SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO: A NEGLIGÊNCIA COM OS DIREITOS HUMANOS E AS FALHAS CONGÊNITAS DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM: NEGLECT OF HUMAN RIGHTS AND THE CONGENITAL FLAWS OF THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411250718


Kauana Paula Gonzaga Cruz1
Vinicius Fontoura Batista1
Weliton do Nascimento Alexandre2


RESUMO: O presente artigo aborda os sérios problemas enfrentados pelo sistema carcerário brasileiro, destacando sua ineficiência, superlotação e as violações recorrentes dos direitos humanos. Propõe uma análise das falhas do sistema penal, evidenciando a negligência com os direitos fundamentais dos detentos, e discute a importância da justiça restaurativa como uma possível solução. O artigo também examina a realidade atual das prisões no Brasil, enfatizando a necessidade de garantir a dignidade da pessoa humana, conforme estipulado na Lei de Execução Penal nº 7.210/1984. Apesar das garantias legais, os presídios oferecem condições desumanas, caracterizadas por superlotação, falta de assistência médica e precariedade alimentar, o que resulta em graves consequências para a saúde dos apenados e dos funcionários. Por fim, a revisão da legislação e a análise de casos concretos visam contribuir para o debate sobre a reforma do sistema carcerário e a promoção dos direitos humanos.

Palavras-chaves: Direito. Sistema Carcerário brasileiro. Superlotação. Legislação.

ABSTRACT: This article addresses the serious problems faced by the Brazilian prison system, highlighting its system, highlighting its inefficiency, overcrowding and recurring human rights violations. It proposes an analysis of the failings of the penal system, highlighting its neglect of the fundamental rights of inmates, and discusses the importance of restorative justice as a possible solution. The article also examines the current reality of prisons in Brazil, emphasizing the need to the need to guarantee the dignity of the human person, as stipulated in the Penal Execution Law No. 7.210/1984. Despite the legal guarantees, prisons offer inhumane conditions, characterized by overcrowding, lack of medical care and precarious food medical care and precarious food, which results in serious consequences for the consequences for the health of prisoners and staff. Finally, a review of the legislation and the analysis of specific cases are intended to contribute to the debate reform of the prison system and the promotion of human rights.

Keywords: Law. Brazilian prison system. Overcrowding. Legislation.

1. INTRODUÇÃO

O Brasil tem, em sua trajetória histórica, uma série de problemas sociais que se mostram muitas vezes insolúveis, dado a perenidade e as implicações sociais que acarretam.

O sistema carcerário brasileiro é alvo de críticas recorrentes devido à sua ineficiência, superlotação, violência e violações dos direitos humanos. Este trabalho propõe uma análise aprofundada das falhas do sistema penal brasileiro, destacando a negligência com os direitos humanos e as deficiências do sistema de justiça.

Bem como as medidas adotadas por esses países para solucionar o problema, com foco na justiça restaurativa. Considerando que as pessoas privadas de liberdade devem manter seus direitos fundamentais e sua dignidade, a superlotação das prisões acarreta uma série de violações de direitos humanos, tanto para os detentos quanto para os funcionários.

Será abordada neste artigo a atual realidade do sistema prisional brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Destacando-se a Lei de Execução Penal n° 7.210/19843 , que garante ao preso e ao internado a devida assistência e outras garantias legais. No entanto, ao contrário do que estabelece a lei, os presídios atualmente proporcionam um ambiente degradante e desumano ao preso, tendo em vista, a superlotação, a ausência de assistência médica, a precariedade na alimentação e a falta de higiene que desencadeiam diversas doenças. O declínio do sistema prisional brasileiro atinge não somente os apenados, mas também as pessoas que estão em contato com essa realidade carcerária de forma direta ou indireta. Por meio da revisão da legislação vigente e da análise de casos concretos, busca-se contribuir para o debate sobre a reforma do sistema carcerário e a promoção dos direitos humanos.

1.1 Contextualização do sistema carcerário brasileiro

A história do sistema carcerário brasileiro é marcada por uma complexa rede de fatores sociais, econômicos, políticos e culturais que moldaram sua estrutura e funcionamento ao longo do tempo. Desde a colonização, onde a penalização era muitas vezes violenta e voltada para a manutenção do controle social, até os dias atuais, o sistema prisional tem refletido e amplificado as desigualdades sociais e as injustiças presentes na sociedade brasileira.

O sistema penal3 no Brasil teve suas bases durante o período colonial, seguindo3 influências de modelos europeus. Com a chegada da República, em 1889, houve uma tentativa de modernização das estruturas penais, mas as reformas não resultaram em mudanças significativas nas condições das prisões. No século XX, especialmente durante a ditadura militar (1964-1985), a repressão e as violações de direitos humanos se tornaram ainda mais evidentes, resultando em práticas de tortura e encarceramento em massa, muitas vezes sem o devido processo legal.

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, houve uma nova perspectiva em relação aos direitos dos presos, com a garantia da dignidade humana como um dos princípios fundamentais. A Lei de Execução Penal n° 7.210/1984 estabeleceu normas sobre a execução penal e os direitos dos apenados, oferecendo uma esperança de que o sistema prisional pudesse ser reorganizado e humanizado.

O sistema carcerário brasileiro passou por várias mudanças ao longo de sua história, influenciado pelas políticas em vigor que estabelecem normas, direitos e deveres. Esses princípios formam a base do ordenamento jurídico, considerando que se trata da vida de um ser humano que cometeu um delito. Um dos pilares da aplicação das penas no Brasil é disposto no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, que afirma: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Essa disposição reforça que a pena deve se limitar ao indivíduo que a cometeu, sem provocar um impacto desproporcional sobre a sua dignidade.

