A RESPONSABILIDADE CIVIL E ABANDONO AFETIVO PATERNO: IMPLICAÇÕES LEGAIS E DESAFIOS NO CONTEXTO BRASILEIRO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411241919


Raiane da Silva Pacheco1
Orientador: Prof. Antonio de Lucena Bittencourt Neto


RESUMO

O presente estudo aborda o abandono afetivo paterno e os impactos psicológicos e jurídicos decorrentes da omissão afetiva de um dos genitores no desenvolvimento de crianças e adolescentes. A pesquisa propõe examinar como o sistema jurídico brasileiro, por meio de instrumentos legais e institucionais, tem buscado assegurar a reparação e proteção dos direitos dos menores afetados pela ausência de um pai, com ênfase nas medidas de responsabilidade civil. O objetivo geral é avaliar a eficácia das ações judiciais e das políticas públicas na promoção de uma paternidade mais responsável e comprometida. A metodologia aplicada consiste em uma revisão de literatura e análise de jurisprudências relacionadas ao tema, buscando compreender as práticas de reparação por danos morais e as políticas de assistência social no apoio aos menores. Os resultados indicam que, embora o ordenamento jurídico contemple mecanismos para a proteção emocional de crianças e adolescentes, há lacunas na implementação de políticas públicas voltadas para a conscientização sobre a paternidade responsável. Conclui-se que a atuação conjunta de órgãos de proteção, como o Ministério Público e os Conselhos Tutelares, associada ao fortalecimento de programas de apoio psicossocial, representa um avanço importante na garantia de uma convivência familiar mais equilibrada e afetiva, essencial para o desenvolvimento integral dos menores.

Palavras-chave: Abandono afetivo paterno. Responsabilidade Civil. Direitos das crianças.

ABSTRACT

This study addresses paternal emotional neglect and the psychological and legal impacts arising from a parent’s lack of affection on the development of children and adolescents. The research aims to examine how the Brazilian legal system, through legal and institutional instruments, seeks to ensure the reparation and protection of the rights of minors affected by a parent’s absence, with an emphasis on civil liability measures. The main objective is to assess the effectiveness of judicial actions and public policies in promoting more responsible and committed fatherhood. The methodology applied consists of a literature review and case law analysis related to the topic, aiming to understand moral damage reparation practices and social assistance policies that support minors. The results indicate that although the legal framework provides mechanisms for the emotional protection of children and adolescents, there are gaps in implementing public policies focused on responsible parenting awareness. It is concluded that the joint actions of protection agencies, such as the Public Prosecutor’s Office and Guardianship Councils, combined with the strengthening of psychosocial support programs, represent significant progress in ensuring a more balanced and affectionate family environment, essential for the comprehensive development of minors.

Keywords: Paternal emotional neglect. Civil liability. Children’s rights.

1 INTRODUÇÃO 

O abandono afetivo paterno apresenta-se como uma temática de crescente importância no campo jurídico e social, devido às consequências profundas que a ausência afetiva de um genitor pode gerar no desenvolvimento psicológico e emocional de crianças e adolescentes. O direito brasileiro, ao adotar o princípio da proteção integral, assegura o desenvolvimento completo do menor, incluindo o direito à convivência familiar e ao suporte emocional. Esse direito é amparado pelo artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece ser dever da família, da sociedade e do Estado garantir que crianças e adolescentes cresçam em um ambiente seguro e saudável, que valorize, além das necessidades materiais, o amparo emocional.

Em face dessa responsabilidade, surge a responsabilidade civil por abandono afetivo como uma medida jurídica relevante, que visa tanto reparar os danos emocionais causados aos filhos quanto conscientizar sobre a importância do vínculo afetivo nas relações familiares. A responsabilidade civil em casos de abandono afetivo não se limita à reparação financeira, mas também busca promover uma educação jurídica que valorize o afeto e o bem-estar psicológico dos menores. Essa abordagem reflete uma visão ampliada do conceito de família, que não se restringe ao fornecimento de recursos materiais, mas exige também o envolvimento afetivo e a presença constante dos pais.

Nesse sentido, o abandono afetivo paterno tem sido reconhecido como uma violação dos direitos de personalidade dos filhos, considerando o afeto uma dimensão jurídica essencial. Ao se ausentar afetivamente, o genitor compromete a formação psíquica dos filhos, fato que tem sido considerado passível de reparação judicial como forma de compensação pelos danos sofridos. O tema envolve ainda um complexo debate sobre os limites e as possibilidades da responsabilidade civil no enfrentamento do abandono afetivo, especialmente em razão das dificuldades de mensuração dos danos emocionais e da subjetividade que envolve a questão do afeto.

Embora a doutrina e a jurisprudência reconheçam a importância da convivência familiar e do apoio emocional como elementos fundamentais para o desenvolvimento saudável do menor, a aplicação prática da responsabilidade civil em casos de omissão afetiva é desafiadora. Nesse contexto, questiona-se: como os instrumentos legais e institucionais de reparação e proteção têm se mostrado eficazes para enfrentar o abandono afetivo paterno e assegurar o desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes? O objetivo geral desta pesquisa é analisar os instrumentos legais e institucionais disponíveis para a reparação e proteção dos direitos de crianças e adolescentes em casos de abandono afetivo, avaliando a função da responsabilidade civil, a atuação de órgãos de proteção e o papel das políticas públicas.

Para responder a esse problema, a pesquisa utilizará uma abordagem de revisão de literatura e análise de jurisprudência, com o intuito de compreender de forma crítica as possibilidades e limitações dessas medidas na promoção de uma paternidade mais responsável e comprometida. A investigação busca, assim, aprofundar o entendimento dos aspectos jurídicos envolvidos e propor sugestões para o aprimoramento das políticas públicas de apoio à proteção infantojuvenil. A importância desse estudo justifica-se pela necessidade de consolidar uma compreensão jurídica sobre as consequências do abandono afetivo e os instrumentos de proteção dos direitos dos menores.

