REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411141755
Beatriz Lira Moraes;
Laisa Paulina Oliveira Lima;
Raviny Lopes Do Nascimento.
RESUMO
Este artigo analisa a influência da teoria da anomia sobre o crime organizado no estado de Rondônia, explorando a relação entre marginalização social e atividades criminosas. Utilizando uma metodologia exploratória-descritiva e uma abordagem mista, o estudo examina dados socioeconômicos e de criminalidade, focando na atuação da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO-RO). A teoria da anomia de Robert K. Merton é aplicada para compreender como a discrepância entre objetivos culturais e meios legítimos contribui para o surgimento de organizações criminosas. O artigo analisa operações específicas da FICCO-RO, como “Carga Pesada” e “Sentinela”, demonstrando a complexidade do crime organizado na região. Os resultados indicam uma correlação entre indicadores socioeconômicos negativos e a incidência de atividades criminosas organizadas. Conclui-se que, embora a FICCO-RO represente um avanço no combate ao crime, uma abordagem holística que combine repressão com desenvolvimento social é necessária para enfrentar as causas fundamentais da anomia. O estudo contribui para o entendimento das dinâmicas do crime organizado em Rondônia e sugere direções para políticas públicas mais eficazes.
Palavras chaves: Organização Criminosa; Teoria da Anomia; Marginalização Social.
ABSTRACT
This article analyzes the influence of anomie theory due to organized crime in the state of Rondônia, exploring the relation between social marginalization and criminal activities. By using an exploratory-descriptive methodology and a mixed approach, the study examines socioeconomic and crime data, focusing on the actions of the Integrated Force to Combat Organized Crime (FICCO-RO). Robert K. Merton’s anomie theory is applied to understand how the discrepancy between cultural goals and legitimate means contributes to the emergence of criminal organizations. The article analyzes specific FICCO-RO operations, such as “Carga Pesada” and “Sentinela,” demonstrating the complexity of organized crime in the region. The results indicate a correlation between negative socioeconomic indicators and the incidence of organized criminal activities. It concludes that, although FICCO-RO represents an advance against crimes, a holistic approach combining repression with social development is necessary to address the root causes of anomie. The study contributes to understanding the dynamics of organized crime in Rondônia and suggests directions for more effective public policies.
Keywords: Organized Crime; Anomie Theory; Social Marginalization.
1. INTRODUÇÃO
O crime organizado representa um desafio significativo para a segurança pública e o desenvolvimento social em diversas regiões do Brasil. Em Rondônia, esse fenômeno se manifesta de maneira particular, influenciado por fatores socioeconômicos e estruturais que demandam uma análise aprofundada. Este artigo investiga a influência da teoria da anomia sobre a organização criminosa no estado de Rondônia, buscando compreender como a ausência de acesso a meios legítimos para atingir objetivos sociais pode fomentar comportamentos desviantes e a adesão a estruturas criminosas.
A teoria da anomia, proposta por Robert K. Merton, oferece um arcabouço teórico valioso para entender a relação entre objetivos culturais e os meios institucionalizados disponíveis para alcançá-los. Em contextos onde há uma discrepância significativa entre esses objetivos e meios, como em Rondônia, a anomia pode emergir como um fator determinante para o aumento da criminalidade organizada. Este estudo busca responder a questões centrais, como: De que maneira a anomia contribui para a formação e manutenção de organizações criminosas em Rondônia? Quais são os impactos socioeconômicos dessa dinâmica nas comunidades do estado?
Um aspecto central deste estudo é a análise da atuação da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado do Estado de Rondônia (FICCO-RO). Estabelecida em 2019, a FICCO-RO representa uma resposta institucional aos desafios impostos pelo crime organizado no estado, e sua atuação será examinada à luz da teoria da anomia.
