária, e porque ele interfere tanto no andamento da  recuperação judicial. 

1.2 A cessão fiduciária 

Como já dito neste artigo, a sociedade tem necessidade do crédito, de sua  circulação, que movimenta as empresas e aquece a economia. E a atividade  econômica funciona diretamente proporcional ao risco. 

Assim, quanto maior o risco a ser enfrentado, maior a insegurança, os juros e  a dificuldade de crescimento da economia. Neste sentido, surgiram institutos com  arrimo nas legislações pátrias, busca-se diminuir os riscos e dar maior fluidez ao  crédito. 

A alienação fiduciária surgiu através da Lei 4.728 de 1965, para regular o  mercado financeiro. Alterações introduzidas pela Lei nº 10.931/04 trazem à baila, no  art. 66-B § 3º do diploma regulatório de mercado de capitais, a cessão fiduciária de  direito: 

Art. 66-B Caput […] 
[…] 
§ 3º É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a  cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de  títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em  contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade  fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é  atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora  da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto  da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública  ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo  aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das  despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao  devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da  operação realizada. (Brasil, 2019) 

Retira-se pela análise do dispositivo alguns pontos importantes. Primeiro que a  alienação e cessão fiduciária não são idênticas. Apesar da mesma natureza jurídica, a diferença dos institutos se dá pelo objeto; enquanto a alienação tem objeto tangível  a cessão trata-se de direitos, bens incorpóreos. 

Isto é, a propriedade fiduciária não é sinônimo de cessão fiduciária, em verdade  aquele é tido como gênero no qual a cessão e a alienação fiduciária estão inseridas.  Outra constatação é que a posse direta e indireta é do credor, sendo esta posse  resolúvel, pois a depender do adimplemento do débito, a posse retorna ao devedor. 

Observa-se em um caso prático, a cessão fiduciária funciona da seguinte forma:  imagina-se que uma instituição financeira A cede empréstimo para empresa B, que  por sua vez, tem créditos a receber (recebíveis) com instituição, por exemplo uma  operadora de cartões de crédito. 

Os valores devidos pela operadora de cartões C serão depositados em conta  vinculada entre A e B, e em caso de mora da empresa B, a instituição financeira A  reverterá os valores ali depositados para si, a fim saldar a dívida. 

O art.18 da lei nº 9.514 de 1997 corrobora com a situação explanada, ao  assegurar expressamente que ocorre transferência de titularidade. Por isso, o contrato de cessão de direitos creditórios é conhecido também como  “trava bancária”, pois ao enfrentar a crise, a empresa necessita do maior fluxo positivo  no caixa, mas encontra dificuldade por contas dos bancos, geralmente, serem os  maiores credores destas empresas e por consequências, representam o maior volume  do passivo que não se sujeitará a recuperação judicial por ter realizado contratos de  cessão fiduciária. 

Mais bem esclarecido sobre a “trava bancária”, passa-se a construção,  doutrinaria e jurisprudencial, das teses favoráveis a esta prática, sendo estes  majoritários no atual cenário. 

2 A “TRAVA BANCÁRIA” 

Compreendido um pouco mais sobre a recuperação judicial, a cessão fiduciária  e a forma que um interfere no outro, adentra-se nos debates doutrinários sobre a  sujeição ou não da cessão fiduciária na recuperação judicial, os argumentos e as  consequências dos pontos de vistas distintos. A  

doutrina majoritária entende que, não há relativização e, conforme determinação clara  do art. 49 § 3º da LFRE, os titulares de posição fiduciária não se sujeitam a  recuperação. 

Este entendimento é seguido por Fábio Ulhoa Coelho8 que, inclusive, tece duras críticas ao deferimento da recuperação judicial sem uma análise criteriosa, ao  dizer que “por ser a sociedade brasileira como um todo que arca, em última instância,  com os custos da recuperação das empresas, é necessário que o Judiciário seja  criterioso ao definir quais merecem ser recuperadas.” 