A pesquisa apresenta relevância tanto acadêmica, ao fornecer uma análise detalhada das normativas e interpretações jurídicas, quanto social, uma vez que o abandono afetivo pode gerar sérias repercussões no desenvolvimento psíquico dos filhos. Ao abordar as práticas de reparação e os mecanismos institucionais que promovem o bem-estar emocional dos menores, o estudo visa contribuir para o fortalecimento de uma cultura jurídica que valorize o afeto e a responsabilidade emocional como direitos essenciais à formação do indivíduo. Além disso, a relevância jurídica do tema reside no fortalecimento dos instrumentos de reparação e proteção no direito de família, visando aprimorar o entendimento e a aplicação da responsabilidade civil como medida educativa e compensatória.

Com o aumento de casos envolvendo pedidos de reparação por abandono afetivo, torna-se fundamental estabelecer diretrizes claras e eficazes para orientar o Judiciário na tomada de decisões. Nesse sentido, a pesquisa espera contribuir para uma aplicação mais adequada das normativas existentes, favorecendo a segurança jurídica e a proteção dos direitos de personalidade de crianças e adolescentes. Outro aspecto relevante é o potencial das políticas públicas de apoio à paternidade responsável e de programas de educação parental. Ao sensibilizar a sociedade para a importância do afeto no ambiente familiar, tais programas incentivam práticas que valorizem a presença e a participação dos pais na vida dos filhos.

Isso promove uma visão integral e holística da responsabilidade parental, que inclui o cuidado com o desenvolvimento emocional e psicológico dos menores. A conscientização e orientação oferecidas por esses programas fortalecem o vínculo familiar e contribuem para a construção de uma sociedade mais sensível às necessidades dos menores. A continuidade da pesquisa sobre abandono afetivo paterno apresenta-se como uma oportunidade de ampliar o entendimento sobre as necessidades emocionais de crianças e adolescentes, além de oferecer subsídios para o desenvolvimento de políticas públicas mais eficazes.

Investigar as práticas preventivas e os efeitos das políticas de educação parental pode proporcionar uma visão mais detalhada das influências que levam à presença ou ausência afetiva dos pais na vida dos filhos. Esse aprofundamento é essencial para que se compreendam as particularidades de diferentes contextos regionais e socioeconômicos, e assim, possam ser propostas soluções adaptadas à realidade de cada grupo social, promovendo uma parentalidade mais responsável e comprometida com o desenvolvimento integral do menor. No contexto jurídico, a análise de mecanismos que integrem uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais de direito, psicologia e assistência social, contribui para uma abordagem mais holística e humanizada em casos de abandono afetivo.

A colaboração entre essas áreas permite uma avaliação mais completa dos danos emocionais causados e auxilia o Judiciário na formulação de medidas reparatórias que estejam alinhadas às necessidades de cada caso. O engajamento de diversos profissionais enriquece o processo de tomada de decisão e fortalece a rede de apoio às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade emocional, valorizando, assim, a proteção integral e a dignidade da pessoa em desenvolvimento.

2 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL E DO ABANDONO AFETIVO PATERNO

A primeira seção subdivide-se em duas partes essenciais para fundamentar juridicamente o tema da responsabilidade civil no contexto do abandono afetivo paterno. Inicialmente, examinam-se as dimensões jurídicas da responsabilidade civil, com enfoque nas obrigações parentais, abordando o respaldo normativo e doutrinário que sustenta essa responsabilidade no direito brasileiro. Na sequência, discorre-se sobre a evolução do entendimento jurisprudencial referente ao abandono afetivo, analisando as interpretações legais e as transformações no reconhecimento das obrigações de ordem moral e afetiva nas relações familiares, conforme refletido em decisões judiciais recentes.

2.1 A Responsabilidade Civil e Suas Dimensões no Direito Brasileiro

A responsabilidade civil no direito brasileiro é um instituto fundamental para a manutenção da ordem e a reparação de danos entre particulares. Ao abordar suas principais dimensões, é essencial considerar não apenas os aspectos objetivos, mas também as obrigações de natureza afetiva e moral, especialmente no contexto das relações familiares. O abandono afetivo paterno, enquanto espécie de dano moral, reflete a complexidade da aplicação da responsabilidade civil, exigindo que o Direito acompanhe as transformações sociais e valorize a dignidade dos filhos.

Tais obrigações transcendem o mero provimento material, englobando também o dever de assistência afetiva e moral, segundo a doutrina de Dias (2015, p. 211), “o qual os pais estão vinculados, seja pelo direito consuetudinário, seja pela interpretação ampliada das normas constitucionais”. Compreender as diferentes modalidades de responsabilidade civil implica reconhecer o papel da culpa e do nexo causal, que, conforme Diniz (2015), fundamentam a aplicabilidade deste instituto em diversas situações.

No campo das relações familiares, o abandono afetivo paterno encontra sua fundamentação na noção de dano extrapatrimonial, sendo este derivado de uma omissão que priva o filho do convívio e afeto do pai (Dias, 215, p. 189). Essa omissão configura não apenas um desvio de deveres, mas também “um ataque à integridade moral do filho, prejudicando seu desenvolvimento psicológico e social” (Santos, 2015, p. 315). A doutrina jurídica enfatiza que o dano moral, enquanto modalidade de responsabilidade civil, se consolida como ferramenta reparatória diante da ausência de afeto parental.

Madaleno (2013, p. 250) aponta que, além do suporte financeiro, “o afeto representa um direito essencial para o desenvolvimento saudável da criança”. A ausência desse suporte, embora imaterial, gera consequências significativas, pois o afeto paterno é um fator de formação que, quando negligenciado, implica a necessidade de reparação moral e legal. Dessa forma, o abandono afetivo paterno desafia o sistema jurídico a incorporar valores éticos e morais, compatibilizando-os com a prática legislativa. No que tange à reparação, a jurisprudência brasileira evoluiu para incluir o afeto como uma das necessidades a serem atendidas pelas obrigações parentais.