Adotando uma metodologia exploratória-descritiva, este artigo utiliza uma abordagem mista, combinando métodos qualitativos e quantitativos. A coleta de dados foi realizada por meio de análise documental e revisão bibliográfica, utilizando fontes oficiais como o IBGE, o Atlas da Violência, relatórios da Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania de Rondônia, e informações sobre operações da FICCO-RO divulgadas pela Polícia Federal.
O estudo também examina os fatores socioeconômicos que contribuem para a anomia na região, incluindo desigualdade social, desemprego e falta de oportunidades. Além disso, são analisadas as estratégias de enfrentamento ao crime organizado, com foco especial nas operações conduzidas pela FICCO-RO, como “Carga Pesada”, “Última Milha” e “Sentinela”.
A relevância deste estudo reside na necessidade de compreender o crime organizado sob a perspectiva da anomia, especialmente em um contexto marcado por desigualdades sociais e econômicas. Ao explorar essa relação e analisar a eficácia das respostas institucionais, espera-se contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas mais eficazes no combate ao crime organizado, promovendo a segurança e o bem-estar.
2. CONCEITUAÇÃO
O presente estudo aborda os conceitos doutrinários fundamentais para a compreensão da teoria da anomia, da criminologia e suas teorias, bem como sua relevância no direito penal e processual penal brasileiro. Ademais, são analisadas a conceituação e a legislação vigente que tratam das organizações criminosas, proporcionando uma base teórica sólida para a discussão subsequente sobre a influência da anomia no crime organizado em Rondônia.
2.1 A Teoria da Anomia e sua Aplicação na Criminologia
A teoria da anomia, desenvolvida por Robert K. Merton, propõe que a desintegração ou ausência de normas sociais claras pode levar ao surgimento de comportamentos desviantes (MERTON, 1968). No contexto da criminologia, essa teoria é utilizada para explicar como a falta de oportunidades legítimas para alcançar objetivos culturais pode resultar na adesão a práticas criminosas. Merton argumenta que, em sociedades onde há uma forte ênfase no sucesso econômico, mas meios limitados para alcançá-lo, a anomia se torna um terreno fértil para o crime.
A perspectiva da criminologia crítica, conforme elaborada por Alessandro Baratta, oferece uma análise complementar à teoria da anomia de Merton. Baratta (2002) argumenta que o crime não pode ser entendido apenas como um desvio individual, mas como um produto das estruturas sociais e econômicas. Ele destaca que as definições de criminalidade são construídas socialmente e refletem as relações de poder na sociedade. Nesse sentido, a teoria da anomia ganha uma dimensão adicional quando consideramos que a própria definição do que constitui “meios legítimos” para atingir objetivos sociais é influenciada por estruturas de poder e desigualdade. Esta perspectiva crítica é particularmente relevante ao analisar o contexto de Rondônia, onde as disparidades socioeconômicas podem influenciar não apenas a incidência do crime, mas também sua percepção e tratamento pelo sistema de justiça criminal.
É importante também considerar as contribuições de Émile Durkheim, precursor do conceito de anomia, para uma compreensão mais profunda deste fenômeno. Durkheim (1999) associa a anomia às rápidas transformações sociais, argumentando que em períodos de mudança acelerada, as normas sociais podem perder sua eficácia reguladora, levando a um estado de desregulação social. No contexto de Rondônia, um estado marcado por ciclos de desenvolvimento econômico intensos e mudanças sociais rápidas, a perspectiva de Durkheim oferece insights valiosos. A transição de uma economia predominantemente extrativista para formas mais complexas de organização econômica e social pode criar condições propícias para o surgimento da anomia, conforme descrita por Durkheim, contribuindo para a emergência e persistência do crime organizado na região.
2.1.1 Importância da Teoria da Anomia no Direito Penal Brasileiro
No direito penal brasileiro, a teoria da anomia oferece uma perspectiva importante para a compreensão das causas subjacentes ao crime. Segundo Batista (2007), ao considerar a anomia como um fator contribuinte para a criminalidade, o direito penal pode adotar abordagens mais integradas, que vão além da mera punição, buscando também a prevenção e a reintegração social. Essa abordagem é essencial para o desenvolvimento de políticas públicas que visem reduzir a criminalidade de forma eficaz e sustentável.
