ANESTESIA EM PACIENTE ASA IV COM ADENOCARCINOMA SUBMETIDO A LOBECTOMIA PULMONAR: RELATO DE CASO

ANESTHESIA IN AN ASA IV PATIENT WITH ADENOCARCINOMA UNDERGOING PULMONARY LOBECTOMY: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411220717


Letícia Oliveira Merino¹*; Maria Eduarda Borges¹; Natália Venzel Parente¹; Nathália dos Santos Perreta¹; Cláudia Russo²; Maria Carolina Aparecida da Silva¹; Michelle Campano de Souza¹.


RESUMO

A realização de cirurgias torácicas apresenta desafios significativos tanto para o cirurgião quanto para o anestesista, especialmente no que se refere à segurança e conforto do paciente durante os períodos trans e pós-operatório. Os agentes anestésicos podem impactar de maneira importante a função cardiorrespiratória, aumentando o risco de complicações. O presente estudo tem como objetivo relatar o protocolo anestésico realizado em uma cadela, sem raça definida (SRD), 9 anos de idade, classificada como paciente ASA IV, diagnosticada com adenocarcinoma pulmonar no lobo cranial esquerdo, submetida à lobectomia. Clinicamente, a paciente apresentava episódios de tosse e hemoptise, êmese, anorexia, apatia e dispneia. O exame físico revelou taquipneia não quantificável, TC de 40ºC, FC de 70 bpm, PAS de 100 mmHg, mucosas pálidas, TPC de 3 segundos e desidratação superior a 5%. A medicação pré-anestésica consistiu na administração de metadona (IM), seguida pela indução anestésica com fentanil e propofol (IV). A manutenção da anestesia foi realizada com isoflurano inalatório associado à infusão contínua de propofol e remifentanil. Embora a paciente tenha evoluído a óbito algumas horas após o procedimento, o protocolo anestésico foi eficaz na manutenção da estabilidade clínica durante o trans operatório e pós-operatório imediato.

Palavras-chave:

Anestesia multimodal. Toracotomia. Oncologia veterinária. Neoplasia pulmonar.

ABSTRACT

Performing thoracic surgeries presents significant challenges for both the surgeon and the anesthetist, especially with regard to patient safety and comfort during the trans- and postoperative periods. Anesthetic agents can significantly impact cardiorespiratory function, increasing the risk of complications. The present study aims to report the anesthetic protocol performed on a 9-year-old mixed breed dog (SRD), classified as an ASA IV patient, diagnosed with pulmonary adenocarcinoma in the left cranial lobe, submitted to lobectomy. Clinically, the patient presented episodes of coughing and hemoptysis, emesis, anorexia, apathy and dyspnea. The physical examination revealed non-quantifiable tachypnea, CT of 40ºC, HR of 70bpm, SBP of 100 mmHg, pale mucous membranes, TPC of 3 seconds and dehydration greater than 5%. Pre-anesthetic medication consisted of the administration of methadone (IM), followed by anesthetic induction with fentanyl and propofol (IV). Anesthesia was maintained with inhaled isoflurane associated with a continuous infusion of propofol and remifentanil. Although the patient died a few hours after the procedure, the anesthetic protocol was effective in maintaining clinical stability during the operation and immediate postoperative period.

Keywords:

Multimodal anesthesia. Thoracotomy. Veterinary oncology. Pulmonary neoplasia.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem-se observado um aumento significativo no vínculo afetivo entre cães e seres humanos, o que, aliado à maior conscientização dos tutores sobre a importância do atendimento veterinário, contribuiu para avanços expressivos na medicina veterinária e, consequentemente, para a ampliação da expectativa de vida desses animais (Gaspri & Flôr, 2022; Trindade, 2021).

Nesse cenário, a oncologia veterinária desponta como uma área de relevância crescente, devido ao impacto das neoplasias na morbidade e mortalidade de pequenos animais. Como destacado por Souza e colaboradores (2006), as neoplasias são uma das principais causas de morte em cães. Segundo Pereira e colaboradores (2020), os tumores podem ser classificados como benignos ou malignos, sendo as neoplasias pulmonares primárias raras, enquanto as metástases pulmonares as de maior ocorrência. Além disso, embora a idade seja um fator de risco, certas raças, como Boxers e Dobermans, apresentam predisposição genética mais pronunciada ao desenvolvimento de neoplasias (Baetge & Mathews, 2012).