Conforme destaca Tartuce (2015, p. 322), o ordenamento jurídico tem ampliado a interpretação do conceito de paternidade responsável, com enfoque não apenas na manutenção material, mas também “na presença afetiva como elemento indispensável ao bem-estar da criança”. Tal entendimento surge de decisões reiteradas que reafirmam a responsabilização dos pais pelo cumprimento das obrigações morais de convivência e apoio emocional, mostrando uma visão avançada do sistema jurídico em relação à proteção do menor. A interpretação jurídica do abandono afetivo envolve, ainda, a análise das condições que configuram o dever de reparação em casos de omissão afetiva.

Bicca (2015, p. 278) observa que “o simples distanciamento entre pai e filho, sem justificativa plausível, é suficiente para caracterizar o abandono e, consequentemente, a responsabilidade civil”. Essa abordagem se apoia na presunção de que o afeto, embora subjetivo, tem reflexos objetivos no desenvolvimento e na dignidade dos filhos. Tal percepção vai ao encontro das disposições constitucionais que visam assegurar o desenvolvimento pleno da criança, reforçando a responsabilidade civil como meio de garantir esse direito. A doutrina ainda levanta questões sobre os limites da responsabilidade civil no abandono afetivo, especialmente no que diz respeito à medida da reparação.

Seguindo essa linha de pensamento, Karow (2012, p. 192) argumenta que “a indenização por danos morais decorrentes de abandono afetivo deve considerar tanto a intensidade do sofrimento quanto os prejuízos emocionais”. A definição de valores compensatórios, no entanto, é desafiadora, pois envolve um componente subjetivo que deve ser interpretado com cautela pelo Judiciário. Esta avaliação é relevante para evitar excessos, de modo que a indenização seja proporcional ao dano causado, mas sem desestimular o dever de cuidado parental. A análise de jurisprudência revela que o entendimento dos tribunais em relação à responsabilidade civil no abandono afetivo tem avançado, com decisões que consideram tanto o dano direto quanto os efeitos colaterais da omissão afetiva.

Segundo Rizzardo (2016, p. 338), “os julgados buscam equilibrar o dever de indenizar com a natureza subjetiva do vínculo afetivo, de forma a assegurar o direito ao afeto sem recorrer a uma punição excessiva”. Essa postura judicial, embora recente, reflete a necessidade de adaptar o direito às mudanças sociais, reconhecendo a relevância do afeto na relação paterno-filial e a responsabilidade civil como um instrumento de justiça. A aplicação da responsabilidade civil em casos de abandono afetivo paterno, além de ser uma ferramenta de compensação, visa promover uma conscientização sobre o valor das obrigações afetivas e morais na paternidade.

Ao mesmo tempo, busca-se uma efetiva valorização dos direitos da criança, tendo o afeto como um direito protegido pelo sistema jurídico. Essa orientação, conforme aponta Bicca (2015, p. 389), “reforça a ideia de que a função reparatória da responsabilidade civil também deve atuar como mecanismo educativo, incentivando a prática de condutas responsáveis no âmbito familiar”. A efetividade da responsabilidade civil como instrumento de reparação e prevenção do abandono afetivo paterno apresenta implicações importantes para a jurisprudência e para o sistema jurídico como um todo.

Ao estabelecer a possibilidade de responsabilização por omissões afetivas, o direito brasileiro promove uma nova compreensão das relações familiares, incentivando uma paternidade mais responsável e atenta às necessidades dos filhos. Assim, a interpretação ampliada da responsabilidade civil tem potencial para fortalecer a proteção dos direitos fundamentais das crianças, alinhando-se às disposições constitucionais de proteção integral. A responsabilização civil pelo abandono afetivo paterno, ao incorporar o dano moral e afetivo, destaca a importância da atuação jurídica em defesa dos direitos dos menores.

2.2 Evolução Jurídica do Abandono Afetivo no Brasil

A evolução jurídica do abandono afetivo no Brasil representa uma resposta do ordenamento jurídico à crescente valorização do afeto nas relações familiares. Inicialmente, a legislação brasileira limitava-se às responsabilidades materiais, sem contemplar a dimensão afetiva como um dever jurídico dos pais para com os filhos. Essa lacuna foi progressivamente abordada por interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, estabelecendo que o dever de cuidado transcende a simples provisão material. O artigo 1.634 do Código Civil afirma que “o poder familiar compreende o sustento, a guarda e o zelo”, criando base legal para um entendimento mais amplo do dever de convivência familiar (Brasil, 2002).

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

I – dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

Esse princípio, ampliado pela doutrina, estabelece que o afeto é um elemento indispensável à formação do menor (Bicca, 2015, p. 160). Com a introdução do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988, o afeto passou a ser um valor jurídico relevante nas relações familiares. A doutrina aponta que, ao assegurar a dignidade, o ordenamento promove uma leitura ampliada das responsabilidades parentais, incluindo o dever de convivência e de afeto. O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 define que “é dever da família assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar”, consolidando a afetividade como um direito essencial ao bem-estar do menor (Brasil, 1988).

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

Esse contexto gera o entendimento de que a ausência de afeto pode ser configurada como lesão ao direito de personalidade, ao qual pais e filhos têm reciprocamente direito (Calderón, 2017, p. 210). A jurisprudência brasileira tem avançado para reconhecer o abandono afetivo como um dano moral indenizável, enfatizando o impacto negativo da omissão afetiva no desenvolvimento dos filhos. Em julgamentos notórios, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o abandono afetivo é uma forma de violência psicológica contra o filho, e, portanto, passível de reparação civil.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ABANDONO AFETIVO DE MENOR – GENITOR QUE SE RECUSA A ESTABELECER CONVÍVIO COM FILHO – REPERCUSSÃO PSICOLÓGICA – VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR – DANO MORAL – OCORRÊNCIA. – Configura dano moral a atitude de um pai que se recusa a estabelecer convívio com o filho, causando-lhe sofrimento e prejuízo para sua integridade emocional. V.V.:APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ABANDONO AFETIVO. GENITOR AUSENTE. DANO MORAL. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. PAGAMENTO DE PENSÃO. ATO ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSENTE O DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. O cumprimento do dever de cuidado é imprescindível nas relações familiares, haja vista as obrigações afetas aos pais, com o intuito de zelar pela formação hígida dos filhos. Contudo, não se exige a convivência presencial dos pais para que a devida atenção seja assegurada. O pedido de dano moral decorrente de abandono afetivo proveniente da relação paterno-filial deve se dar apenas em casos excepcionais, até mesmo para evitar a mercantilização da questão, como já decidiu o STJ.