Ou seja, é custoso se realizar a recuperação de uma empresa, que por algumas  vezes foi mal gerida. Sendo de suma relevância identificar a viabilidade desta  recuperação, o merecimento, averiguando-se fatores como o retorno que está  empresa dará a sociedade, se voltar a ser sadia. 

Além disto, apesar de ter como norteador o Princípio da Preservação da  Empresa, Letícia Menegassi Borges e Nelson Gilmar Tavelin Filho9(2014) entendem  que a recuperação não deve ser um remédio dado a todas as empresas, sendo dever  do poder judiciário ter zelo para não interferir na lógica do mercado. 

Acredita-se que diversos fatores determinaram para inclusão de tipos de  créditos que não se sujeitam a recuperação judicial. Em relação, especificamente a  cessão fiduciária, o argumento mais forte é a redução do chamado spread bancário. 

O crédito depende da relação de segurança, e se compreende que quanto  menor o risco de perda, menor será o spread. Portanto, ao fazer uso de um crédito  cedido a juros mais baixos, justamente por conta da segurança pela realização deste  de tipo de negócio, não se pode quebrar as garantias que este crédito possui. 

Este tipo de negócio é vantajoso para empresa, pois mesmo que não possua  bens para dar em garantia de um empréstimo, essa modalidade permite abonar  créditos que a empresa venha a receber, ou seja, créditos futuros, sem contar que os  juros são mais baixos. 

Da mesma forma é benéfica para as instituições financeiras, pelas garantias  concedidas para este tipo de contrato, e por ter como garantia do empréstimo o  dinheiro recebível pela empresa. Isto é, o dinheiro serve como lastro de garantia para  pagamento de empréstimo. 

Em vista disto e em nome do Princípio da Segurança Jurídica, não podem ser  alteradas as garantias que foram pactuadas ao ser fornecido o crédito, pois isso  prejudicaria a própria empresa no futuro, para realização de novos negócios bancários.  

Deve ser levado em conta que tal princípio é direito fundamental, consagrado  na Constituição Federal de 1988, no art. 5, XXXVI. 

Por isso se fala na segurança jurídico-contratual, que norteia as relações  contratuais e dão sustento ao que é firmado em comum acordo entre as partes, o que  os civilistas chamam de Pacta Sunt Servanda, ou seja, o que foi pactuado deve ser  cumprido, caso contrário, haveria um caos nas relações jurídicas que traria tanta  instabilidade e reflexamente prejudica todo sistema econômico. 

No entanto, um dos argumentos utilizados pelos que acreditam que a “trava  bancária” é ilegal, é com base na função social da empresa e do contrato, tema a ser  abordado no próximo capítulo.  

Não obstante, para aqueles que entendem pela legalidade, afirmam que a  função social não deve ser vista de forma isolada, a ser interpretada só na situação  de crise da empresa. Compreende-se de modo mais abrangente, e não um argumento  a ser utilizado apenas no momento oportuno.  

Existe a função social na celebração dos contratos, nos negócios jurídicos,  sendo preciso também observar nos benefícios que este tipo de contrato traz para as  finanças.  

Mas não é só isso, os doutrinadores que defendem o seguimento fiel da lei  exclamam que as próprias características do negócio jurídico impedem a sua  subordinação a recuperação judicial. 

Por ser o bem transferido, mesmo que em caráter resolúvel, ele adere ao  patrimônio do credor, e não teria lógica um bem que faça parte dos haveres da  entidade financeira se submeter a recuperação judicial, entendimento, inclusive,  acompanhado pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar REsp nº 1758746 / GO,  terceira turma de Relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze. 

Para além disso, esta mesma jurisprudência, expõe que os haveres não fazem parte dos chamados “bens de capital” por não ser bem corpóreo que integre o  processo produtivo da empresa, e por isso não está enquadrado como bem essencial. 

