O SUICÍDIO COMO FUGA DO EXISTIR: A PORTA DE SAÍDA QUE NINGUÉM MAIS VÊ

SUICIDE AS AN ESCAPE FROM EXISTENCE: THE EXIT DOOR THAT NOBODY ELSE SEES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202411222004


Amanda Fonseca Alves1;
Daiane Gracieli de Campos Moura Pires2;
Rogério Krause3


RESUMO

O suicídio ainda representa um estigma para a sociedade e a discussão sobre o tema tende a ser evitada nas rodas familiares e sociais por acreditar-se que dialogar sobre suicídio pode encorajar a prática. Quem apresenta comportamento suicida acaba sendo alvo de comentários insensíveis ou vexatórios, inclusive das pessoas do convívio familiar, amigos, e profissionais da saúde. Diante disso, pode-se indagar: Como acolher uma pessoa em crise existencial? A quem recorrer? Como deve ser o atendimento profissional voltado ao paciente que tentou o suicídio?  O presente estudo versa sobre a necessidade de falar sobre o tema suicídio, discorrer sobre o manejo do paciente tentante e seus familiares, bem como discutir os discursos em relação aos comportamentos autodestrutivos, e, inclusive, ao que se refere a recuperação após os atos fatídicos.

Palavras-chave: Suicídio, Autolesão, Sofrimento existencial, Dor psíquica, Acolhimento.

ABSTRACT

Suicide still represents a stigma for society and discussion on the topic tends to be avoided in family and social circles because it is believed that talking about suicide can encourage the practice. Anyone who presents suicidal behavior ends up being the target of insensitive or humiliating comments, including from family members, friends, and health professionals. Given this, one may ask: How to welcome a person in an existential crisis? Who to turn to? What should professional care be like for patients who have attempted suicide?  The present study deals with the need to talk about the topic of suicide, discuss the management of attempted patients and their families, as well as discuss speeches in relation to self-destructive behaviors, and even with regard to recovery after fateful acts. 

Keywords: Suicide, Self-harm, Existential suffering, Psychic pain, Reception.

INTRODUÇÃO

A morte ainda configura um tabu social. Dentro dessa temática, o suicídio aparece como um dos temas mais estigmatizados, seja por ideologias religiosas, ou culturais, gerando grande desconforto quando se torna assunto nas múltiplas rodas sociais (NUCCI, 2021; ÂMBAR, 2021; NUNES, 2024). Nos contextos do cuidado em saúde, o tema afeta a atuação profissional dos que ofertam assistência direta ou indireta a pessoas que apresentam comportamentos suicidas e seus familiares, pois, como lembra Soares (2013, p.10) “infelizmente, as universidades só ensinam a tratar e a curar”. Há também os familiares desses assistidos, convivendo em alerta, assombrados pelo medo de novas tentativas ou que já sofrem o luto pela perda de alguém que sucumbiu ao suicídio. A atuação dos profissionais de saúde, inclusive aqueles que atuam em ambientes hospitalares (médicos, enfermeiros, psicólogos, entre outros.), seja recebendo e prestando os primeiros cuidados ou atuando na prevenção e posvenção do ato, podem contribuir na evitação de novas autolesões.

 A escolha do tema se deu a partir do contato, ao longo dos dez períodos da graduação e dos estágios realizados ao longo desse percurso, com temas relativos ao suicídio e a postura de familiares, profissionais e pessoas próximas das pessoas que decidem tirar a própria vida, principalmente quando o ato se dá por intoxicação exógena e o tentante acaba sobrevivendo. Diante dos relatos ouvidos durante a vivência acadêmica, percebeu-se o quanto o sofrimento emocional sobrecarrega o psicológico de uma pessoa. A proposta desta pesquisa versa sobre a necessidade de expandir a reflexão sobre o tema do suicídio, buscando conscientizar tanto as pessoas próximas, como os amigos e a família – de quem já atentou contra sua própria vida ou apresenta sinais de que o fará – a identificar os sinais, entender como acolher, oferecer ajuda e ser suporte durante os processos de doenças físicas, mentais e sofrimentos existenciais que levam pessoas a considerarem o suicídio como a única maneira de livrar-se do sofrer. 

Num primeiro momento é tratado dos aspectos relacionados ao estigma em torno do assunto do suicídio, seguindo para a construção da identidade e do aspecto do existir nos contextos nos quais cada indivíduo convive, incluindo a maneira como se reconhece em cada ambiente social. Em seguida, é abordado sobre a busca pelo sentido da vida e a forma como cada pessoa pode vir a lidar com a dor de ser quem é e o sofrimento de seus momentos de crise existencial. Versa-se ainda sobre as possibilidades de manejo profissional, sobre os conceitos de saúde, o estigma do suicídio em seus aspectos históricos e culturais, a atuação profissional e o luto, tanto de quem sobrevive à tentativa de suicídio quanto das pessoas próximas que perdem um amigo, um ente querido por esse meio de fuga do existir.

 O presente estudo está fundamentado em uma abordagem qualitativa, uma vez que não serão apresentados números e nem quantitativos de casos de suicídios, mas abordará: motivos, reflexões, análises e relatos que evidenciem a importância da abordagem psicológica no acompanhamento desses indivíduos. A pesquisa trata-se de uma revisão bibliográfica, desenvolvida a partir de leituras em livros, artigos científicos, dissertações e teses acerca da temática. Para seleção dos materiais indexados, será realizado um recorte temporal dos últimos 10 anos, contemplando os anos de 2014 a 2024. Para base de dados e coletas, será utilizado publicações indexadas das plataformas: Scielo, Banco de Teses e Dissertações da CAPES, Google Acadêmico e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5-TR. Após a seleção do material, serão realizadas leituras, análises e construção deste instrumento científico.