Além disso, as penas impostas também geram efeitos secundários, particularmente no que tange ao impacto sobre os dependentes do condenado, que podem ter acesso a assistência social, como o auxílio-reclusão e descontos na remuneração do apenado. Essa perspectiva reflete que os princípios que regem a aplicação da pena são cruciais para que ela cumpra sua finalidade principal sem desumanizar o indivíduo afetado.

A realidade do sistema prisional no Brasil, no entanto, é alarmante. O especialista Senna (2008) critica duramente as condições encontradas nas penitenciárias, afirmando que “nós temos depósitos humanos, escolas de crime e fábricas de rebeliões”. É inegável que não podemos ignorar essa realidade, pois o Brasil abriga um dos maiores sistemas prisionais do mundo e enfrenta críticas severas em relação às condições inumanas e cruéis nas quais as penas são cumpridas. As condições sanitárias nos presídios são, em muitos casos, deploráveis, e a execução da pena frequentemente se aproxima da barbárie.

A moderna doutrina penitenciária sustenta que, mesmo após serem condenados, os indivíduos ainda possuem todos os direitos que não são afetados pela perda de liberdade imposta pela decisão judicial. Tal entendimento sublinha a importância de garantir a dignidade do ser humano, mesmo no contexto da privação de liberdade, refletindo um comprometimento com os direitos fundamentais estabelecidos em nossa Constituição e em tratados internacionais de direitos humanos.

1.2 Superlotação e condições carcerárias

Entretanto, ao longo das últimas décadas, o Brasil experimentou uma explosão populacional nas prisões, resultado de políticas de segurança pública que priorizaram o encarceramento em vez da ressocialização. Dados do Departamento Penitenciário Nacional apontam que a taxa de ocupação nas penitenciárias brasileiras frequentemente ultrapassa os 200%, com algumas unidades apresentando índices ainda mais alarmantes. Essa superlotação resulta em condições desumanas, com celas que muitas vezes abrigam o dobro ou o triplo do número de detentos permitido.

As consequências da superlotação são devastadoras. Os presídios estão repletos de problemas como falta de acesso a serviços de saúde, alimentação inadequada, e condições higiênicas precárias. Essas questões não apenas afetem a saúde e o bem-estar dos detentos, mas também criam um ambiente propício à violência, tanto entre os internos quanto contra os agentes penitenciários.

Essas questões estruturais representam obstáculos significativos para a ressocialização e a segurança tanto dos detentos quanto dos funcionários das unidades prisionais.

A superlotação da população carcerária no Brasil tornou-se um problema congênito no país. O excesso de aprisionamento envolve políticas públicas de aspectos socioeconômicos, raciais e educacionais, no qual, deverá ser reformulado sua manutenção a princípio no âmbito do poder Legislativo, seguindo ao Executivo e refletindo então no Judiciário.

Entretanto, enquanto a manutenção não ocorre, as penitenciárias são obrigadas a determinar suas próprias providências, uma vez que, a superlotação ocasiona crises e rebeliões, constante violação aos direitos humanos e dificuldade na reinserção dos indivíduos na sociedade.

Como exemplo, a Casa de Detenção de São Paulo – Carandiru – possuía uma estrutura moderna que visava separar os detentos conforme a natureza de delitos. Uma medida excepcionalmente inteligente, visto que, não daria aos presos a possibilidade de conviver com aqueles que praticaram outros crimes, bem como, não serem influenciados por estes, sendo uma medida singela para o início de uma ressocialização. 

No Brasil, tem havido uma grave e contínua violação dos direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade, quando condenadas, só deveriam perder o direito à liberdade de mobilidade e não a sua dignidade ou direitos essenciais, como saúde, educação, alimentação, para citar apenas o mínimo. O grave estado das prisões, bem como a entrada contínua de pessoas em presídios, significa que o problema só se agrava, transformando o procedimento penal em um círculo vicioso, portanto, o processo criminal faz parte do problema e não da solução. 

Os Estados têm o dever de respeitar, promover, proteger, garantir e executar os direitos humanos, embora o Brasil, promova e garanta-os assinando tratados internacionais, mas não os estão respeitando, protegendo ou executando menos, não protegem porque não estão impedindo o abuso dos direitos humanos. A vulnerabilidade dos direitos humanos nas prisões é um fato conhecido, e não sendo ruim o suficiente, eles estão cientes do descumprimento reiterado das leis de proteção a esses direitos. 

Adicionado à superlotação, outro problema grave existente nas prisões é a falta de investimento para restaurar os centros penitenciários, que apresentam sérias deficiências estruturais, como a falta de banheiros, ventilação e luz natural, falta de camas, entre muitas outras; todas essas deficiências estruturais são formas de tratamento cruel que violam o direito à integridade pessoal do detento. 

1.3 Direitos Humanos e dignidade das pessoas privadas de liberdade

Apesar das garantias constitucionais e da legislação específica, as violações dos direitos humanos dentro do sistema carcerário são uma realidade persistente. O tratamento que os presos recebem nas penitenciárias muitas vezes vai de encontro ao que é preconizado pela lei. Relatórios de ONGs e organismos internacionais têm documentado frequentemente casos de tortura, maus-tratos e abusos, que contribuem para a degradação da dignidade dos apenados.

