RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411232350


Rodrigo France Almeida Rodrigues1;
Orientador: Prof. Antonio de Lucena Bittencourt Neto;
Prof. Helom César da Silva Nunes.


RESUMO

Este artigo aborda a responsabilidade civil no contexto da violência doméstica, desde a filial quanto a conjugal, examinando as medidas de reparação disponíveis para as vítimas e a responsabilização dos agressores no Brasil. O objetivo é investigar os mecanismos jurídicos de proteção e compensação das vítimas no âmbito civil, identificando lacunas na legislação e propondo melhorias para fortalecer a proteção. O método utilizado inclui pesquisa bibliográfica e análise jurídica dedutiva. As conclusões indicam que, apesar dos avanços com a Lei Maria da Penha, desafios como a subnotificação, a morosidade judicial e barreiras culturais ainda limitam a efetividade da responsabilização civil. A pesquisa sugere que a ampliação das redes de apoio e uma mudança cultural são fundamentais para garantir reparação às vítimas. 

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Violência doméstica. Reparação. Proteção jurídica. 

ABSTRACT

This article addresses civil liability in the context of domestic violence, examining the compensation measures available to victims and the accountability of aggressors in Brazil. The objective is to investigate the legal mechanisms of protection and compensation for victims in civil law, identifying gaps in legislation and proposing improvements to strengthen protection. The method used includes bibliographical research and deductive legal analysis. The conclusions indicate that, despite advances with the Maria da Penha Law, challenges such as underreporting, judicial delays, and cultural barriers still limit the effectiveness of civil liability. The research suggests that expanding support networks and promoting cultural change are key to ensuring compensation for victims.

Keywords: Civil liability. Domestic violence. Compensation. Legal protection.

1 INTRODUÇÃO 

A responsabilidade civil aplicada a casos de violência doméstica representa uma questão de grande relevância no cenário jurídico brasileiro, destacando-se na defesa dos direitos fundamentais e na garantia de reparação às vítimas. A partir da

Lei Maria da Penha, o Brasil avançou na criação de medidas de proteção e punição contra a violência doméstica, todavia, o caminho para uma reparação civil efetiva ainda enfrenta desafios substanciais. Neste estudo, investiga-se o papel da responsabilidade civil como ferramenta reparatória e preventiva, analisando as possibilidades e limitações da legislação vigente para oferecer suporte jurídico, moral e material às vítimas.

O objetivo geral desta pesquisa é compreender como o direito civil brasileiro pode aprimorar sua atuação em casos de violência doméstica, assegurando justiça e dignidade às vítimas. Para alcançar esse propósito, são definidos os seguintes objetivos específicos: (1) identificar as lacunas na legislação atual que comprometem a efetividade da responsabilidade civil; (2) analisar o impacto da morosidade judicial e da subnotificação na proteção às vítimas; e (3) propor medidas que potencializem a aplicação da responsabilidade civil, promovendo um ambiente seguro e justo para quem sofre com a violência doméstica.

A metodologia adotada combina pesquisa bibliográfica e análise dedutiva das normas jurídicas e precedentes jurisprudenciais relevantes, permitindo uma compreensão aprofundada das soluções legais e dos entraves existentes. Esta abordagem teórico-jurídica busca articular conceitos e práticas atuais com o intuito de propor aprimoramentos no tratamento da violência doméstica sob a ótica da responsabilidade civil.

A estrutura do artigo divide-se nas seguintes seções: a primeira seção aborda os fundamentos constitucionais e civis da responsabilidade em casos de violência doméstica, com foco nos princípios da dignidade humana e da proteção à família. Na segunda seção, discute-se a Lei Maria da Penha e os desafios de sua implementação no âmbito civil, evidenciando questões de subnotificação, morosidade judicial e barreiras culturais. A terceira seção apresenta propostas de melhorias para a efetivação da responsabilidade civil, incluindo a criação de canais seguros de denúncia, apoio psicossocial e capacitação dos profissionais de justiça. A última seção traz considerações finais e sugestões para um avanço sustentável na aplicação da responsabilidade civil em prol das vítimas de violência doméstica.