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO  DE CRÉDITO/RECEBÍVEIS. EM GARANTIA FIDUCIÁRIA A  EMPRÉSTIMO TOMADO PELA EMPRESA DEVEDORA.  RETENÇÃO DO CRÉDITO CEDIDO FIDUCIARIAMENTE PELO  JUÍZO RECUPERACIONAL, POR REPUTAR QUE O ALUDIDO  BEM É ESSENCIAL AO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA,  COMPREENDENDO-SE, REFLEXAMENTE, QUE SE  TRATARIA DE BEM DE CAPITAL, NA DICÇÃO DO § 3º, IN FINE,  DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005. IMPOSSIBILIDADE.  DEFINIÇÃO, PELO STJ, DA ABRANGÊNCIA DO TERMO “BEM DE CAPITAL”. NECESSIDADE. TRAVA BANCÁRIA  RESTABELECIDA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 
REsp 1758746 / GO, Terceira Turma. Relator Ministro Marco  Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2018. 

O pronunciamento é no sentindo de que não se pode considerar a pecúnia  como bem de capital, mesmo que seja a finalidade de pagar contas, ou qualquer outra  justificativa. 

A inferência disto é o não enquadramento na “exceção da exceção”, prevista  no final do art. 49 § 3° da LFRE em que diz que apesar da garantia fiduciária, os bens  de capital essências ao funcionamento da empresa não podem ser retirados no prazo  de suspiro, concedido pelo art. 6º § 4º do mesmo diploma legal

Por consequência, os valores devidos a título fiduciário poderão ser retidos pela  instituição bancária conforme se encontre inadimplente o devedor. E como se sabe, o  prazo do stay period, que é o tempo em que as execuções contra a empresa devedora  ficam suspenso, foi flexibilizado por decisões judiciais, torna-se ainda mais favorável  não ser considerado bem de capital essencial. 

Alguns pensamentos divergentes alegam que a lei n° 11.101 de 2005 é a “Lei  dos Bancos”, por favorecer demasiadamente as instituições financeiras com  mecanismos como o da trava bancária. 

Ocorre que tal argumento é bastante criticado pois, como já explanado, a LFRE é fruto de uma evolução histórica e um avanço em consideração com a concordata,  por sua maior abrangência.  

Ressalta-se também que, conforme seja entendido o crédito da cessão  fiduciária, impactará na assembleia geral de credores. Em linhas gerais, esta  assembleia é responsável10 pela votação do plano da recuperação judicial e tem papel  importante no seu andamento. 

Portanto, caso seja entendido que o crédito não se sujeita a recuperação  judicial, os credores de propriedade fiduciária não terão direito a participar da assembleia e tampouco direito a voto11, pois o sistema não impactará no seu crédito.  

Além disso, e conforme Tarcísio Teixeira (2018. p. 540), ao citar os economistas  Armando Castelar e Jairo Saddi, afirma que há estudos de casos, os quais comprovam  que os Estados com legislação mais protetiva aos devedores possuem taxa de juros  mais elevada, nos Estados Unidos da América.   

Isto posto, o entendimento dado a legislação recuperacional traz impacto não  só inter partes, mas afeta também a economia, direta e indiretamente, seja na taxa de  juros, ou com os créditos cedidos as empresas que consequentemente crescem,  contratam empregados e produzem mais riquezas ao País. 

Não obstante os argumentos, a maior crítica ao posicionamento favorável a  trava é devido ao grande volume de negócio que as empresas fazem com os bancos,  e hoje, comumente feito através de contratos fiduciários, o que de fato poderá aniquilar  a reorganização da empresa. 

E por isso, surgem argumentos que buscam destrancar esse mecanismo, haja  vista que as instituições financeiras poderão continuar a realizar as cobranças levando  sério risco a travar o plano recuperacional. Logo, para que as empresas tenham  maiores chances de se reestruturar, diversas alegações são usadas e serão  abordadas algumas delas a seguir. 

3 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS 

O tópico anterior discorreu sobre as consequências que a não sujeição dos  créditos fiduciários ao processo recuperacional podem trazer para empresa em crise.  Por esta razão surgem pensamentos que visam construir teses defensivas as  empresas. 