1. O suicídio e seus múltiplos contextos

O Dicionário de Psicologia da American Psychological Association – APA (VANDENDENBOS, 2010, p. 883) define o suicídio como “o ato de se matar”. Segundo Kovács (1992), o suicídio é uma auto eliminação consciente, voluntária e intencional, incluindo também processos autodestrutivos inconscientes, lentos e crônicos. O termo “suicídio” traz também o significado de “morte de si mesmo” (CASSORLA, 2017). 

O suicídio é considerado um problema de saúde pública. Segundo dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, sendo a quarta causa de morte mais comum entre jovens dos 15 aos 19 anos de idade. Além disso, 77% dos casos de suicídio ocorrem em países de baixo ou médio potencial econômico. Ainda segundo a organização, os métodos mais utilizados globalmente são ingestão de pesticidas, enforcamento e uso de armas de fogo. 

Ainda segundo a OMS, o suicídio é um fenômeno multicausal, que afeta os indivíduos de forma individual e coletiva. Os comportamentos suicidas estão associados, principalmente a transtornos psicológicos, como depressão e uso de substâncias, situações de crise, como divórcios ou problemas econômicos, e doenças crônicas. Grupos minoritários que lidam com discriminação, como refugiados, indígenas, membros da comunidade LGBTQIA+ e presos.

Um estudo no banco de dados sobre mortes por suicídio do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), entre os anos de 2010 e 2019, e notificações sobre autolesão no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), em 2019, traz alarmantes dados de que ocorreram mais de 112.230 mortes por suicídio, sendo que homens se encontram com maior risco de morte, havendo também um aumento expressivo nos casos relacionados a jovens (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).

O estigma do suicídio é um elemento presente em boa parte da história, tanto por motivos religiosos quanto pelo interesse de preservar a vida. Netto (2013) afirma que é a partir de Agostinho de Hipona (século V) que o suicídio passa a ter uma conotação pecaminosa, chegando a ser considerada crime na idade média e aqueles que se matavam tinham seus bens confiscados e eram proibidos de serem velados da forma tradicional. Com o desligamento do Estado e da Igreja, o estigma é transferido do sentido de punição divina e passa a remeter a uma patologia. 

O desejo de explicar o processo de suicídio dá de cara com complexidade da subjetividade humana. Oliveira (2017, p.111) afirma que:

A ânsia por explicações deve ser antecedida pelas reflexões no âmbito individual, da unicidade de cada ser humano, pela condição existencial vivenciada na trajetória pessoal, que precede um comportamento suicida, bem como pelo contexto social desse indivíduo.

Baptista e Cardoso (2020) afirmam que a escolha da nomenclatura, em si, já traz aspectos subjetivos. Alguns autores debatem que o termo correto para exemplificar os comportamentos suicidas é ideação, outros utilizam tentativa e ainda, suicídio. 

O DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª Edição – Texto Revisado) traz os dois conceitos termos Comportamento Suicida e Autolesão não suicida. O primeiro diz respeito a comportamentos de autolesão em que o indivíduo apresenta intenção de morrer, já o segundo diz respeito aos danos autoinflingidos intencionalmente sem intenção suicida (DSM-5-TR, 2023). O manual indica que se deve investigar a apresentação clínica na primeira consulta e no seguimento, além de avaliar o histórico  de tais comportamentos.

Embora as explicações sobre os motivos dos indivíduos que atentam contra a própria vida sejam complexas, alguns fatores de risco são comumente referidos na literatura sobre o assunto. São eles: presença prévia de transtorno mental, desesperança, impulsividade, orientação sexual, histórico e suporte familiar, déficits cognitivos e estratégias inadequadas de solução de problemas, traços de personalidade, ansiedade, agressividade, perfeccionismo, desinibição comportamental, eventos estressores ou traumáticos, genética, etc. Além de aspectos culturais como religião, poder econômico, valores aprendidos, acesso a meios para as tentativas, posicionamento da mídia e falta de preparo no desenvolvimento de políticas públicas de promoção de saúde e prevenção (BAPTISTA e CARDOSO, 2020, p. 144).

A família também desempenha importante papel tanto na prevenção quanto na posvenção dos pacientes. Como pontuado por Edwards, Patterson e Griffith (2021), em todas as culturas, a família é percebida por proporcionar um senso de pertencimento, proteção e estima. Sendo assim, os problemas familiares desempenham grande impacto e podem configurar-se aspectos de risco ou protetores. As experiências como: histórico de suicídio na família, traumas, abusos e a ausência familiar. Outro ponto trazido pelos autores, diz respeito a perda de um genitor como fator de risco, principalmente se a causa for suicídio, com ênfase no fato de que os efeitos do suicídio são mais latentes em crianças e que o suicídio materno é mais agravante do que do paterno, além de mães de filhos adultos que cometem suicídio terem mais chances de consideraram realizar o ato. Outros fatores abordados são abandono por divórcio ou morte, violência doméstica, abuso sexual e o sentimento de ser um fardo. Famílias que têm dificuldades de adaptação a eventos adversos, como desemprego, podem ter maior chance de desenvolvimento de comportamento suicida.