Assim, este estudo busca contribuir para a reflexão sobre a responsabilidade civil como uma via de justiça e proteção integral às vítimas, propondo uma resposta jurídica sensível e eficaz ao problema da violência doméstica no Brasil.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL E A REPARAÇÃO DE DANOS 

A Constituição Federal de 1988 é o principal marco de proteção aos direitos fundamentais no Brasil, garantindo uma base sólida para a responsabilização civil em casos de violência doméstica. O respeito à dignidade da pessoa humana e à integridade das relações familiares são princípios fundamentais que orientam o tratamento jurídico desses casos, conforme expresso pelos doutrinadores e a jurisprudência.

2.1 Direitos Fundamentais e Responsabilidade Civil

A responsabilização civil em casos de violência doméstica decorre de garantias constitucionais que buscam assegurar a proteção e a dignidade das vítimas, reafirmando o compromisso do Estado com a justiça e os direitos humanos.

2.1.1 Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III) 

A dignidade da pessoa humana é um dos pilares centrais da Constituição. Conforme destacado por Ingo Sarlet, “a dignidade não é um atributo concedido pelo Estado, mas um reconhecimento que impõe a todos os entes públicos e privados o dever de respeitá-la e protegê-la” (Sarlet, 2022). 

Nos casos de violência doméstica, a violação da dignidade ocorre de maneira particularmente grave, atingindo a integridade física, moral e psicológica da vítima. A responsabilização civil nesses casos não é apenas uma reparação pelos danos sofridos, mas também um reconhecimento do direito fundamental à dignidade violada.

2.1.2 Proteção à Intimidade, Vida Privada e Imagem (art. 5º, X) 

A inviolabilidade da intimidade e da vida privada, garantida pela Constituição, é frequentemente desrespeitada em situações de violência doméstica. Segundo Paulo Bonavides, esses direitos são uma expressão direta da “proteção constitucional à esfera individual contra interferências arbitrárias”. A violação desse direito resulta em danos morais, pelos quais o agressor pode ser civilmente responsabilizado, com reparação financeira à vítima. (Bonavides, 2023)

2.1.3 Proteção à Família (art. 226) 

A proteção da família é um valor central na Constituição Federal, que atribui à entidade familiar um papel estruturante na sociedade. Segundo Maria Berenice Dias, “a família é o núcleo essencial da proteção estatal, e qualquer ato que ameace sua integridade deve ser enfrentado com a aplicação rigorosa da lei” (Dias, 2021). A violência doméstica compromete essa estrutura, justificando a intervenção do direito civil para restaurar os direitos das vítimas e preservar o bem-estar da família.

2.2 Responsabilidade Civil no Código Civil

Além da Constituição, o Código Civil Brasileiro complementa essas garantias por meio de dispositivos específicos sobre responsabilidade civil. O artigo 186 define como ilícita toda ação ou omissão que cause danos a outra pessoa, reforçando a necessidade de reparação. Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “a responsabilidade civil é um instituto fundamental que visa à recomposição do patrimônio jurídico violado” (Venosa, 2019). O artigo 927, por sua vez, impõe a obrigação de reparação àqueles que causam danos materiais ou morais. Em casos de violência doméstica, essas disposições garantem que a vítima tenha direito à compensação por lesões físicas, emocionais e psicológicas.

2.3 Prevenção e Justiça Social

A responsabilização civil em casos de violência doméstica vai além da simples reparação de danos. Ela serve como um mecanismo preventivo, desestimulando a prática de novos atos de violência. Segundo Alexandre de Moraes, “a aplicação rigorosa da responsabilidade civil reforça o compromisso do Estado com a proteção dos direitos fundamentais, atuando como instrumento de justiça social” (Moraes, 2020).

Assim, ao responsabilizar civilmente os agressores, o Estado não só reafirma a proteção aos direitos das vítimas, mas também promove a dignidade humana e a integridade das relações familiares, elementos essenciais para a coesão social e a justiça no Brasil.