O sistema penal é frequentemente apresentado como uma instituição voltada para a promoção de avanços sociais, com a missão de reabilitar indivíduos que cometeram infrações. Contudo, essa imagem idealizada não corresponde à realidade enfrentada nas prisões brasileiras. Raramente, os estabelecimentos penais conseguem atingir os objetivos de ressocialização que proclamam em seus discursos. Essa falha contribui para a dificuldade de reintegração dos ex-detentos na sociedade após cumprirem suas penas.

Outro aspecto preocupante é a falta de separação entre os detentos de acordo com a gravidade de seus crimes, o que contraria o que está previsto na Constituição Federal de 1988. Na prática, isso significa que um infrator que cometeu um delito menor pode ser colocado na mesma cela que um criminoso de alta periculosidade. Essa mistura não apenas aumenta o risco para aqueles que estão apenas tentando se reintegrar à sociedade, mas também contribui para um ambiente de constante tensão e conflito. Essa prática acaba por potencializar a marginalização dos indivíduos, reforçando estigmas e comportamentos criminosos que deveriam ser atenuados.

Esse fenômeno pode ser descrito como uma “eficácia inversa” do sistema prisional: o que deveria servir para a reabilitação e reintegração acaba, em muitos casos, perpetuando o ciclo da criminalidade. Os detentos, privados de atividades significativas e submetidos a condições desumanas, desenvolvem, muitas vezes, uma mentalidade que pode facilitar a perpetuação do crime, seja durante o encarceramento ou após a saída da prisão. A ociosidade e a falta de estímulos positivos podem agravar esses comportamentos, levando a uma preparação mental para agir de maneira criminosa em liberdade.

Além disso, dentro e fora das penitenciárias, a realidade é marcada pela arbitrariedade e pelos abusos de poder, que se manifestam tanto na atuação policial quanto na morosidade da Justiça em processar as solicitações e denúncias feitas pelos presos. A precariedade do sistema é evidente, manifestando-se em casos extremos como o abandono de presos em prisão preventiva, que acontecem com alarmante frequência. Essa situação não apenas revela o descaso que permeia o sistema penal, mas também destaca a fragilidade das garantias constitucionais que deveriam proteger os indivíduos durante todo o processo judicial.

Vários estabelecimentos prisionais operam em condições insatisfatórias, afastados do que seria desejável segundo as normas vigentes, o que impede que cumpram efetivamente as diretrizes estabelecidas no artigo 1º da Lei de Execuções Penais, que busca tanto a humanização quanto a aplicação da pena. A escassez de vagas de trabalho para os detentos em regime fechado também revela um desrespeito à referida lei, já que o artigo 126 estabelece que o condenado que está cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto tem direito a reduzir sua pena em um dia a cada três dias trabalhados.

Os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade têm sido objeto de debate há muito tempo, assim, em 1992, o Comitê de Direitos Humanos, em sua observação geral nº 21, estabeleceu que o respeito à dignidade das pessoas privadas deve ser garantido nas mesmas condições que os de pessoas livres.

De acordo com Flávio Rodrigo Masson Carvalho, os Direitos Humanos consistem em direitos fundamentais essenciais para que o ser humano possa participar de maneira plena na vida em sociedade. Esses direitos visam proteger os indivíduos de injustiças, atos arbitrários, autoritarismo e abusos de poder, podendo ser compreendidos como um “conjunto de regras pelas quais o Estado e todos os cidadãos a ele pertencentes devem respeitar e obedecer” (Masson Carvalho, 2016).

Complementando essa perspectiva, Nestor Sampaio Penteado Filho (2006) descreve os direitos humanos como um conjunto de garantias e prerrogativas inerentes ao ser humano, cuja finalidade é assegurar o respeito à dignidade da pessoa, salvaguardando-a contra os excessos do Estado.

1.4 Tortura e Direitos Humanos no sistema prisional

No contexto do Estado de coisas inconstitucionais, em que os Direitos Fundamentais dos detentos são sistematicamente desrespeitados, tanto o Brasil quanto o Chile enfrentam uma realidade alarmante de inconstitucionalidade, caracterizada pela superlotação em suas instituições penitenciárias e pelos diversos problemas que emergem a partir dessa condição crítica. A superlotação gera uma série de consequências nefastas que afetam não apenas as condições de vida dos presos, mas também o funcionamento do sistema de justiça como um todo. 

A superlotação nas prisões representa uma violação direta ao direito à dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º da Constituição Brasileira e em normas internacionais de direitos humanos. Essa condição desumana transforma as prisões em ambientes de sofrimento, onde os direitos básicos, como o acesso à saúde, à alimentação adequada e à segurança física, são frequentemente ignorados.

A ineficácia do sistema penal, que deveria ser responsável pela ressocialização dos indivíduos. A realidade das prisões, marcada por ambientes hostis e falta de recursos, resulta em um aumento significativo da reincidência criminal. Ao invés de promover a reintegração social, as penitenciárias muitas vezes se tornam verdadeiras “escolas do crime”, perpetuando o ciclo de violência e marginalização. Essa perspectiva é corroborada por diversas pesquisas que apontam para uma correlação entre as condições carcerárias e os altos índices de reincidência entre os detentos.

Por fim, a ausência de um controle efetivo por parte do Estado em relação às condições prisionais. A falta de fiscalização e a impunidade em relação a abusos cometidos dentro do sistema penitenciário são questões que agravam a situação já caótica nas prisões. O Estado, que deveria garantir os direitos dos detentos e a legalidade das práticas internas, muitas vezes se omite, permitindo que a inconstitucionalidade se perpetue. Essa conjuntura revela a necessidade urgente de uma reforma no sistema carcerário, a fim de que se promova não apenas a legalidade, mas também a efetiva proteção dos direitos humanos.

A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu diretrizes fundamentais para a implementação de programas de justiça restaurativa no contexto penal. Essas diretrizes estipulam que tais programas devem ser empregados apenas quando houver evidências suficientes para corroborar a culpa do infrator, respeitando sempre o consentimento livre e voluntário tanto da vítima quanto do acusado. Além disso, é imperativo que ambas as partes concordem com os fatos essenciais relacionados ao caso.

Para garantir a equidade e a justiça durante o processo, a ONU recomenda a presença de salvaguardas processuais que assegurem um equilíbrio entre o infrator e a vítima. Isso inclui a necessidade de que ambas as partes tenham acesso a representação legal adequada. Em situações onde a comunicação possa ser um obstáculo, a disponibilização de serviços de tradução ou interpretação também é considerada essencial, garantindo que todos compreendam o procedimento e possam participar dele de forma efetiva.

Além disso, é crucial mencionar que a tortura é explicitamente condenada pela ONU. O artigo 1º da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, define tortura como:

Para fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram (Brasil, 1991).

Essas normas da ONU não apenas estabelecem padrões para a justiça restaurativa, mas também refletem um compromisso maior com os direitos humanos e a integridade pessoal, fundamentais em qualquer sistema de justiça que aspire a ser equitativo e eficaz. A adoção dessas diretrizes por Estados e instituições é vital para garantir que o processo legal não apenas trate da punição, mas também da reparação e reintegração, promovendo um sistema mais humano e justo.

A superlotação nas instituições penitenciárias é uma questão crítica que gera constantes tensões entre os detentos e propicia um aumento dos níveis de violência no ambiente carcerário. Essa condição de superlotação não apenas inviabiliza a oferta de condições mínimas de habitabilidade, como também facilita a propagação de doenças infecciosas, criando um ambiente propenso a situações de emergência e riscos de saúde.

Além disso, a superlotação limita significativamente o acesso de presidiários a oportunidades de educação, formação e trabalho, fatores essenciais para a reinserção social. Em ambientes tão apertados e conturbados, a corrupção muitas vezes se torna uma prática recorrente, transformando-se em um obstáculo para o cumprimento dos objetivos da pena restritiva de liberdade, que é a reabilitação e não a mera punição.

Os indivíduos sob custódia são especialmente vulneráveis devido ao desequilíbrio de poder introduzido pela própria estrutura da detenção. Essa vulnerabilidade não apenas torna os prisioneiros suscetíveis a abusos e maus-tratos, mas também cria um ambiente em que práticas como a tortura podem ocorrer com mais facilidade. No espaço carcerário, o preso é frequentemente colocado sob a supervisão de agentes que podem abusar de sua autoridade, deixando o detento sem chance real de defesa ou proteção.

A tortura é uma prática que deve ser categoricamente rejeitada, independentemente das circunstâncias em que ocorre. Nem mesmo situações de guerra, ameaças à segurança ou emergências públicas podem justificar o uso dessa prática inaceitável. O direito internacional categoricamente proíbe a tortura, reconhecendo-a como uma das mais graves violências contra os direitos humanos. Portanto, é crucial que as discussões sobre o sistema penal incluam a condenação e o enfrentamento da tortura, reconhecendo sua gravidade e as implicações devastadoras que ela traz não apenas para as vítimas diretas, mas para o tecido social como um todo.

Paulo Sette dá as diretrizes para a solução dos problemas no sistema prisional: 

Exige esforço conjunto e ações articuladas entre os diversos níveis de governo e sociedade. Requer alterações legais, como a independência do Executivo na gestão penitenciária, mantendo a supervisão da Justiça e a fiscalização do Ministério Público; passa pela tipificação criminal da conduta da fuga dos presos e a sanção disciplinar para a posse e o uso de telefone celular, arma ou objeto de uso proibido por interno; implica o estabelecimento de critérios objetivos para a conquista gradual de direitos (trabalho, visita íntimas, etc.) dos reclusos; passa pela aceleração da tramitação dos processos com réus presos; pela parceria de empresas para uso dessa mão de obra; pela formação de profissionais especializados em administração e controle prisionais (Sette, 2007, p. 64).

Combater a tortura e promover a dignidade humana nas prisões são passos essenciais para assegurar que o sistema de justiça cumpra sua função de reabilitar e reintegrar os indivíduos à sociedade.

1.5 Reincidência penal

A Corte Interamericana dos Direitos Humanos e a Organização das Nações Unidas estabeleceram padrões mínimos para o tratamento dos internos e indicaram que os Estados devem começar a realizar ações destinadas a proteger os reclusos, mas eles também devem melhorar o atual status estrutural e social dentro das prisões. 

O Brasil apresenta casos de violações que se assemelham à tortura, os abusos cometidos no cárcere claramente levam o detento além de sua dignidade. Ademais, os presos não encontram proteção no Estado, que deveria ser o fiador de seus direitos, e não o financiamento de seu sofrimento. A superlotação é composta também de pessoas que aguardam julgamento, pessoas que não foram confrontadas com a justiça permanecem por anos à espera dos julgamentos, nas mesmas condições precárias dos já condenados. 

Tal fato reforça a importância da justiça restaurativa como filtro do sistema carcerário e auxiliar na solução do grave problema do sistema punitivo, ferramenta útil para frear a lotação dos presídios, e como mecanismo de ressocialização do condenado, para que ele possa ser reinserido na sociedade após o cumprimento da pena, cumprindo assim os propósitos ressocialização e reabilitação do cárcere. Infelizmente, a prisão não tem cumprido seu papel de reabilitação. 