As pessoas que manifestam comportamentos autolesionantes são encaminhados aos serviços de emergência para lidar com as consequências das tentativas, como lesões, traumas e outros comprometimentos que serão atendidos por equipes multiprofissionais que realizam as intervenções cabíveis (OLIVEIRA, 2017). Existe certo despreparo dos profissionais de saúde que realizam os atendimentos e tem dificuldades de identificar os sofrimentos do paciente e possíveis fatores de risco ao suicídio. Ainda em 2006, a OMS publicou uma cartilha adereçada ao manejo do suicídio contando com esclarecimentos e sugestões de abordagem e avaliação.

Oliveira (2017, p. 119) ressalta que “estamos diante de pessoas em desespero, sofrimento, em situações de crise que as fizeram caminhar para a autodestruição na tentativa de cessar a própria vida”.

2. “Ser ou não ser”: aspectos do existir que influenciam na busca pelo sentido de viver

Ao longo da escalada do desenvolvimento humano o organismo vai amplificando suas capacidades adaptativas desde o nascimento até a morte. Durante esse processo cada indivíduo passará por experiências que o colocará em risco, sendo necessário que busque alternativas para superar e conviver com as lembranças, os medos, e até os traumas originados dos contextos aos quais foi exposto. Conforme enfrenta as situações de risco vai aumentando seu arsenal de ferramentas de enfrentamento que, num outro momento, poderão ser utilizadas para superar as dificuldades e diminuir os possíveis danos a ele e/ou a outros, conforme a necessidade que se apresentar. Pode-se dizer, então, que toda luta e toda fuga se concentram nos seguintes objetivos: evitar o sofrimento, prolongar a existência e, consequentemente, adiar a morte (BOARATI e ALMEIDA, 2023). 

Ao nascermos, somos lançados em um mundo já pronto, existente, com papeis já definidos e assumidos. Nem nosso próprio nome temos a liberdade de escolher, tendo que desempenhar um papel também, muitas vezes já descrito e esperado. […]. Não existe escolha: temos que assumir nossa existência, os limites inerentes e a finitude que nos aguarda (NUCCI, 2021, p. 32).

 Durante o viver, a maior missão de uma pessoa é reconhecer-se com base em sua convivência com os demais, vendo a si mesmo sob os reflexos de outros, percebendo-se a maneira como é incluído nos contextos de família, escola, igreja e sociedade num modo geral, sob os moldes da educação que recebe. Sobre isso Nucci (2021, p.33) comenta que “nessa contínua travessia entre o não ser e o ser, existimos […]. Para evoluir, aprendemos a andar, falar, ler, escrever, mas, acima de tudo, buscar conhecimento, fazer, conviver – aprendemos a ser”. Cada um se reconhecerá a partir das impressões que as pessoas têm sobre ele, contidas nos elogios e nas críticas, nas maneiras que ele se sente e se percebe em meio aos outros, sejam da mesma faixa etária ou não, em seu ambiente natural ou em um novo.

O homem é um ser explorador de sua natureza, e é assim que a criança constrói sua identidade infantil, que reverberará a outras fases da vida, imprimindo a seus descendentes muito do que aprendeu a ser, replicando visões de mundo, culturas, comportamentos e, também, os traumas – que não serão poucos e que terão grande peso nas decisões e nas relações interpessoais, de acordo com o modo que eles se apresentam e são superados. De fato, o homem enfrenta um eterno descobrir sobre si mesmo visto que a educação que recebe é voltada para a vida prática, de forma a prepará-lo para as resoluções de problemas práticos do mundo e não voltado ao seu mundo interior. Sobre si, é ensinado que é desejável ser bem-visto, bem-quisto, bem relacionado, querido, mesmo que seja por pessoas e em ambientes que não o satisfaça como indivíduo, que, de alguma forma, não contribuam para seu desenvolvimento humano, mesmo que esses ambientes não sejam reconhecidos por ele como agradáveis, capazes de suportar. 

Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos. (CAMPBELL, 1990, p.3. apud NUCCI, 2021, p. 30).

 Quando saudável psíquica e emocionalmente, o indivíduo percebe seus limites invadidos, seus pensamentos incompreendidos e seus planos a ponto de serem ruídos pela vontade e expectativa alheias, e tem força de assumir as rédeas da própria vida, impondo-se, projetando-se para o existir em si mesmo de forma a sustentar quem ele é – com todas suas qualidades, defeitos e traumas. Nucci (2021, p.37) ilustra bem o exposto ao dizer que “conhecer-se é viver a experiência do pertencimento. Sem isso, vivencio a morte em vida, o desencanto, a alma entristecida, a espiritualidade adormecida, a finitude, a agonia”. É dos dissabores que fazem emergir as potências individuais para a mudança ou as debilidades que desaceleram e adoecem o homem, o encaminhando para uma vida de dor e sofrimento, que, quando instalados, engessam e paralisam a alma.   