3 A LEI MARIA DA PENHA E OS DESAFIOS

A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) marcou uma transformação profunda na luta contra a violência doméstica no Brasil, oferecendo mecanismos importantes para proteger, punir e assistir as vítimas. No entanto, apesar de seu impacto inegável, sua implementação ainda enfrenta grandes desafios, principalmente no que se refere à responsabilização civil dos agressores.

3.1 Subnotificação dos Casos

A subnotificação continua sendo um dos maiores obstáculos à plena aplicação da Lei Maria da Penha. Muitas vítimas não denunciam a violência que sofrem, seja por medo de retaliação, dependência financeira, ou mesmo desconfiança no sistema de justiça. Como destaca Alice Bianchini, “a invisibilidade de muitos casos de violência doméstica agrava a situação das vítimas e enfraquece a eficácia das medidas legais de proteção” (Bianchini, 2021). Esse silêncio forçado não apenas impede a adoção de medidas protetivas, mas também prejudica a responsabilização civil dos agressores, deixando as vítimas sem o amparo necessário.

3.2 Morosidade Judicial

Outro grande desafio é a lentidão do sistema judicial. Muitas vítimas aguardam anos para ver suas ações civis serem julgadas, prolongando o sofrimento e alimentando a sensação de impunidade. Conforme afirma Maria Berenice Dias, “a morosidade judicial é uma verdadeira agressão à vítima, que já sofreu com a violência e se vê, mais uma vez, desprotegida pela demora no julgamento de seus direitos” (Dias, 2021). Essa demora gera frustração, fazendo com que muitas desistam de buscar reparação por via judicial, o que prejudica a aplicação da responsabilização civil.

3.3 Machismo e Patriarcado

O machismo e o patriarcado enraizados na cultura brasileira também representam sérios entraves à implementação da Lei Maria da Penha. Esses valores tradicionais, que muitas vezes naturalizam ou justificam a violência doméstica, dificultam tanto a denúncia quanto a responsabilização do agressor. Luiz Flávio Gomes enfatiza que “o patriarcado transforma a violência em algo cotidiano, tornandose invisível aos olhos da sociedade e do próprio sistema de justiça” (Gomes, 2016). Esse contexto cultural aprofunda a desigualdade de gênero e cria barreiras adicionais para que as vítimas obtenham justiça.

3.4 Falta de Capacitação Profissional

A formação inadequada de profissionais do sistema de justiça, como juízes, advogados e policiais, também contribui para a ineficácia da Lei Maria da Penha. A ausência de capacitação específica e de sensibilidade em relação às dinâmicas da violência doméstica pode levar a decisões judiciais inadequadas, que muitas vezes não refletem a gravidade da situação. Como observa Ada Pellegrini Grinover, “um sistema de justiça que não compreende as nuances da violência de gênero jamais poderá oferecer uma proteção eficaz às vítimas” (Grinover, 2007). A falta de preparo torna difícil a garantia de reparações justas e a responsabilização dos agressores, tanto no âmbito penal quanto no civil.

Embora a Lei Maria da Penha represente um avanço histórico na proteção das mulheres contra a violência doméstica, sua implementação plena ainda enfrenta desafios estruturais. Para que essa legislação seja verdadeiramente eficaz, é crucial abordar a subnotificação dos casos, acelerar o processo judicial, enfrentar as normas culturais do machismo e aprimorar a formação dos profissionais que atuam no sistema de justiça. Como salientam Flávia Piovesan e Silvia Pimentel, “a justiça só será alcançada se o sistema civil também for fortalecido, garantindo reparações às vítimas e responsabilizando adequadamente os agressores” (Piovesan, 2018).

Portanto, o avanço na aplicação da Lei Maria da Penha exige não apenas o reforço dos mecanismos punitivos, mas também a criação de um ambiente jurídico mais ágil, preparado e comprometido com a proteção das vítimas e com a busca por justiça.