(TJ-MG – AC: 10236140037581001 MG, Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 06/06/2019, Data de Publicação: 18/06/2019)

Esse entendimento baseia-se na premissa de que “a omissão afetiva é uma agressão à dignidade e integridade moral do filho”, impactando o desenvolvimento emocional (Dias, 2015, p. 311). A jurisprudência reflete o reconhecimento do afeto como direito essencial à integridade psíquica e à formação saudável do menor, e a responsabilidade civil, nesse sentido, assume função reparatória. A inclusão do afeto como direito jurídico na responsabilidade civil reforça a importância dos direitos de personalidade.

Bittar (2015, p. 278) destaca que “o direito à convivência afetiva é um dos direitos da personalidade”, cabendo ao direito resguardá-lo mediante a responsabilização civil. Calderón (2017, p. 212) comenta que, ao dispor que “o poder familiar deve ser exercido na convivência e no desenvolvimento mútuo”, confirma o entendimento de que a convivência afetuosa é um direito fundamental. Essa interpretação eleva o abandono afetivo de uma mera questão moral para um campo de proteção legal, ampliando as garantias de dignidade e integridade emocional dos filhos.

Além da função reparatória, a responsabilidade civil pelo abandono afetivo visa também promover conscientização sobre a importância das obrigações afetivas no desenvolvimento infantil. Essa perspectiva, defendida por Calderón (2017, p. 160), entende que “a responsabilidade civil cumpre função educativa”, prevenindo omissões futuras e incentivando práticas parentais comprometidas com o bem-estar emocional dos filhos. A responsabilidade afetiva, segundo o autor, se torna, assim, um elemento que transcende o campo judicial, influenciando diretamente o exercício da paternidade responsável no Brasil.

A legislação sobre o abandono afetivo evoluiu no sentido de estabelecer critérios para a reparação de danos, observando o princípio da proporcionalidade e da equidade. A interpretação atual sugere que o montante compensatório deve refletir a extensão do sofrimento psicológico e do prejuízo emocional. Para Schreiber (2015, p. 175), “a responsabilidade civil deve considerar o impacto emocional, de forma proporcional à dor gerada pelo abandono”, assegurando uma compensação justa. Essa diretriz busca evitar punições excessivas e promover uma justa reparação, além de responsabilizar o agente causador do dano afetivo.

Outro aspecto importante na evolução do abandono afetivo é a função educativa que a responsabilização civil exerce sobre o comportamento dos pais, incentivando práticas mais conscientes. Grisard Filho (2016, p. 251) afirma que “a responsabilidade civil por abandono afetivo visa a conscientizar os pais sobre o dever de convivência”, buscando impedir novas omissões e fortalecendo a proteção emocional dos filhos. Dessa forma, a reparação civil não se limita a compensar o dano sofrido, mas também age como um mecanismo de prevenção e fortalecimento dos vínculos parentais, alinhando-se às disposições do artigo 1.634 do Código Civil, que assegura a convivência familiar como direito essencial ao menor (Brasil, 2002).

A doutrina e a jurisprudência sobre abandono afetivo também promovem uma reconfiguração das relações familiares, atendendo às demandas por uma visão mais humanizada e protetiva do direito de família. Chaves e Rosenvald (2018, p. 295) defendem que “a responsabilidade civil é uma ferramenta essencial para assegurar os direitos afetivos dos filhos”, implicando o reconhecimento do afeto como direito fundamental. Esse posicionamento permite a integração dos valores afetivos na estrutura jurídica familiar, reforçando a proteção e a valorização dos vínculos familiares, essenciais ao pleno desenvolvimento dos filhos.

A responsabilidade civil pelo abandono afetivo, ao incluir o afeto como direito legal, reforça a importância da proteção integral dos filhos e fortalece os direitos de personalidade. Tartuce (2018, p. 305) destaca que “o ordenamento jurídico brasileiro avança ao incluir o afeto como um dos pilares do poder familiar”, o que promove uma interpretação inclusiva dos direitos da criança e adolescente, garantindo o direito à convivência familiar e emocional. A valorização do afeto nas relações parentais contribui para uma maior consciência social sobre os deveres familiares.

A transformação do direito brasileiro ao adotar a responsabilidade civil por abandono afetivo reflete uma adaptação necessária às novas demandas sociais, consolidando o afeto como valor jurídico central nas relações familiares. Ao responsabilizar pais omissos, o sistema legal reconhece o afeto como um direito inalienável dos filhos e fortalece a importância da paternidade responsável. Esse avanço no ordenamento jurídico reforça o compromisso com a dignidade e integridade emocional das crianças e adolescentes, essenciais para o desenvolvimento humano em sua totalidade.

3 IMPACTOS JURÍDICOS DO ABANDONO AFETIVO PATERNO

Na segunda seção, investigam-se os impactos jurídicos ao abandono afetivo paterno e suas implicações no conceito de família em nosso ordenamento jurídico. Primeiramente, são abordadas as consequências jurídicas para o desenvolvimento dos filhos, avaliadas à luz de estudos que embasam a compreensão jurídica sobre os danos decorrentes da ausência paterna. Posteriormente, examina-se a intersecção entre responsabilidade civil e a possibilidade de reparação jurídica, discutindo as limitações e os potenciais desse instituto para atender às demandas de compensação emocional no âmbito familiar e proteger os direitos fundamentais dos filhos.