Existem acontecimentos que impactam a vida das pessoas e que geram emoções negativas, medo, desespero, impotência e vulnerabilidade, todas registradas pelo cérebro como memórias de dor e sofrimento. Acontecem quando a pessoa descobre uma doença física grave, ou sofre pelos desdobramentos de uma doença psiquiátrica, ou passou por uma situação de risco que gerou um estresse póstraumático ou sentiu o gosto amargo de uma decepção amorosa ou pessoal. Outros exemplos podem ser a convivência em um lar de brigas e violência, ou de incompreensão onde a pessoa não é aceita por quem é (TESSARI, 2023). Pode-se citar também o uso de substâncias químicas, problemas financeiros, questões profissionais, divórcio e separação, problemas de saúde física, dentre tantos outros (Sousa, 2023).

O sentido da vida está no pertencimento, a pessoa que realmente se sente reconhecida por quem é e que se sente pertencente ao lugar que ocupa no mundo age de maneira mais assertiva diante dos obstáculos que encontra. Dificuldades todo mundo tem; por decepções todo mundo passa; por perdas e danos todo mundo é afetado. Conforme dispõe Nucci (2021, p. 37) “Conhecer-se é viver a experiência do pertencimento. Sem isso, vivencio a morte em vida (…)”. O diferencial entre as pessoas é a forma como reagem diante das intempéries que enfrentam e do apoio que têm de quem está próximo. Uma pessoa que está em crise existencial considera que não há meios de superar as dificuldades que estão à frente, quando na verdade existem outras possibilidades adiante, mas ela apenas não consegue enxergar a saída da tempestade sozinha e quase sempre escolhe a porta de saída que ninguém mais vê (KOVÁCZ, 2021; BOARATI e ALMEIDA, 2023; SOUZA, 2023).

Muitos são os contextos capazes de contribuir para que um indivíduo desenvolva sofrimento psíquico ou existencial e quando essas experiências não são manifestas, nem trabalhadas em psicoterapia, por exemplo, elas se mantêm vívidas a ponto de deixar a pessoa em estado de alerta ao menor sinal que a faça lembrar da situação de risco a qual foi exposta anteriormente. São os chamados ‘gatilhos’ que disparam e provocam sintomas físicos e psíquicos que podem levar a pessoa a procurar evitações a ponto de não conseguirem retomarem suas rotinas diárias.        

[…] os ideais de família perfeita, pesa para muitas pessoas nessas datas: Dia dos Namorados sem a pessoa amada, dias dos pais sem pai ou dia das mães sem a mãe. Festas de fim de ano são as mais difíceis, em razão da expectativa que é criada, pois nem sempre a realidade acompanha esse ideal social que é tão promovido pela mídia e por nossa cultura. Tudo isso causa sofrimento emocional (ÂMBAR, 2021, p. 160-131). 

 Embora a incidência de processos autodestrutivos em pessoas com doenças psiquiátricas, Sousa (2023) comenta que os sintomas dos transtornos mentais, quando acompanhados dos sintomas de delírios e alucinações, por exemplo, podem desencadear comportamentos suicidas, mas que conviver com um transtorno não é, por si só, o único fator para processos autodestrutivos. Os fatores que motivam uma pessoa a morrer por suicídio é o nível do sofrimento mental ao qual é submetida, seja por questões profissionais, do lar, do convívio escolar, do ambiente de trabalho, dentre tantos outros âmbitos e aspectos a serem considerados.

Dor psíquica se difere de dor existencial. A primeira se caracteriza pela presença de transtornos como depressão e ansiedade, demandando uso de medicações, acompanhamento psicológico e atenção psicossocial. O sofrimento existencial é atrelado ao sentido da vida, dos sofrimentos vividos, dos desafios enfrentados e que são as causas de angústia, fracasso e desesperança, por exemplo (KÓVACZ, 2021). É o sofrimento que acontece no contexto da existência, a partir das relações que se estabelecem, de vivências traumáticas e situações que fogem ao controle.                    

3. O acolhimento da dor psíquica e do sofrimento existencial

De acordo com Saunders (1991) apud Kóvacz (2021, p. 72), as dimensões da dor “causam impacto em várias esferas da vida do paciente: física, emocional, social e espiritual, resultando em piora da qualidade de vida”. Kóvacz (2021, p. 72) ainda cita Shneidman (1993) confirmando que “essa dor tem relação com vergonha, raiva, culpa, horror, angústia, falta de afeto, desamparo e desesperança. Quando a dor se torna insuportável, a pessoa busca a morte”. Não pelo desejo de morrer, mas pela necessidade de aplacar a dor psíquica ou existencial que a aflige e que, num impulso, buscam no suicídio a única saída que consegue ver.         

Pessoas em sofrimento físico e psíquico podem desejar morrer e muitos podem ser os motivos, entre os quais a ideia da morte vista como forma de eliminar o sofrimento. Idosos podem desejar a morte enquanto ainda têm força e controle. Pessoas que vivem situações de humilhação, vergonha, desonra e estigma podem desejar morrer como forma de escapar dessas situações ou de castigar quem provoca as situações que estão vivendo, como os familiares (KOVÁCS, 2021, p. 78).   

O manejo do sofrimento pelo próprio indivíduo difere muito da forma como outro enfrentaria a mesma situação. Ao longo da vida cada pessoa vai adquirindo recursos como forma de lidar com seus sofrimentos e dificuldades, observando a forma como as pessoas a sua volta enfrentam seus próprios problemas. Soma-se a isso os comentários rotineiros sobre os estigmas construídos pela cultura onde a pessoa vive, muitas vezes afirmando que “sofrer é coisa de gente fraca”, ou ainda, que “homem não chora”, anulando totalmente os sentimentos e a individualidade da pessoa.