Shecaira (2014) destaca a relevância da teoria da anomia para o direito penal brasileiro ao enfatizar sua capacidade de elucidar as raízes sociais do comportamento criminoso. O autor argumenta que a compreensão da anomia como um fenômeno social, e não meramente individual, é crucial para o desenvolvimento de políticas criminais mais eficazes. Segundo Shecaira, a teoria da anomia permite ao direito penal brasileiro transcender a visão puramente retributiva da pena, orientando-se para uma abordagem que considere as condições sociais que fomentam a criminalidade. Esta perspectiva é particularmente relevante no contexto brasileiro, onde as desigualdades sociais profundas e as rápidas transformações econômicas criam um terreno fértil para a anomia. Ao incorporar essa visão, o direito penal pode contribuir para a formulação de estratégias de prevenção do crime que abordem não apenas o comportamento individual, mas também as estruturas sociais que o moldam. Isso implica em uma reorientação do sistema de justiça criminal para além da mera punição, enfatizando a importância de políticas sociais e educacionais como componentes essenciais no combate à criminalidade.
Baratta (2002) amplia a compreensão da importância da teoria da anomia no direito penal brasileiro ao propor uma análise crítica das funções do sistema penal na reprodução da realidade social. Segundo o autor, o sistema penal, longe de ser um mero mecanismo de combate ao crime, atua como um instrumento de manutenção da ordem social e econômica existente. Nesse contexto, a aplicação da teoria da anomia no direito penal brasileiro não deve se limitar apenas à compreensão das causas do crime, mas deve também questionar as próprias definições de criminalidade e os processos de criminalização. Esta perspectiva crítica é particularmente relevante ao analisar fenômenos como o crime organizado em regiões marcadas por desigualdades sociais profundas, como Rondônia. Ao incorporar essa visão, o direito penal brasileiro pode desenvolver abordagens mais holísticas e socialmente conscientes, que não apenas punam o crime, mas também abordem as estruturas sociais que o fomentam.
Como aponta Beccaria (2017), a punição deveria ser proporcional ao crime cometido, defendendo que as penas deveriam ser justas e eficazes para desencorajar o crime. Essa ideia pode ser relacionada à teoria da anomia ao considerar que a falta de normas claras ou a aplicação arbitrária da lei podem levar à percepção de injustiça e desestabilizar a ordem social.
Desejais prevenir os crimes? Fazei leis simples e claras; e esteja o país inteiro preparado a armar-se para defendê-las, sem que a minoria de que falamos se preocupe constantemente em destruí-las (BECCARIA, 2017, p. 106).
Beccaria também defendia a proporcionalidade entre o crime e a punição. Isso significa que a gravidade da punição deve ser adequada à gravidade do crime cometido. Quando as punições são proporcionais, reflete no reforço às normas sociais e reduz a sensação de injustiça que pode contribuir para a anomia. Além disso, via a punição como uma forma de dissuadir o crime, em vez de apenas como uma forma de retribuição. Se as punições forem vistas como previsíveis e eficazes na dissuasão do crime, ajudaria a fortalecer as normas sociais e reduzir a incidência do comportamento desviante.
O interesse geral não é apenas que se cometam poucos crimes, mas ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os menos comuns. Os meios de que se utiliza a legislação para impedir os crimes devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público e pode torna-se mais frequente. Deve, portanto, haver uma proporção entre os crimes e as penas (BECCARIA, 2017, p. 71).
O jurista italiano argumentava que as leis penais deveriam ser claras, compreensíveis e para todos os membros da sociedade. Quando as leis são claras, as pessoas têm uma compreensão melhor do que é considerado comportamento aceitável e o que constitui um crime. Isso pode ajudar a reduzir a anomia social, proporcionando uma estrutura clara de normas e expectativas sociais.