O principal argumento utilizado por esta corrente são principiológicos, dentre  outros, destaca-se o da Preservação da Empresa, e Manutenção da Fonte Produtora,  previsto expressamente no art. 47 da LFRE12

Alega-se que a “trava bancária” é atentatória a estes princípios, pois as  empresas não conseguiriam se manter, tendo sua maior fonte de arrecadação,  bloqueada. Tal alegação se baseia na crescente fonte de receita oriunda dos cartões  de crédito e débito. 

Essas informações foram obtidas em publicação da Revista Valor Econômico  em que divulga estudos feitos pela Associação Brasileira das Empresas de Cartões  de Crédito e Serviços (ABECS) 13, esta revela que as operações com cartão de crédito  no ano de 2017 chegaram a R$ 843 bilhões, com aumento de 12,4% em relação ao  ano anterior. 

Somando-se a isto, há aqueles que apliquem princípios consumeristas a  relação das empresas com as instituições financeiras, para justificar a ilegalidade das  cláusulas contratuais que estabelecem a trava. 

[…] a grande maioria das pessoas de direito privado, física ou  jurídica, que contratarem com as instituições financeiras, como  o contrato de concessão de crédito com a trava bancária, por  exemplo, serão compreendidas como consumidoras diante de  vulnerabilidade econômica, técnica e jurídica. 
Ademais, como a garantia da trava bancária é utilizada em  contratos de adesão (art. 54 do CDC), a exposição das pessoas  físicas ou jurídicas a estas cláusulas, por força legal (art. 29 do  CDC), estabelece-se a equiparação destas pessoas a  consumidores. ELFING, (2018 p. 81). 

Ou seja, por ser um contrato de adesão, e frente hipossuficiência do devedor  com a instituição financeira, estaria diante de uma relação de consumo, e por esta  razão, as cláusulas contratuais seriam abusivas e devem ser revista. 

Na prática, seria muito difícil o enquadramento da situação aqui trazida ao  direito do consumidor, mas não deixa de ser um argumento usado. Para além dos princípios outra tese levantada pelos que não concordam com a  trava, é que a cessão fiduciária se encaixa como penhor. 

Por está razão não estaria abarcado pelo § 3º do art. 49 Lei de Recuperação  de Empresa, e sim pelo § 5º14 do mesmo texto legal, relativiza a sua sujeição ao  processo. 

Este entendimento se baseia na definição de penhor, dada pelo Código Civil de  200215, e afirmar que, na verdade na cessão fiduciária ocorre apenas a transferência  da posse. E ainda, como existe também a obrigatoriedade de registro, a cessão  fiduciária seria mero penhor, sendo assim deveria ter as mesmas regras. 

Por este ângulo, VIEGAS e CHAGAS (2016) entendem que é pertinente a  consideração da cessão fiduciária como penhor, pois os expressos legais devem ser interpretados em decorrência dos Princípios da Continuidade da Atividade  Empresarial, e de sua Função Social.  

Em que pese a maior parte da doutrina e da jurisprudência entender de forma  diversa, com explanações já trazidas, são mais alegações apresentadas que  enriquecem o debate. Inclusive apresenta outro ponto da discussão, os requisitos que  validam o contrato de cessão fiduciária. 

Uma parte dos pensadores do direito empresarial acredita que o não  preenchimento desses requisitos acarreta na perca da garantia como crédito não  subordinado a processo recuperacional, neste sentido foi editado a Súmula nº 60 do  Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP)16

Nisto a discussão é ainda mais calorosa, pois os Tribunais se manifestam de  forma diversa. Existem julgados que entendem ser necessário o registro, como no  Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC)17

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça (STJ)18 vem tecendo julgados  recentes de que é dispensável o registro do contrato no cartorário do título. E nesta  mesma lógica o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG)19 se manifesta.  

Nesta percepção, o próprio TJSP, que editou a referida súmula e entendia pela  necessidade do registro, teve uma virada jurisprudêncial, como bem relatado pelo  Desembargador José Araldo da Costa Telles nos autos do Agravo de Instrumento nº  2123621-73.2018.8.26.0000, julgado pela 2ª Câmara Reservada de Direito  Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. 