3.5 Reparação Civil e Propostas de Melhorias

A responsabilidade civil em casos de violência doméstica precisa ser aprimorada para garantir proteção efetiva às vítimas e facilitar o acesso à justiça. A seguir, são propostas algumas medidas que podem contribuir para um sistema mais eficiente de reparação civil, assegurando não apenas compensações financeiras, mas também uma resposta jurídica mais sensível e eficaz.

3.5.1 Criação de Canais Seguros de Denúncia

A subnotificação é um dos maiores entraves na responsabilização dos agressores. Por isso, é essencial fortalecer e ampliar canais seguros de denúncia, como linhas telefônicas dedicadas e aplicativos que permitam o anonimato. Tais recursos podem proporcionar um ambiente de denúncia menos arriscado para as vítimas, reduzindo o medo de represálias. Além disso, como enfatiza Alice Bianchini, “a integração dessas ferramentas tecnológicas com o sistema de justiça facilita o acesso a medidas protetivas e acelera os procedimentos de reparação civil” (Bianchini, 2021). Assim, as vítimas poderão iniciar suas demandas por justiça de forma mais segura e ágil.

3.5.2 Apoio Psicossocial Integrado

A reparação civil deve ir além do aspecto financeiro. O apoio psicossocial é uma dimensão crucial para o processo de recuperação das vítimas de violência doméstica. Centros de atendimento, como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e ONGs especializadas, desempenham um papel essencial na oferta de suporte emocional e jurídico. Conforme destaca Maria Berenice Dias, “a recuperação das vítimas passa por um atendimento integral, que inclua suporte psicológico e jurídico, possibilitando sua plena reintegração na sociedade e a reparação de sua dignidade” (Dias, 2021).

3.5.3 Capacitação dos Profissionais do Sistema Judiciário

A formação continuada de juízes, advogados e policiais é indispensável para que compreendam a complexidade dos casos de violência doméstica e atuem de forma sensível e eficiente. Cursos obrigatórios sobre direitos humanos, violência de gênero e a Lei Maria da Penha são fundamentais para garantir que os profissionais estejam preparados para lidar com esses casos de maneira apropriada. Ada Pellegrini Grinover argumenta que “a formação especializada é um elemento-chave para melhorar a resposta do sistema de justiça, tanto no âmbito penal quanto civil” (Grinover, 2007).

3.5.4 Promoção de Campanhas de Conscientização

Campanhas educativas são vitais para modificar padrões culturais que normalizam a violência doméstica. Essas iniciativas podem ajudar a conscientizar a sociedade sobre a seriedade do problema e sobre a importância da reparação civil como uma forma de justiça para as vítimas. Luiz Flávio Gomes ressalta que “a educação é um dos pilares mais eficazes na luta contra o patriarcado, ajudando a desconstruir ideias equivocadas de que os danos sofridos em ambiente doméstico são menos relevantes” (Gomes, 2016). Ao mudar a mentalidade coletiva, o sistema de justiça terá maior apoio social para agir com rigor.

3.5.5 Incentivo à Resolução Alternativa de Conflitos

Métodos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação e a conciliação, podem ser úteis para acelerar os processos de reparação civil em casos de violência doméstica. Embora a mediação não deva ser aplicada em todas as circunstâncias devido à assimetria de poder entre a vítima e o agressor, ela pode ser uma solução mais rápida e menos traumática em situações em que as vítimas busquem uma resolução eficiente, sem a necessidade de longos processos judiciais.

Flávia Piovesan destaca que “mecanismos alternativos de resolução de conflitos devem ser cuidadosamente aplicados para garantir que a vítima não seja novamente silenciada, mas sim ouvida em suas necessidades” (Piovesan, 2018).

3.5.6 Aprimoramento da Jurisprudência

Os tribunais superiores têm avançado na criação de precedentes que fortalecem a reparação civil em casos de violência doméstica. No entanto, é essencial que essas decisões se disseminem também nas instâncias inferiores, garantindo coerência na aplicação da lei. Silvia Pimentel argumenta que “o fortalecimento da jurisprudência em favor das vítimas deve ser um esforço constante, buscando garantir que os tribunais de primeira instância acompanhem as decisões dos tribunais superiores, especialmente em temas de direitos fundamentais e responsabilidade civil” (Pimentel, 2021).