2.2 Criminologia e suas Teorias
A criminologia é a ciência que se dedica ao estudo do crime, das causas da criminalidade, do comportamento criminoso e das formas de controle social. Segundo GarcíaPablos de Molina e Flávio Gomes (2006), a criminologia busca compreender os fatores que levam ao comportamento delinquente e as respostas sociais a esse fenômeno. Essa disciplina é essencial para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes no combate ao crime e na promoção da justiça social.
Diversas teorias foram desenvolvidas ao longo do tempo para explicar o crime e a criminalidade. A teoria do controle social, por exemplo, sugere que o crime ocorre quando os vínculos sociais são fracos ou inexistentes, permitindo que os indivíduos se engajem em comportamentos desviantes (NUCCI, 2021). Outra teoria relevante é a da subcultura delinquente, proposta por Albert Cohen, que explica como grupos marginalizados desenvolvem normas e valores próprios que incentivam o comportamento criminoso.
Além disso, a criminologia crítica, conforme discutida por Batista (2007), questiona as estruturas de poder e as desigualdades sociais que contribuem para a criminalização de determinados grupos. Essa perspectiva enfatiza a necessidade de reformar o sistema de justiça penal para abordar as causas estruturais do crime, ao invés de focar apenas na punição.
A importância das escolas criminológicas no estudo do crime é destacada por Francisco (2021), que ressalta como diferentes abordagens teóricas oferecem insights valiosos para a compreensão do comportamento criminoso e a formulação de estratégias de prevenção e intervenção.
2.2.1 Legislação Brasileira sobre Organizações Criminosas
A legislação brasileira sobre organizações criminosas é um pilar fundamental no combate a atividades ilícitas complexas e estruturadas. A Lei nº 12.850/2013, que define e regula as organizações criminosas, é amplamente analisada por diversos autores, oferecendo uma compreensão detalhada de suas implicações e aplicações.
Segundo Nucci (2021), a Lei nº 12.850/2013 caracteriza organização criminosa como a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais. Nucci enfatiza a importância de uma interpretação criteriosa da lei para garantir que os direitos fundamentais sejam respeitados durante o processo investigativo e judicial.
Bitencourt e Busato (2014) destacam que a legislação introduziu inovações significativas no ordenamento jurídico brasileiro, como a colaboração premiada e a infiltração de agentes, que são essenciais para desmantelar organizações criminosas complexas. Eles argumentam que essas ferramentas investigativas são cruciais para enfrentar a sofisticação e a transnacionalidade das atividades criminosas.
Silva (2017) oferece uma análise jurídica e pragmática da Lei nº 12.850/2013, ressaltando a necessidade de uma aplicação equilibrada da legislação. Ele discute os desafios práticos enfrentados pelas autoridades na implementação da lei, incluindo a necessidade de coordenação entre as diferentes esferas do sistema de justiça criminal, como a polícia, o Ministério Público e o Judiciário, para assegurar que as investigações sejam conduzidas de forma eficaz e que as penas impostas sejam proporcionais à gravidade dos crimes cometidos.
A legislação sobre organizações criminosas, conforme discutida por esses autores, não apenas fortalece o aparato legal para o combate ao crime organizado, mas também impõe desafios significativos para o sistema de justiça penal brasileiro. A aplicação da lei exige um equilíbrio cuidadoso entre a repressão eficaz ao crime e a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, assegurando que o devido processo legal seja respeitado em todas as etapas do procedimento criminal.
3. ANÁLISE DA MARGINALIZAÇÃO E DO CRIME ORGANIZADO NO ESTADO DE RONDÔNIA
Rondônia enfrenta desafios significativos relacionados à marginalização social, que se manifestam em altos índices de desigualdade e exclusão em várias regiões do estado. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado apresenta um índice de Gini de 0,447, o que indica uma distribuição desigual de renda entre seus habitantes (IBGE, 2023). Este índice é um dos mais altos da região Norte, refletindo a disparidade econômica presente em Rondônia.