Sempre entendi e decidi no sentido de que o registro do contrato  de alienação fiduciária, assim como o de cessão fiduciária, são  imprescindíveis à constituição da garantia […]. 
[…]  
No entanto, na esteira do que decidiu o Des. Ricardo Negrão no  julgamento do AI nº 2030026-54.2017.8.26.0000, alinho-me à  nova orientação traçada por esta Turma Julgadora e, com  assento nos julgados da Corte Superior a respeito do tema,  considero dispensável o registro das cédulas de crédito como  pressuposto para a constituição da garantia fiduciária […]. AI nº 2123621-73.2018.8.26.0000 SP, segunda Câmara  Reservada de Direito Empresarial, julgado em 13/08/2018. 

Observa-se que o Tribunal entendia pela necessidade do registro,  considerando a inteligência do § 1º do art. 1.361 do Código Civil20, e por está razão  editou a súmula nº 60. 

Apesar disso, não se esgota toda discussão sobre esse aspecto, e embora uma  fração das opiniões entenda pela obrigatoriedade do registro, há uma corrente de  novos entendimentos dado pela corte paulista que segue a mesma sintonia do STJ. 

Outro ponto relevante é o par conditio creditorum, em tradução literal quer dizer  credores em condição de correspondência, todavia seu alcance vai muito além. Este  fenômeno que proporciona aos credores, dentro da mesma classe de créditos,  condição de igualdade, na concorrência pelo patrimônio do devedor. É considerado o  princípio basilar da LFRE, e por tal importância foi posto em exposição separado dos  demais princípios. 

Este é mais um argumento gasto na tentativa de tornar ilegal o bloqueio feito  pelos acordos fiduciários. Deduz-se através dos ensinamentos de Cláudia Mara de  Almeida Rabelo Viegas e Neide Adriana das Chagas (2016) que os bancos gozam de  privilégios contra outros credores e que os recursos das empresas servirão apenas  pagamento de um credor, as entidades financeiras. 

Como existe dentro do sistema de reorganização da empresa, divisão dos  credores que se agrupam em decorrência da natureza do crédito, ter um credor, em  tese, obteve vantagem sobre os outros, feriria o mencionado princípio. 

Sem embargo, o par conditio creditorum é uma garantia de igualdade para os  credores dentro do mesmo grupo. Acredita-se que não macula tal garantia por ser o  proprietário fiduciário categoria de credor não sujeito a recuperação.  

Estaria ferindo o princípio se dois credores, dentro da mesma categoria,  tivessem tratamento diferenciado, se os haveres da empresa estiverem sendo revistos  para um credor e para outro não. 

É nítido que os argumentos empregados visam a garantia do funcionamento da  empresa, com a manutenção dos empregos, recolhimento de tributos, e circulação do  capital. E estas situações são levadas ao judiciário cotidianamente, o que traz  desaprovação por parte dos atuantes no direito empresarial.  

A necessidade recorrente de ir ao judiciário solucionar conflitos deixa o  processo deveras lento, ainda mais por não serem questões pacificadas. Constata-se que o assunto é demasiadamente complexo, pois os impactos  repercutem na sociedade como todo. Por isso tantas divergências doutrinarias e  jurisprudencial. E por esta razão, surge uma concepção visando o equilíbrio dos  interesses.  

4 UMA NOVA PERCEPÇÃO DA CESSÃO FIDUCIÁRIA NA RECUPERAÇÃO  JUDICIAL 

Antes de mais nada, é pertinente destacar que o processo de recuperação seja  de empresário, seja de sociedade empresária tem como essência, a união de esforços  para buscar o reerguimento da empresa. 

A firma passa a ter a figura do administrador judicial21 para fiscalizar a atuação  do gestor e garantir o andamento do processo, além de uma série de regras que  devem ser obedecidas pela empresa sob pena de convolação em falência22

Percebe-se que a recuperação judicial não é situação confortável para  nenhuma das partes envolvidas. Os credores anseiam pelo pagamento dos créditos,  e a empresa pela permanência do funcionamento de suas atividades. 