3.1 Consequências Jurídicas do Abandono Afetivo no Desenvolvimento dos Filhos

A ausência de afeto paterno no contexto do abandono afetivo impacta o desenvolvimento integral dos filhos, resultando em consequências jurídicas significativas. Estudos indicam que o distanciamento afetivo paterno causa no menor sentimentos de rejeição e desamparo, comprometendo o direito à dignidade humana e à convivência familiar. Nesse sentido, Chaves e Rosenvald (2018, p. 215) afirmam que “a presença afetiva dos pais é essencial para o desenvolvimento emocional equilibrado do filho”, sendo o abandono afetivo uma violação dos direitos de personalidade e da proteção integral assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A ausência paterna afeta ainda a capacidade do menor de estabelecer vínculos de confiança, impactando negativamente suas relações interpessoais e seu desenvolvimento social. De acordo com Karow (2012, p. 250), “a privação afetiva compromete o desenvolvimento social da criança, dificultando sua inserção no ambiente externo”. Tal situação fragiliza o indivíduo, gerando inseguranças e dificuldades de interação social. Ao ignorar essa necessidade, o direito parental acaba desrespeitando o princípio da dignidade humana, conforme previsto no artigo 227 da Constituição Federal de 1988.

No aspecto jurídico, o abandono afetivo paterno é considerado uma omissão das responsabilidades parentais, gerando efeitos duradouros sobre o bem-estar do menor. A jurisprudência brasileira já reconhece a existência de dano moral causado pelo abandono afetivo, considerado uma violação dos deveres de cuidado e proteção. Santos (2015, p. 298) explica que “a responsabilidade civil pelo abandono afetivo é uma forma de reparação e de valorização do direito do filho ao afeto”. Este entendimento visa proteger os direitos da criança e reforçar a função educativa e preventiva da responsabilidade civil.

Além disso, o abandono afetivo paterno compromete o rendimento acadêmico e aumenta o risco de comportamentos anti sociais, muitas vezes observados em crianças privadas de afeto paterno. Essas crianças podem manifestar agressividade e impulsividade como resposta ao sentimento de rejeição. Diniz (2015, p. 320) afirma que “o abandono afetivo contribui para a formação de condutas desviantes e inseguranças comportamentais, dificultando o desenvolvimento equilibrado do menor”. Tal constatação reforça a necessidade de políticas públicas que incentivem a presença paterna.

O impacto do abandono afetivo também afeta o conceito de paternidade responsável no Brasil, ampliando a visão sobre o papel paterno na formação dos filhos. Ao interpretar o poder familiar como um dever de proteção física e emocional, o direito assegura ao filho proteção integral contra qualquer forma de omissão afetiva. Madaleno (2019, p. 290) sustenta que “o direito à convivência familiar é essencial para a formação equilibrada do menor”, cabendo ao Estado assegurar a integridade e proteção da criança.

A legislação brasileira trata o abandono afetivo como uma forma de violência emocional, buscando resguardar o desenvolvimento integral e a dignidade do menor. No artigo 1.634 do Código Civil, o poder familiar é estabelecido como uma função que exige dos pais cuidados materiais e afetivos. Rizzardo (2016, p. 275) observa que “a legislação impõe aos pais o dever de convívio e afeto”, reforçando que a omissão gera uma violação da personalidade da criança e compromete o princípio da dignidade humana.

Dessa forma, a responsabilidade civil pelo abandono afetivo paterno ressalta o papel essencial do afeto no desenvolvimento da criança, tornando-o um direito protegido pela legislação. Esse reconhecimento promove uma maior conscientização das obrigações parentais, bem como o papel preventivo e educativo do sistema jurídico. Conforme Alves (2010, p. 230), “a valorização do afeto nas relações parentais reflete um avanço na interpretação dos deveres familiares”, incentivando práticas de parentalidade responsável que assegurem o desenvolvimento integral do menor.

3.2 Responsabilidade Civil e Reparação Jurídica: Interfaces e Limites

A responsabilidade civil e a reparação por abandono afetivo paterno apresentam desafios jurídicos significativos, exigindo uma abordagem que transcenda a simples compensação financeira. Nesse contexto, o direito enfrenta a complexidade de lidar com danos intangíveis, que violam o direito à dignidade e à convivência familiar do menor. A reparação civil busca reconhecer a ausência do afeto paterno como uma violação dos direitos fundamentais da criança e adolescente, trazendo para o cenário jurídico um compromisso com a proteção dos direitos da criança.

Os limites da responsabilidade civil em casos de abandono afetivo revelam-se principalmente na dificuldade de quantificar o impacto da privação afetiva de maneira objetiva. A ausência de critérios claros para mensurar esse dano emocional cria um desafio para o Judiciário, que precisa balancear a proteção ao menor com a adequação das compensações propostas. Reis (2019, p. 299) ressalta que “a reparação civil deve se basear em um juízo de proporcionalidade que considere a subjetividade do dano”, evidenciando a necessidade de interpretação cautelosa e individualizada em cada caso, para garantir justiça e equilíbrio nas decisões judiciais.

A natureza intangível dos danos resultantes do abandono afetivo demanda uma perspectiva interdisciplinar no direito, integrando conhecimentos de psicologia e sociologia para uma avaliação completa dos impactos causados. Tartuce (2017, p. 305) destaca que “a abordagem multidisciplinar é essencial para entender a profundidade dos danos”, e que a reparação deve ser analisada com o apoio de profissionais técnicos e capacitados. Essa integração permite uma compreensão mais ampla e justa das consequências, fornecendo subsídios técnicos para decisões que realmente protejam os direitos fundamentais do menor.

Simultaneamente, a responsabilidade civil busca cumprir uma função preventiva, impondo uma resposta jurídica que incentive os pais a agirem com zelo e cuidado em relação aos filhos. Tal abordagem não se limita à compensação financeira, mas visa também sensibilizar a sociedade sobre a importância do cuidado contínuo para o desenvolvimento integral da criança. A responsabilidade civil torna-se, assim, um mecanismo de reforço ao compromisso social com os direitos do menor, promovendo uma ética de cuidado que transcende o âmbito privado e fortalece o papel do Estado na proteção desses direitos.