Os dados do IBGE também revelam que a taxa de analfabetismo em Rondônia é de 8,3%, o que representa um obstáculo significativo para o desenvolvimento social e econômico da região. A educação é um fator crucial para a inclusão social e a redução da criminalidade, e a melhoria desse indicador é fundamental para enfrentar os desafios da marginalização.
Os dados dos Censos Escolares de 2019 a 2021 revelam uma tendência preocupante na educação básica de Rondônia. Em 2019, o estado registrou 421.993 matrículas, número que caiu para 409.200 em 2020 e para 400.271 em 2021 (INEP, 2020; 2021; 2022). Esta redução constante de matrículas, totalizando uma queda de 5,1% em dois anos, pode indicar um aumento na evasão escolar, potencialmente exacerbando a vulnerabilidade social de jovens no estado.
Um dado alarmante é a persistência de altas taxas de distorção idade-série em Rondônia. Em 2021, nos anos finais do ensino fundamental, a taxa de distorção era de 31,7% para meninos e 21,2% para meninas. No ensino médio, esses números saltavam para 39,9% e 28,3%, respectivamente (INEP, 2022). Essa defasagem educacional pode contribuir para a marginalização social, aumentando o risco de envolvimento com atividades ilícitas.
Os censos escolares destacam uma significativa representação de alunos pardos e pretos no sistema educacional de Rondônia. Em 2021, 67,8% dos alunos do ensino fundamental e 67,6% do ensino médio se autodeclararam pardos ou pretos (INEP, 2022). Esta composição demográfica, quando analisada em conjunto com os dados de distorção idadesérie, sugere possíveis desigualdades raciais no acesso a uma educação de qualidade, o que pode exacerbar vulnerabilidades sociais.
Entre 2019 e 2021, houve uma flutuação nas matrículas da educação profissional em Rondônia. Em 2019, eram 11.394 matrículas, número que caiu para 10.373 em 2020, mas se recuperou parcialmente para 11.090 em 2021 (INEP, 2020; 2021; 2022). A volatilidade neste setor educacional pode refletir incertezas no mercado de trabalho local, potencialmente limitando as oportunidades de qualificação profissional e emprego formal para os jovens.
Os dados mostram uma queda consistente nas matrículas da EJA, de 36.391 em 2019 para 29.374 em 2021 (INEP, 2020; 2022). Esta redução de 19,3% em dois anos é preocupante, pois a EJA é uma importante ferramenta de reinserção educacional e social. A diminuição do acesso a esta modalidade de ensino pode limitar as chances de reintegração social e profissional de indivíduos que não completaram a educação básica na idade apropriada.
Rondônia enfrenta déficits significativos relacionados à marginalização social, que contribuem para a adesão ao crime organizado. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2024), o estado apresenta preocupantes indicadores de violência e criminalidade que facilitam o crescimento das atividades ilícitas.
Um dos fatores críticos é a alta taxa de homicídios, que coloca Rondônia em uma posição desfavorável no ranking nacional. O anuário destaca que a taxa de homicídios no estado é superior à média nacional, refletindo a vulnerabilidade da população à violência e ao recrutamento por organizações criminosas. Essa situação é agravada pela presença de facções criminosas que operam em diversas regiões do estado, incluindo a capital, Porto Velho.
A Força Integrada de Combate ao Crime Organizado do Estado de Rondônia (FICCO/RO) desempenha um papel crucial no enfrentamento dessas atividades ilícitas. Estabelecida para promover a integração entre diferentes forças de segurança, a FICCO/RO visa aumentar a eficácia das operações contra o crime organizado. O Acordo de Cooperação Técnica para Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado fortalece essa colaboração, permitindo a troca de informações e recursos entre as agências envolvidas, resultando em operações bem-sucedidas que desmantelaram redes criminosas envolvidas em tráfico de drogas e outros crimes.
Ao analisar os dados dos últimos anos, observa-se uma tendência preocupante de aumento na taxa de homicídios em Rondônia. Por exemplo, entre 2020 e 2023, a taxa de homicídios cresceu cerca de 15%, colocando o estado entre os mais violentos do país (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2024). Esse aumento é atribuído, em parte, ao fortalecimento das facções criminosas e à intensificação das disputas territoriais.
Esses dados evidenciam a necessidade de políticas públicas eficazes que promovam a inclusão social e econômica em Rondônia, abordando as causas estruturais da marginalização e criando oportunidades para a população mais vulnerável. A implementação de programas de qualificação profissional, acesso à educação de qualidade e incentivo ao desenvolvimento econômico, aliados a iniciativas de segurança pública que visem a prevenção do crime, são essenciais para mitigar os efeitos da desigualdade e reduzir a adesão ao crime organizado.
3.1 Perfil Educacional da População Carcerária em Rondônia: Um Reflexo da Marginalização Social
A análise do perfil da população carcerária em Rondônia revela uma estreita relação entre baixa escolaridade, marginalização social e envolvimento com atividades criminosas. Segundo dados do SISDEPEN, extraídos pela NIP-ASSIPEN/SEJUS-RO em abril de 2023, o sistema prisional de Rondônia abriga 13.872 presos em um total de 45 unidades prisionais. Figura 1 – Sistema Prisional em Números – Abril 2023
O nível educacional dos custodiados apresenta um quadro alarmante: 47% possuem apenas o ensino fundamental incompleto, 17% o ensino fundamental completo, 17% o ensino médio incompleto, e apenas 11% concluíram o ensino médio. Chama a atenção que apenas 1% dos presos têm ensino superior completo, enquanto 2% são analfabetos e 4% são alfabetizados sem cursos regulares.
Estes dados correlacionam-se de maneira significativa com as informações do Censo Escolar de Rondônia. Como vimos anteriormente, o estado apresenta altas taxas de distorção idade-série, especialmente nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Em 2021, a taxa de distorção idade-série nos anos finais do ensino fundamental era de 31,7% para meninos e 21,2% para meninas, aumentando para 39,9% e 28,3% respectivamente no ensino médio (INEP, 2022).
A predominância de presos com baixa escolaridade (64% não concluíram o ensino fundamental) reflete diretamente os desafios educacionais enfrentados pelo estado. A redução constante nas matrículas da educação básica, que caiu 5,1% entre 2019 e 2021, somada à diminuição de 19,3% nas matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no mesmo período, sugere um ciclo de exclusão educacional que pode estar alimentando o sistema prisional.
O perfil étnico da população carcerária também merece atenção: 71% dos presos são pardos e 12% pretos, totalizando 83% de afrodescendentes. Esta proporção é significativamente maior que a representação desses grupos no sistema educacional do estado, onde 67,8% dos alunos do ensino fundamental e 67,6% do ensino médio se autodeclararam pardos ou pretos em 2021 (INEP, 2022). Esta disparidade sugere uma possível intersecção entre raça, educação e vulnerabilidade ao sistema penal.
Quanto às incidências penais, o tráfico de drogas lidera com 26% dos casos, seguido por roubo simples (22%) e furto simples (16%). A predominância desses crimes econômicos pode ser interpretada à luz da teoria da anomia, refletindo a busca por meios ilegítimos para alcançar objetivos socialmente valorizados em um contexto de oportunidades limitadas.
A faixa etária dos presos também é reveladora: 44% têm entre 18 e 29 anos, período crítico para a formação educacional e profissional. Esta concentração de jovens adultos no sistema prisional ressalta a urgência de políticas educacionais e de inserção no mercado de trabalho voltadas para esta faixa etária.