A reparação civil em casos de violência doméstica é um instrumento crucial para garantir que as vítimas obtenham justiça. Contudo, é necessário ampliar os mecanismos de denúncia, oferecer suporte psicossocial integrado, capacitar os profissionais do sistema judiciário e promover mudanças culturais por meio de campanhas educativas. Além disso, o incentivo à resolução alternativa de conflitos e o aprimoramento da jurisprudência são passos importantes para fortalecer o sistema de responsabilização civil. Assim, as propostas apresentadas buscam não apenas reparar o dano causado, mas também garantir um ambiente mais seguro e acolhedor para as vítimas, promovendo justiça e igualdade.

4 CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO SUJEITOS DE DIREITOS

Crianças e adolescentes, antes vistos como objetos de proteção, passaram a ser considerados sujeitos de direitos e deveres, principalmente após a Constituição Federal de 1988. O princípio da proteção integral foi elevado à prioridade absoluta, assegurando que menores tenham todos os seus direitos fundamentais garantidos, especialmente no contexto familiar, onde a violação desses direitos, como nos casos de violência doméstica, exige a reparação civil.

4.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pela Constituição Federal, é o fundamento que rege as relações jurídicas no Brasil, incluindo as relações familiares. Segundo Alexandre (Cunha, 2002), “o princípio da dignidade da pessoa humana é o vértice do Estado de Direito, sendo base tanto para o direito público quanto privado”. No contexto da violência doméstica contra crianças e adolescentes, a violação desse princípio resulta na necessidade de responsabilização civil dos pais agressores, garantindo a proteção e a compensação pelos danos causados à dignidade dos menores.

4.2 Direito à Convivência Familiar

A Constituição Federal assegura, em seu artigo 227, o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar. Esse direito é crucial para o desenvolvimento sadio e equilibrado dos menores, sendo dever da família garantir esse convívio de forma protegida. Como afirmado por Tânia (Pereira, 2008), “a convivência familiar é um direito fundamental das crianças, e qualquer ato que comprometa esse direito deve ser severamente punido”. Nos casos de violência doméstica, a interrupção desse convívio saudável justifica a intervenção do direito civil para garantir a reparação e a restauração dos direitos das vítimas.

4.3 Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes

A violência doméstica contra crianças e adolescentes se manifesta de várias formas, como agressões físicas, psicológicas, sexuais e negligência. Segundo Guerra (1998), essa violência é uma transgressão do dever de proteção que os pais ou responsáveis devem exercer. A violência doméstica configura um ato ilícito que atinge diretamente o desenvolvimento físico e psicológico da vítima, razão pela qual a responsabilidade civil dos agressores deve ser aplicada para reparar os danos.

4.4 Formas de Violência Doméstica

A violência doméstica pode ser física, psicológica, sexual ou se manifestar por negligência. A violência física, como explica Lucélia (Braghini, 2000), refere-se a agressões diretas ao corpo da criança, enquanto a violência psicológica consiste na degradação emocional da vítima, sem deixar marcas visíveis, mas causando profundo sofrimento. A reparação civil deve levar em consideração o impacto dessas formas de violência, buscando compensar os danos sofridos.

4.5 A Responsabilidade Civil dos Pais

A aplicação da responsabilidade civil em casos de violência doméstica contra crianças e adolescentes está fundamentada no artigo 186 do Código Civil, que define o ato ilícito como toda ação ou omissão que viole direitos e cause danos. Segundo Luciana (Berlini, 2009), a responsabilização civil é um mecanismo essencial para reparar os danos sofridos pelos menores e restaurar seus direitos violados no ambiente familiar. A indenização pode abranger danos materiais, como os custos de tratamento médico, e danos morais, pela dor e sofrimento causados à vítima.