“Nosso passado está lá atrás, protegido na memória (…) nossa infância, nossa adolescência, desejos e ideias, palpites e certezas, tudo vai passando e provocando novos pensamentos, entendimentos, certezas ou mais dúvidas” (NUCCI, 2021, p. 20). Diante de tantas incertezas geradas a partir de discursos limitantes e provocadores de sofrimento a pessoa se vê em um beco sem saída, onde a fuga do existir parece ser, então, o único caminho para se ver livre de tanto sofrer. 

A desregulação emocional possibilita que ocorra comportamentos autolesivos sem a intenção de suicídio. Em entrevista a Maura Âmbar, a psicóloga clínica e hospitalar Fernanda Rezende comenta que “a automutilação é utilizada como uma transferência da dor psíquica para a dor física. Uma tentativa de alívio momentâneo da dor emocional” (ÂMBAR, 2021, p. 157). Isso sugere que a pessoa que se automutila está vivenciando o sofrimento emocional em grande escala e que nem sempre desenvolverá comportamento suicida, mas que pode acabar sendo esse o próximo passo, pois pode colocar a vida dessa pessoa em risco (ÂMBAR, 2021; KAHTALIAN, 2023).

A autolesão não suicida pode ser definida como qualquer comportamento intencional envolvendo agressão direta ao próprio corpo sem intenção consciente de suicídio, não aceita socialmente em sua cultura, nem para exibição. (GIUSTI, 2013 apud KAHTALIAN, 2023, p. 173). 

 Dentre muitos comportamentos considerados autolesivos cita-se alguns a seguir: a ingestão de medicações em dosagens maiores do que as recomendadas, fazer o uso de grandes quantidades de drogas ou substâncias psicoativas com a finalidade de autoagressão; ingerir água sanitária, venenos, objetos afiados e/ou pontiagudos; cortar-se usando lâminas de barbear, facas ou estiletes, por exemplo; usar o fogo para causar ferimentos em partes de seu próprio corpo; bater a cabeça na parede ou usar objetos com a mesma intenção. Geralmente tais atos são desencadeados por gatilhos, que podem ser desde a ocorrência de situações em que a pessoa se sinta rejeitada, sozinha e a sensação de que é uma pessoa má. (KAHTALIAN, 2023).

Sobre os sinais que alertam para um possível suicídio, deve-se estar atento às palavras que o indivíduo profere, como exemplificado por Karina Fukumitsu em entrevista para Âmbar (2021). 

Eu quero morrer!”, “Quero sumir!”, “Gostaria que tivesse um botãozinho para que eu não lidasse com essa situação.” […] “Daqui a pouco, vocês não vão ter mais preocupação comigo.”, “Daqui a pouco eu não vou mais dar trabalho.”, “Acho que vocês vão sentir saudades de mim.”           

Todavia, não é só nos discursos que se manifestam esse desejo. A pessoa que sente vontade de morrer poderá apresentar sinais em seus comportamentos, mostrando-se mais irritado, não cuidando da aparência física, não saindo de casa como antes gostava, afastando-se das pessoas com as quais costumavam conviver, apresentando alterações no sono, desapegando de objetos pessoais que antes eram tidos como valiosos para si, presenteando, falando com amigos, parentes e outros de seu convívio, pagando todas as contas ou fazendo as pazes com quem tem conflitos, como que “acertando as contas”, se despedindo. Deve-se estar ainda mais atento se essa pessoa já tentou suicídio anteriormente (ÂMBAR, 2021). Nunes (2024, p. 416) comenta que como sinais indicativos de sofrimento pode, também, ocorrer mudanças no “corte de cabelo, isolamento, queda nas notas escolares, mudanças de atitude” e que tais mudanças não são “suficientes para ajudá-la a dialogar com a dor de uma forma diferente que não (…) o desejo de morte”.

Nunes (2024, p. 418) alerta que “os chamados “sinais”, muitas vezes, só fazem sentido após uma tentativa ou uma morte por suicídio”. 

(…) há algumas frases que, se não anunciam diretamente o pensamento suicida, indicam claramente um sofrimento intenso. Botega (2018), em sua obra sobre depressão supracitada, coloca uma série de frases dos seus pacientes que podem indicar um quadro depressivo, elas falam de estranheza de si (Me sinto oco, fui comido por cupim), mudança nos afetos e nos prazeres (Não me animo mais com as coisas), inibição e bloqueio (Me sinto amarrada, não consigo fazer nada), sofrimento no corpo (Já acordo cansado, a pata de um elefante afundando meu peito), negativismo (A roupa bonita que vi na vitrine, parece que ela não é para mim), comportamento inusitado (Procuro desculpas para não sair, não quero ver gente). (NUNES, 2024, p. 418).

Pessoas aparentemente felizes, sorridentes e realizadas também enfrentam conflitos de ordem emocional. A única lei que rege a humanidade e que não muda é a de que sofrer faz parte do ser humano. A vida é feita de escolhas e sempre se renunciará a alguma coisa em detrimento de outras e esse “abrir mão” envolve conflitos, podendo desencadear dor e sofrimento. “O trauma pode despertar uma série de sentimentos opostos, de modo a configurar, em alguns momentos uma ambivalência, expressa no conflito intenso entre o desejo de morrer e o de viver uma vida diferente” (NUNES, 2024, p. 417). Deve-se, portanto, estar atento a qualquer sinal de mudança, por mínimo que seja, pois o silêncio também fala e, pelas entrelinhas do que se diz, pode haver um grito silencioso clamando por socorro.