A realização de cirurgias torácicas, como a lobectomia, representa um desafio significativo, especialmente durante a indução anestésica. O preparo meticuloso do paciente é essencial, desde a avaliação do histórico clínico até o monitoramento contínuo durante o procedimento, envolvendo uma colaboração estreita entre o cirurgião e o anestesista (Baetge & Mathews, 2012). Os agentes anestésicos podem impactar de forma significativa a função respiratória e cardiovascular do paciente, levando a complicações como vasoconstrição pulmonar e hipóxia, comprometendo a ventilação, a troca gasosa e a perfusão pulmonar (Luz, 2022).

Rodrigues e pesquisadores (2017) reforçam a importância de uma avaliação préanestésica rigorosa para corrigir desequilíbrios fisiológicos antes da indução anestésica, minimizando possíveis complicações durante o transoperatório. Nesse contexto, a classificação do estado físico do paciente pela Escala ASA, atribuída pela “American Society of Anesthesiologists”, permite avaliar o risco anestésico em uma escala de 1 a 5, sendo 1 destinado a pacientes hígidos e 5 a pacientes sem esperança de sobrevivência sem intervenção cirúrgica (Grimm, 2017). Os fatores de risco associados ao ato anestésico, como a escolha da técnica e dos fármacos, assim como a duração do procedimento, também influenciam diretamente na segurança do paciente, uma vez que os efeitos anestésicos podem ser imprevisíveis (Massone, 2019).

A dor cirúrgica, como descrito por Alves et al. (2017), é iniciada pela transdução, que ocorre por meio da ativação de nociceptores presentes nos tecidos superficiais, profundos e viscerais, resultando na transmissão da sensação dolorosa ao sistema nervoso central. Barcelos (2021) afirma que a dor é uma experiência multidimensional complexa, sendo necessária a utilização de combinações de fármacos e modalidades analgésicas para o manejo adequado, especialmente em casos de dor moderada a intensa. Essa abordagem multimodal contribui para uma melhor recuperação pós-operatória, reduzindo os efeitos adversos da dor, como taquicardia e alterações comportamentais (Barcelos, 2021).

Diante disso, o presente estudo tem como objetivo relatar o procedimento anestésico realizado em uma cadela, sem raça definida (SRD), 9 anos de idade, classificada como paciente ASA IV, diagnosticada com adenocarcinoma pulmonar no lobo cranial esquerdo, submetida à lobectomia para a exérese do tumor.

RELATO DE CASO

Em 26 de dezembro de 2023, foi admitida na Clínica Veterinária Dra. Cláudia Russo, em Maringá/PR, uma cadela sem raça definida (SRD), de 9 anos de idade e 30,8 kg, encaminhada por outro profissional após a realização de uma tomografia computadorizada. Os achados indicaram presença de neoformação amorfa, heterogênea e majoritariamente com densidade em tecidos moles, havendo, ainda, presença de líquido denso e áreas hiperdensas entremeadas, hipercaptante ao meio de contraste venoso e com áreas hipocaptantes no centro em topografia do lobo pulmonar cranial esquerdo. A neoformação media 7,59 cm de largura e 9,39 cm de comprimento, fazendo contato com ventrículo lateral esquerdo. Além disso, evidenciou-se dezenas de nódulos de margens delimitadas, contorno regulares, hiperdensos, distribuídos ao longo do parênquima pulmonar, onde o maior nódulo media 0,33 cm de diâmetro. O animal também realizou um ecocardiograma, que se apresentou dentro dos parâmetros de normalidade para idade do mesmo.

Os tutores relataram episódios esporádicos de hemoptise nos últimos três meses, com melhora temporária após o uso de doxiciclina e prednisona. No entanto, a tosse persistente levou-os a buscar novo atendimento. Durante a anamnese, o exame físico não evidenciou alterações significativas na ausculta cardíaca e respiratória, a temperatura corporal estava 38,3°C e as mucosas normocoradas. Para aprofundar a investigação diagnóstica, foram solicitados exames complementares, incluindo citologia aspirativa por agulha fina (CAAF) guiada por ultrassom, ultrassonografia abdominal e radiografia torácica.

Os níveis enzimáticos de Alanina Aminotransferase (ALT) e Fosfatase Alcalina (FA) foram de 413 U/L e 6195 U/L, respectivamente. Os demais parâmetros hematológicos não apresentaram alterações significativas. A ultrassonografia abdominal revelou sinais de hepatopatia e moderada esplenomegalia, com contornos esplênicos regulares e parênquima normoecogênico e homogêneo. Identificou-se, ainda, uma estrutura arredondada na região do corpo do baço, com limites definidos e regulares, de aspecto hipoecogênico e homogêneo, sem vascularização detectável ao modo Doppler colorido, medindo aproximadamente 0,71 cm x 0,55 cm. O laudo citológico pulmonar sugeriu carcinoma.

Um mês após a admissão, a paciente apresentou piora acentuada no padrão respiratório, com crises frequentes de tosse noturna acompanhadas por secreção purulenta, presença de sangue e taquipneia. Foi indicada quimioterapia neoadjuvante associada à lobectomia pulmonar do lobo acometido; no entanto, os tutores optaram por manter o animal sob cuidados paliativos.

Em 29 de fevereiro de 2024, devido à progressão dos sinais clínicos, incluindo aumento da frequência de tosse, episódios de êmese, anorexia, apatia e dispneia, os tutores optaram pela intervenção cirúrgica. A paciente foi, então, encaminhada para lobectomia pulmonar do lobo cranial esquerdo. No exame físico pré-operatório, observou-se frequência cardíaca de 70 bpm, taquipneia não quantificada, pressão arterial sistólica de 100 mmHg, glicemia de 100 mg/dL, mucosas pálidas, temperatura corporal de 40°C, tempo de preenchimento capilar de 3 segundos e desidratação superior a 5%. Com base nesses parâmetros, a paciente foi classificada como ASA IV na escala de risco anestésico.

A medicação pré-anestésica (MPA) consistiu em metadona (0,3 mg/kg), pela via intramuscular, seguida pela indução anestésica com fentanil (3 mcg/kg) e propofol (3 mg/kg), ambos pela via endovenosa. Após a perda dos reflexos protetores, foi administrada lidocaína (1 mg/kg) para anestesia periglótica e após isso, o animal foi intubado com sonda orotraqueal Murphy nº 10, que posteriormente foi acoplada ao capnógrafo e ao circuito circular valvular.  

Durante o procedimento, instituiu-se ventilação espontânea e manutenção anestésica com isoflurano por via inalatória, ajustada por meio de vaporizador calibrado respeitando os conceitos de Guedel (1937), associada à infusão contínua de propofol (0,15 mg/kg/min). A fluidoterapia foi realizada com solução fisiológica 0,9% a uma taxa de 3 ml/kg/h, e a analgesia foi garantida com remifentanil (12 mcg/kg/h). A antibioticoprofilaxia incluiu cefalotina (30 mg/kg). Ademais, foi administrado dipirona (25 mg/kg, IV), dexametasona (0,1 mg/kg, SC) e citrato de maropitant (0,1 mg/kg, SC). O monitoramento anestésico foi realizado por meio de um monitor multiparâmetro (SDAmed®), com aferições eletrocardiográficas, oximetria de pulso e capnografia, além da mensuração da pressão arterial por Doppler vascular.

Durante o transoperatório, os parâmetros fisiológicos da paciente mostraram oscilações significativas. A frequência cardíaca variou de 90 a 120 bpm, enquanto a frequência respiratória oscilou entre 10 e 40 mpm. A saturação periférica de oxigênio (SpO2) manteve-se entre 85% e 100%, e o dióxido de carbono ao final da expiração (EtCO2) apresentou valores de 45 a 55 mmHg. A pressão arterial sistólica variou de 75 a 130 mmHg, e a temperatura corporal permaneceu entre 39°C e 43°C. Para controle da hipertermia, aplicaram-se placas de gelo para reduzir a temperatura. Próximo ao final do procedimento, a paciente apresentou um episódio de hipotensão severa, que necessitou de administração de norepinefrina em infusão contínua (0,3 mcg/kg). A glicemia estava em 50 mg/dL, e, para correção, foi administrada glicose a 50% (0,5 ml/kg).

A paciente necessitou de aproximadamente 40 minutos para extubação, apresentando temperatura corporal elevada, de 43°C. Como medicação pós-operatória imediata, foi administrado tramadol (3 mg/kg, IV). Em seguida, foi transferida para o setor de internamento, onde permaneceu sob monitoramento contínuo e recebeu novas aplicações de placas de gelo para controle da hipertermia. Foi também mantida em oxigenoterapia com cânula nasal. No dia 1º de março de 2024, às 04:00, a paciente evoluiu a óbito devido a uma parada cardiorrespiratória. O exame histopatológico subsequente confirmou o diagnóstico de adenocarcinoma pulmonar invasivo.

DISCUSSÃO

Nas avaliações iniciais, os parâmetros vitais da paciente mantiveram-se dentro dos valores de referência para a espécie e idade (Feitosa, 2023). Com a progressão dos sinais clínicos (tosse com secreção purulenta e sanguinolenta; vômito; anorexia; apatia; dispneia), uma avaliação clínica minuciosa foi essencial no período pré-anestésico. Segundo Mayer (2018), a tosse é o principal sinal clínico associado a neoplasias pulmonares, contudo, pacientes podem também apresentar taquipneia, cianose, hemoptise, anorexia, dor abdominal e aumento de linfonodos, entre outros sinais. Ainda, cerca de um terço dos cães com neoplasia pulmonar primária pode ser assintomático em relação a sinais respiratórios. Assim, frente à diversidade de manifestações clínicas descritas, a seleção do protocolo anestésico mais adequado constitui um desafio ao profissional anestesista.

Diante da deterioração progressiva na estabilidade fisiológica e dos achados em exames complementares, a paciente foi classificada como ASA IV, evidenciando um elevado risco anestésico. De acordo com Teixeira, Pereira, Mota e Farias (2023), a classificação ASA IV, conforme os critérios da “American Society of Anesthesiologists”, abrange pacientes com doença sistêmica grave e não compensada, implicando em um risco significativo de vida durante o procedimento anestésico. Como reforçam Grimm e colaboradores (2017), a classificação ASA IV exige a presença de sinais clínicos críticos, como uremia, toxemia, desidratação e hipovolemia graves, anemia, descompensação cardíaca ou hipertermia, que podem comprometer ainda mais a viabilidade do manejo anestésico. 

A paciente apresentou hipertermia persistente desde o momento do exame físico pré-operatório. De acordo com Gómez (2008), a hipertermia pode ser resultado de processos inflamatórios associados ao câncer, devido a liberação de citocinas próinflamatórias como a interleucina-1 (IL-1) e fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa), que afetam o centro termorregulador hipotalâmico, logo, esse processo inflamatório é comum em tumores malignos, podendo levar a uma hipertermia persistente. As consequências para o organismo são o aumento da taxa metabólica, elevação do consumo de oxigénio e estresse cardiovascular, ou seja, pode complicar ainda mais o estado clínico do paciente, especialmente em situações de comprometimento respiratório ou cardiovascular préexistente. Dessa maneira, o estresse térmico pode acarretar descompensações graves e, por conseguinte, levando a maior chance de falência multiorgânica e ao óbito.

Conforme Silva (2021), a analgesia multimodal, que combina analgésicos com fármacos adjuvantes, é crucial para proporcionar maior conforto ao paciente, além de reduzir efeitos adversos associados ao manejo da dor. No presente caso, utilizou-se propofol na indução anestésica, associado ao fentanil como coadjuvante. O fentanil, um opioide agonista dos receptores µ, foi administrado por via intravenosa em bolus, visando potencializar o efeito anestésico e, simultaneamente, permitir a redução da dosagem de propofol (Souza et al., 2022). Essa combinação promoveu uma indução anestésica mais estável e com menor impacto sobre a função cardiorrespiratória, corroborando com os achados de Klug, Stremel e Oliveira (2024), que utilizaram essa associação em lobectomias torácicas, destacando a eficácia do protocolo na manutenção da estabilidade fisiológica durante procedimentos cirúrgicos de alto risco.

O propofol é um sedativo/ hipnótico não opioide e não barbitúrico, que possui ação rápida e de curta duração. A simpatólise resultante depende da concentração plasmática do fármaco, o que facilita uma recuperação rápida nos pacientes que o recebem (Aguilera, Sinclair, Valverde, Bateman e Hanna, 2020). Neste estuco, além do uso na indução anestésica, o propofol também foi administrado na manutenção anestésica, por meio de infusão contínua, em associação à anestesia inalatória, técnica conhecida como anestesia parcialmente intravenosa (PIVA).

O isoflurano é um anestésico volátil não inflamável, composto por éter halogenado, com um odor forte, utilizado para indução e manutenção da anestesia. Seus principais efeitos ocorrem no sistema cardiovascular, onde reduz a resistência vascular sistêmica, diminuindo a pré-carga e o débito cardíaco, compensados por um aumento na frequência cardíaca. Além disso, promove dilatação coronariana, que pode causar roubo coronariano, mas é atenuado pelo efeito cardioprotetor do pré-condicionamento isquêmico. No sistema respiratório, diminui os volumes correntes e aumenta ligeiramente a frequência respiratória, resultando em uma queda na ventilação e aumento da saturação periférica de oxigênio (SpO2). No sistema nervoso central, aumenta o fluxo sanguíneo cerebral e a pressão intracraniana, reduzindo a taxa metabólica cerebral, e em concentrações altas pode produzir um EEG eletricamente silencioso. Por fim, reduz o fluxo sanguíneo renal e hepático, sem impacto clínico relevante. A principal ação vasodilatadora do isoflurano é a redução da resistência vascular sistêmica e a dilatação coronariana (Hawkley, Preston & Maani, 2023).

De acordo com Pons &Villaverde), os estudos realizados avaliando anestesia total intravenosa e anestesia inalatória em cirurgias oncológicas demonstram que a anestesia com TIVA-TCI (anestesia intravenosa total com infusão alvo-controlada) a base de propofol é promissora, visto que os efeitos anti tumorais, anti-inflamatórios, a menor incidência de náuseas e vômitos, a recuperação pós-operatória mais rápida, a menor contaminação ambiental, entre outros, fazem da TIVA-TCI com propofol uma alternativa custo-efetiva, quando comparado com isoflurano. Entretanto, todas as evidências atuais foram obtidas através de estudos in vitro/in vivo em alguns animais e humanos, logo, é controverso afirmar que a TIVA-TCI com propofol é a melhor alternativa para manutenção anestésica e para prevenção da recorrência do câncer. Dessa forma, podemos afirmar que o uso de isoflurano para manutenção anestésica foi uma boa opção de escolha para o caso do paciente em questão.

Para a analgesia do animal, foram administrados opioides (metadona, remifentanil e tramadol), que atuam em receptores específicos localizados majoritariamente no sistema nervoso central, mas também em tecidos periféricos como estômago, fígado, rins, pulmões, baço, útero, ovários, testículos e tecido sinovial. Em geral, esses fármacos provocam poucas alterações cardiovasculares, com variações dependentes do tipo de opioide e da dosagem utilizada (Massone, 2019; Luz, 2022). Entretanto, efeitos adversos como depressão respiratória, bradicardia, hipotensão, rigidez muscular, prurido e analgesia insuficiente podem ocorrer (Maurtua, Pursell, Damron e Sonal, 2020; Bif, 2022). A utilização de bloqueios locorregionais, como o intercostal ou o paravertebral com anestésicos locais, poderia contribuir para minimizar o uso de opioides, reduzindo as chances de depressão respiratória e hipercapnia intraoperatória, além de proporcionar maior conforto no pós-operatório (Schiefler et al., 2024; Farias et al., 2024). Assim, a adição de bloqueios locorregionais a este protocolo analgésico teria potencial para uma abordagem multimodal mais robusta.

No intervalo dos parâmetros clínicos do paciente, foi possível notar algumas alterações significativas. A paciente obteve hipoxemia e hipercapnia no momento do restabelecimento da pressão negativa do tórax. De acordo com Luz (2022), quando a animais apresentarem 90% de saturação periférica, o modo ventilatório deve ser mudado para ventilação por pressão controlada, entretanto, não foi utilizado no paciente deste relato. A ventilação mecânica pode ser tanto invasiva quanto não invasiva e consiste na modalidade ventilatória cuja finalidade é recrutar os alvéolos que são pouco ventilados e também quando prejudicados em razão da indução anestésica, fazendo com que haja aumento da ventilação minuto e melhora no padrão respiratório (Passos et al., 2013). Bianchi, Souza, Giaciani, Hoehr e Toro (2006), alegam que a ventilação mecânica além de ser utilizada durante o trans operatório é usada no pós-operatório para poder permitir a manutenção da função respiratória e embora seja considerada um método de suporte, é importante ressaltar que pode reduzir ou agravar a injúria pulmonar, visto que altos picos resultam em edema pulmonar e destruição alveolar, podendo levar ao óbito. Dessa forma, pensando em uma abordagem mais adequada ao caso do paciente relatado, o uso do ventilador mecânico seria uma opção melhor de escolha quando comparada a ventilação espontânea.

Ao final do procedimento, o cão apresentou um episódio de hipotensão severa, que necessitou de administração de norepinefrina, agente vasopressor catecolaminérgico (Santos, 2003). Quando a pressão arterial declina, a perfusão cerebral e a coronariana são comprometidas e, na maioria dos casos, a hipotensão é causada por hipovolemia, baixo débito cardíaco ou vasodilatação, onde, mesmo sendo transitória, pode causar hemorragias e edema em qualquer local do corpo, sendo o cérebro e os pulmões os órgãos de maior preocupação de ocorrência (Grimm et al., 2017).

No pós-operatório imediato, administrou-se o citrato de maropitant, escolhido não apenas por seu efeito antiemético, mas também por seu papel no controle da dor, uma vez que atua como antagonista seletivo dos receptores de neurocinina-1 (NK1), bloqueando a ação da substância P no sistema nervoso central e periférico (Hall, 2011). Esse bloqueio está associado à diminuição da granulação de mastócitos, edema, inflamação, vasodilatação e ativação de nociceptores. A substância P, além disso, está presente em altas concentrações nos núcleos do centro do vômito e é considerada o principal neurotransmissor envolvido na êmese (Pakai et al., 2018).

Entre as possíveis causas mortis do paciente, destacam-se o tromboembolismo secundário a carcinomas e a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS). A SIRS é considerada a principal hipótese, pois a presença da neoplasia no paciente foi responsável por desencadear intensas reações inflamatórias (Salles et al., 1999; Silva e Vicent, 2008; Andreasen et al., 2012).

CONCLUSÃO

A lobectomia pulmonar em pacientes oncológicos classificados como ASA IV envolve desafios significativos para o manejo anestésico. A decisão pela cirurgia, motivada pela progressão do quadro clínico, reflete a complexidade do caso relatado. Contudo, embora o desfecho tenha sido desfavorável, o protocolo anestésico foi eficaz na manutenção da estabilidade clínica durante o transoperatório e pós-operatório imediato. As complicações observadas, mesmo com intervenções anestésicas e farmacológicas, reforçam a necessidade de monitoramento contínuo e uma abordagem individualizada em procedimentos torácicos em pacientes críticos.

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¹Centro Universitário Ingá – UNINGÁ, Maringá, PR, Brasil.
²Clínica Veterinária Dra. Claudia Russo.
*merinoleticia24@gmail.com