NEUROCIÊNCIA E ALFABETIZAÇÃO: COMPREENDENDO O DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO NA LEITURA E ESCRITA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411211420


Carmelita de Almeida Mendes 1
Cristiane Aparecida de Oliveira Costa 2
Eleida Marcia Bernardes Lima Paiva 3
Eliene Alves de Oliveira 4
Glória Viana Pereira Arruda 5
Isabel Siqueira Martinez Pereira 6
Maria Regiane da Silva Cruz Souza 7
Osvaldina Silva Alves Bispo 8
Rafaella Freitas de Jesus 9
Valquíria Mendes Marques 10


Resumo: Este artigo explora como a neurociência contribui para o entendimento dos processos cerebrais envolvidos na alfabetização, destacando como o cérebro desenvolve habilidades de leitura e escrita. A leitura e a escrita exigem uma adaptação cerebral, onde diferentes áreas se conectam para reconhecer letras, sons e palavras. O artigo discute o papel das vias fonológica e visual, essenciais na leitura, e o impacto da plasticidade cerebral no desenvolvimento da alfabetização em crianças. São abordados métodos de ensino baseados em evidências neurocientíficas, como o método fônico e a aprendizagem multissensorial, bem como a importância da intervenção precoce para alunos com dificuldades, como a dislexia. A compreensão dos processos neurológicos na alfabetização pode promover abordagens mais eficazes e inclusivas na educação.

Palavras-chave: Neurociência; Alfabetização; Desenvolvimento cerebral; Leitura e escrita; Consciência fonológica.

Introdução:

A alfabetização é uma das etapas mais complexas e essenciais no desenvolvimento humano, uma habilidade que não nasce com o ser humano, mas que precisa ser aprendida e assimilada por meio de práticas e estímulos específicos. Ao longo das últimas décadas, a neurociência tem fornecido importantes insights sobre como o cérebro se adapta e cria novas redes para adquirir as habilidades de leitura e escrita. Diferente da fala, que surge de forma natural, a alfabetização exige que o cérebro reorganize e conecte áreas relacionadas à visão, audição e linguagem em um processo conhecido como “reciclagem neural”. Essa compreensão abre novas perspectivas para educadores e especialistas, que podem se valer do conhecimento neurocientífico para aprimorar métodos pedagógicos e apoiar alunos de forma mais eficaz.

Com o avanço da neurociência, foi possível identificar que existem vias específicas – como a fonológica e a visual que são fundamentais para a aquisição da leitura e da escrita, e que desenvolver a consciência fonológica, especialmente nos primeiros anos, pode ser um fator determinante para o sucesso escolar. Além disso, as descobertas sobre plasticidade cerebral, especialmente na infância, indicam que a fase inicial da alfabetização é um momento crucial para intervenções que podem impactar positivamente a trajetória educacional. Neste contexto, o presente artigo explora como o desenvolvimento do cérebro influencia a alfabetização e discute práticas baseadas em evidências científicas que podem contribuir para uma educação mais inclusiva e adaptada às necessidades de cada aprendiz.

Desenvolvimento

A alfabetização é um marco fundamental no desenvolvimento cognitivo, mas, diferentemente da fala, ela não é uma habilidade natural. Ler e escrever requerem uma reorganização das redes neurais que inicialmente evoluíram para outras funções, como a percepção visual e auditiva. Nos últimos anos, a neurociência tem trazido importantes avanços na compreensão desses processos, fornecendo aos educadores ferramentas para práticas de ensino mais eficazes e adaptadas às necessidades individuais dos alunos (Dehaene, 2009). Este artigo explora como o desenvolvimento cerebral influencia a alfabetização e examina as descobertas neurocientíficas sobre a relação entre as vias fonológica e visual na leitura, o papel da plasticidade cerebral e os benefícios de intervenções pedagógicas baseadas em evidências.

A leitura e a escrita envolvem a “reciclagem neural”, conceito proposto por Stanislas Dehaene (2009), que explica como áreas do cérebro humano, originalmente designadas para outras funções, são reaproveitadas para o processamento de letras, palavras e sons. Este processo envolve duas principais vias: a fonológica e a visual. A via fonológica, associada ao lobo temporal esquerdo, ajuda o cérebro a converter letras em sons, uma habilidade essencial para o início da alfabetização (Shaywitz & Shaywitz, 2004). Já a via visual, localizada no giro fusiforme, permite o reconhecimento rápido e automático de palavras familiares, conferindo fluidez à leitura (Dehaene, 2009).