A função pedagógica da responsabilidade civil também se manifesta ao incentivar uma parentalidade mais responsável através da condenação pelo abandono afetivo. Segundo Sousa (2010, p. 225), “a reparação não é apenas uma medida compensatória, mas um mecanismo de conscientização”, que busca sensibilizar o genitor para a relevância de seu papel na vida do filho. O direito, assim, promove uma ética parental que valoriza o afeto e busca prevenir omissões futuras, consolidando uma visão de paternidade responsável e integradora, em conformidade com os princípios constitucionais de proteção ao menor.

Contudo, a eficácia da reparação enfrenta limitações pelo fato de que a compensação financeira não substitui o vínculo afetivo perdido. A dificuldade em reparar um dano emocional tão subjetivo demonstra os limites da responsabilidade civil, muitas vezes incapaz de restaurar completamente o prejuízo causado pela ausência paterna. Madaleno (2013, p. 275) observa que “a reparação financeira, embora necessária, é insuficiente para restaurar os danos”, sinalizando que a responsabilidade civil deve ser compreendida como uma tentativa de justiça parcial, que busca minimizar os danos dentro das possibilidades legais.

A jurisprudência brasileira, ao lidar com o abandono afetivo, tem buscado estabelecer parâmetros para a reparação que contemplem as particularidades de cada caso. A individualização das decisões, baseada na análise das circunstâncias específicas do abandono e na gravidade dos efeitos gerados, é fundamental para que o direito atenda de forma adequada às necessidades do menor. Silva e Przybysz (2010, p. 215) defendem que “cada caso de reparação deve ser interpretado de acordo com suas peculiaridades”, reforçando a importância de uma análise cuidadosa e ajustada, em prol de uma resposta justa e proporcionada.

Assim, a responsabilidade civil pelo abandono afetivo paterno consolida o afeto como um elemento essencial ao desenvolvimento integral do menor, integrando-o à estrutura jurídica como um direito fundamental. Tal abordagem reforça a visão do afeto como valor jurídico, e a responsabilidade civil se torna mais que uma compensação: é um mecanismo de conscientização e proteção. A legislação brasileira, alinhada aos princípios constitucionais, promove o bem-estar e protege o desenvolvimento do menor, reafirmando o papel do direito como promotor de uma ética parental responsável.

4 MEDIDAS PREVENTIVAS E REPARATÓRIAS PARA CASOS DE ABANDONO AFETIVO PATERNO

A terceira seção do desenvolvimento explora medidas preventivas e reparatórias aplicáveis aos casos de abandono afetivo paterno, com vistas à proteção dos direitos das crianças e adolescentes. Primeiramente, são examinadas propostas de políticas públicas e práticas de conscientização voltadas à prevenção do abandono afetivo e ao fortalecimento do compromisso parental. Em seguida, são analisados os instrumentos de reparação disponíveis no sistema judiciário e na assistência social, com foco na eficácia dessas medidas para garantir o direito à convivência familiar e à integridade psíquica dos filhos, proporcionando um amparo integral à dignidade e ao bem-estar da criança e do adolescente.

4.1 Estratégias de Prevenção para Redução do Abandono Afetivo Paterno

A prevenção do abandono afetivo paterno exige a implementação de políticas e ações que estimulem uma paternidade responsável, incorporando o afeto como um dever jurídico essencial à formação das crianças. Para tanto, o desenvolvimento de estratégias de conscientização social e o fortalecimento de vínculos familiares se mostram fundamentais. A promoção de campanhas que alertem sobre as consequências da ausência paterna tem sido considerada uma medida eficaz na construção de uma sociedade onde a figura do pai seja reconhecida também pelo papel afetivo, conforme previsto em diretrizes jurídicas de proteção ao menor.

Educar sobre a importância da convivência familiar desde a formação básica da sociedade é uma das formas mais eficazes de reduzir os casos de abandono afetivo. A introdução de temas sobre responsabilidade parental nas escolas e nas redes sociais pode contribuir para formar cidadãos conscientes de seus deveres familiares. Segundo Madaleno (2019, p. 275), “a educação para a parentalidade é um pilar na construção de vínculos saudáveis entre pais e filhos, que se reflete em uma sociedade mais equilibrada e coesa”. Ao expandir essa conscientização por meio de programas educativos, o Estado cumpre seu papel na promoção da integridade familiar.

A criação de espaços de apoio emocional para pais e filhos é outra medida que pode ajudar a prevenir o abandono afetivo, promovendo a convivência e o fortalecimento dos laços familiares. A oferta de suporte psicológico e de aconselhamento familiar permite que os pais encontrem recursos para enfrentar as dificuldades emocionais e sociais, que muitas vezes contribuem para o afastamento. Vieira (2020, p. 90) afirma que “os espaços de acolhimento e orientação contribuem para que os pais reconheçam suas responsabilidades afetivas e desenvolvam um vínculo emocional positivo com os filhos”. Esses recursos proporcionam suporte e orientação para pais que enfrentam dificuldades em exercer a convivência afetiva.

Campanhas institucionais que abordem a importância da paternidade participativa podem funcionar como um importante recurso de prevenção ao abandono afetivo. Programas que incentivem a presença ativa dos pais nas vidas dos filhos contribuem para a conscientização sobre o impacto positivo dessa convivência. Para Tartuce (2018, p. 195), “as campanhas de sensibilização sobre paternidade afetuosa são indispensáveis para a formação de uma sociedade onde o cuidado emocional dos pais seja valorizado”. Essas iniciativas reforçam o papel do Estado como facilitador na promoção de uma cultura de afeto e respeito às necessidades emocionais da criança.

A legislação que rege o poder familiar no Brasil traz subsídios importantes para o entendimento da responsabilidade afetiva dos pais. O artigo 1.634 do Código Civil destaca o dever dos pais de proteger, educar e zelar pelo bem-estar integral dos filhos, o que abrange também a dimensão afetiva (Brasil, 2002). Segundo Chaves e Rosenvald (2018, p. 185), “a legislação brasileira resguarda a convivência afetiva como parte integrante do desenvolvimento do menor”, reforçando a função educativa do direito familiar. Assim, o sistema jurídico atua como um mecanismo preventivo contra o abandono afetivo ao assegurar o direito da criança à convivência.