4.6 Formas de Responsabilização Civil

Entre as formas de responsabilização civil, destacam-se a suspensão ou destituição da autoridade parental, conforme previsto no Código Civil, e a indenização por danos morais e materiais. Como observa Luciana (Berlini, 2009), a multa cominatória também é uma medida eficaz para coibir atos de violência, estabelecendo uma obrigação pecuniária aos pais que continuam praticando violência contra seus filhos. A responsabilidade civil, nesse sentido, não visa apenas à reparação, mas também à prevenção de novos atos de violência, garantindo o melhor interesse da criança ou adolescente.

4.7 Violência como Dano e as Múltiplas Formas de Violências de Gênero

A violência de gênero, em suas múltiplas formas, causa danos diretos e reflexos. O conceito de dano, no contexto das violências de gênero, é compreendido como uma violação que afeta não apenas a mulher diretamente, mas também aqueles ao seu redor, como filhos, pessoas idosas ou com deficiência, caracterizando o chamado “dano por substituição” (BARBOSA, 2023). A responsabilidade civil surge como um meio de reparação dos danos sofridos e de prevenção de novos abusos.

4.7.1 Dano Direto e Reflexo nas Violências de Gênero

A violência de gênero não afeta apenas a vítima direta, mas pode reverberar em terceiros, que também sofrem danos devido ao contexto de violência. Conforme descrito por Barbosa e Peruzzo (Barbosa, 2023), o dano reflexo, ou por ricochete, é caracterizado quando um terceiro sofre dano em decorrência da violência cometida contra a vítima principal, como no caso de filhos atingidos pela violência dirigida às suas mães. Este tipo de dano é indenizável no âmbito da responsabilidade civil, e sua quantificação deve considerar a intensidade do dano psicológico sofrido.

4.7.2 Instrumentalização de Terceiros na Violência de Gênero

Em muitos casos de violência doméstica, agressores utilizam terceiros — geralmente filhos ou outros entes vulneráveis — como instrumentos para causar mais sofrimento à vítima principal. Segundo as autoras, esse tipo de violência é denominado “violência vicária”, uma forma grave de violência psicológica, que justifica a majoração do valor das indenizações para melhor refletir o sofrimento causado (Barbosa, 2023).

4.7.3 Quantificação do Dano na Responsabilidade Civil

A quantificação do dano nas violências de gênero não se limita à reparação por perdas patrimoniais, mas deve também abranger o dano moral e psicológico sofrido pela vítima. Conforme o artigo 944 do Código Civil Brasileiro, a indenização deve corresponder à extensão do dano, mas é possível considerar a função pedagógica da responsabilidade civil, conforme o Enunciado nº 379 da Jornada de Direito Civil (Barbosa, 2023). Assim, nos casos de violência doméstica, a responsabilidade civil cumpre não apenas um papel compensatório, mas também preventivo.

4.7.4 Função Preventiva da Responsabilidade Civil

Além de reparar os danos causados, a responsabilização civil atua como um mecanismo de prevenção contra novos atos de violência. A aplicação de penas financeiras serve para desencorajar comportamentos violentos, reforçando o papel da responsabilidade civil como instrumento de justiça social e proteção às vítimas. Como destacam Barbosa e Peruzzo (Barbosa, 2023), a majoração das indenizações em casos de violência vicária também atende a esse fim preventivo, uma vez que visa coibir a instrumentalização de terceiros para amplificar o dano à vítima.

4.8 Barreiras Culturais que Limitam a Efetividade da Responsabilização Civil

As barreiras culturais constituem um desafio significativo para a efetividade da responsabilização civil em casos de violência doméstica. Segundo Souza (2021), diversas sociedades ainda mantêm estigmas e preconceitos que dificultam tanto a denúncia quanto a punição dos agressores. A concepção de que a violência se trata de uma questão privada, a ser resolvida no âmbito familiar, perpetua um ciclo de silêncio que obstrui a busca das vítimas por reparação.

Ademais, a internalização de normas patriarcais, conforme argumenta Almeida (2020), pode levar as vítimas a acreditarem que devem suportar a violência em função de fatores como a preservação da unidade familiar ou a dependência financeira. Essa mentalidade não apenas minimiza a gravidade da situação, mas também contribui para a subnotificação dos casos, o que torna a aplicação da responsabilidade civil uma tarefa árdua.