É válido salientar que o sistema carcerário não foi criado apenas para punir um infrator da lei, bem como, não tem a intenção de criar prejuízo ao detento, e sim, é uma maneira de reintegrar, “recompor” o detento novamente a sociedade.

Existem vários meios de ressocialização, o trabalho social conta com formas do detento mostrar serviço, se ressocializando na sociedade, uma forma de debelar o ócio, contribuindo para a formação do próprio, permitindo até uma forma de renda para auxílio nas despesas. Com isso o Estado iria economizar com gastos, diminuindo despesas com os condenados, já que estaria recebendo auxílio para com suas despesas.

Com relação a inserção de políticas públicas como a LEP (Lei de Execução penal nº 7.210/84), a falta de execução reflete grandiosamente os acontecidos no sistema prisional e no desastre do Carandiru, pois a esta tem o objetivo de ampliar a visão do governo sobre as penitenciárias, não sendo somente para execução penal, mas resguardando as garantias fundamentais e reduzindo as desigualdades sociais

Com relação à criminalidade, a LEP adota a possibilidade de substituição das longas penas privativas, por penas restritivas de direito ou de multa. No âmbito carcerário, auxilia na melhoria de políticas impostas pelo poder público, tanto para detentos como funcionários.

Porém a maior dificuldade encontrada entre o ex-detento, é a reinserção na sociedade, pois há estigma da condenação que este recebeu, porque para muitos ainda existe uma grande barreira, pois muitas vezes há receio quanto o caráter, falta de formação, profissionalização, fazendo sua relocação ser quase impossível.

Em estudo, a Dra. Hilda Clotilde Penteado Morana analisou (2003, p. 6) que Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R – (Psychopathy Checklist Revised – em população forense brasileira):

No Brasil o DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional – (2003), considera que 82% é reincidência criminal para o Brasil. A reincidência criminal na cidade de São Paulo é de 58%, ou seja, a cada dois presos que saem da cadeia, um retorna. (Morana, 2003, p. 6)

O método de execução da pena no Brasil e a ressocialização é insuficiente. Além do mais, a realidade das penitenciárias brasileiras e as condições em que os detentos são expostos, geram um ambiente precário que contribui para a reinserção da população carcerária ao crime. 

De acordo com artigo 1° da Lei de Execução Penal “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Nota-se que o sistema penal do Brasil não cumpre com o objetivo.

Conforme a LEP, um dos propósitos do cumprimento da pena é a ressocialização, que busca a reintegração do detento na sociedade, para que ele possa conviver com a população, se sustentando através de seu trabalho, sem cometer ilegalidades:

A liberação do preso para a progressão do regime penitenciário, como também para os benefícios, tais quais: indulto, comutação de pena e outros, depende da atuação das COMISSÕES TÉCNICAS DE CLASSIFICAÇÃO (CTC) que têm como objetivo avaliar o grau de periculosidade e de readaptação a vida em comunidade. Liberar tais sujeitos para a sociedade, mesmo que de forma progressiva, é medida de extrema responsabilidade. As CTC não são devidamente treinadas e não dispõem de instrumentos para tal procedimento. Na prática, as CTC acabam por realizar os pretensos exames criminológicos para a concessão de benefícios (Morana, 2003, p. 6)

Lamentavelmente, de acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no ano de 2014, o índice de reincidência no Brasil foi de 70%. Dessa maneira, nota-se que a ressocialização da população carcerária brasileira está sendo insuficiente, não cumprindo a sua função expressa no art. 1° da Lei de Execução Penal.

Adiante, outra questão que dificulta a ressocialização é a baixa oferta de demanda e trabalho, pois é um meio de apoio e suporte ao recluso quando este cumprir sua pena e for liberto. Pode-se notar que há ciclo vicioso no processo de ressocialização, sendo que, a maioria dos ex-detentos voltam a praticar delitos, e acabam voltando às penitenciárias, e dessa maneira ocorre uma contribuição para a superlotação.

O processo de cumprir a pena, vai muito além de apenas reclusão à liberdade, a mesma serve como caminho para uma ressocialização, que busca proporcionar, trabalho, e a reeducação dos detentos afim de mantê-los ocupados e prover reabilitação e reintegração deles na sociedade com o objetivo de pôr fim a reincidência.

A ressocialização tem que ser tratada como um dos principais objetivos do cumprimento penal, pois um tratamento digno e a educação do recluso irá lhe garantir uma vida fora da prisão, e a não retornar para a vida do crime. 

Seguindo essa linha de raciocínio, deve-se contar com a liderança dos governantes em adotar políticas públicas onde fossem viáveis o estudo e qualificação dos detentos dentro do presídio, trazendo assim uma vida digna quando for liberto. E com essas propostas adotadas, pode-se evitar grandes danos e consequências como o massacre na Casa de Detenção do Carandiru, colocando o caráter ressocializador da LEP em prática.

Portanto, a ressocialização mostra que sim, o detento tem um motivo, através de um bom caminho de se reintegrar na sociedade, ao invés da violência, trazendo educação no lugar da aglomeração, deixando estes instruídos para, não prosseguir a vida criminosa e voltando a ter um contexto formal para sua vida, isso tudo depende do trabalho do Estado, onde haja interesse no estudo e na inserção de políticas públicas efetivas para a ressocialização destes condenados, fazendo os mesmos cumprir suas penas, apenas dentro do cárcere e não para o restante da vida.