A implementação de programas de mentoria parental é uma estratégia eficaz para fortalecer o comprometimento emocional dos pais. Esses programas oferecem uma abordagem prática e educativa, orientando sobre as responsabilidades afetivas e os benefícios da presença paterna na formação dos filhos. Para Reis (2019, p. 310), “a mentoria parental funciona como um suporte fundamental, principalmente para pais em situação de vulnerabilidade, pois ajuda a construir um vínculo sólido com o filho”. Dessa forma, o apoio educacional orienta os pais sobre a importância de seu papel emocional, contribuindo para evitar o distanciamento afetivo.

A introdução de incentivos sociais para a promoção da paternidade responsável, como programas de conscientização em empresas e campanhas em mídias digitais, auxilia na construção de uma imagem paterna positiva e participativa. Medidas como essas incentivam a cultura de cuidado afetivo entre pais e filhos, especialmente em cenários de separação conjugal. Para Souza et al. (2024, p. 2487), “a criação de programas de incentivo à paternidade ativa é essencial para o fortalecimento dos laços familiares”. A sociedade, ao valorizar a figura do pai presente, promove uma convivência mais saudável e enriquecedora para o desenvolvimento infantil.

Oferecer subsídios para o atendimento psicológico de pais e filhos, especialmente em situações de crise familiar, também se mostra eficaz na prevenção do abandono afetivo. Esses serviços permitem que os pais compreendam melhor o impacto da presença afetiva e possam lidar com os desafios de uma convivência harmônica. Conforme Vieira (2020, p. 92), “o suporte psicológico garante que os pais possam superar os desafios da parentalidade, promovendo uma paternidade ativa e afetiva”. Essa intervenção reforça a função do Estado como promotor de bem-estar, proporcionando o apoio necessário para evitar afastamentos emocionais.

4.2 Instrumentos de Reparação e Proteção dos Direitos das Crianças e Adolescentes

Instrumentos de reparação e proteção aos direitos de crianças e adolescentes, especialmente em casos de abandono afetivo paterno, desempenham um papel vital na garantia do desenvolvimento pleno dos menores. A responsabilidade civil, ao imputar aos pais omissos o dever de reparação, busca compensar os danos morais e psicológicos sofridos pelos filhos, oferecendo amparo emocional e reforçando a importância do vínculo afetivo. O abandono afetivo é tratado, assim, como uma violação que exige não apenas medidas compensatórias, mas também educativas, para proteger o direito à integridade emocional dos menores afetados.

O sistema judiciário, ao estabelecer a reparação civil por abandono afetivo, destaca-se como um dos principais instrumentos de proteção e garantia dos direitos da criança. A jurisprudência brasileira tem reconhecido o direito dos filhos à convivência afetiva, fundamentando o dever de reparação como forma de amenizar os prejuízos causados pela ausência paterna. Segundo Chaves e Rosenvald (2018, p. 320), a função da responsabilidade civil “vai além da compensação financeira, servindo como um mecanismo que reforça a importância do afeto na constituição dos direitos de personalidade dos filhos”. Esse entendimento fortalece o papel do direito como um instrumento de justiça social.

A atuação dos Conselhos Tutelares constitui uma resposta prática e direta ao abandono afetivo, permitindo que a proteção dos menores seja exercida por meio de medidas emergenciais e preventivas. Os Conselhos Tutelares têm a prerrogativa de intervir em casos de omissão afetiva, notificando e exigindo o cumprimento dos deveres parentais em conformidade com os direitos da criança. Souza et al. (2024, p. 2490) afirmam que “os Conselhos Tutelares desempenham um papel crucial ao monitorar as condições familiares e assegurar que o menor receba o suporte emocional adequado”. Dessa forma, os Conselhos representam um ponto de apoio e proteção efetivo para crianças em situação de vulnerabilidade.

O papel do Ministério Público em casos de abandono afetivo é igualmente relevante, uma vez que o órgão pode atuar como defensor dos interesses de crianças e adolescentes, promovendo ações civis públicas quando necessário. O Ministério Público tem autoridade para interceder em favor do menor, solicitando judicialmente a responsabilização dos pais ausentes e assegurando a devida reparação dos danos emocionais sofridos. Para Reis (2019, p. 340), “a intervenção do Ministério Público é essencial para garantir que os direitos fundamentais do menor sejam plenamente respeitados”. Essa atuação garante que a proteção dos direitos infanto-juvenis seja preservada com rigor.

Programas de apoio psicossocial são indispensáveis para a efetivação da reparação emocional em crianças e adolescentes afetados pelo abandono afetivo. Esses serviços, oferecidos por órgãos públicos e privados, fornecem atendimento psicológico e orientação para que os menores possam reconstruir sua autoestima e superar os traumas emocionais. Segundo Madaleno (2019, p. 290), “o apoio psicossocial é uma medida que visa proporcionar ao menor um ambiente seguro para a superação dos efeitos negativos da omissão paterna”. Dessa forma, o acesso a esses serviços garante que os danos causados pelo abandono afetivo sejam abordados com a devida atenção.

Mediadores familiares desempenham um papel essencial na reparação dos danos causados pelo abandono afetivo, proporcionando um espaço de diálogo que visa restaurar os vínculos afetivos entre pais e filhos. A mediação, ao facilitar a comunicação entre as partes, busca promover um ambiente de cooperação que favoreça o bem-estar do menor. Tartuce (2017, p. 195) observa que “a mediação familiar oferece uma solução conciliatória que incentiva o resgate da convivência e o fortalecimento dos laços afetivos”. Essa prática contribui para a construção de relações mais saudáveis e harmoniosas, beneficiando o desenvolvimento emocional da criança.

A participação de assistentes sociais nos processos de reparação por abandono afetivo é outra medida importante, pois eles fornecem suporte profissional para avaliar as necessidades emocionais e sociais do menor. Ao atuar como facilitadores, os assistentes sociais orientam tanto os pais quanto os filhos, promovendo a consciência sobre os impactos do abandono afetivo e oferecendo suporte contínuo. 