Estes dados, quando analisados em conjunto com o cenário educacional de Rondônia, evidenciam uma clara relação entre a falta de oportunidades educacionais, a marginalização social e o envolvimento com o crime. A teoria da anomia se manifesta claramente neste contexto, onde a discrepância entre as aspirações socialmente incentivadas e os meios legítimos para alcançá-las parece conduzir uma parcela significativa da população, especialmente jovens e afrodescendentes, a buscar alternativas no crime organizado e em outras atividades ilícitas.
Esta análise reforça a necessidade de políticas públicas que não apenas combatam o crime organizado, mas também abordem suas raízes sociais e educacionais. Investimentos em educação, programas de reinserção social e iniciativas de geração de emprego e renda são cruciais para quebrar o ciclo de marginalização e criminalidade que se evidencia nos dados apresentados.
4. A FORÇA INTEGRADA DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO DO ESTADO DE RONDÔNIA (FICCO-RO) E SUA RELAÇÃO COM A TEORIA DA ANOMIA
A Força Integrada de Combate ao Crime Organizado do Estado de Rondônia (FICCO-RO), estabelecida em 2019, representa uma resposta institucional aos desafios impostos pelo crime organizado no estado. Sua criação e atuação podem ser analisadas à luz da teoria da anomia, proposta por Robert K. Merton, que oferece uma perspectiva valiosa para compreender as raízes do crime organizado e a necessidade de uma força-tarefa especializada.
A teoria da anomia sugere que o crime surge quando há uma discrepância entre os objetivos culturalmente valorizados e os meios legítimos disponíveis para alcançá-los. Em Rondônia, a presença de desigualdades socioeconômicas significativas, aliada a oportunidades limitadas de ascensão social, cria um terreno fértil para o desenvolvimento de atividades criminosas organizadas. Nesse contexto, a FICCO-RO emerge como uma tentativa do Estado de restaurar o equilíbrio social e combater as estruturas criminosas que se aproveitam dessa situação anômica.
Composta por agentes da Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal, a FICCO-RO representa uma abordagem integrada que busca não apenas reprimir, mas também prevenir o crime organizado (BRASIL, 2024). Esta estratégia multifacetada pode ser vista como uma resposta à complexidade dos fatores anômicos que contribuem para a criminalidade em Rondônia.
As operações conduzidas pela FICCO-RO ilustram a amplitude do desafio enfrentado. A Operação “Carga Pesada” de agosto de 2023, que desarticulou uma organização especializada em roubo de cargas, demonstra como o crime organizado se aproveita das disparidades econômicas para criar redes de atividades ilícitas (BRASIL, 2024). Similarmente, a Operação “Última Milha” de março de 2024, focada em fraudes em licitações, revela como a anomia pode se manifestar até mesmo em setores aparentemente legítimos da sociedade.
A Operação “Sentinela”, realizada em janeiro de 2024 na fronteira com a Bolívia, que resultou na apreensão de mais de 500 kg de cocaína, evidencia como o tráfico internacional de drogas prospera em áreas onde as oportunidades econômicas legítimas são escassas (BRASIL, 2024). Essa operação ressalta a importância de abordar não apenas os sintomas do crime organizado, mas também suas causas estruturais, alinhando-se assim com as premissas da teoria da anomia.
A existência e a atuação da FICCO-RO podem ser interpretadas como uma tentativa de reduzir a anomia social através do fortalecimento das instituições e da aplicação da lei. Ao combater o crime organizado, a força-tarefa não apenas busca punir os infratores, mas também visa restabelecer a confiança nas estruturas sociais legítimas, potencialmente reduzindo a atratividade das atividades criminosas como meio de alcançar objetivos socialmente valorizados.
No entanto, é importante reconhecer que, embora a FICCO-RO desempenhe um papel crucial no combate ao crime organizado, sua existência por si só não é suficiente para abordar as causas fundamentais da anomia social. Para um enfrentamento efetivo do problema, são necessárias políticas públicas abrangentes que abordem as desigualdades socioeconômicas, melhorem o acesso à educação e criem oportunidades de emprego legítimas.