Um dos maiores problemas que vem a prejudicar a ressocialização dos brasileiros é a superlotação e a ausência de assistência social, psicológica e material. Outro problema que agrava a ressocialização é o fato da reinserção ser dificultosa,  pois se o ex-detento é impossibilitado de se reinserir na sociedade e não tem como ter dinheiro para a sua subsistência e de sua família, o mesmo continuará vendo que o crime é o meio mais fácil de conseguir o que quer e sendo assim continuará havendo a reincidência do mesmo ao mundo dos crimes.

É indubitável que a superlotação é uma problemática que vigora nos dias atuais e tende a permanecer se os ocasionadores mencionados não forem remediados, uma vez que não se trata apenas de uma lacuna no controle prisional, mas da junção de diversos fatores que estão interligados entre si e, consequentemente, tornam-se contribuintes para que a falha sistêmica e estrutural se acople ao retrocesso.

Há grande controvérsia entre o direito positivo e sua aplicabilidade, considerando que a morosidade do sistema judiciário e a inoperância do poder público divergem do nosso fundamento basilar constitucional que tutela a dignidade da pessoa humana. Assim, a junção de encarcerados que integram a superlotação é um instrumento motivacional para que os indivíduos se desvinculem da ressocialização, em decorrência da inviabilidade de conceder convivência igualitária entre detentos que divergem de estágios, considerando que a abordagem é referente encarcerados que cumprem pena, que já cumpriram ou que nem foram julgados ainda. Desse modo, o convívio num ambiente violento com adjeção de pessoas que cometeram delitos diversos afeta prejudicialmente a sociedade como um todo, considerando que a vivência prisional tornar-se-á um refletor em sua reinserção no convívio social. A deficiência neste controle produz delinquentes mais perigosos e as condições proporcionadas durante este período refletem na incidência.

O reincidismo, ou reicidivismo, é um fenômeno complexo e multifacetado que tem sido objeto de estudo em diversas disciplinas, incluindo criminologia, psicologia, sociologia e ciência jurídica. Refere-se à tendência de indivíduos que cometeram crimes no passado a voltarem a se envolver em atividades criminosas após serem processados, condenados e, muitas vezes, depois de cumprir uma pena ou medida corretiva.

Vários fatores contribuem para a ocorrência de reincidência, e as teorias que tentam explicá-la são variadas. Uma das teorias mais influentes é a Teoria Econômica do Crime, proposta por Becker em 1968, que sugere que os indivíduos cometem crimes após pesar os benefícios potenciais em relação aos custos esperados. Essa teoria implica que a reincidência pode ser influenciada pela percepção dos infratores sobre as consequências de suas ações.

Outra abordagem importante é a Teoria do Controle Social, desenvolvida por Gottfredson e Hirschi em 1990, que argumenta que a falta de autocontrole é um fator chave para o comportamento criminoso e, consequentemente, para a reincidência. Indivíduos com baixo autocontrole são mais propensos a se envolverem repetidamente em atividades criminosas.

Além disso, estudos sobre a relação entre idade e crime, como os de Farrington em 1986, mostram que o envolvimento em atividades criminosas tende a diminuir à medida que as pessoas envelhecem. No entanto, mesmo entre os mais jovens, existem variações significativas na probabilidade de reincidência.

A Teoria dos Pontos de Virada, proposta por Sampson e Laub em 1993, sugere que eventos significativos na vida de um indivíduo, como o casamento, a obtenção de um emprego estável ou a participação em programas de reabilitação, podem alterar suas trajetórias criminais e influenciar a probabilidade de reincidência.

Além das abordagens teóricas, estudos também examinam fatores psicológicos, sociais e contextuais que podem influenciar a probabilidade de reincidência, como traços de personalidade, problemas emocionais, influência do ambiente social e acesso a oportunidades legítimas. Uma vez que, com profundo horror e desgosto, pode-se afirmar que a Justiça Brasileira, especialmente a área criminal, possui cores e valores, o que vai contra o que deveria, em teoria, ser aplicado sem distinções para além das individualizações de crimes.

Em resumo, o reincidismo é um fenômeno complexo influenciado por uma variedade de fatores individuais, sociais e contextuais. Compreender suas causas e determinantes é crucial para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e intervenção destinadas a reduzir a reincidência e promover a reintegração bem-sucedida de ex-infratores na sociedade.

Oportunamente, existem outras teorias e fatores que influenciam a reincidência, como a influência do contexto social, fatores psicológicos individuais, a disponibilidade de redes de apoio e oportunidades legítimas. Compreender esses fatores e como eles interagem é fundamental para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e intervenção destinadas a reduzir a reincidência e promover a reintegração bem-sucedida de ex-infratores na sociedade.

Apesar da LEP, o sistema carcerário brasileiro enfrenta diversos desafios, incluindo superlotação, condições precárias e violações dos direitos humanos. A superlotação é um problema crônico, com ocupação média de 189,7% em 2022. , o sistema prisional, por consequência de sua realidade, acaba acarretando a reincidência dos presos, porém, se os mesmos fossem tratados com dignidade, ambos iriam se reintegrar de forma adequada na sociedade com base na garantia constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana, atingindo assim os objetivos do sistema prisional. 

Em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, este previsto no artigo 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 19884 , enfatiza que todos devem ser tratados de maneira igualitária e de forma digna, conforme dispõe a lei. Entretanto, muitos apenados acabam esquecidos nos presídios, em virtude do abandono familiar, não tendo assim, um alicerce. E como já vivem em um ambiente, no qual o tratamento é desumano e ainda sem ajuda da família, acabam estes muitas vezes se tornando pessoas piores do que já eram antes mesmo de estarem presos. Por isso, a importância da ressocialização do preso.