Nesse sentido, quem oferta acolhimento deve partir do propósito de querer ajudar o tentante mesmo sem saber o que dizer a ela. A maioria das pessoas usam frases: “se apega em Deus!”; “você é tão bonito(a) e está assim desse jeito”; “fica assim não, daqui a pouco passa”…, mas e o sofrimento da pessoa, está sendo levado em conta? Quem se importa com o que ela está sentindo? Para que a ajuda seja efetiva, deve-se mostrar à pessoa que se está disponível a ouvi-la e que mesmo não sabendo como é a dor que ela sente, ainda assim queremos que ela explique, não precisando fazer sentido para quem ouve. Quando não souber o que dizer, apenas ofereça ajuda: “estou muito mexida com a sua situação; não consigo ajudá-lo porque não sei como fazer, mas eu sei quem pode; estou aqui para te apoiar; se você quiser procurar ajuda profissional eu acompanho você; conte comigo”.

Em entrevista concedida a Âmbar (2021), Karina Fukumitsu4 explica a importância de uma rede de apoio ao paciente. Essa rede será suporte nos momentos de ideação, pois durante a crise o paciente poderá ligar para uma dessas pessoas e, enquanto fala, a crise pode passar. Outra forma de manejo quando se nota a necessidade de apoio no enfrentamento do sofrimento, pode-se procurar o profissional psicólogo como porta de entrada para uma avaliação do quadro do paciente, pois “é necessário receber ajuda de um profissional para que a pessoa possa ressignificar sua percepção e que depois consiga escoar esses sentimentos para não adoecer” (ÂMBAR, 2021, p. 187). Quando preciso, esse profissional fará os devidos encaminhamentos aos médicos habilitados em prescrever medicações para que, associada a psicoterapia, o tratamento alcance o controle dos sintomas físicos e emocionais.

Âmbar (2021), entrevistando Carlos Correa5 ressalta que é importante sabermos onde é ofertado atendimento especializado em sofrimento emocional, pois nem sempre se terá acesso a rede de apoio no momento da crise. Nessa situação, quem sofre pode acionar o Centro de Valorização da Vida (CVV).

 “uma organização que promove apoio emocional e prevenção contra o suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail e chat, por 24 horas, todos os dias.” (Âmbar, 2021, p. 159).

Instituições como Hospitais e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) também podem ser buscados diante de uma situação crise. Nesse momento deve-se valer de todos os recursos possíveis para aplacar a dor de quem sofre, seja da pessoa, de quem a cerca no momento, de seus familiares, de seus amigos, enfim, de todos que se preocupam com seu bem-estar. Sousa (2023, p. 72) considera que “sofrimento mental é a consequência de algo ou de alguma situação vivenciada […], talvez, não mensurável, verbalizada ou identificada, […] que jamais saberemos […]” ou conheceremos em profundidade, mas que cabe a cada um perceber os sinais e ofertar o que for possível em forma de cuidado, suporte e ajuda.

Dentro do contexto hospitalar, como já mencionado, utiliza-se a multidisciplinaridade visando empregar os mais diversos saberes e técnicas para garantir a atenção integral ao indivíduo adoecido. Nesse contexto, a psicologia atentase a compreensão do comportamento e das emoções que afetam o processo saúdedoença (OLIVEIRA, 2017).

A assistência psicológica prestadaao paciente e aos familiares em casos de tentativas de suicídio é primordial para evolução dos casos. Carece de muito tato e empatia dos profissionais que prestam socorro, considerando o estado de fragilidade da família e do paciente. Graças ao estigma da temática os pacientes e familiares estejam resistentes em admitir o contexto da hospitalização por constrangimento e medo de sofrer discriminação por parte da equipe médica e equipe assistencial. 

Sousa (2023, p. 87) dialoga no sentido de que “quando alguém chega chorando, em uma Unidade Básica de Saúde, por exemplo, o primeiro profissional solicitado e acionado, se estiver disponível, é o psicólogo”. Porém, qualquer dos profissionais que ali estiverem também devem ser capazes de realizar o acolhimento a pessoa que busca apoio emocional naquele momento. Inclusive, há que se salientar que os profissionais atuantes na área educacional ou em qualquer outra de cunho público também devem estar capazes de prestar auxílio da maneira correta, pois muitas demandas acabam surgindo como assunto na escola. Há relatos de casos de ideação suicida que foram tratados inicialmente no ambiente escolar, somente depois sendo encaminhados para os demais âmbitos cabíveis. É o que se espera de uma escuta ativa.

O primeiro local a receber o paciente que infringiu contra si um ato autodestrutivo é a unidade hospitalar. Nesse sentido, não se deve acolher apenas sua demanda de urgência ou emergência, mas também a dor que ele sente; é como se houvesse a possibilidade de dizer-lhe: “divide teu fardo comigo que te ajudarei a carregar como puder, mesmo que em silêncio”. O fato de ser acolhido por alguém desconhecido abre portas para que um novo vínculo se estabeleça e se fale abertamente, sem medo de ser julgado por pensar e sentir como se pensa e sente. Aos profissionais de saúde que recebem a pessoa fragilizada pela ideação ou tentativa do suicídio, o conselho é que se atentem não só aos aspectos do cuidado orgânico e físico desse indivíduo, mas também aos emocionais, pois acabou de passar por uma situação limite, de decisão sobre sua vida e que afetará seus familiares e pessoas mais próximas. “Para acolher uma pessoa em sofrimento e ofertar cuidado, não há necessidade de grandes recursos” (SOUSA, 2023, p. 89). A última coisa de que esse paciente precisa é de olhares e palavras de julgamento. 