A via fonológica é primordial para a leitura e escrita, especialmente em estágios iniciais, pois é responsável pela decodificação fonêmica – ou seja, a capacidade de transformar grafemas em sons (Snowling & Hulme, 2012). Quando crianças começam a aprender a ler, essa via é ativada intensamente, auxiliando no desenvolvimento da consciência fonológica. Esse processo é facilitado por métodos de ensino que incentivam a associação direta entre letras e sons, como o método fônico, amplamente recomendado por pesquisadores da neurociência (Ehri, 2005).

Com o avanço da prática e da familiaridade com as palavras, o cérebro desenvolve o que é conhecido como a “via visual”, que permite o reconhecimento rápido de palavras familiares. Isso acontece devido à criação de “representações lexicais”, memórias visuais das palavras que eliminam a necessidade de decodificação letra por letra. A ativação da via visual torna a leitura mais automática e fluente, essencial para a compreensão de textos mais complexos (Dehaene, 2009).

A plasticidade cerebral é um fator crítico no desenvolvimento da alfabetização, especialmente na infância. Durante os primeiros anos de vida, o cérebro possui uma grande capacidade de adaptação, permitindo a formação e o fortalecimento de conexões neurais específicas para a leitura e a escrita (Kuhl, 2010). Estudos mostram que crianças entre 5 e 7 anos têm uma plasticidade maior, facilitando o aprendizado das habilidades de leitura e escrita nessa fase (Goswami, 2015). Por isso, a intervenção precoce e o uso de métodos que estimulem a fonologia e a memorização visual são altamente eficazes.

Além disso, a neurociência mostra que a prática de habilidades fonológicas desde cedo estimula regiões cerebrais cruciais para a leitura e escrita. Segundo Shaywitz e Shaywitz (2004), atividades que incentivam a segmentação fonêmica e a manipulação de sons ativam o lobo temporal esquerdo, uma área-chave para o processamento linguístico. Esses exercícios são especialmente importantes para alunos com dificuldades de aprendizagem, como a dislexia.

Com os avanços em neurociência, novas estratégias de ensino têm sido desenvolvidas para melhorar a alfabetização. Entre as mais eficazes estão o método fônico e o uso de atividades multissensoriais.

O método fônico é amplamente apoiado pela neurociência por fortalecer a via fonológica e facilitar a decodificação. De acordo com Ehri (2005), esse método permite que os alunos compreendam a relação entre letras e sons, favorecendo a leitura fluente e precisa. Estudos mostram que alunos que aprendem a ler com o método fônico apresentam maior facilidade na identificação de palavras e melhor desempenho em testes de leitura.

A abordagem multissensorial envolve o uso simultâneo de estímulos visuais, auditivos e táteis. Esse método é eficaz porque ativa múltiplas áreas cerebrais e fortalece as redes neurais responsáveis pela leitura e escrita (Snowling & Hulme, 2012). Estudos indicam que ao tocar, ouvir e ver as letras e palavras, os alunos conseguem memorizar e reproduzir com mais facilidade.

A neurociência tem sido crucial para a compreensão de distúrbios de aprendizagem, como a dislexia. Pessoas com dislexia apresentam dificuldades em ativar a via fonológica, o que prejudica a habilidade de associar letras a sons (Shaywitz & Shaywitz, 2004). Com base nessas descobertas, intervenções focadas em reforçar a consciência fonológica e melhorar o reconhecimento visual das palavras têm se mostrado eficazes no apoio a esses alunos.

A intervenção precoce é particularmente eficaz devido à plasticidade cerebral mais elevada nas crianças. Segundo estudos de Goswami (2015), a detecção e o tratamento de dificuldades de aprendizagem nas primeiras fases da alfabetização podem melhorar significativamente o desempenho escolar dos alunos com dislexia. Essas intervenções, que incluem exercícios de consciência fonológica e uso de recursos visuais e auditivos, ajudam a criar estratégias compensatórias que facilitam o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita.

A neurociência transformou a compreensão do processo de alfabetização, revelando que ler e escrever requerem uma adaptação cerebral complexa. Compreender as vias fonológicas e visual, o papel da plasticidade cerebral e as práticas baseadas em evidências permite que educadores promovam métodos de ensino mais eficazes. Estratégias como o método fônico, a abordagem multissensorial e intervenções precoces se mostram eficazes para apoiar o desenvolvimento da leitura e da escrita, especialmente em crianças com dificuldades. Com essas descobertas, é possível criar uma educação mais inclusiva e adaptada, garantindo que todos os alunos tenham a oportunidade de desenvolver plenamente seu potencial de alfabetização.

Conclusão

A neurociência oferece uma perspectiva valiosa sobre a alfabetização, revelando que a leitura e a escrita envolvem processos complexos de adaptação cerebral e que a alfabetização vai além de habilidades técnicas, exigindo uma reestruturação das redes neurais. Compreender como o cérebro desenvolve essas habilidades possibilita que educadores e especialistas promovam práticas de ensino mais eficazes, fundamentadas no funcionamento cerebral e nas necessidades de cada aluno. A consciência fonológica e o uso de métodos que ativam diferentes vias, como as fonológicas e visual, são estratégias que comprovadamente facilitam o desenvolvimento da leitura e da escrita. Além disso, a plasticidade cerebral na infância torna esta fase uma janela propícia para intervenções, especialmente para alunos com dificuldades, como os que apresentam dislexia.

Ao integrar o conhecimento neurocientífico à prática pedagógica, é possível desenvolver abordagens que respeitem as diferentes etapas do desenvolvimento cerebral e proporcionem uma aprendizagem mais natural e significativa. Dessa forma, a neurociência não apenas auxilia no aprimoramento da alfabetização, mas também contribui para uma educação mais inclusiva e personalizada, onde todos os alunos têm a oportunidade de atingir seu potencial máximo. Assim, o conhecimento sobre os processos cerebrais envolvidos na alfabetização transforma-se em uma ferramenta poderosa para construir práticas educacionais que efetivamente impulsionam o desenvolvimento cognitivo e promovem o sucesso escolar e pessoal de cada aprendiz.

Referências Bibliográficas

Dehaene, S. (2009). Reading in the brain: The new science of how we read. New York: Viking.

Ehri, L. C. (2005). “Learning to read words: Theory, findings, and issues.” Scientific Studies of Reading, 9(2), 167–188.

Goswami, U. (2015). “Sensory theories of developmental dyslexia: Three challenges for research.” Nature Reviews Neuroscience, 16(1), 43–54.

Kuhl, P. K. (2010). “Brain mechanisms in early language acquisition.” Neuron, 67(5), 713–727.

Shaywitz, S. E., & Shaywitz, B. A. (2004). “Reading disability and the brain.” Educational Leadership, 61(6), 6–11.

Snowling, M. J., & Hulme, C. (2012). The science of reading: A handbook. Oxford: Blackwell.


1 Graduação em: Pedagogia. Especialização em: Educação infantil. Professora na Rede Municipal de Ensino Público na cidade Rondonópolis, Mato grosso.

2 Graduação em: Pedagogia. Professora na Rede Municipal de Ensino Público na cidade Rondonópolis, Mato grosso. 

3 Graduação em: Pedagogia. Especialista em:  Psicopedagogia Institucional e Clínica/ Ludopedagogia/ Educação Especial Inclusiva. Professora na Rede Municipal de Ensino Público na cidade Rondonópolis, Mato grosso. 

4 Graduação em: Pedagogia. Especialista em: Psicopedagogia. Professora na Rede Municipal de Ensino Público na cidade Rondonópolis, Mato grosso. 

5 Graduação em: Pedagogia. Especialista em: Alfabetização e Letramento. Professora na Rede Municipal de Ensino Público na cidade Rondonópolis, Mato grosso. 

6 Graduação em: Pedagogia. Professora na Rede Municipal de Ensino Público na cidade Rondonópolis, Mato grosso. 

7 Graduação em: Pedagogia. Especialista em: Alfabetização e Letramento/ AEE – Atendimento Educacional Especializado. Professora na Rede Municipal de Ensino Público na cidade Rondonópolis, Mato grosso. 

8 Graduação em: Pedagogia. Especialista em: Psicopedagogia/ AEE – Atendimento Educacional Especializado. Professora na Rede Municipal de Ensino Público na cidade Rondonópolis, Mato grosso. 

9 Graduação em: Pedagogia. Especialista em: Psicopedagogia. Professora na Rede Municipal de Ensino Público nas cidades de Bacabeira e de São Luís, Maranhão.

10 Graduação em: Pedagogia. Especialista em: Psicopedagogia. Professora na Rede Municipal de Ensino Público na cidade Rondonópolis, Mato grosso.