O sistema carcerário no Brasil está precisando cumprir a legalidade, pois a precariedade e as condições subumanas que os detentos vivem atualmente são assuntos delicados. Tendo em vista, que os presídios se tornaram grandes e aglomerados depósitos de pessoas, tem-se que a superlotação, a falta de assistência médica e até mesmo higiene pessoal, acarretam doenças graves e incuráveis, onde o mais forte irá subordinar o mais fraco.

Ainda expressa Mirabete (2008) que:

A falência de nosso sistema carcerário tem sido apontada, acertadamente, como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e, provavelmente, com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que o conduziu ao cárcere (Mirabete, 2008, p. 89).

Diante do exposto, fica evidente a necessidade de o Estado cumprir as normas estabelecidas na lei, ressaltando que a Lei de Execução Penal n° 7.210/198412 em seu Art. 10 dispõe: 

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso (Brasil, 1984).

É designando ao Estado o dever de assegurar esses direitos instituídos pela Lei de Execução Penal, com o objetivo de reeducar o preso para integralizá-lo na sociedade, evitando desse modo a criminalidade.

Com base nisso, é estabelecido um direito penal, para regular as condutas humanas, instituindo penas àqueles que transgridem as regras de não fazer contidas no Código Penal e em Leis Penais esparsas. Mas a Lei adjetiva penal também regulamenta as garantias fundamentais, pois fazem parte da estrutura da constituição do Estado. 

Assim sendo, o artigo 5º, XLIX, da CRFB/198813, prevê que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. No entanto, o Estado não garante a execução da lei. Afinal o respeito à pessoa é algo primordial, cabendo ao Estado, promover a proteção desta garantia fundamental.

As ofensas à dignidade da pessoa humana devem ser tratadas como ofensas aos fundamentos do Estado de Direito, não podendo mais ser tolerado este tipo de comportamento, de seres humanos contra seres humanos, tendo por fim, que se trata de um ser igual ao outro. 

Devendo ainda, ser destacado o que diz no artigo 40 da Lei de Execução Penal, “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”. Significando em outras palavras que será de responsabilidade do Estado a sua execução.

A Lei de Execução Penal, por exemplo, estabelece, em seu art. 88, que o cumprimento de pena segregatória se dê em cela individual com área mínima de 6 metros quadrados, o que, como é sabido por tudo o que é amplamente divulgado pela imprensa, não ocorre nas penitenciárias nacionais. 

Além disso, o art. 85 da LEP prevê que deve haver compatibilidade entre a estrutura física do presídio e a sua capacidade de lotação, entretanto, a superlotação tem como efeito imediato não só a violação das normas da LEP, mas também, de princípios constitucionais. Segundo a Lei de Execução Penal em seus artigos 12 e 14 o preso ou internado, terá assistência material, em se tratando de higiene, instalações higiênicas e acesso a atendimento médico, farmacêutico e odontológico. No entanto, a realidade atual não é bem assim, pois muitos dos presos estão submetidos a péssimas condições de higiene. 

Devido a esta lotação de presos no sistema prisional brasileiro, dificulta a separação dos presos considerados de alta periculosidade dos que cometeram crimes mais leves, fazendo assim, que ambos convivam juntos.

É difícil falar em ressocialização dos presos, quando o sistema prisional não oferece as condições para a aplicação do que está estabelecido no artigo 83 da LEP que prevê, “o estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”.

Então, se observa que na prática não são todos os estabelecimentos penais que cumprem os referidos dispositivos legais, conseqüentemente, impossibilitando a ressocialização dos apenados.

1.6 A justiça restaurativa 

Surgindo como uma alternativa ao descontentamento e à frustração que permeiam o sistema tradicional de justiça penal. Este modelo busca abordar questões centrais, como a superlotação carcerária, por meio de programas que enfatizam a participação ativa das partes envolvidas em um conflito, com o objetivo de mitigar as consequências adversas decorrentes da disputa. O enfoque é que as próprias partes retomem o controle sobre a resolução do problema, colaborando para a construção de soluções.

Além disso, a justiça restaurativa propõe uma abordagem holística em relação ao crime, buscando curar as feridas infligidas não apenas nas vítimas, mas também na comunidade em que o delito ocorreu. Esta abordagem comunitária considera as repercussões do ato criminoso e as medidas necessárias para prevenir futuras ocorrências. Os programas de justiça restaurativa fundamentam-se no entendimento de que, além de violar a lei, o comportamento criminoso afeta profundamente as vítimas e o tecido social.

A insatisfação com o modelo de justiça retributiva, que tem evidenciado falhas significativas, se torna clara em um cenário onde a criminalidade e a reincidência aumentam. Essa situação indica a incapacidade da violência institucionalizada em erradicar a criminalidade; ao contrário, a violência perpetua um ciclo que resulta em mais violência. O foco dos processos restaurativos se fundamenta na crença de que a verdadeira justiça reside na resolução das questões entre todos os envolvidos no crime, visando uma reparação genuína.

As instituições prisionais, por sua vez, frequentemente não conseguem realizar os objetivos declarados de ressocialização dos infratores. Essa ineficácia é, em parte, responsável pelos desafios enfrentados na reintegração dos indivíduos na sociedade após o cumprimento de pena. 

Como afirma Mirabete (2002):

A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior. […] A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação (Mirabete, 2002, p. 145).