Outro aspecto relevante é a falta de conscientização acerca dos direitos das vítimas. De acordo com Ferreira (2022), muitas pessoas desconhecem a existência de mecanismos legais que podem auxiliá-las na obtenção de reparação. Essa carência de informação não somente limita o acesso à justiça, mas também perpetua a impunidade dos agressores, visto que a ausência de denúncias dificulta a responsabilização civil.

Por fim, é imprescindível abordar essas barreiras culturais por meio de campanhas educativas que promovam a igualdade de gênero e os direitos humanos. Conforme propõe Oliveira (2023), a transformação cultural representa uma estratégia vital para assegurar que a responsabilização civil funcione de maneira eficaz, permitindo que as vítimas se sintam empoderadas a buscar justiça e reparação por seus danos.

4.9 Propostas de Melhoria na Responsabilização Civil e Proteção às Vítimas

A responsabilização civil no contexto da violência doméstica exige melhorias para garantir uma maior efetividade na proteção das vítimas e na reparação de danos. Conforme relatado por Britto (2023), a legislação atual, apesar de significativa, ainda apresenta lacunas que podem comprometer a plena reparação. Entre as principais propostas, destaca-se a necessidade de revisão contínua da Lei Maria da Penha, de forma a adaptá-la às novas realidades e formas de violência, inclusive digital.

Além disso, a agilidade processual é um ponto essencial, conforme apontado por Silveira (2021), que observa a lentidão do sistema judiciário como um dos maiores obstáculos enfrentados pelas vítimas. A criação de varas especializadas e a digitalização de procedimentos poderiam acelerar a resolução dos casos, reduzindo os danos causados pela demora no acesso à justiça.

Outra questão crucial é a ampliação das redes de apoio. De acordo com Ribeiro (2022), a falta de estrutura em áreas menos desenvolvidas impede que muitas vítimas tenham acesso a serviços de acolhimento e assistência. A expansão dessas redes, principalmente em regiões mais isoladas, é vital para garantir que as vítimas recebam o suporte necessário.

Por fim, o fomento à educação e à conscientização são estratégias de longo prazo para modificar a cultura que perpetua a violência doméstica. Martins (2020) argumenta que, ao inserir temas de violência de gênero e direitos humanos nos currículos escolares, é possível criar uma mudança significativa na sociedade, promovendo a igualdade e a não-violência desde a infância. Essas propostas visam a fortalecer os mecanismos de responsabilização civil e assegurar que as vítimas de violência doméstica recebam a devida reparação.

4.9.1 Elementos Cruciais para a Reparação das Vítimas de Violência

As redes de apoio e a promoção de uma mudança cultural são fundamentais para assegurar a reparação às vítimas de violência doméstica.

A criação e o fortalecimento de redes de apoio são essenciais para oferecer um ambiente seguro e acolhedor para as vítimas. Essas redes devem incluir familiares, amigos, profissionais de saúde e organizações da sociedade civil. Segundo pesquisas, um suporte emocional e prático eficaz pode auxiliar as vítimas a superarem o trauma e buscar a reparação de seus danos. Além disso, é crucial garantir o acesso a recursos como abrigo temporário, assistência psicológica e orientação legal, que são indispensáveis para a recuperação das vítimas.

A transformação cultural é igualmente vital para a efetividade da reparação. A internalização de normas sociais que perpetuam a violência doméstica deve ser desafiada. Conforme argumenta Almeida (2020), a desnaturalização da violência é necessária para que as vítimas não se sintam culpadas ou envergonhadas por sua situação. Campanhas educativas que promovam a igualdade de gênero e os direitos humanos são essenciais para sensibilizar a sociedade e encorajar a denúncia da violência.

Portanto, a ampliação das redes de apoio, juntamente com uma mudança cultural significativa, é indispensável para garantir que as vítimas de violência doméstica recebam a reparação devida. Somente por meio de um esforço conjunto será possível criar um ambiente onde as vítimas se sintam empoderadas a buscar justiça e a reconstruir suas vidas.