Acontece que, mesmo com todas as prospecções apresentadas, o conflito está  longe de ser pacificado pelo judiciário. No âmbito legislativo existe Projeto de Lei nº  10220/2018 que tramita no Congresso Nacional para alterar a Lei 11.101 de 2005. 

De origem do Poder Executivo com intuito, segundo o mesmo, de atualizar a  LFRE, o projeto é extenso e traz mudanças significativas23, mas ao que parece nada  que possa solucionar o embate sobre a trava bancária. 

Por tais razões, ao buscar meios para intermediar os conflitos, Luis Felipe  Salomão e Paulo Penalva Santos (2017) acreditam ter encontrado uma forma de  preservar os interesses divergentes. 

[…] embora tenha reconhecido que o crédito garantido por  cessão fiduciária não faz parte do plano de recuperação, a sua  liquidação deveria ser sindicada pelo juízo da recuperação – de  modo a não comprometer o desenvolvimento do Plano –,notadamente a partir dos seguintes critérios:  
(i) os valores deverão ser depositados em conta vincula ao Juízo  da recuperação, os quais não serão rateados para o pagamento  dos demais credores submetidos ao Plano; (ii) o credor fiduciário deverá pleitear ao Juízo o levantamento  dos valores, ocasião em que será decidida, de forma  fundamentada, sua essencialidade ou não – no todo ou em parte  – ao funcionamento da empresa; (iii) no caso de os valores depositados não se mostrarem essenciais ao funcionamento da empresa, deverá ser deferido o  levantamento em benefício do credor fiduciário. (SALOMÃO E  SANTOS, 2017, p. 228)  

Vê-se que a ideia é condicionar a retirada do valor correspondente a cessão  fiduciária ao Juízo universal da Recuperação com alguns critérios que se discorrerá a  seguir.  

Antes, é importante frisar que esta ideia não quer retirar os privilégios do crédito  fiduciário, tampouco sujeitá-lo ao plano recuperacional ou ainda ao stay period. A  inteligência deste pensamento é justamente por manter as garantias das instituições  financeiras, sem prejuízo ao princípio da segurança jurídica. 

Contundo, leva-se em consideração a súplica para que fosse considerado,  também, os norteadores da recuperação de empresa, quais sejam, a preservação da  atividade empresarial e a manutenção da fonte produtora. 

A evolução do direito tende a ser pela interpretação sistematizada do direito,  isto é, a análise da lei, dos princípios e das circunstâncias que rodeiam o caso  concreto. 

Quanto aos critérios e como base a ideia de que, o bem sendo cedido por  cessão fiduciária, ocorre uma transferência resolúvel de propriedade, os haveres não  estão vinculados ao plano, não pode ser usado para pagamento de outros credores  submetidos ao processo. 

Com isto se pretende salvaguardar os valores dos bancos, não obstante,  possibilita a fluidez das finanças para novos negócios e investimentos que podem  resgatar a empresa da crise. 

Seguindo as diretrizes e observada a segunda orientação, a pecúnia para ser  levantada deve ser submetida ao crivo judicial e a avaliação de essencialidade  daquele valor para o funcionamento da empresa. 

Acredita-se que não quis a doutrina em questão enquadrar a pecúnia como  bem de capital, pois o STJ entende que estes valores não são bem de capital e não  se enquadra na regra in fine do art. 49 § 3º da LFRE.  

O que de fato se quis mostrar é a essencialidade do bem, se a retirada desse  valor afetaria ou não o sistema da recuperação da empresa. E quem pode fazer essa  avaliação é o Juízo da Recuperação, por ter análise macro do processo. 

O ponto negativo é o atrelamento de mais decisões ao judiciário, mas, isto é  superado se for posto o panorama que a (não) sujeição, os requisitos e demais  aspectos da cessão fiduciária no âmbito da recuperação judicial já é constantemente  judicializada e não existe um entendimento uniforme, nem sequer acontece um  equilíbrio dos interesses. 

Logo que os valores não sejam essenciais ao funcionamento da empresa, e  seu levantamento não traria fortes impactos, ou travaria a recuperação, poderiam ser  efetivamente convertidos ao patrimônio do banco. 