A pena privativa de liberdade muitas vezes estigmatiza o detento, dificultando sua reintegração social e perpetuando a marginalização.

É fundamental examinar seus princípios: promover a reparação do estado original das vítimas, garantir a participação de todos os envolvidos no processo e assegurar que o governo mantenha a ordem pública de maneira justa. A comunidade também tem um papel essencial na construção e preservação de uma paz duradoura. Nesse contexto, a justiça restaurativa incorpora quatro valores centrais: encontro, reparação, reintegração e inclusão. Os programas de justiça restaurativa podem variar conforme as circunstâncias do caso, incluindo mediação entre vítima e infrator, círculos de diálogo, assistência ao ofensor e à vítima, restituição e prestação de serviços comunitários.

Diversos instrumentos internacionais têm reconhecido a justiça restaurativa como uma abordagem válida para a resolução de conflitos criminais. Exemplos incluem a Resolução 40/34 da ONU, que trata dos direitos das vítimas, a Diretiva da União Europeia de 2012 sobre o estatuto das vítimas no processo penal, e o Manual de Programas de Justiça Restaurativa das Nações Unidas, publicado em 2006. O  foco não está na punição, mas na reintegração da vítima e do autor do crime na sociedade, por meio da reparação e da responsabilização. Ademais, é importante salientar que a superlotação das prisões não é composta exclusivamente por indivíduos já condenados, mas também por aqueles que aguardam julgamento, o que agrava ainda mais a crise do sistema penal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Os Estados, em muitas ocasiões, falham em garantir o pleno gozo dos direitos humanos dos indivíduos privados de liberdade, perpetuando condições desumanas dentro das prisões. Embora os detentos percam, de fato, o direito à mobilidade, sua dignidade deve ser preservada. No entanto, a realidade mostra que essa dignidade é frequentemente violada em estabelecimentos penitenciários que não oferecem condições mínimas de habitação e cuidado. Além da superlotação, um problema crítico nas prisões é a falta de investimentos para a recuperação e manutenção das instalações, que frequentemente carecem de infraestrutura básica, como banheiros, ventilação adequada, iluminação natural e camas. Essas deficiências são exemplos de um tratamento cruel, que infringe o direito dos detentos à integridade pessoal.

Organizações internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Organização das Nações Unidas têm estabelecido diretrizes que os Estados devem seguir para assegurar que os detentos sejam tratados de forma digna. No entanto, tanto o Brasil quanto outros países, como o Chile, apresentam casos de violações que, em muitas circunstâncias, refletem condições que se assemelham à tortura. Os abusos cometidos nos sistemas carcerários agravam ainda mais a situação, o que viola claramente a dignidade humana dos indivíduos encarcerados. Mais preocupante é a falha do Estado em proteger e assegurar os direitos dos presos, uma vez que deveria ser o guardião dessas garantias e não um agente que intensifica seu sofrimento.

A negligência do Estado em relação às pessoas encarceradas gera um cenário de risco e insegurança, onde os guardas, como representantes do poder público, falham em suas funções de proteger e promover os direitos humanos dentro do ambiente prisional. A tortura, que é uma realidade em muitos presídios, representa uma das mais graves violações dos direitos fundamentais, resultando em consequências devastadoras, que podem incluir desde danos psicológicos até a morte.

A legislação internacional impõe aos Estados a obrigação de evitar práticas de tortura e maus-tratos em qualquer circunstância. A superlotação das prisões, que muitas vezes leva a um ambiente desumanizador, transforma os detentos em meros números dentro de um sistema falido e opressor, onde as condições de vida beiram aquelas de um campo de concentração.

Nesse contexto, a Justiça Restaurativa surge como uma alternativa importante para a resolução de conflitos, caracterizando-se pela voluntariedade e promovendo um entendimento mais empático entre vítimas e infratores. A adoção de medidas restaurativas pode facilitar o alívio do excesso populacional nas prisões e contribuir para a reintegração social dos condenados, abordando o ciclo vicioso da reincidência. A alta taxa de reincidência é um indicativo claro de que o modelo de pena privativa de liberdade não está conseguindo cumprir sua função de reabilitação.

A ineficácia do sistema penitenciário em promover a reintegração dos condenados é evidente, especialmente considerando que a maioria das pessoas encarceradas provêm de estratos socioeconômicos baixos e enfrentam elevados níveis de marginalização. A perpetuação do isolamento social através da privação de liberdade não pode ser justificada como uma forma de “justiça”. É inegável que fatores como pobreza e falta de oportunidades educacionais estão intrinsecamente ligados à criminalidade.

Apesar das iniciativas do Conselho Nacional de Justiça e das declarações do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a inconstitucionalidade das condições prisionais no Brasil, mudanças significativas na política de encarceramento e melhorias nas condições penitenciárias ainda estão aquém do que é necessário. Portanto, é vital que tanto a sociedade quanto os governantes se mobilizem para enfrentar as questões do sistema prisional, buscando reformas que realmente transformem a pena privativa de liberdade em um meio eficaz de reabilitação e reintegração, respeitando a dignidade humana de todos os cidadãos, independentemente de suas ações

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1Acadêmicos do 10º. Período do Curso de Direito no Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná – São Lucas JPR. E-mail:kauanagonzaga@gmail.com
2Professor Orientador, Especialista em Direito Processual Civil, Pós-graduando em Docência no Ensino Superior, ambos pela Faculdade FAVENI (2022), Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná (2021). E-mail:weliton.alexandre@saolucasjiparana.edu.br