O cuidado, nas organizações de saúde em geral, e, em particular, no hospital é por natureza, necessariamente, multidisciplinar e multiprofissional, isto é, depende da conjugação do saber e do trabalho de vários profissionais. Significa dizer que o cuidado recebido e vivenciado pelo paciente é a somatória de pequenos cuidados que vão se complementando, de maneira mais ou menos consciente e negociada, entre os vários trabalhadores que circulam e produzem a vida do hospital. Assim, uma rede de atos, procedimentos, fluxos, rotinas, saberes, em um processo de complementação, vai compondo o cuidado em saúde (CECÍLIO & MERHY, 2003 apud GUTIERREZ, 2014, p. 263-264).

De acordo com a Dra. Karina Fukumitsu, é necessário que o indivíduo que sofre entenda que “quando você permite que o outro te machuque, também é um tipo de processo de morrência. Nós construímos os processos autodestrutivos de forma que minamos a nossa esperança em quem somos” (ÂMBAR, 2021, p. 185). O cuidado bem ofertado poderá evitar a reincidência do ato. Todos são humanos, tanto quem cuida como quem é cuidado e, durante a atuação profissional, os julgamentos e preconceitos que perambulam nos âmbitos sociais deverão ficar da porta para fora da instituição onde a pessoa é acolhida. Todo sofrimento, toda dor, toda atitude relacionada ao ato de infringir violência contra si trata-se de um canal de comunicação cuja mensagem é: não encontrei nesse mundo um motivo para ficar, nem pessoas que saibam me ajudar, nem que me aceitem sofrido ou me amem como sou

4. O Luto de quem fica

Uma das demandas mais agravantes no caso de tentativas bem-sucedidas de suicídio é o manejo dos chamados sobreviventes. Segundo Fukumitsu e Kovács (2016), o comportamento suicida abrange os mais diversos aspectos a nível individual, social, cultural e histórico. O luto nesses casos toma contornos específicos. As autoras afirmam que diversos fatores vão influenciar o luto, sendo eles: o relacionamento com o falecido, a natureza desses relacionamentos, a forma da morte, antecedentes e as variáveis de personalidade e sociais, suscitando dor, frustração, tristeza, negação, entorpecimento, culpa, raiva, entre outros. 

No luto por suicídio, frequentemente, existe uma ausência presente, pois o enlutado não terá sua presença física, porém terá de lidar com sua presença nas memórias e lembranças (FUKUMITSU e KOVÁCS, 2016). Outro aspecto que costuma causar sofrimento é a falta de informações sobre o que antecedeu a tentativa, gerando um sentimento de impotência. Segundo Fukumitsu e Kovács (2016, p. 9), o suicídio “desafia a potência da família, pois desperta o pensamento de que algo diferente poderia ter sido feito ou que o sobrevivente deveria ter visto ou previsto, tido cuidado para evitar a morte”. O meio escolhido causa choque e sobrecarga emocional, especialmente aqueles que são violentos e traumáticos (FUKUMITSU e KOVÁCS, 2016). 

Fukumitsu e Kovács (2015) afirmam que o principal ponto do manejo dos enlutados por suicídio é oferecer empatia e acolher o sofrimento gerado pela ausência do outro, entendendo que cada indivíduo enfrenta esta situação de forma diferente.

Edwards, Patterson e Griffith (2021) propõe que educar e engajar a família funciona como aspecto preventivo para o suicídio. Os autores sugerem algumas etapas, sendo elas: 1. Criar um plano de segurança que inclui a pessoa que tentou suicídio, os membros da família e outros cuidadores, para criar um ambiente monitorado e seguro; 2. Acessar o sistema de crenças e mitos da família, já que tais coisas vão influenciar a forma com a qual a família responde e acata o tratamento recomendado; e 3. Mobilizar a esperança, sem desconsiderar os riscos de novas tentativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Sabemos que o suicídio é um ato de desespero, acontecido entre o sofrimento iminente e o vislumbre de uma vida que se idealiza, mas que nem sempre é possível naquele momento. Na busca por algo que represente figurativamente o caminho de quem decide que o suicídio é a única saída, pode-se imaginar um caminho solitário, onde se grita e ninguém ouve; onde se acena, mas ninguém atende aos sinais; de onde é possível vislumbrar a vida que se deseja, mas que está distante, além de um precipício considerado intransponível. Então, na beira do abismo, sem ter seu sofrimento reconhecido ou notado, a pessoa se lança na busca pela porta de saída que só ela vê e se lança no precipício do fim. Não é romântico; é um fato trágico.

Por vezes não se chega ao fundo do abismo, se é tirado de lá e, no retorno à vida, é recebido sem ainda ser percebido, não tendo a sua dor reconhecida. Mas agora já é sabido da intenção, o sofrimento é sinalizado e se comenta a respeito do que foi dito ou feito até o momento. Mas e agora? Estarão todos preparados para essa recepção? Como esse indivíduo será visto? O que se falará sobre ele? Como será olhado? Um indivíduo deve ser enxergado pelas lentes do acolhimento humano e não das lentes embaçadas dos tabus, que não permite ver o que o homem é além das aparências.