Importante salientar que, como já dito, ocorre a transferência resolúvel da  propriedade, isto quer dizer que a propriedade esta condicionado a evento futuro e  incerto, o adimplemento da obrigação. 

Sem embargo, a empresa devedora possui a propriedade suspensa e a  expectativa que o bem retorne ao seu patrimônio, por tanto, é perfeitamente possível  a execução das orientações acima listadas, sem ferir a natureza jurídica do contrato  de cessão fiduciária de direito creditório. 

Em entendimento similar sustentado pelos professores Antônio Carlos Efing,  Guilherme Misugi e Leonardo Gureck Neto (2018) ao afirmarem que os levantamentos  dos valores efetuados pelos bancos não devem afetar por completo o funcionamento  das empresas, tendo em vista a importância da manutenção destas para garantia de  empregos e circulação do capital. 

Neste sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão nos autos  do Agravo de Instrumento Nº: 2267782-79.2018.8.26.0000 em que confirma que o  bem cedido por garantia fiduciária não se sujeita a regime da recuperação judicial, no  entanto, a análise pertinente a retirada do bem deve ser feito pelo juízo em que se  processa a reorganização da empresa. 

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, ao proferir voto  nos autos do REsp nº 1.263.500 – ES, afirma que o tratamento dado ao crédito  tributário, igualmente não sujeito a recuperação judicial 24 , deve ser aplicado aos  créditos garantidos por cessão fiduciária.   

O Ministro entende que limites dados à Fazenda Pública, com intuito de não  caracterizar expropriação da empresa e inviabilizar todo o plano de recuperação  judicial, devem ser aplicados de igual forma a contrato fiduciário, para que não sejam  levantados os valores de forma a aniquilar o processo recuperacional. 

Apesar de ser, talvez, um caminho para chegar a harmonia dos interesses a  Corte do STJ não acatou as ressalvas feitas. Não obstante, entende-se que o  operador do direito, dentro da sua atuação, poderá suscitar essa tese aos Juízes de  primeiro grau e nos Tribunais, sendo um caminho para salvar a empresa sem  prejudicar o crédito bancário. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Ao arrazoar sobre a cessão fiduciária no âmbito da recuperação judicial, chega se à conclusão de que existem diversos pontos divergentes na doutrina e  jurisprudência, pois existem vários interesses que permeiam a temática. 

Para o mercado é importante que crédito circule, para os bancos o que pesa é  a segurança do adimplemento, para empresa os juros baixos são atrativos para  investimentos. São interesses que em primeiro momento são complementares, mas  se tornam divergentes quando a empresa atravessa crise e precisa pedir recuperação  judicial. 

Uma das causas disso é o crédito cedido por cessão fiduciária que garantem  as instituições financeiras, por obediência ao art. 66-B da Lei 4.728 de 1965  combinado com art. 49 § 3º da Lei 11.101 de 2005 a chamada “trava bancária”. 

Por isso diversos argumentos são lançados na tentativa de suspender a trava.  São feitos apelos aos princípios da Manutenção da Empresa, da Preservação da  Fonte Produtora e até do Equilíbrio Contratual. Do outro lado, há quem queira manter,  e a base é na própria legislação, no princípio da Segurança Jurídica e na redução do  spread bancário ao ceder o crédito.  

Com isso surgem algumas nuances, se o contrato deve ser registrado para ser  constituído como propriedade fiduciária, ou pode ser considerado a pecúnia como  bem de capital e assim estar enquadrado como essencial e não poderia ser retirado  da empresa durante o stay period. 

Notou-se que a jurisprudência entendeu como desnecessário o registro do  contrato e ainda que não pode os haveres ser considerado bem de capital por não ser  material. 

Eis que existe uma perspectiva em que se dialoga com todos os agentes econômicos citados. Encabeçada no STJ pelo Ministro Luis Felipe Salomão em que  confirma que o crédito da cessão fiduciária não se subordina ao plano da  reorganização judicial, contudo, a retirada dos valores deve ser pleiteada ao Juízo da  Recuperação. 