4.10 Jurisprudência sobre Indenização por Danos Morais em Violência Doméstica

A responsabilidade civil em casos de violência doméstica encontra respaldo em diversas decisões dos tribunais brasileiros. No caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a apelação cível n. 0022730-24.2017.8.13.0696 tratou da indenização por danos morais decorrentes de violência doméstica. A decisão reconheceu que, para a comprovação da violência, a palavra da vítima tem especial relevância probatória, especialmente quando está em consonância com outras provas existentes no processo. O Tribunal ainda destacou que, em situações de violência doméstica, o dano moral é presumido, dispensando-se a prova de sua ocorrência, conforme o entendimento consolidado no Tema 983 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A fixação da indenização deve considerar as circunstâncias dos fatos e a condição das partes envolvidas, como forma de garantir que a reparação seja justa e proporcional. Conforme o art. 927 do Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, fundamento esse que orientou a decisão.

Um exemplo significativo pode ser observado na Apelação n. 102005104.2017.8.26.0007, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, onde a autora, após acompanhamento em uma instituição destinada a mulheres vítimas de violência doméstica por quase três anos, buscou reparação por danos morais e existenciais. O Tribunal reconheceu a violência psicológica e física, mesmo na ausência de testemunhas, e reformou a sentença de improcedência, condenando o réu ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos morais. Este caso reforça a ideia de que a violência contra a mulher no ambiente familiar geralmente ocorre de forma clandestina, sendo a palavra da vítima e outros documentos essenciais para a comprovação dos atos ilícitos.

Além disso, o Tribunal de Justiça do Paraná também possui jurisprudência relevante a respeito. Em um recurso inominado (0011769-18.2019.8.16.0131), foi reconhecida a ocorrência de violência psicológica em um relacionamento afetivo, destacando a desnecessidade de condenação criminal para responsabilização civil. O depoimento da vítima e a coerência entre seu relato e as demais provas dos autos foram fundamentais para a decisão de manter a condenação por danos morais, demonstrando a violação dos direitos de personalidade.

Assim, a jurisprudência reafirma a importância da reparação civil em casos de violência doméstica, não apenas como forma de compensar o dano sofrido pela vítima, mas também como instrumento de justiça e de prevenção de futuros abusos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A responsabilidade civil em casos de violência doméstica é essencial para garantir reparação às vítimas e atuar como mecanismo preventivo contra novos abusos. Embora a Lei Maria da Penha tenha representado um avanço significativo no combate à violência doméstica, sua aplicação plena ainda enfrenta desafios consideráveis. A subnotificação, a morosidade do sistema judiciário e as barreiras culturais, como o machismo e o patriarcado, continuam a limitar o acesso à justiça e a responsabilização efetiva dos agressores.

É fundamental que se aprimorem os mecanismos de denúncia, com canais mais seguros e acessíveis, além da capacitação contínua de profissionais do sistema de justiça para lidar com a complexidade dos casos de violência doméstica de forma eficiente e sensível. O fortalecimento das redes de apoio psicossocial também se mostra crucial para proporcionar um suporte mais completo às vítimas, tanto no aspecto emocional quanto no jurídico.

A responsabilidade civil, além de reparar os danos materiais e morais causados, deve desempenhar um papel preventivo e educativo, desestimulando a prática da violência e promovendo a justiça social. Para que isso se torne realidade, é necessário um esforço contínuo de aprimoramento das políticas públicas, das práticas judiciais e da conscientização da sociedade como um todo.

Portanto, garantir uma responsabilização civil mais ágil e efetiva é um passo decisivo para assegurar que as vítimas de violência doméstica tenham seus direitos protegidos e que o ciclo de violência seja rompido.

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Fernanda Nunes Barbosa: Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora de Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Renata Peruzzo: Mestra em Direitos Humanos pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e assessora de Desembargador no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: rodrif.adv@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0005-6266-1829