A contínua necessidade de adaptação da FICCO-RO às novas táticas criminosas reflete a natureza dinâmica da anomia social e do crime organizado. Isso ressalta a importância de uma abordagem holística que combine ações de repressão com iniciativas de prevenção e desenvolvimento social, alinhando-se assim com uma compreensão mais profunda das causas do crime, como proposto pela teoria da anomia.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou analisar a influência da teoria da anomia sobre a organização criminosa no estado de Rondônia, explorando as complexas relações entre marginalização social, crime organizado e as respostas institucionais a esses desafios. A investigação revelou uma série de insights importantes sobre a dinâmica da criminalidade organizada na região e os esforços para combatê-la, bem como os fatores socioeducacionais que podem contribuir para esse cenário.
A teoria da anomia, conforme proposta por Robert K. Merton, ofereceu uma lentevaliosa para compreender as raízes do crime organizado em Rondônia. A discrepância entre os objetivos culturalmente valorizados e os meios legítimos disponíveis para alcançá-los, característica central da anomia, manifesta-se claramente no contexto socioeconômico e educacional do estado.
A análise dos dados dos Censos Escolares de 2019 a 2021 revelou tendências preocupantes que podem exacerbar a situação de anomia social em Rondônia. A redução constante no número de matrículas na educação básica, atingindo uma queda de 5,1% em dois anos, sugere um aumento na evasão escolar. Este fenômeno, aliado às altas taxas de distorção idade-série, especialmente nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, cria um cenário propício para a marginalização de jovens.
A persistência de desigualdades raciais no sistema educacional, evidenciada pela significativa representação de alunos pardos e pretos e sua correlação com altas taxas de distorção idade-série, aponta para um ciclo de desvantagem social que pode alimentar o fenômeno da anomia. Ademais, o perfil educacional da população carcerária em Rondônia mostra um reflexo da marginalização social, assim como é possível extrair que a redução nas matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) limita as oportunidades de reintegração social e profissional, potencialmente aumentando a vulnerabilidade de indivíduos ao recrutamento por organizações criminosas.
Neste contexto, a atuação da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado do Estado de Rondônia (FICCO-RO) emerge como uma resposta institucional significativa. As operações conduzidas pela FICCO-RO demonstraram a complexidade e a amplitude das atividades criminosas no estado. No entanto, é evidente que o combate ao crime organizado requer uma abordagem que vá além da repressão, abordando as causas estruturais da anomia social.
A eficácia a longo prazo no combate ao crime organizado em Rondônia demanda uma abordagem holística que combine ações de repressão com iniciativas robustas de desenvolvimento social e educacional. É imperativo que as políticas públicas abordem não apenas a segurança, mas também a melhoria do sistema educacional, a redução das desigualdades raciais e socioeconômicas, e a criação de oportunidades de emprego e qualificação profissional.
Em conclusão, a compreensão da influência da teoria da anomia sobre o crime organizado em Rondônia, à luz dos dados educacionais e socioeconômicos, oferece insights valiosos para o desenvolvimento de estratégias mais eficazes de prevenção e combate à criminalidade. Futuras pesquisas poderiam explorar mais profundamente os impactos específicos de iniciativas educacionais e de inclusão social na redução do crime organizado, bem como analisar comparativamente a situação de Rondônia com outros estados que enfrentam desafios similares.
A luta contra o crime organizado em Rondônia, considerando a perspectiva da anomia e os desafios educacionais, revela-se não apenas como um imperativo de segurança pública, mas como uma questão de justiça social e desenvolvimento equitativo. Somente através de uma abordagem multifacetada, que combine esforços de repressão com políticas de inclusão social e melhoria educacional, será possível enfrentar efetivamente o crime organizado e promover uma sociedade mais justa e segura em Rondônia.
REFERÊNCIAS
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