Não se trata de evitar os efeitos da garantia, mas de limitar a mera deliberação  dos bancos para travar todo um processo que é custoso a toda sociedade. E a partir  da análise judicial, da essencialidade daquele valor, no todo ou em parte, será liberado  para o resgate sem prejudicar sensivelmente o estado da empresa e tudo que ela  representa para sociedade.  

Esta análise feita pelo mesmo Juiz da recuperação, garante a melhor decisão  pois este conhece as minucias do processo e poderá garantir a satisfação do crédito  e a manutenção da empresa. 

Por esses motivos a problematização aqui levantada, tem como resposta que  para este mecanismo e o andamento do processo de recuperação, devem ser  considerados todos agentes econômicos, sejam eles, as instituições financeiras, os  empresários e as sociedades empresariais, os demais credores e a sociedade no seu  todo; mais precisamente, deve-se ponderar o texto legal, com os Princípios da  Preservação da Empresa, da Manutenção da Fonte Produtora, da Função Social das  Empresas e dos Contratos e ainda a Segurança Jurídica. 

Assim, desfecha-se que a cessão fiduciária é espécie de propriedade fiduciária,  portanto se enquadra no art. 49 § 3º da Lei de Recuperação Judicial. Contudo, por  causa de todos os princípios já mencionados, a retirada deve ser analisada pelo Juízo  recuperacional. 


2Neste artigo, as menções a “empresa” entenda-se como os sujeitos passivos que podem sofrer a  recuperação judicial, conforme enquadramento disposto no art. 1º da Lei 11.101/2005, ou seja,  empresário e sociedade empresária.
3 “O estado patrimonial em que se encontra o devedor que possui o ativo inferior ao passivo é  denominado insolvência.” COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de Empresa.  São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2016. 1. ed. e-book baseado na 28 ed. impressa. pg. 172.
4Conforme tradução em https://pt.glosbe.com/la/pt/faller
5Tipo de crédito em que não se tem garantia. 
6 Art. 147. A concordata concedida obriga a todos os credores quirografários, comerciais ou civís,  admitidos ou não ao passivo, residentes no país ou fora dêle, ausentes ou embargantes.
7Vide informativo jurisprudência do STJ números 450, 466 e 467.
8COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de Empresa. 28. ed. São Paulo:  Revista dos Tribunais, 2016. 
9O negócio fiduciário na recuperação judicial. p. 227.
10Atribuições mencionadas no art. 35 da Lei 11.101 de 2005. 
11Conforme determinação do art. 39 § 1º da LFRE.
12Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise  econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos  trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua  função social e o estímulo à atividade econômica.
13 Publicação na Revista Eletrônica, endereço https://www.valor.com.br/financas/5381833/operacoes com-cartao-de-credito-crescem-em-2017-para-r-843-bilhoes acessado dia 07 de maio de 2019 as 23h.
14Art. 49. […] § 5º Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos  creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as  garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou  substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta  
15Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao
credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de
alienação.
16“A propriedade fiduciária constitui-se com o registro do instrumento no registro de títulos e  documentos do domicílio do devedor.”. 
17Neste sentido, Agravo de instrumento n. 4012419-14.2018.8.24.0000. 
18Ver Informativo nº 0578 STJ. 
19O mais recente julgamento sobre caso foi nos autos do Agravo de Instrumento nº 1.0324.17.011113- 6/001. 
20Art. 1.361. caput […]  § 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público  ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou,  em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no  certificado de registro.
21Algumas das funções do Administrador Judicial se respalda no art. 22 da LFRE.
22Conforme disciplina o art. 73 da LFRE. 
23Remete-se a leitura de ROQUE, Andre Vasconcelo. Projeto de lei e recuperação judicial: O que  vem por aí?. Revista eletrônica Migalhas, publicada no dia 15/052018.
24Vide art. 57 da LFRE combinado com art. 187 do Código Tributário Nacional.


REFERÊNCIA 

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1Graduado em Direito pela Faculdade Anísio Teixeira, especialista em Direito  Tributária pelo Universidade Cândido Mendes