Nesse sentido, fica a reflexão sobre a maneira que são construídos os relacionamentos e as relações. Para onde está se olhando? Qual evolução importa mais? A humana ou a das máquinas? A importância do conhecimento científico é imensurável e deve estar atrelado às condições das vivências e emoções humanas, pois o homem não é um ser automático como os robôs e programas oriundos da constante evolução da inteligência artificial. A humanidade deve ser considerada em todos os seus aspectos e ter suas necessidades emocionais respeitadas e acolhidas, tanto quanto as sociais, econômicas e educacionais. A maior evolução de um indivíduo acontece quando ele se torna capaz de se enxergar por si mesmo e se reconhecer capaz de enfrentar e lidar com quaisquer situações indesejadas, mas possíveis de ocorrer. 

É importante reconhecer que o caminho para uma compreensão e manejo mais eficazes do comportamento suicida ainda é longo e que a discussão da temática precisa ser aprofundada visando a compreensão e a aplicação de um manejo mais humanizado que proporcione a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos que apresentam algum tipo de comportamento suicida. Para abordar essa questão de forma mais eficaz, entendemos que é necessário:

1 – Desenvolver uma compreensão mais profunda dos fatores psicológicos, sociais e biológicos que contribuem para o comportamento suicida e investir em pesquisas para desenvolver intervenções mais eficazes na prevenção e tratamento do comportamento suicida, abordando questões sociais mais amplas que podem contribuir para o sofrimento mental, como desigualdade, discriminação e falta de oportunidades.

2- Implementar estratégias de prevenção mais abrangentes, que incluam desde a educação pública para reduzir o estigma em torno da saúde mental, promovendo a resiliência e habilidades de enfrentamento desde a infância e adolescência, como forma de prevenção a longo prazo; perpassando por treinamentos para profissionais da educação e de saúde na identificação e manejo de riscos de suicídio, bem como melhoria do acesso a serviços de saúde mental de qualidade, realizando o fortalecimento dos sistemas de apoio social e comunitário.

3- Aprimorar os protocolos de atendimento a pessoas que tentaram suicídio, garantindo um acolhimento humanizado e um acompanhamento integral pós-crise, envolver ativamente familiares e pessoas próximas no processo de recuperação e prevenção de recaídas.

Cada passo dado em direção a um cuidado mais humanizado e holístico representa uma oportunidade de salvar vidas e aliviar o sofrimento de inúmeras pessoas. Consideramos que a sociedade como um todo tem um papel crucial nesse processo. É necessário cultivar uma cultura de empatia, escuta ativa e suporte mútuo. Somente através de um esforço coletivo e multidisciplinar poderemos criar um ambiente onde as pessoas se sintam seguras para buscar ajuda e encontrem o apoio necessário para superar momentos de crise.

Por fim, é essencial lembrar que por trás de cada estatística de suicídio há uma história humana única, repleta de complexidades e nuances. Nosso desafio contínuo é honrar essas histórias, aprender com elas e trabalhar incansavelmente para criar um mundo onde cada indivíduo possa encontrar razões para viver, mesmo nos momentos mais sombrios. 


4Psicóloga (CRP 06/43624), Gestalt-terapeuta e psicopedagoga. Doutora e pós doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Psicologia Clínica pela Michigan School of Professional Psycology (EUA). Coordenadora e docente da pós-graduação em Suicidologia: Prevenção e Posvenção, Processos Autodestrutivos e Luto da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e do Programa RAISE: Ressignificações e Acolhimento Integrativo do Sofrimento Existencial.

Coordenadora da pós-graduação Abordagem Clínica e Institucional em Gestalt-terapia da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul) e membro efetivo do Departamento de Gestaltterapia do Instituto Sedes Sapientiae.


5Voluntário do CVV há mais de 20 anos.


REFERÊNCIAS

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1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia da Faculdade de Educação de Jaru – FIMCA Jaru, e-mail: psi_amandaalves@outlook.com. Currículo Lattes https://lattes.cnpq.br/0201547131321125

2 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia da Faculdade de Educação de Jaru – FIMCA Jaru, e-mail: daianegracieli.psi@gmail.com. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/7111245760910495

3Orientador e docente no curso de psicologia na Faculdade de Educação de Jaru – FIMCA Jaru; pós-graduado em Psicologia Existencial Humanista e Fenomenológica pelo Grupo Educacional FAVENI (2022); pós-graduado em Psicologia Organizacional pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais, INTERVALE (2023); pós-graduado em Neurociência e Comportamento pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais, INTERVALE (2023) pós-graduado em Docência do ensino superior pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais, INTERVALE (2023), pós-graduado em Psicologia Hospitalar e da Saúde pela Faculdade Única de Ipatinga, FUNIP (2024); graduado em Psicologia pela Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal – FACIMED (2019); graduado em Licenciatura em História pela Faculdade Única de Ipatinga, FUNIP (2024), graduado em Licenciatura em Filosofia pela Faculdade Única de Ipatinga, FUNIP (2024), e-mail: rogeriokrause@unicentroro.edu.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1701746444124054.