Vieira (2020, p. 91) destaca que “a presença de assistentes sociais nos casos de abandono afetivo contribui para a criação de estratégias de apoio e para o fortalecimento dos vínculos familiares”, garantindo que o menor receba o suporte necessário para sua recuperação.

O desenvolvimento de programas de educação parental representa um avanço significativo na proteção dos direitos das crianças e adolescentes, ao sensibilizar os pais sobre a importância do afeto e da convivência para o desenvolvimento dos filhos. 

A conscientização e orientação oferecidas por esses programas ajudam os pais a compreender a responsabilidade emocional que possuem, incentivando um comportamento afetivo e cuidadoso. Para Tartuce (2018, p. 235), “a educação parental é uma ferramenta valiosa para assegurar que os pais assumam suas responsabilidades afetivas”, reforçando o compromisso com o bem-estar psicológico e emocional do menor.

Esses instrumentos de reparação e proteção não apenas reconhecem o direito dos menores à convivência familiar, mas também asseguram que o sistema jurídico brasileiro atue em defesa da dignidade e integridade emocional das crianças e adolescentes. 

Ao incluir práticas como a mediação, o apoio psicossocial e a intervenção de assistentes sociais, o sistema amplia as possibilidades de proteção aos menores, oferecendo uma resposta multidisciplinar que atende à complexidade dos danos causados pelo abandono afetivo. Essa abordagem integrada contribui para que a reparação não se limite ao aspecto financeiro, mas alcance o desenvolvimento integral do menor.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa trouxe uma análise sobre as medidas preventivas e reparatórias aplicáveis aos casos de abandono afetivo paterno, explorando os instrumentos legais e sociais que visam assegurar o bem-estar e o desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes. Ao longo do estudo, foram discutidos mecanismos de responsabilidade civil, o papel do Estado e das instituições de apoio, e as consequências psicológicas do abandono para os menores. Os resultados demonstraram que o sistema jurídico brasileiro tem avançado na valorização do vínculo afetivo como parte dos direitos de personalidade dos filhos, com reparações por danos morais que buscam atenuar os impactos emocionais da ausência paterna.

A abordagem interdisciplinar, envolvendo o sistema de justiça e o apoio psicossocial, mostrou-se fundamental para oferecer um suporte completo e eficaz aos menores afetados. A atuação dos Conselhos Tutelares e do Ministério Público, em conjunto com a possibilidade de indenização civil, reforça o compromisso do Estado em promover a dignidade e os direitos das crianças. As ações preventivas, como a intervenção dos Conselhos Tutelares em situações de risco, demonstram-se eficazes ao intervir de maneira prática e imediata, enquanto o Ministério Público atua como defensor dos interesses infanto-juvenis, ampliando a proteção aos direitos desses indivíduos.

Os programas de apoio psicossocial revelaram-se essenciais para minimizar os efeitos do abandono, fornecendo orientação e acompanhamento psicológico às crianças e adolescentes. O apoio psicológico é particularmente eficaz ao ajudar o menor a reconstruir sua autoestima e enfrentar os traumas emocionais decorrentes da ausência paterna. A presença de mediadores familiares nos processos de abandono afetivo também facilita o estabelecimento de uma relação afetiva saudável, criando um ambiente de diálogo que contribui para a conciliação e o fortalecimento dos laços familiares, beneficiando o desenvolvimento emocional do menor.

Foi verificado que a legislação brasileira proporciona um importante respaldo para o combate ao abandono afetivo, com normas que enfatizam a proteção integral da criança e do adolescente, incluindo o direito à convivência familiar. O ordenamento jurídico valoriza a presença afetiva dos pais como um componente fundamental do poder familiar, refletindo os avanços sociais e a importância do afeto no desenvolvimento integral dos filhos. Esse entendimento amplia a responsabilidade civil e oferece aos filhos amparo para exigir uma convivência que atenda às suas necessidades emocionais e psicológicas.

No entanto, o estudo identificou lacunas na implementação de políticas públicas voltadas para a paternidade responsável. A promoção de campanhas de conscientização e programas de educação parental são medidas necessárias para sensibilizar os pais sobre o impacto de sua ausência emocional. Ao expandir o acesso a esses programas, o Estado pode promover uma cultura de afeto e cuidado no âmbito familiar, incentivando práticas que valorizem a participação dos pais na vida dos filhos. Tais iniciativas são essenciais para que a sociedade compreenda a responsabilidade afetiva como uma obrigação legal e social.

Para dar continuidade a este estudo, recomenda-se que pesquisas futuras investiguem as práticas de prevenção e os impactos das políticas públicas em diferentes contextos regionais e sociais. Compreender as especificidades de cada região pode ajudar a identificar os desafios particulares enfrentados por famílias em situações de vulnerabilidade. Adicionalmente, análises voltadas para o papel da educação parental poderiam elucidar como a formação sobre responsabilidade afetiva impacta na presença dos pais e na redução dos casos de abandono afetivo.

O aprimoramento dos métodos de avaliação dos danos emocionais sofridos pelos menores também seria um avanço significativo para o campo jurídico, possibilitando uma reparação mais adequada e justa. A criação de diretrizes específicas para mensurar o impacto psicológico da ausência paterna permitiria que o sistema de justiça acompanhasse de forma mais precisa as consequências do abandono, adaptando as medidas de reparação à realidade de cada caso. Esse aperfeiçoamento facilitaria a personalização das decisões judiciais, promovendo uma resposta mais justa e alinhada às necessidades dos menores.

A inclusão de uma equipe multidisciplinar, com profissionais de psicologia, assistência social e direito, no atendimento aos casos de abandono afetivo pode representar um reforço positivo para o sistema de proteção aos direitos das crianças e adolescentes. Esse trabalho conjunto permitiria uma abordagem mais humana e contextualizada, onde as particularidades de cada situação são respeitadas. Dessa maneira, o sistema jurídico pode oferecer um suporte completo, que não se limita à reparação financeira, mas que promove a recuperação emocional e a construção de uma convivência familiar mais saudável e afetuosa.

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 1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: raianepacheco@icloud.com. ORCID: